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Covid-19, Fundeb e o populismo do governo Bolsonaro nas relações federativas

Covid-19, Fundeb and the populist federative relations of the Bolsonaro administration

Resumo:

O artigo emprega ferramentas analíticas do policy design e da literatura comparada sobre o populismo contemporâneo para avaliar a resultante dos três primeiros anos do governo Bolsonaro nas relações federativas. A análise das ações e inações do governo federal no combate à pandemia de Covid-19 e na renovação do Fundeb - políticas centrais em duas áreas estruturantes para a federação brasileira no pós-1988 - revelou sinais de desarticulação entre objetivos e instrumentos para desenvolvimento de políticas, caracterizando o predomínio do não desenho (non-design). Também evidenciou o uso da retórica dicotômica e de confronto típica dos populistas, dirigida a governantes subnacionais, STF e outros segmentos da elite política. Juntas, as duas constatações indicam a orientação populista de Bolsonaro para as relações federativas no âmbito das políticas sociais.

Palavras-chave:
Federalismo, governo Bolsonaro; coordenação federativa, covid-19; Fundeb

Abstract:

The article analyzes Brazil´s federative dynamics in the first three years of president Jair Bolsonaro´s administration, using analytical tools from the policy design approach and the comparative literature on contemporary populism. Actions and inactions in two key areas of intergovernmental relations- the Covid-19 pandemic and the renewal of the Fund for Basic Education (Fundeb) -reveal inconsistencies among policy goals and the instruments adopted by the government. Non-design has proved to be the prevalent form of policy making. The analysis also demonstrates how the administration has engaged in a dichotomous and confrontational rhetoric that is typical of populist politicians, in its interactions with subnational officers, the Constitutional Court, and other members of the political elite. Both trends help us understand Bolsonaro’s populist stance toward federative relations in the implementation of social policies.

Keywords:
Brazilian federation; Bolsonaro administration; federal coordination; covid-19; Fundeb

Introdução3 3 Este estudo teve apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP (processo nº. 2021/08773-5).

Encerrados três anos do mandato previsto, um balanço preliminar da maneira como o governo central atua sob o presidente Jair Messias Bolsonaro evidencia o caráter populista de suas iniciativas voltadas à federação. De um lado, objetivos e princípios rudimentares sobre o funcionamento da federação, que alimentam em bases territoriais a retórica do “nós contra eles” e o confronto com elites políticas, características do populismo contemporâneo, entendido em sua definição ideacional. De outro, o desenvolvimento de políticas marcadas pelo que uma vertente da abordagem de policy design classifica de “não desenho” (non-design), chegando ao ponto de incorrer na elaboração populista de políticas (populist policymaking), marcada pela busca de objetivos políticos descolada da intenção de atacar de forma efetiva os problemas (CHINDARKAR; HOWLETT; RAMESH, 2017CHINDARKAR, Namrata; HOWLETT, Michael; RAMESH, M. Introduction to the special issue: conceptualizing effective social policy design: design spaces and capacity challenges. Public Administration and Development, v. 37, n. 1, p. 3-14, fev. 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1002/pad.1789. Acesso em: 12 jul. 2021.
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). Esse diagnóstico parcial foi traçado a partir das ações e omissões do governo federal em duas áreas de políticas que estruturam as dinâmicas federativas brasileiras no pós-1988: a saúde e a educação.

De saída, é necessário um esclarecimento conceitual. Usar o termo populismo no Brasil será sempre um risco, já observava Angela de Castro Gomes há um quarto de século. Trata-se de conceito “com um dos mais altos graus de compartilhamento, plasticidade e solidificação, não apenas no espaço acadêmico da história e das ciências sociais, como [...] marcando o que poderia ser chamado uma cultura política nacional” (GOMES, 1996GOMES, Angela de Castro. O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a trajetória de um conceito. Tempo, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 31-58, 1996. Disponível em: Disponível em: https://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg2-2.pdf . Acesso em: 10 jul. 2021.
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, p. 32). Mesmo Francisco Weffort, um autor central em relação ao tema, apresentou distintas camadas de elaboração e reinterpretações dos próprios escritos (MUSSI; CRUZ, 2020MUSSI, Daniela; CRUZ, André Kaysel V. Os populismos de Francisco Weffort. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 35, v. 104, e3510409, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/3510409/2020 . Acesso em: 26 jul. 2021.
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). Aqui não nos referimos ao populismo em seu sentido de experiência histórica, brasileira, cujas origens podem ser localizadas na década de 1930. Temos em mente o fenômeno contemporâneo de ocorrência mundial que tem expoentes como Donald Trump e Boris Johnson e que alguns autores brasileiros classificaram de neopopulismo (ABRUCIO et al., 2020ABRUCIO, Fernando Luiz et al. Combate à COVID-19 sob o federalismo bolsonarista: um caso de descoordenação intergovernamental. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 663-677, jul./ago. 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0034-761220200354. Acesso em: 8 mar. 2021.
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). Discutiremos esse uso corrente do conceito em seção específica.

Neste trabalho, chegamos aos dois populismos de Bolsonaro nas relações federativas no campo das políticas sociais, a partir da análise do combate à Covid-19 via Sistema Único de Saúde (SUS) e da renovação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica). Além do papel estruturante que as áreas tiveram para as dinâmicas federativas, essas políticas foram escolhidas para investigação por exigirem ação federal de maneira incontornável. Em outras áreas, omissões do governo Bolsonaro semeariam ambiguidades cujo sentido último seria difícil de decifrar na análise. Em linha com investigações internacionais, o estudo de políticas públicas no Brasil já consolidou o entendimento de que nem toda inação governamental pode ser automaticamente considerada uma política deliberada (COBB; ROSS, 1997COBB, Roger W.; ROSS, Marc H. (eds.). Cultural strategies of agenda denial. Lawrence: University Press of Kansas, 1997.; MULLER; SUREL, 2002MULLER, Pierre; SUREL, Yves. A análise das políticas públicas. Pelotas: Educat, 2002.; CAPELLA, 2016CAPELLA, Ana Claudia N. Agenda-setting policy: strategies and agenda denial mechanisms. Organizações & Sociedade, Salvador, v. 23, n. 79, p. 675-691, out./dez. 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1984-9230713. Acesso em: 3 mar. 2021.
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; ROSA; LIMA; AGUIAR, 2021ROSA, Júlia G. L.; LIMA, Luciana L.; AGUIAR, Rafael B. Políticas públicas: introdução. Porto Alegre: Jacarta, 2021.). Nos casos do combate à pandemia e da expiração da base do financiamento da educação nacional, a necessidade de o governo federal atuar era inequívoca.

Nossa investigação consistiu em aplicar o referencial analítico do policy design às duas políticas, devido aos seus ganhos interpretativos. Mapeamos problemas, objetivos, instrumentos e resultados, do ponto de vista da ação - ou inação - federal, assim como a articulação entre esses fatores. A ênfase recaiu sobre objetivos e instrumentos, uma vez que a definição de problemas envolveu menor grau de discricionariedade - era imperativo salvar vidas e manter recursos destinados à educação básica, por exemplo - e a avaliação dos resultados seria ainda prematura.

O artigo tem três seções, além desta introdução. Na primeira, discutimos como Bolsonaro enquadrou o “problema” da federação dentro da lógica populista de seu governo, que caracterizamos a partir da literatura comparada. A segunda trata da análise das duas políticas, com atenção especial para a congruência entre objetivos, instrumentos disponíveis e instrumentos efetivamente adotados. Discussão sobre os achados fecha o artigo.

Os objetivos de Bolsonaro para a federação

Nesta seção, argumentamos que as omissões e o caráter contraditório de muitas ações que marcaram os três primeiros anos do governo Bolsonaro na esfera federativa desenham uma resultante que pode ser melhor sintetizada como populista - entre outros motivos, por privilegiar a retórica acima do enfrentamento substantivo das questões. Ressalte-se que o foco da análise recai sobre a agência - as ações e estratégias dos atores, particularmente de Bolsonaro - e não sobre a estrutura, o que levaria a eventuais mudanças de caráter mais perene nas instituições federativas ou em seu funcionamento.

O slogan de Bolsonaro na campanha presidencial de 2018, “Mais Brasil, menos Brasília”, foi incorporado após gestões de Paulo Guedes, que viria a ser seu ministro da Economia. No programa de governo formalmente apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), havia apenas duas propostas, sem detalhamentos, em relação às relações federativas: reforçar a coordenação federal de ações subnacionais e descentralizar recursos em favor de estados e municípios (PSL, 2018PARTIDO SOCIAL LIBERAL (PSL). O caminho da prosperidade: proposta de plano de governo. Disponível em: Disponível em: https://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2018/BR/BR/2022802018/280000614517/proposta_1534284632231.pdf . Acesso em: 12 dez. 2020.
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).

A constatação de que os conceitos de Bolsonaro sobre a federação podem ser considerados rudimentares tem especial relevância da perspectiva do policy design. A intencionalidade, no sentido de ação sistemática voltada a articular objetivos, instrumentos e resultados, é uma das marcas do desenho esperado na formulação de políticas públicas. Uma síntese para o uso do conceito de desenho é a aplicação de um processo baseado no conhecimento, em que as escolhas de instrumentos ou meios pelos quais as metas são desenvolvidas seguem uma lógica de inferência a partir das relações entre meios e fins (HOWLETT; MUKHERJEE, 2014HOWLETT, Michael; MUKHERJEE, Ishani. Policy design and non-design: towards a spectrum of policy formulation types. Politics and Governance, v. 2, n. 2, nov. 2014. Disponível em: https://doi.org/10.17645/pag.v2i2.149. Acesso em: 20 jul. 2021.
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, p. 57). Ou, numa definição de Capella (2018, p. 93)CAPELLA, Ana Claudia N. Formulação de políticas. Brasília: Enap, 2018., a partir de Howlett (2011)HOWLETT, Michael. Designing public policies: principles and instruments. Londres: Routledge, 2011., trata-se do esforço para desenvolver políticas eficientes e efetivas de forma mais ou menos sistemática por meio da aplicação do conhecimento sobre os recursos da política, visando alcançar as metas ou objetivos desejados em contextos específicos.

Num exemplo virtuoso, um problema é identificado, um objetivo para a política é definido, são selecionados instrumentos e os resultados atingem as metas precisamente como esperado (NEWMAN; NURFAIZA, 2020NEWMAN, Joshua; NURFAIZA, Martha Widdi. Policy design, non-design, and anti-design: the regulation of e-cigarettes in Indonesia. Policy Studies, v. 43, n. 2, p. 226-243, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1080/01442872.2019.1708887. Acesso em: 26 jul. 2021.
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, p. 4). Em contraposição, os desenhos de políticas movidos por lógicas estritamente eleitorais, ideológicas ou conjunturais, que deixam em segundo plano a obtenção de resultados substantivos para dada ação do Estado, configurariam o “não desenho” (HOWLETT; MUKHERJEE, 2014HOWLETT, Michael; MUKHERJEE, Ishani. Policy design and non-design: towards a spectrum of policy formulation types. Politics and Governance, v. 2, n. 2, nov. 2014. Disponível em: https://doi.org/10.17645/pag.v2i2.149. Acesso em: 20 jul. 2021.
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, p. 64). No meio do caminho estaria o “desenho pobre”, em que a racionalidade instrumental é empregada de forma inefetiva, no sentido de não gerar os resultados esperados. Relevante ressaltar que a emergente abordagem do policy design não pressupõe a racionalidade estreita que já foi objeto de crítica a partir de modelos como o da garbage can (COHEN; MARCH; OLSEN, 1972COHEN, Michael D.; MARCH, James D.; OLSEN, Johan P. A garbage can model of organizational choice. Administrative Science Quarterly, v. 17, n. 1, p. 1-25, mar. 1972. Disponível em: https://doi.org/10.2307/2392088. Acesso em: 10 jul. 2021.
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) nem rejeita a lógica política in totum, como se discutirá adiante. O policy design incorpora essas formas aparentes de irracionalidade na análise (HOWLETT; MUKHERJEE; RAYNER, 2018HOWLETT, Michael; MUKHERJEE, Ishani; RAYNER, Jeremy. Understanding policy designs over time: layering, stretching, patching and packaging. In: HOWLETT, M.; MUKHERJEE, I. (eds.). Routledge handbook of policy design. Nova Iorque: Routledge, 2018. p. 136-144., p. 5).

A pouca reflexão anterior indicaria que Bolsonaro não tem objetivos ou é indiferente à forma como a federação funciona? Não se trata disso. Argumentamos que as ações e omissões do governo Bolsonaro em termos federativos respondem mais diretamente a sua orientação populista do que a um projeto sistemático de reforma da federação, ainda que se possa distinguir uma resultante no comportamento errático do Executivo federal. Nisso, divergimos de outros autores.

Abrucio et al. (2020)ABRUCIO, Fernando Luiz et al. Combate à COVID-19 sob o federalismo bolsonarista: um caso de descoordenação intergovernamental. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 663-677, jul./ago. 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0034-761220200354. Acesso em: 8 mar. 2021.
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consolidaram a hipótese de que, a partir de tipos ideais, o governo Bolsonaro teria como projeto fazer avançar o federalismo dual contra o modelo cooperativo. O primeiro, caracterizado por competências excludentes isolando a atuação de diferentes autoridades verticais conforme a área de política pública, tendo os Estados Unidos como caso clássico e o presidente Trump como promotor contemporâneo. O segundo, marcado por autonomia subnacional na implementação de políticas, mas com coordenação nacional, num modelo disseminado com a expansão do Estado de bem-estar social após a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, o modelo predominantemente cooperativo construído a partir da Constituição de 1988 estaria sob ataque da “lógica bolsonarista” e isso seria evidenciado pelo combate à pandemia de Covid-19. O slogan “Mais Brasil, menos Brasília” significaria, em última análise, “menos ação da União em políticas públicas” (ABRUCIO et al., 2020ABRUCIO, Fernando Luiz et al. Combate à COVID-19 sob o federalismo bolsonarista: um caso de descoordenação intergovernamental. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 663-677, jul./ago. 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0034-761220200354. Acesso em: 8 mar. 2021.
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, p. 667). Para esses autores, o “presidencialismo imperial” de Bolsonaro também envolveria “uma postura schmittiana da política” (ABRUCIO et al., 2020ABRUCIO, Fernando Luiz et al. Combate à COVID-19 sob o federalismo bolsonarista: um caso de descoordenação intergovernamental. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 663-677, jul./ago. 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0034-761220200354. Acesso em: 8 mar. 2021.
https://doi.org/10.1590/0034-76122020035...
, p. 668), que considera opositores inimigos a serem destruídos.

Essa abordagem está em sintonia com uma das interpretações correntes para a relação da administração Trump com a federação norte-americana. Como acrescentam Censon e Barcelos (2020, p. 52)CENSON, Dianine; BARCELOS, Márcio. O papel do Estado na gestão da crise ocasionada pela Covid-19: visões distintas sobre federalismo e relações entre União e municípios. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, Taubaté, v. 16, n. 4, p. 35-48, dez. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.rbgdr.net/revista/index.php/rbgdr/article/view/5977 . Acesso em: 14 mar. 2021.
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, que também enxergam “alinhamento de Bolsonaro ao modelo dual, que tem sido hegemônico nos Estados Unidos, reforçado na gestão de Donald Trump”, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil o titular do Executivo federal jogaria com o conflito entre o governo central e as esferas subnacionais.

Não obstante, defendemos que o federalismo bolsonarista é adequadamente classificado de populista quando se observa seu caráter retórico e ideológico, sintetizado no enquadramento do conflito político na chave “nós contra eles”, em relação à disputa de autoridade vertical. Essa característica é reforçada pela tentativa de associar a rejeição aos políticos ao poder central, patente no slogan da campanha de 2018. Mais adiante, o detalhamento da atuação do governo Bolsonaro no combate à pandemia de Covid-19 e na renovação do Fundeb trará evidências sobre como essa orientação ocorreu no plano da agência, isto é, por meio das ações populistas e dos seus efeitos sobre a coordenação federativa no âmbito das políticas de saúde e educação.

Na ascensão contemporânea de líderes de extrema direita, o populismo já foi definido como uma ideologia, um estilo discursivo e uma forma de mobilização política (GIDRON; BONIKOWSKI, 2013GIDRON, Noam; BONIKOWSKI, Bart. Varieties of populism: literature review and research agenda. Weatherhead Center for Internacional Affairs, n. 13-0004, 2013. Disponível em: http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2459387. Acesso em: 26 jul. 2021.
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). O núcleo dessas dimensões tem sido sintetizado como ideacional, por ter foco em uma noção específica para estruturar a disputa política: a ideia de que a sociedade é dividida de forma maniqueísta em dois grupos, “o povo puro” e a “elite corrupta”; cabe ao governante perseguir e expressar a vontade geral do povo, na influente concepção de Mudde (2004)MUDDE, Cas. The populist zeitgeist. Government and Opposition, v. 39, n. 4, p. 541-563, mar. 2004. Disponível em: https://doi.org/10.1111/j.1477-7053.2004.00135.x. Acesso em: 26 jul. 2021.
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. Esse autor qualifica o populismo como uma “ideologia rarefeita” (a thin-centered ideology), sistema que, por ser simplificado, é passível de ser compatibilizado com ideias tão diversas quanto o socialismo e o liberalismo (MUDDE, 2004MUDDE, Cas. The populist zeitgeist. Government and Opposition, v. 39, n. 4, p. 541-563, mar. 2004. Disponível em: https://doi.org/10.1111/j.1477-7053.2004.00135.x. Acesso em: 26 jul. 2021.
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, p. 544).

Considerado como estilo retórico, o populismo é um discurso que entende a política como confronto moral entre um bem e um mal, seja entre o povo e a oligarquia ou entre um outro “nós” e um outro “eles”. Laclau (2005)LACLAU, Ernesto. On populist reason. Londres: Verso, 2005. alerta para como, no discurso binário construído pelo populista, o “nós” e o “eles” são significantes vazios, que podem assumir conteúdos variados, a depender do contexto. O populismo remeteria à necessidade de explicar como os agentes políticos “totalizam” a sua experiência, independentemente do conteúdo e dos objetivos de sua ação política. No entanto, na visão de Laclau, um fator indissociável dessa operação é a formulação de uma estratégia de mobilização política (CASSIMIRO, 2021CASSIMIRO, Paulo Henrique Paschoeto. Os usos do conceito de populismo no debate contemporâneo e suas implicações sobre a interpretação da democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, v. 35, p. 1-52, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-3352.2021.35.242084. Acesso em: 2 out. 2021.
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).

Como estratégia de mobilização, o populismo costuma ser retratado como a ação de um líder personalista que busca o poder por meio do apoio direto de cidadãos não organizados pelas vias usuais, como sindicatos ou partidos, e sem mediação institucional (WEYLAND, 2001WEYLAND, Kurt. Clarifying a contested concept: populism in the study of Latin American Politics. Comparative Politics, v. 34, n. 1, p. 1-22, out. 2001. Disponível em: https://doi.org/10.2307/422412. Acesso em: 26 jul. 2021.
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). Com foco na América Latina, Levitsky e Roberts (2011)LEVITSKY, Steven; ROBERTS, Kenneth M. The resurgence of the Latin American Left. Baltimore: John Hopkins University Press, 2011. definem populismo como uma forma de mobilização de bases de massa por líderes personalistas que desafiam as elites políticas ou econômicas estabelecidas em nome de um “pueblo” mal definido.

Ainda que as variações recomendem cautela quando se quer definir os limites do fenômeno populista contemporâneo e do próprio conceito, prenhe de ambiguidades (CASSIMIRO, 2021CASSIMIRO, Paulo Henrique Paschoeto. Os usos do conceito de populismo no debate contemporâneo e suas implicações sobre a interpretação da democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, v. 35, p. 1-52, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-3352.2021.35.242084. Acesso em: 2 out. 2021.
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), o posicionamento de Bolsonaro se ajusta de tal forma ao núcleo do conceito - quer entendido como ideologia, estilo retórico ou estratégia de mobilização - que há pouca margem para questionar sua identificação como político populista. O próprio Mudde classifica Bolsonaro como populista radical de direita (MOTA, 2020MOTA, Camila Veras. Bolsonaro é líder mais isolado do populismo de direita hoje, diz pesquisador do extremismo político. BBC News Brasil, São Paulo, 03 mai. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52465613 . Acesso em: 15 mai. 2020.
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).

O populismo como estratégia de mobilização está presente nas ações de Bolsonaro, mas nossa hipótese é de que os outros dois sentidos contemporâneos são os que mais se aplicam a seus aparentes objetivos no trato da federação, considerados o slogan de campanha e os três primeiros anos de mandato:

- A associação das dinâmicas federativas ao ressentimento contra “as elites”. A aposta na frase “Mais Brasil, menos Brasília” em 2018 indica a tentativa de canalizar o desconforto do eleitorado com diferentes e variados grupos - sejam os políticos, a esquerda ou aqueles que escreveram a Constituição de 1988 - em um movimento retórico típico do populismo contemporâneo. A complexidade dos arranjos federativos nacionais, inclusive suas muitas competências compartilhadas, facilitam a tarefa do slogan bolsonarista de enquadrar a arquitetura da federação como parte da “velha política”;

- A linguagem e a postura de confronto contra autoridades subnacionais. Do ponto de vista retórico e de tentativa de mobilização, o presidente Bolsonaro com frequência transforma as tensões e barganhas das relações intergovernamentais em um conflito aberto, propondo o enquadramento das dissensões na chave “nós versus eles”. Adotar pontualmente lógicas do federalismo dual responderia primordialmente a essa motivação populista.

A análise sistemática da atuação federal em duas áreas de políticas trará evidências para avaliar esses componentes, como se verá a seguir.

Duas políticas estruturantes sob a lente do policy design

Como ponto de partida, deve-se considerar, de um lado, o “padrão de coordenação federativa” no Brasil desde os anos 1990, com forte capacidade regulatória da União sobre políticas descentralizadas que reduzem desigualdades regionais (ARRETCHE, 2012ARRETCHE, Marta. Democracia, federalismo e centralização no Brasil. Rio de Janeiro: FGV/ Fiocruz, 2012.). D’Albuquerque e Palotti (2021, p. 32)D’ALBUQUERQUE, Raquel Wanderley; PALOTTI, Pedro Lucas de Moura. Federalismo e execução dos serviços públicos de atendimento do governo federal: a experiência brasileira nas políticas sociais. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, v. 35, p. 1-43, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-3352.2021.35.232504. Acesso em: 22 jul. 2021.
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ressaltam que “o governo federal concentra a autoridade ao se colocar como principal financiador das políticas, com capacidade de normatização e coordenação das relações intergovernamentais no âmbito das políticas públicas”. Por outro lado, há crescente consenso de que a descoordenação federativa caracterizou a ação do governo Bolsonaro, em termos de relações verticais, conforme indicam Viana (2020)VIANA, Diego. Bolsonaro optou por ser fraco, diz Marta Arretche. Valor Econômico, São Paulo, 06 mar. 2020. Disponível em: Disponível em: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2020/03/06/bolsonaro-optou-por-ser-fraco-diz-marta-arretche.ghtml . Acesso em: 10 out. 2020.
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e Abrucio et al. (2020)ABRUCIO, Fernando Luiz et al. Combate à COVID-19 sob o federalismo bolsonarista: um caso de descoordenação intergovernamental. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 663-677, jul./ago. 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0034-761220200354. Acesso em: 8 mar. 2021.
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. De fato, o governo Bolsonaro abriu mão do protagonismo federal? O que justifica esta inação e qual sua relação com a retórica populista deste governo?

Na presente investigação, em que usamos as ferramentas analíticas do subcampo de policy design para levantamento sistemático, um desafio era tomar como objeto políticas em que a inação federal não comprometesse a possibilidade de análise - isto é, definir como objeto políticas em que houvesse o que observar. A escolha recaiu sobre o combate à pandemia de Covid-19 via SUS e sobre a rediscussão do Fundeb, justamente por forçarem o governo federal a agir diante da urgência e relevância dessas políticas, as quais também estruturaram parte relevante das relações federativas nas últimas décadas (ARRETCHE, 2012ARRETCHE, Marta. Democracia, federalismo e centralização no Brasil. Rio de Janeiro: FGV/ Fiocruz, 2012.; FRANZESE; ABRUCIO, 2013FRANZESE, Cibele; ABRUCIO, Fernando Luiz. Efeitos recíprocos entre federalismo e políticas públicas no Brasil: os casos dos sistemas de saúde, de assistência social e de educação. In: HOCHMAN, G.; FARIA, C. A. P. (orgs.). Federalismo e políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013. p. 361-386.; VAZQUEZ, 2012VAZQUEZ, Daniel Arias. Execução local sob regulação federal: impactos da LRF, FUNDEF e SUS nos municípios brasileiros. São Paulo: Annablume, 2012.).

Discutir a ação na contenção dos males sanitários causados pelo novo coronavírus traz para o centro da investigação o SUS, que inaugurou o modelo de sistema nacional de política. O financiamento via transferências fundo a fundo e o gerenciamento das competências compartilhadas via Comissão Intergestores Tripartite (CIT) - com representação da União, dos Estados e dos municípios - são algumas das inovações institucionais trazidas para as relações federativas. O caráter universal da cobertura do SUS coloca-o em evidência como principal instrumento para ação em pandemias como a iniciada em 2020 e transforma em incontornável e inadiável a ação do governo federal.

Na educação, o Fundo para Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef) e seu sucessor para a Educação Básica (Fundeb) consolidaram o modelo de indução federal a partir do financiamento da provisão subnacional de serviços e consagraram o modelo de remuneração por aluno, com relativa equalização dos valores regionais. Criado em 1996, o Fundef previa sua renovação após dez anos; em 2006; da mesma forma, o Fundeb foi formulado com vigência de 14 anos, o que forçava sua renovação até o final de 2020. Caso contrário, o intrincado sistema de financiamento deixaria um vácuo legal capaz de inviabilizar momentaneamente os sistemas estaduais e municipais de educação.

Analisaremos essas políticas sob as lentes do policy design, cuja essência está em prescrever o uso do melhor conhecimento disponível para definir objetivos e adotar instrumentos consistentes com eles, numa operação de caráter intencional, como já relatado. Embora, nos limites deste artigo, não caiba uma discussão detida dos pressupostos dessa abordagem, é preciso registrar que, como analistas de políticas públicas, fazemos coro a algumas críticas dirigidas ao seu mainstream: a racionalidade instrumental esperada sugere um processo linear de implementação de política, supõe uma abordagem top-down que pode limitar soluções democráticas e, em algumas vertentes, associa motivação política a mau funcionamento de políticas. Apesar disso, os primeiros anos do governo Bolsonaro convidam ao exercício de empregar as ferramentas analíticas do policy design, visto que uma das grandes questões do debate nacional sobre a gestão federal trata de quanto há de intencional nas suas ações e se elas visam de fato impactar as políticas públicas (COUTO, 2020COUTO, Claúdio Gonçalves. O governo-movimento. Blog Gestão, Política & Sociedade, 12 jun. 2020. Disponível em: Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/o-governo-movimento/ . Acesso em: 12 out. 2020.
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; ROCHA, 2021ROCHA, João C. C. Guerra cultural e retórica do ódio: crônicas de um Brasil pós-político. Goiânia: Caminhos, 2021.).

O potencial de contribuição da literatura relacionada ao policy design a essa discussão refere-se especialmente a seus desenvolvimentos recentes. Uma das discussões no alto da agenda desse subcampo envolve as definições sobre o que não é design - inclusive como forma de discriminar mais claramente o que é (NEWMAN; NURFAIZA, 2020NEWMAN, Joshua; NURFAIZA, Martha Widdi. Policy design, non-design, and anti-design: the regulation of e-cigarettes in Indonesia. Policy Studies, v. 43, n. 2, p. 226-243, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1080/01442872.2019.1708887. Acesso em: 26 jul. 2021.
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). Duas alternativas têm sido aventadas:

- O não desenho (non-design) envolveria a implementação de políticas de forma desprovida da lógica instrumental do design, sem esforço identificável de integrar meios e fins e com caráter aparentemente “irracional” ou contingente (CHINDARKAR; HOWLETT; RAMESH, 2017CHINDARKAR, Namrata; HOWLETT, Michael; RAMESH, M. Introduction to the special issue: conceptualizing effective social policy design: design spaces and capacity challenges. Public Administration and Development, v. 37, n. 1, p. 3-14, fev. 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1002/pad.1789. Acesso em: 12 jul. 2021.
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). Ou seja, desenhos de políticas movidos por lógicas estritamente eleitorais, ideológicas ou conjunturais, que deixam em segundo plano a obtenção de resultados substantivos para dada ação do Estado, configurariam o “não desenho” (HOWLETTT; MUKHERJEE, 2014HOWLETT, Michael; MUKHERJEE, Ishani. Policy design and non-design: towards a spectrum of policy formulation types. Politics and Governance, v. 2, n. 2, nov. 2014. Disponível em: https://doi.org/10.17645/pag.v2i2.149. Acesso em: 20 jul. 2021.
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);

- O anti-desenho (anti-design) foi proposto como forma de superar uma aparente incompreensão com o papel da política na formulação das políticas. Em parte da literatura deste subcampo, a política tem sido apontada como antípoda do “design”. “O oposto das atividades de design lógicas e racionais com frequência é descrito com termos evocando partidarismo, ideologia, religião e formação de coalizões”, resumem Newman e Nurfaiza (2020, p. 12)NEWMAN, Joshua; NURFAIZA, Martha Widdi. Policy design, non-design, and anti-design: the regulation of e-cigarettes in Indonesia. Policy Studies, v. 43, n. 2, p. 226-243, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1080/01442872.2019.1708887. Acesso em: 26 jul. 2021.
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. No entanto, alertam esses autores, o oposto de design não deve ser a política, mas o anti-design: a completa ausência de propósito na formulação e atividades associadas a uma política. Trata-se da desconexão entre problemas, intervenções e resultados, que pode resultar de incompetência, corrupção, tendências econômicas globais, atividade política disfuncional ou outros fatores. Nesses casos, simplesmente, não há qualquer forma de racionalidade identificável (NEWMAN; NURFAIZA, 2020NEWMAN, Joshua; NURFAIZA, Martha Widdi. Policy design, non-design, and anti-design: the regulation of e-cigarettes in Indonesia. Policy Studies, v. 43, n. 2, p. 226-243, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1080/01442872.2019.1708887. Acesso em: 26 jul. 2021.
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).

Uma formulação complementar aceita os objetivos políticos como parte integrante e legítima do desenvolvimento de políticas, mas problematiza a politização extrema, adotada de forma que exclua objetivos concretos diretamente relacionados às políticas. É a noção de elaboração populista de políticas (populist policymaking). Idealmente, política e técnica devem se integrar no desenho de políticas e, mesmo quando a política tem centralidade, um desenho de políticas não se torna necessariamente condenável. No entanto, “perseguir objetivos políticos sem a intenção de resolver um problema de política pode ser descrito como elaboração populista de políticas” (CHINDARKAR; HOWLETT; RAMESH, 2017CHINDARKAR, Namrata; HOWLETT, Michael; RAMESH, M. Introduction to the special issue: conceptualizing effective social policy design: design spaces and capacity challenges. Public Administration and Development, v. 37, n. 1, p. 3-14, fev. 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1002/pad.1789. Acesso em: 12 jul. 2021.
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, p. 4). Isso ocorreria particularmente em temas “de valência”, em que a posição a ser tomada tende a ser consensual na comunidade política, como a necessidade de combater o crime.

A partir dos objetivos e das medidas adotadas, discutimos se e em que medida as ações e inações do governo Bolsonaro no combate à pandemia e na renovação do Fundeb corresponderam aos instrumentos disponíveis e às alternativas existentes para um policy design adequado. Nas próximas subseções relatamos as principais iniciativas de cada política, para depois interpretá-las sob as lentes do policy design.

O enfrentamento da pandemia

Em todo o mundo, o combate à pandemia de Covid-19 exigiu ações coordenadas de diferentes esferas de governo. Um ponto básico dessa emergência sanitária é o fato de o novo coronavírus não respeitar limites territoriais em sua proliferação, mas a exigência de ação articulada vai além disso. Ganhos de escala para produção de equipamentos de proteção individual, superação de disputas por recursos escassos como respiradores, organização de logística para fazer chegar tratamentos à totalidade das populações são outros fatores a apontar o potencial virtuoso de ações coordenadas. É verdade que todos os desastres podem ser vistos como ocorrências locais, que o vírus não se espalha uniformemente e que a atuação diferenciada de governos subnacionais poderia servir de laboratório para o desenvolvimento das melhores práticas no combate à pandemia (KETTL, 2020KETTL, Donald F. States divided: the implications of American federalism for COVID‐19. Public Administration Review, v. 80, n. 4, p. 595-602, jul./ago. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1111/puar.13243. Acesso em: 10 jul. 2021.
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). Porém, nada disso impediria que ações descentralizadas tivessem coordenação central.

A cooperação entre diferentes níveis de governo depende de regras institucionais, mas também do desejo dos governantes (PETERS; GRIN; ABRUCIO, 2021PETERS, B. Guy; GRIN, Eduardo; ABRUCIO, Fernando L. Introduction. In: PETERS, B. Guy; GRIN, Eduardo; ABRUCIO, Fernando L. American federal systems and Covid-19. Bingley: Emerald Publishing, 2021. p. 1-4.). Em federações, e mesmo em países unitários, atores podem ser estimulados a agir de forma oportunista, perseguindo seu interesse imediato sem preocupação com as consequências institucionais e/ou coletivas; esse tipo de incentivo pode estar embutido nas estruturas que regulam as relações intergovernamentais, a exemplo do formato das arenas decisórias, mas também são decisivamente afetados pelas estratégias individuais das lideranças (CONLAN, 2006CONLAN, Tim. From cooperative to opportunistic federalism: reflections on the half-century anniversary of the commission on intergovernmental relations. Public Administration Review, v. 66, n. 5, p. 663-676, set./out. 2006. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/3843895 . Acesso em: 20 set. 2021.
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, p. 667). Exemplo disso apareceu nos Estados Unidos. Na gestão de Trump, o governo federal inicialmente negou a relevância da pandemia e pouco fez para apoiar os estados - e os cidadãos - a combater o vírus, com exceção de estimular o desenvolvimento de vacinas. Com Joe Biden na Casa Branca, a partir de janeiro de 2021, a União assumiu papel ativo na distribuição de vacinas e no apoio a outras respostas subnacionais à pandemia (PETERS, 2021PETERS, B. Guy. American Federalism in the Pandemic. In: PETERS, B. G.; GRIN, E.; ABRUCIO, F. L. American federal systems and Covid-19. Bingley: Emerald Publishing, 2021. p. 23-42.).

Em outras federações, a cooperação foi o caminho inicialmente escolhido. Foi assim nos primeiros meses de pandemia na Alemanha, federação com muitas semelhanças com o Brasil em termos de competências compartilhadas entre esferas de governo. A primeira-ministra Angela Merkel passou a ter encontros regulares com os governantes dos Länder, num Gabinete Corona destinado a coordenar as iniciativas (ROZELL; WILCOX, 2020ROZELL, Mark J; WILCOX, Clyde. Federalism in a time of plague: how federal systems cope with pandemic. American Review of Public Administration, n. 50, v. 6-7, p. 519-525, ago. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0275074020941695 Acesso em: 25 jun. 2021.
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). No Canadá, em que já há tradição de comitês formais reunindo a autoridade federal com as províncias, os encontros se tornaram mais frequentes e o manejo ao mesmo tempo descentralizado e colaborativo da pandemia contornou temores de concentração de poder no centro, gerados pela regulação prévia da Lei de Emergências (BÉLAND et al., 2020BÉLAND, Daniel et al. A critical juncture in fiscal federalism? Canada’s response to Covid-19. Canadian Journal of Political Science, v. 53, n. 2, p. 239-243, abr. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1017/S0008423920000323. Acesso em: 18 jul. 2021.
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). Na Austrália, um gabinete de guerra foi criado, com líderes de diferentes partidos, autoridades de saúde, governantes da União, dos Estados e dos territórios (ROZELL; WILCOX, 2020ROZELL, Mark J; WILCOX, Clyde. Federalism in a time of plague: how federal systems cope with pandemic. American Review of Public Administration, n. 50, v. 6-7, p. 519-525, ago. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0275074020941695 Acesso em: 25 jun. 2021.
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). Na Espanha, foi decretado Estado de emergência, permitindo ao governo central assumir diretamente competências exclusivas dos governos regionais; entre elas, a gestão dos serviços de saúde, assistência social e educação, além da utilização do poder de polícia para impor um lockdown nacional (HERRARTE, 2020HERRARTE, Iñaki Lasagabaste. La respuesta a la pandemia del Covid19 y el estado de las autonomías. Eunomía - Revista en Cultura de la Legalidad, v. 19, p. 127-153, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.20318/eunomia.2020.5706. Acesso em: 10 jul. 2021.
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).

No Brasil, o primeiro grande movimento do governo federal foi se opor ao fechamento das atividades econômicas, decretado por alguns governadores e prefeitos. No julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6.341 e 6.343, o posicionamento do governo federal, via Advocacia Geral da União, foi de reivindicar competência exclusiva para determinar isolamento social, quarentena, fechamento do comércio e impor restrições à locomoção intermunicipal e interestadual. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou que os governos estaduais e municipais também tinham competência constitucional para tomar essas decisões. Após esse julgamento, Bolsonaro reforçou em seus discursos o falso argumento de que o STF impediu a atuação do governo federal no combate à pandemia, seguindo a lógica do populismo em seus componentes de culpabilização de elites políticas. Como já alertou Arretche (2012, p. 24)ARRETCHE, Marta. Democracia, federalismo e centralização no Brasil. Rio de Janeiro: FGV/ Fiocruz, 2012., o jogo federativo “não é um ‘jogo de soma-zero’, em que a expansão da autoridade da União significaria necessariamente supressão da autoridade dos governos subnacionais”.

Essa visão dualista do Executivo faz menos sentido ainda no caminho inverso. Ou seja, é evidente que ao reconhecer a competência dos governos subnacionais, o STF não impediu a atuação do governo federal, especialmente na coordenação federativa. Detectamos aqui o movimento do presidente de “tirar o corpo fora” (blame avoidance), a partir de uma interpretação equivocada baseada na lógica dual, desconsiderando a cooperação como traço do federalismo brasileiro, especialmente na saúde. Paralelamente, o negacionismo do governo federal, com minimização da gravidade da doença e defesa de tratamentos sem eficácia comprovada, na contramão das orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), serviu como justificativa para ataques às medidas de isolamento social, com a tentativa de transferir o ônus da crise econômica aos governos estaduais.

Esse movimento retórico mirou a base eleitoral do governo e envolveu dois argumentos que seriam usados independentemente da evolução da pandemia no Brasil: 1) no caso de um número alto de mortes, como infelizmente ocorreu, o governo apontaria que o isolamento social foi ineficaz, causando a morte de empresas e empregos; 2) se o cenário fosse de baixo contágio e mortalidade, o governo destacaria a pouca gravidade da pandemia e a quarentena desnecessária imposta por governadores e prefeitos. Nos dois casos, Bolsonaro estaria ao lado do “povo” na defesa de trabalhadores e empresários.

O sucesso internacional no desenvolvimento de vacinas serviu para revelar como a lógica por trás da ação bolsonarista é mais populista do que uma aposta no federalismo dual. Com a iminente disponibilidade de imunizantes no final de 2020, o governo federal passou a reivindicar a função de coordenação, dentro de sua competência para definir o Plano Nacional de Imunização (PNI). Em pronunciamento à nação no final de 2021, Bolsonaro associou governadores e prefeitos “à quebradeira econômica”, ao mesmo tempo em que ressaltou que toda a vacinação foi custeada pelo governo federal (BRASIL, 2021BRASIL. Presidente (2019- ; Jair Messias Bolsonaro). Pronunciamento por ocasião do final do ano de 2021. Brasília, 31 dez. 2021. Disponível em Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=segwa_gNJ1g . Acesso em: 3 jan. 2022.
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). O objetivo aparente era obter o bônus político pelo fim da pandemia, mesmo com a postura negacionista e com poucos esforços envidados para a obtenção das vacinas, descartando acordos prévios com empresas farmacêuticas. Antes, na fase de pesquisa, o vácuo foi ocupado pelo governo do estado de São Paulo, que exerceu maior protagonismo na busca pela vacina, agravando o confronto com o governador João Dória (PSDB).4 4 Por ser uma ação em andamento até a conclusão deste artigo, optou-se por excluir a vacinação da análise de policy design. Além disso, a importância desta ação, os diversos conflitos e a postura pessoal de Bolsonaro de não se vacinar justificam um estudo específico sobre o assunto.

Outra frente nas relações intergovernamentais foi representada pelo Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus. Consistiu no socorro federal às finanças estaduais e municipais, fruto de acordo entre Executivo, Câmara e Senado em torno da Lei Complementar 173/2020. Seu escopo é muito mais amplo que a política de saúde, com recursos totais de cerca de R$ 125 bilhões a serem destinados a estados e municípios. Como contrapartida, o governo federal impôs restrições às decisões de gasto dos governos subnacionais até o final de 2021, especialmente em relação às despesas de pessoal e ao aumento de despesas correntes acima da inflação, conforme o artigo 8º da referida lei. Observa-se um interesse maior de controle fiscal, presente na agenda econômica de Paulo Guedes, do que de exercer a coordenação federativa no enfrentamento do coronavírus.5 5 A análise da agenda econômica está fora do escopo de análise deste artigo, cujo foco é a dinâmica federativa no campo das políticas sociais, especificamente na saúde e educação.

Prova disso foi a opção por uma ajuda federal com baixa condicionalidade e pouca influência de critérios de saúde pública relacionados ao combate à pandemia. Do montante total, cerca de R$ 65 bilhões corresponderam à suspensão do pagamento de dívidas subnacionais com o governo federal. Outros R$ 60 bilhões representaram transferências da União para estados e municípios, com apenas R$ 10 bilhões vinculados obrigatoriamente às ações de saúde e assistência social na pandemia. Os critérios de redistribuição dessa parcela foram basicamente populacionais, exceto por R$ 2,8 bilhões (menos de 5%) destinados aos estados com base na taxa de incidência da Covid-19.

Na ausência de coordenação nacional, o programa apresentou resultados desiguais entre os entes da federação, segundo Peres et al. (2020)PERES, Ursula Dias et al. Socorro fiscal da União na pandemia: desigualdades nas transferências para estados e municípios. Boletim de Políticas Públicas/OIPP-EACH, n. 5, p. 28-37, set. 2020. Disponível em: Disponível em: https://sites.usp.br/boletimoipp/setembro-de-2020/ Acesso em: 24 mar. 2021.
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. Enquanto algumas administrações receberam recursos mesmo sem ter tido perda de arrecadação àquela altura, outras não receberam dinheiro suficiente para compensar a queda nas receitas, o que ocorreu em oito estados e três capitais. Além disso, a distribuição de recursos não teve ligação com as necessidades locais para enfrentar a pandemia, quando se considera a relação entre transferências e territórios com maior número de mortes por habitante. Outro estudo mostrou que, no balanço geral, a ajuda aos estados superou em muito o impacto sofrido por esses governos, transferindo para a União não apenas o custo do choque por eles sofridos, mas também um custo adicional, que se refletia, em setembro de 2020, em elevados saldos de caixa em poder dos estados (MENDES, 2020MENDES, Marcos. A ajuda federal aos estados. São Paulo, Insper, 2020. Disponível em Disponível em https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2020/12/A-ajuda-federal-aos-estados-em-2020_Marcos-Mendes.pdf . Acesso em: 12 jan. 2021.
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).

No limite, as baixas vinculações de recursos e condicionalidades poderiam ser interpretadas como parte da agenda de “Menos Brasília”, como forma de ampliar a autonomia dos governos subnacionais na gestão dos recursos. Contudo, esta estratégia não condiz com a constante disputa política com governadores e prefeitos, diante das tentativas do governo federal de retirar-lhes as competências e prerrogativas de legislarem em suas próprias jurisdições, cabendo ao STF reafirmar as competências concorrentes dos três níveis de governo na área da saúde (GOMES; MELO, 2021GOMES, Sandra; MELO, Francymonni Yasmim Marques. Padrões decisórios dos governos estaduais frente à pandemia. In: SANTANA, L.; NASCIMENTO, E. O. do (orgs.). Governos e o enfrentamento da pandemia de Covid-19. Maceió, AL: EDUFAL, 2021. p. 38-51.). Após essa decisão do STF, o governo federal se exime da responsabilidade de coordenar nacionalmente o enfrentamento à pandemia, baseado em uma visão dualista e não cooperativa do federalismo (PEREIRA; OLIVEIRA; SAMPAIO, 2020PEREIRA, Ana Karine; OLIVEIRA, Marília Silva; SAMPAIO, Thiago da Silva. Heterogeneidades das políticas estaduais de distanciamento social diante da COVID-19: aspectos políticos e técnico-administrativos. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 678-696, jul./ago. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0034-761220200323. Acesso em: 22 mar. 2021.
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).

Nossa hipótese, portanto, é que a inação do governo Bolsonaro está menos relacionada à proposta de descentralização de competências, defendida por Paulo Guedes, do que à renúncia a exercer a regulação federal. Defendemos aqui que havia instrumentos jurídico-institucionais disponíveis para o exercício da coordenação federativa na política de saúde, cujos mecanismos de financiamento e de gestão garantiram importante papel do governo federal na regulação das ações executadas localmente, por meio dos repasses fundo a fundo, cujo acesso aos recursos estava condicionado à oferta descentralizada de programas definidos pelo Ministério da Saúde.

Vieira e Servo (2020)VIEIRA, Fabiola Sulpino; SERVO, Luciana Mendes Santos. Covid-19 e coordenação federativa no Brasil: consequências da dissonância federal para a resposta à pandemia. Saúde Debate, Rio de Janeiro, v. 44, n. 4, p. 100-113, dez. 2020. número especial. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/44SVpkjDHB6QcR5x4NtTNwf/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 02 jul. 2021.
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já destacaram que a coordenação federal deficiente na resposta à pandemia não se deveu à falta de mecanismos de coordenação do SUS, a exemplo da CIT. Para esses autores, houve uma opção do governo federal pela inação, relegando ao Ministério da Saúde um papel secundário. Em um estudo sobre as primeiras respostas governamentais à pandemia no Brasil, Koga et al. (2020, p. 34)KOGA, Natália Massaco et al. Os instrumentos de políticas públicas para o enfrentamento do vírus da Covid-19: uma análise dos normativos produzidos pelo Executivo federal. Boletim de Análise Política-Institucional - IPEA, n. 22, p. 25-36, abr. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/boletim_internacional/200505_BAPI%2022%20_COVID%2019%20_%20COMPLETO_WEB.pdf . Acesso em: 10 mar. 2021.
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constataram a “lentidão na reação do governo federal em comparação aos marcos nacionais e internacionais da progressão da disseminação da doença, assim como às ações empreendidas pelos governos estaduais”. Contudo, os estados tiveram dificuldades para construir de forma horizontal a coordenação, pois perderam esse espaço de atuação ao longo das últimas três décadas, o que explica o foco de atuação na expansão de leitos oferecidos nos hospitais estaduais, com pouca articulação regional ou com as ações descentralizadas de atenção básica (VIEIRA; SERVO, 2020VIEIRA, Fabiola Sulpino; SERVO, Luciana Mendes Santos. Covid-19 e coordenação federativa no Brasil: consequências da dissonância federal para a resposta à pandemia. Saúde Debate, Rio de Janeiro, v. 44, n. 4, p. 100-113, dez. 2020. número especial. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/44SVpkjDHB6QcR5x4NtTNwf/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 02 jul. 2021.
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).

Ainda assim, é possível destacar o protagonismo dos governos estaduais na adoção das medidas de enfrentamento à pandemia. Considerando as primeiras medidas adotadas, Gomes e Melo (2021)GOMES, Sandra; MELO, Francymonni Yasmim Marques. Padrões decisórios dos governos estaduais frente à pandemia. In: SANTANA, L.; NASCIMENTO, E. O. do (orgs.). Governos e o enfrentamento da pandemia de Covid-19. Maceió, AL: EDUFAL, 2021. p. 38-51. destacam padrões decisórios recorrentes, a exemplo da suspensão das aulas presenciais e da decretação de calamidade pública em suas jurisdições. Por outro lado, observou-se maior heterogeneidade em relação às medidas de distanciamento social, especialmente quanto às restrições ao funcionamento do comércio e de atividades com potencial de aglomerar pessoas, conforme demonstraram Pereira, Oliveira e Sampaio (2020)PEREIRA, Ana Karine; OLIVEIRA, Marília Silva; SAMPAIO, Thiago da Silva. Heterogeneidades das políticas estaduais de distanciamento social diante da COVID-19: aspectos políticos e técnico-administrativos. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 678-696, jul./ago. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0034-761220200323. Acesso em: 22 mar. 2021.
https://doi.org/10.1590/0034-76122020032...
. Segundo esses autores, na ausência de coordenação federativa, os governos estaduais nortearam-se mais por critérios técnicos que políticos, uma vez que medidas restritivas foram tomadas tanto por governadores aliados ao presidente, como por opositores.

De volta à análise sobre as possibilidades de atuação do governo federal, havia três blocos de financiamento, definidos pela portaria nº 204, de 29/01/2007, que poderiam nortear nacionalmente uma política de combate ao novo coronavírus: I) Atenção Básica; II) Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar; III) Vigilância em Saúde, que de acordo com a portaria nº 1.378, de 09/07/2013, envolve: a) vigilância da situação de saúde da população; b) a detecção oportuna e adoção de medidas adequadas para a resposta às emergências de saúde pública; c) a vigilância, prevenção e controle das doenças transmissíveis. Segundo Fernandes e Pereira (2020)FERNANDES, Gustavo Andrey de Almeida Lopes; PEREIRA, Blenda Leite Saturnino. Os desafios do financiamento do enfrentamento à Covid-19 no SUS dentro do pacto federativo. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 595-613, jul./ ago. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0034-761220200290. Acesso em: 20 jul. 2021.
https://doi.org/10.1590/0034-76122020029...
, não houve mudança qualitativa para o combate à pandemia, repetindo os problemas de subfinanciamento, o viés político e a lógica de desigualdade preexistente.

Nossa avaliação é que o governo federal teria condições de criar um programa nacional de enfrentamento à Covid-19, financiado por um bloco especial de financiamento, com repasses norteados por indicadores de incidência da doença e de desempenho no controle epidêmico, para o custeio de ações específicas, sob coordenação do Ministério da Saúde. Por exemplo, esse programa poderia estimular a distribuição de equipamento de proteção individual (máscaras e álcool gel), junto com a orientação e conscientização da população por Agentes Comunitários de Saúde (por exemplo, no transporte público). No âmbito da vigilância sanitária, era necessário estruturar laboratórios, em nível regional, para a testagem massiva da população, além da utilização de tecnologias de comunicação e informação para identificar focos de contágio e acompanhar a evolução da doença em diferentes territórios. Essa capacidade de monitoramento foi um fator chave para o sucesso no controle das primeiras ondas da pandemia em países como Taiwan, Japão e Nova Zelândia. Os recursos também serviriam para reforçar o serviço de pronto atendimento, a contratualização de novos leitos hospitalares e a aquisição de equipamentos, que poderiam atender aos estados e municípios mais afetados pela doença, que sofreram com a falta desses recursos; a ociosidade conjuntural em outros territórios seria evitada por meio de uma central de regulação dos serviços de média e alta complexidade. Por fim, esse programa abrangeria também o processo de vacinação, com base na experiência bastante exitosa do PNI, sob competência do Ministério da Saúde.

A concatenação de esforços foi parcialmente contemplada com a criação do Programa de Trabalho “Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus”6 6 Com recursos advindos de créditos extraordinários abertos pelas Medidas Provisórias nº 924, de 13/03/2020; nº 940, de 02/04/2020; nº 947, de 08/04/2020; nº 967, de 19/05/2020; nº 969, de 20/05/2020 e nº 976, de 04/06/2020. , mas que ficou restrita aos gastos diretos do Ministério da Saúde, a repasses a estados e municípios basicamente por critérios populacionais e, de forma ad hoc, a transferências negociadas para finalidades específicas ou emendas parlamentares.7 7 Apenas as Portarias nº 1.666, de 01/07/2020; nº 3.896, de 30/12/2020 e nº. 2.516, de 21/09/2020 incluíram outros critérios como: IDH, o índice de leitos por 10 mil habitantes e/ou a taxa de incidência da Covid por 100 mil habitantes. O montante soma R$ 15,3 bilhões, cabendo ressaltar que o critério populacional também é central nesses casos. Em consulta ao Portal da Transparência, os valores empenhados na ação orçamentária “enfrentamento da emergência” (código 21C0) até 31/12/2020 foram de R$ 47,2 bilhões, sendo R$ 9,8 bilhões (21%) de aplicação direta da União e R$ 37,4 bilhões (79%) transferidos aos estados e municípios.8 8 http://www.portaltransparencia.gov.br/url/8d6361a7 Em nenhum momento esses repasses foram condicionados à oferta de programas desenhados ou sob diretrizes definidas pelo Ministério da Saúde.

Além disso, não há nenhuma relação com os recursos extraordinários definidos pela já citada Lei 173/2020, da ordem de R$ 60 bilhões, cuja ação orçamentária é “auxílio financeiro relacionado ao programa federativo de enfrentamento a Covid-19 (código 00S7)”.9 9 http://www.portaltransparencia.gov.br/url/b2fffbbe Essa separação entre essas duas ações orçamentárias revela a desconexão entre gasto federal e os objetivos de coordenação federativa. No limite, um amplo programa coordenado pelo governo federal poderia ser financiado por transferências condicionadas dessas duas ações, podendo alcançar mais de R$ 100 bilhões, para financiar políticas executadas localmente sob diretrizes definidas pelo Ministério da Saúde, caso houvesse real intenção do governo federal em assumir tal protagonismo.

Em resumo, a atuação do governo federal no combate à pandemia evidencia o viés populista nas relações intergovernamentais na gestão Bolsonaro. A atuação errática passa da negação da gravidade da doença à disputa pelo protagonismo da vacina, gerando conflitos federativos e entre poderes, ao mesmo tempo em que busca justificar sua inação por meio de críticas às elites políticas (proibição das ações federais pelo STF, geração de pânico pela mídia e crise econômica provocada pelas medidas de isolamento tomadas por governadores e prefeitos). Quando buscou exercer sua coordenação, ignorou formas consolidadas no federalismo brasileiro de regulação federal, seja por meio de transferências condicionadas aos estados e municípios, seja pelas competências regulatórias previstas no SUS. Tal como concluiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia, em seu relatório final aprovado em outubro de 2021, “o governo federal foi omisso e optou por agir de forma não técnica e desidiosa no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, expondo deliberadamente a população a risco concreto de infecção em massa” (SENADO FEDERAL, 2021SENADO FEDERAL. Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia. Relatório final. Brasília, 26 out. 2021. [digit.]. Disponível em: Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/72c805d3-888b-4228-8682-260175471243 . Acesso em: 05 jan. 2022.
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, p. 1270).

A renovação do Fundeb

Outro desafio de coordenação federativa colocado ao governo Bolsonaro foi a renovação do Fundeb, cuja vigência encerrava-se em 2020. O fundo promove uma redistribuição de recursos orçamentários entre estados e municípios dentro de cada unidade federativa, repassando valores correspondentes às matrículas de educação básica ofertadas pelas redes municipais e estadual, independentemente da contribuição de cada esfera de governo ao fundo, que, por sua vez, é definida pela vinculação de receitas disponíveis já destinadas à educação.

Esse mecanismo foi estabelecido pela primeira vez pela Emenda Constitucional 14, que instituiu o Fundef em 1996, ainda restrito ao Ensino Fundamental. A criação do Fundef foi bastante inovadora, promovendo uma “minirreforma tributária” dentro de cada estado (NEGRI, 1997NEGRI, Barjas. O financiamento da educação no Brasil. Brasília, INEP, 1997. Disponível em: Disponível em: http://td.inep.gov.br/ojs3/index.php/td/issue/view/311 . Acesso em: 5 abr. 2021.
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), com redistribuição de recursos em favor das redes responsáveis pela oferta de vagas, redução das desigualdades intraestaduais e também um forte estímulo à ampliação das matrículas nessa etapa da educação, em especial pelos municípios (VAZQUEZ, 2012VAZQUEZ, Daniel Arias. Execução local sob regulação federal: impactos da LRF, FUNDEF e SUS nos municípios brasileiros. São Paulo: Annablume, 2012.). Como fundo pioneiro na educação, toda sua elaboração - inclusive a emenda constitucional - foi iniciativa do Ministério da Educação, durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998).

O Fundef foi substituído pelo Fundeb durante o governo Lula, com ampliação da cobertura para toda a Educação Básica. De um lado, houve aumento dos percentuais dos tributos vinculados ao novo fundo (de 15% para 20%); de outro, os repasses passaram a considerar também as matrículas na Educação Infantil (de competência municipal) e no Ensino Médio (estadual). Também essa reforma teve protagonismo do governo federal. A ampliação do fundo para toda a Educação Básica já era defendida pelo Partido dos Trabalhadores durante a vigência do Fundef (OLIVEIRA, 2009OLIVEIRA, Rosimar de Fátima. Do Fundef ao Fundeb: o processo político de formulação da Emenda Constitucional nº 53/2006. Jornal de Políticas Educacionais, v. 3, n. 5, p. 50-58, jan./jun. 2009. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5380/jpe.v3i5.17352. Acesso em: 22 jul. 2021.
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); a despeito das propostas que já tramitavam, o governo Lula enviou ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº. 415/2005, que acelerou o processo legislativo do novo fundo, em discussão na Câmara desde 1997 (PEC 536/1997).

A comparação com a tramitação dos fundos anteriores revela o papel coadjuvante do governo Bolsonaro na renovação do Fundeb. O fim da vigência do fundo era um fato e o governo Bolsonaro assumiu com o prazo de dois anos para aprovar uma nova emenda constitucional para o financiamento da Educação Básica, pois a simples ruptura desse mecanismo seria impensável após quase 25 anos de fundos multigovernamentais. No entanto, o governo Bolsonaro não enviou nenhuma PEC, não por desejar o fim do fundo ou por apostar em um novo arranjo federativo, mas pela dificuldade de formular uma proposta. Isso fica evidenciado pelos relatos - inclusive da agência de notícias governamental - de que o MEC ainda buscava apresentar uma PEC própria com menos de 1 ano para o fim do Fundeb (TOKARNIA, 2019TOKARNIA, Mariana. MEC propõe aumentar para 15% contribuição da União ao Fundeb. Agência Brasil, 13 jun. 2019. Disponível em: Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2019-06/mec-propoe-aumentar-para-15-contribuicao-da-uniao-ao-fundeb . Acesso em: 18 mar. 2021.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/educaca...
; WEINTRAUB, 2020WEINTRAUB garante que manterá Fundeb, mas diz que governo pretende apresentar PEC sobre o tema no Congresso. G1, Rio de Janeiro, 14 jan. 2020. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/01/14/weintraub-garante-que-mantera-fundeb-mas-diz-que-governo-pretende-apresentar-pec-sobre-o-tema-no-congresso.ghtml . Acesso em: 13 dez. 2020.
https://g1.globo.com/educacao/noticia/20...
). Não chegou a apresentar.

O novo Fundeb foi aprovado a partir da PEC 15/2015, com relatoria da deputada federal Dorinha Seabra (DEM-TO), que tornaria o fundo permanente, com aumento da complementação da União de 10% para 20% e novos critérios de redistribuição da parcela adicional de recursos federais. Já com a PEC encaminhada para votação no plenário da Câmara, o ministro Paulo Guedes - da Economia, não da Educação - propõe um aumento da complementação da União para 23%, desde que 5% fossem utilizados para financiar um novo programa de transferência de renda, que seria o atual Auxílio Brasil (SOARES; WETERMAN; BENHKE, 2020SOARES, Jussara; WETERMAN, Daniel; BENHKE, Emilly. Planalto avalia subir a 23% participação da União no Fundeb. Portal Terra, São Paulo, 20 jul. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/educacao/planalto-avalia-subir-a-23-participacao-da-uniao-no-fundeb,88653524edffea990d7f9c10657dcca93da4ab6z.html . Acesso em: 13 dez. 2020.
https://www.terra.com.br/noticias/educac...
).10 10 Apenas em novembro de 2021, foi criado o Auxílio Brasil após a liberação de recursos pela aprovação da PEC 023/2021, que permitiu o pagamento parcelado de Precatórios e, com isso, liberou recursos orçamentários para a implantação deste novo programa, substituto do Bolsa Família. Na prática, a ideia reduzia para 18% a complementação da União, uma vez que 5% seriam desviados para a assistência social, com o argumento de que atenderiam o público infantil. Aumentar o gasto federal por meio do Fundeb se justificaria pela exclusão da complementação da União do cálculo do Teto de Gasto (EC 95/2016). Contudo, não houve acordo quanto a esta proposta e, ainda assim, a Câmara decidiu ampliar a contribuição federal ao Fundeb para 23%, favorecendo estados e municípios, conforme a EC 108/2020 promulgada que tornou o Fundeb permanente.

Retomando a análise de policy design, o governo Bolsonaro poderia aproveitar a oportunidade dada pelo novo Fundeb para fazer avançar um dos seus objetivos declarados para a área da educação: a criação de voucher para financiar matrículas nas redes particulares conveniadas. Essa destinação dos recursos do Fundeb foi incluída já com o projeto de lei em discussão adiantada no plenário da Câmara, com o apoio da base do governo e de parlamentares da bancada evangélica. Chegou-se a aprovar o uso de recursos do Fundeb para financiar instituições filantrópicas comunitárias, confessionais e para educação privada profissionalizante, limitados a 10% das matrículas totais de ensino fundamental e médio, após a incorporação dessa medida no relatório do deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), o qual obteve 311 votos a favor e 131 votos contrários.

Após reação negativa de diferentes setores da sociedade, essa possibilidade foi excluída do texto aprovado pelo Senado. De volta à Câmara, a retirada desse item foi aprovada por ampla maioria, com o apoio de todos os partidos, exceto o Novo. Esse partido propôs emenda para recuperar a possibilidade de destinação de recursos para escolas privadas conveniadas, ao final rejeitada por 266 a 163, deixando o voucher fora da redação final da Lei nº. 14.113/2020, que regulamentou o Fundeb. Por fim, a Lei nº. 14.276/2021 permitiu apenas o cômputo das matrículas ofertadas pelo Sistema S (Senai, Senac, Sebrae, etc.) e o repasse de recursos do fundo para essas instituições destinados à oferta de educação profissional técnica articulada com o ensino médio, mediante convênio com governos estaduais. Ou seja, a proposta do voucher não vingou.

Em suma, o governo Bolsonaro não assumiu protagonismo na formulação do novo Fundeb, destoando da ação dos governos Cardoso e Lula. Coadjuvante, viu a complementação da União aumentar de 10% para 23% do fundo, sem conseguir destinar recursos, naquela ocasião, para a criação do Auxílio Brasil ou para implantação do voucher para financiar matrículas em escolas privadas.11 11 Na proposta inicial do governo, o Auxílio Brasil incluía voucher para pagamento de creche para famílias com crianças que não obtiveram vaga no ensino infantil público. Entretanto, o Congresso transformou esse componente, denominado Auxílio Criança Cidadã, em repasses diretos para creches conveniadas, que ainda será regulamentado. Portanto, a proposta do voucher também não foi efetivada via Auxílio Brasil.

O “não desenho” nas iniciativas federais

Considerando a atuação do governo Bolsonaro nas políticas aqui analisadas, como interpretar essa combinação de objetivos e instrumentos, do ponto de vista de policy design? O Quadro 1 sintetiza a resposta: predominou a desarticulação entre meios e fins, se forem levados em conta os resultados substantivos.

Quadro 1.
Objetivos e instrumentos nas políticas de saúde e educação

No enfrentamento da Covid-19, havia instrumentos disponíveis que não foram mobilizados, a exemplo das estruturas de coordenação do SUS e do potencial de indução financeira condicionado à oferta descentralizada de programas, sob diretrizes nacionalmente definidas. Há indícios de que motivações estritamente políticas prevaleceram sobre as relacionadas à busca de resultados concretos no combate ao vírus e na mitigação de suas consequências. É a variedade de “não desenho” que Chindarkar, Howlett e Ramesh (2017)CHINDARKAR, Namrata; HOWLETT, Michael; RAMESH, M. Introduction to the special issue: conceptualizing effective social policy design: design spaces and capacity challenges. Public Administration and Development, v. 37, n. 1, p. 3-14, fev. 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1002/pad.1789. Acesso em: 12 jul. 2021.
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classificam de “elaboração populista de políticas”. No caso da ajuda financeira a entes subnacionais, revelou-se um desenho com problemas, cujos repasses foram desvinculados dos indicadores epidemiológicos, com baixa condicionalidade ao financiamento do SUS e sem integração com os repasses fundo a fundo feitos pelo Ministério da Saúde.

Na renovação do Fundeb, dois objetivos foram perseguidos sem sucesso - num primeiro momento, a criação do Auxílio Brasil com parte da contribuição da União ao fundo e, num segundo momento, o voucher para escolas conveniadas. Sob a retórica populista do federalismo bolsonarista, é possível explorar esse resultado como expressão de interesses opostos por parte das “elites políticas”, uma vez que os dispositivos legislativos que viabilizariam as propostas educacionais e seus instrumentos foram, em última análise, negados pelo Congresso. No entanto, considerando o elevado poder de agenda do Executivo e o quanto ele favorece as propostas do Executivo (FIGUEIREDO; LIMONGI, 2006FIGUEIREDO, Argelina Cheibub; LIMONGI, Fernando. Poder de agenda na democracia brasileira: desempenho do governo no presidencialismo pluripartidário. In: SOARES, G. A. D.; RENNO, L. (orgs.). Reforma política: lições da história recente. Rio de Janeiro: FGV, 2006. p. 249-280.), assim como os casos análogos com desfecho favorável envolvendo a mesma política, o governo Bolsonaro abriu mão de usar um instrumento poderoso: a proposição de PEC por iniciativa do Executivo.

No balanço geral, detectamos nas duas políticas predominância do que autores como Howlett e Mukhrejee (2014)HOWLETT, Michael; MUKHERJEE, Ishani. Policy design and non-design: towards a spectrum of policy formulation types. Politics and Governance, v. 2, n. 2, nov. 2014. Disponível em: https://doi.org/10.17645/pag.v2i2.149. Acesso em: 20 jul. 2021.
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qualificam de “não desenho”, entendido como desenvolvimento de políticas no qual está ausente a lógica instrumental do policy design.

A análise ainda pode avançar um degrau. Tanto no caso do enfrentamento da pandemia quanto na renovação do Fundeb, houve sinais de que objetivos de outra ordem se sobrepuseram aos descritos no Quadro 1. Tudo indica que privilegiar a retórica do confronto, culpabilizar governantes subnacionais e se opor ao discurso científico foram as prioridades do governo federal, acima até do combate ao avanço do vírus e a suas consequências sanitárias e econômicas. No caso do Fundeb, é preciso registrar que o principal responsável pelo uso de instrumentos inadequados para perseguir as metas do governo foi justamente um ministro que se notabilizou pelo uso da retórica mais do que por ações concretas, Abraham Weintraub. O eventual objetivo marcadamente político por trás da inação reiterada é difícil de precisar, mas é certo que a resultante se prestaria a exploração passível de ser entendida como populista, a julgar pelo conteúdo dos discursos do ministro (GUIMARÃES; OLIVEIRA, 2021GUIMARÃES, Rafael S.; OLIVEIRA, Cleber R.B. “Meu twitter, minhas regras”: as pautas de costumes na educação bolsonarista. Reveduc - Revista Eletrônica da Educação, São Carlos, SP, v. 15, e4568140, 2021. Disponível em: Disponível em: http://www.reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc/article/view/4568 . Acesso em: 10 jan. 2022.
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).

Conclusão

Este artigo usou ferramentas analíticas do policy design e da literatura comparada sobre o populismo contemporâneo para fazer um balanço da orientação do governo Bolsonaro em relação às dinâmicas federativas no campo das políticas sociais. A análise das ações e inações do governo federal se concentrou no combate à pandemia de Covid-19 e na renovação do Fundeb - políticas centrais em duas áreas estruturantes para a federação brasileira no pós-1988.

Federalismo populista revelou-se uma síntese adequada para a orientação dos três primeiros anos do governo Bolsonaro nessas áreas. Os objetivos e princípios no trato com a federação parecem se apoiar em noções rudimentares - a exemplo do próprio slogan “Menos Brasília, Mais Brasil”. As relações federativas com frequência se tornam munição para o enquadramento retórico na chave do confronto e da lógica dicotômica “nós contra eles”, com governadores, Congresso, STF e a mídia no papel do mal ou da elite política a serem combatidos.

Nas duas áreas de políticas investigadas em detalhes, colhemos sinais do que diferentes autores e autoras classificam de “não desenho”. Políticas foram propostas ou desenvolvidas de forma desprovida da lógica instrumental do policy design, sem esforço de integrar meios a fins substantivos e com caráter aparentemente “irracional”. Instrumentos foram adotados em contradição com os objetivos perseguidos, a exemplo do socorro fiscal a estados que desconsiderou o real impacto da pandemia na arrecadação de cada um. Instrumentos disponíveis foram ignorados apesar de seu potencial, como a possibilidade de um programa específico para a Covid-19 desenhado nacionalmente, em linha com outras iniciativas já utilizadas no financiamento do SUS. Objetivos declarados deixaram de usar os melhores instrumentos disponíveis, a exemplo da adoção de voucher para escolas privadas, após o Executivo federal abrir mão do protagonismo na proposição de PEC na renovação do Fundeb.

Duas camadas do federalismo populista de Bolsonaro estão evidenciadas neste artigo. De um lado, o não desenho atinge paroxismos como deixar de combater o vírus para combater governadores - um exemplo de “anti-desenho”. Há indícios de que motivações estritamente políticas prevaleceram sobre as relacionadas à busca de resultados concretos no combate à Covid-19 e na mitigação de suas consequências. É o que Chindarkar, Howlett e Ramesh (2017)CHINDARKAR, Namrata; HOWLETT, Michael; RAMESH, M. Introduction to the special issue: conceptualizing effective social policy design: design spaces and capacity challenges. Public Administration and Development, v. 37, n. 1, p. 3-14, fev. 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1002/pad.1789. Acesso em: 12 jul. 2021.
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classificam de elaboração populista de políticas. Isso é diferente de apenas haver desencontro no desenho da política ou ênfase política na articulação de objetivos e instrumentos; trata-se de empregar racionalidade não instrumental - com instrumental aqui entendido como comprometido com a obtenção de resultados substantivos - e predominantemente política.

De outro lado, a retórica populista, que busca o confronto, trabalha em chaves dicotômicas e envolve se colocar ao lado do “povo” em oposição a forças da elite, esteve patente no caso da saúde. Na renovação do Fundeb, é possível argumentar que o fato de não conseguir implementar suas propostas também pode ajudar na retórica “do boicote ao governo pelas elites políticas”, uma vez que o Congresso assumiu o protagonismo e rejeitou duas propostas do governo - voucher e Auxílio Brasil, financiados com recursos do novo Fundeb -, ambas apresentadas pelo governo com a tramitação do novo fundo já bastante avançada.

Tudo somado, nossa abordagem e nossas conclusões apontam como menos promissoras as hipóteses de que o projeto de Bolsonaro para a federação seria avançar o federalismo dual e hierárquico, em detrimento da articulação cooperativa que tem predominado desde 1988, e diminuir a participação da União em políticas públicas. Após analisar a (falta de) atuação do governo Bolsonaro nessas duas políticas, reunimos evidências de que o presidente navega na estrutura federal do Estado brasileiro guiado pela bússola do populismo, o que com frequência significa priorizar a retórica a ações concretas e com resultados efetivos em termos de políticas.

Isso não é o mesmo que dizer que o Brasil sob Bolsonaro comportou-se como uma federação populista, qualquer que seja a definição que se dê à expressão. Este estudo avaliou a orientação do presidente em duas áreas estruturantes de políticas - ou seja, o foco recaiu sobre a agência e não sobre a estrutura geral do arranjo federativo. Outras áreas das relações intergovernamentais podem apresentar orientações diferentes e mais estudos setoriais são necessários para detectar recorrências e amadurecer coletivamente uma possível síntese para os efeitos do governo Bolsonaro sobre a federação brasileira.

Relevante registrar que as eventuais recorrências nas relações entre governantes populistas e o manejo de arranjos institucionais multinível, como federações, ainda seguem subexploradas nos estudos comparativos. A saliência das relações intergovernamentais durante a pandemia de Covid-19 chamou atenção para o tema na área da saúde, com estudos destacando negacionismo, blame avoidance e respostas iliberais dadas por governantes populistas, a exemplo de Meyer (2020)MEYER, Brett. Pandemic populism: an analysis of populist leaders’ responses to Covid-19. Londres: Tony Blair Institute for Global Change, 2020. Disponível em: Disponível em: https://institute.global/policy/pandemic-populism-analysis-populist-leaders-responses-covid-19 Acesso em: 12 jan. 2021.
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ou Grin, Peters e Abrucio (2021)GRIN, Eduardo; PETERS, B. Guy; ABRUCIO, Fernando L. Conclusions. In: PETERS, B. Guy; GRIN, Eduardo; ABRUCIO, Fernando L. (eds.). American federal systems and Covid-19. Bingley: Emerald Publishing, 2021.. Em outros setores, o tema segue intocado.

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  • 3
    Este estudo teve apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP (processo nº. 2021/08773-5).
  • 4
    Por ser uma ação em andamento até a conclusão deste artigo, optou-se por excluir a vacinação da análise de policy design. Além disso, a importância desta ação, os diversos conflitos e a postura pessoal de Bolsonaro de não se vacinar justificam um estudo específico sobre o assunto.
  • 5
    A análise da agenda econômica está fora do escopo de análise deste artigo, cujo foco é a dinâmica federativa no campo das políticas sociais, especificamente na saúde e educação.
  • 6
    Com recursos advindos de créditos extraordinários abertos pelas Medidas Provisórias nº 924, de 13/03/2020; nº 940, de 02/04/2020; nº 947, de 08/04/2020; nº 967, de 19/05/2020; nº 969, de 20/05/2020 e nº 976, de 04/06/2020.
  • 7
    Apenas as Portarias nº 1.666, de 01/07/2020; nº 3.896, de 30/12/2020 e nº. 2.516, de 21/09/2020 incluíram outros critérios como: IDH, o índice de leitos por 10 mil habitantes e/ou a taxa de incidência da Covid por 100 mil habitantes. O montante soma R$ 15,3 bilhões, cabendo ressaltar que o critério populacional também é central nesses casos.
  • 8
  • 9
  • 10
    Apenas em novembro de 2021, foi criado o Auxílio Brasil após a liberação de recursos pela aprovação da PEC 023/2021, que permitiu o pagamento parcelado de Precatórios e, com isso, liberou recursos orçamentários para a implantação deste novo programa, substituto do Bolsa Família.
  • 11
    Na proposta inicial do governo, o Auxílio Brasil incluía voucher para pagamento de creche para famílias com crianças que não obtiveram vaga no ensino infantil público. Entretanto, o Congresso transformou esse componente, denominado Auxílio Criança Cidadã, em repasses diretos para creches conveniadas, que ainda será regulamentado. Portanto, a proposta do voucher também não foi efetivada via Auxílio Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2021
  • Aceito
    09 Mar 2022
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