Acessibilidade / Reportar erro

Ecologia, cooperação internacional e configuração biogeográfica do Brasil: Pierre Dansereau e o acordo científico Brasil-Canadá nos anos 1940

Resumo

O artigo analisa o trabalho realizado no Brasil pelo ecólogo canadense Pierre Dansereau (1911-2011), por meio de acordo científico firmado entre a Divisão de Cooperação Intelectual do Ministério das Relações Exteriores e a Embaixada do Canadá no país em 1944. Dansereau é considerado um dos principais nomes da ecologia no século XX e veio ao Brasil em 1945 como diretor do Serviço de Biogeografia da Província do Québec. Seu plano de estudos ecológicos previa expedições científicas, formação de pessoal especializado e perspectivas de cooperação internacional com instituições como o Museu Nacional, o Conselho Nacional de Geografia e o Instituto Oswaldo Cruz. Sua viagem ao Brasil permite analisar as inter-relações entre a geopolítica do desenvolvimentismo brasileiro, o nacionalismo quebequense, o panamericanismo como movimento intelectual e a tentativa de estabelecimento de rede francófona de pesquisa em biogeografia, ecologia e sociologia vegetal.

Palavras-chave
Dansereau; história da ecologia; relações científicas internacionais

Abstract

The article analyzes work done in Brazil by Canadian ecologist Pierre Dansereau (1911-2011) under a scientific cooperation agreement between the Intellectual Cooperation Division of the Brazilian Ministry of Foreign Affairs and the Canadian Embassy, signed in 1944. Dansereau, a leading figure in twentieth-century ecology, came to Brazil in 1945 as director of the Quebec Province Biogeography Service. His proposed ecological research plan called for the organization of scientific expeditions, specialized staff training, and future international cooperation with such Brazilian institutions as the National Museum, the National Geography Council, and the Oswaldo Cruz Institute. His stay in Brazil affords an opportunity to analyze the interrelations between the geopolitics of Brazilian developmentalism, Quebec nationalism, Pan-Americanism as an intellectual movement, and the attempt to establish a francophone research network in biogeography, ecology, and plant sociology.

Keywords:
Dansereau; history of ecology; international scientific relations

Introdução

O artigo analisa o trabalho realizado no Brasil pelo ecólogo canadense Pierre Dansereau (1911-2011), por meio de acordo científico firmado com o Canadá em 1944. Dansereau é considerado um dos principais nomes da ecologia no século XX e veio ao país, com financiamento do governo brasileiro, no imediato pós-Segunda Guerra Mundial, para trabalho contínuo de pesquisa e ensino entre os anos de 1945 e 1946. Sua viagem ao Brasil foi possível graças a um acordo de colaboração científica estabelecido entre a Divisão de Cooperação Intelectual do Ministério das Relações Exteriores e a Embaixada do Canadá no país.

Sua vinda deve ser entendida como fenômeno histórico que tem recebido grande atenção da historiografia das ciências nos últimos anos, qual seja a cooperação científica internacional, sobretudo no período entre guerras, com foco na análise da atuação multifacetada, dos vínculos variados e das múltiplas zonas territoriais de circulação de experts. Ou melhor, de cientistas que atuaram como espécies de diplomatas culturais e agentes "duplos", "tríplices", se não "múltiplos", no sentido de ação local para conjugação concomitante de interesses - pessoais, profissionais, institucionais e políticos - diferenciados (Palmer, 2015PALMER, Steven. Laboratórios de Modernidade Crioula (ou O Demônio que se transformou em Vermes). In: PALMER, Steven. Gênese da Saúde Global: a Fundação Rockefeller no Caribe e na América Latina. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2015. p.187-228.; 2004PALMER, Steven. Saúde Imperial e Educação Popular: a Fundação Rockefeller na Costa Rica em uma perspectiva centro-americana, 1914-1921. In: HOCHMAN, Gilberto; ARMUS, Diedo. Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América Latina e Caribe. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz , 2004. p.217-248.; Silva, 2011SILVA, André Felipe Cândido da. A trajetória de Henrique da Rocha Lima e as relações Brasil - Alemanha (1901-1956). Tese (Doutorado em História) - Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Rio de Janeiro, 2011.). A propósito, os estudos no Brasil têm enfatizado disputas diplomáticas em relação à primazia na hegemonia cultural sobre a América Latina, assim como modalidades muito dinâmicas de cooperação intelectual entre brasileiros e americanos, brasileiros e franceses, brasileiros e japoneses, brasileiros e alemães (Benchimol, 2013BENCHIMOL, Jaime. O Brasil e o mundo germânico na medicina e saúde pública (1850-1918). História, vol. 32, p.105-138, 2013.; 2009BENCHIMOL, Jaime. Relações médicas e científicas entre o Brasil e o mundo germânico (1850-1918). In: DREHER, Martin et al. (orgs.). Saúde: corporeidade - educação. São Leopoldo: Oikos, 2009. p.58-113.; Ferreira, 2012FERREIRA, Marieta Moraes. O ensino da história na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, vol. 2, p.611-636, 2012.; 2005FERREIRA, Marieta Moraes. Os professores franceses e a redescoberta do Brasil. Revista Brasileira, vol. 1, n. 43, p.227-245, 2005.; Gambini, 1977GAMBINI, Roberto. O duplo jogo de Getúlio Vargas, influência americana e alemã no Estado Novo. São Paulo: Símbolo. 1977.; Garcia, 2006GARCIA, Eugenio Vargas. Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920. Brasília: Editora da Universidade de Brasília; Funag, 2006.; Kodama; Sá, 2013KODAMA, Kaori; SÁ, Magali Romero. Saúde, imigração e circulação de conhecimentos: Japão e Brasil nas relações científicas no período entre-guerras. Territórios e Fronteiras, vol. 6, p.125-141, 2013.; Lessa, 2002LESSA, Mônica. Relações culturais internacionais. In: MENEZES, Lená; ROLLEMBERG, Denise; MUNTEAL FILHO, Oswaldo. Olhares sobre o político: novos ângulos, novas perspectivas. Rio de Janeiro, UERJ, 2002. p.11-26.; Maio, 2005MAIO, Marcos Chor. A Unesco e o projeto de criação de um laboratório científico internacional na Amazônia. Estudos Avançados, vol. 19, n. 53, p.115-130, 2005.; Marinho, 2001MARINHO, Maria Gabriela S. M. C. Norte-americanos no Brasil. Uma história da Fundação Rockefeller na Universidade de São Paulo (1934-1952). Campinas: Autores Associados; São Paulo: Universidade de São Francisco, 2001.; Sá, 2009SÁ, Magali Romero. Relações médico-científicas entre Brasil e Japão no entreguerras. In: BENCHIMOL, Jaime; SÁ, Magali Romero; KODAMA, Kaori; ANDRADE, M. M.; CUNHA, V. da S. (orgs.). Cerejeiras e cafezais: relações médico-científicas entre Brasil e Japão e a saga de Hideyo Noguchi. Rio de Janeiro: Bom Texto Editora, 2009. p.75-121.; Sá; Benchimol; Kropf; Viana; Silva, 2009SÁ, Magali Romero; BENCHIMOL, Jaime; KROPF, Simone; VIANA, Larissa; SILVA, André Felipe Cândido da. Medicina, ciência e poder: as relações entre França, Alemanha e Brasil no período de 1919 a 1942. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, vol. 16, p.247-261, 2009.; Rolim; Sá, 2013ROLIM, Marlom Silva; SÁ, Magali Romero. A política de difusão do germanismo por intermédio dos periódicos da Bayer: a Revista Terapêutica e O Farmacêutico Brasileiro. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, vol. 20, p.159-179, 2013.; Sá; Silva, 2010SÁ, Magali Romero; VIANA, Larissa Moreira. La science médicale entre la France et le Brésil: stratégies déchange scientifique dans la période de lentre-deux guerres. Cahiers des Amériques Latines, vol. 65, p.65-88, 2010.; Sá; Viana, 2012SÁ, Magali Romero; VIANA, Larissa Moreira. Relações científicas internacionais: estudo comparado das influências e estratégias de aproximação da Alemanha, França com o Brasil no entreguerras. In: FAULHABER, Priscila; DOMINGUES, Heloisa; BORGES, Luiz (orgs.). Ciências e Fronteiras. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins - MAST, 2012. p.85-104.; 2010SÁ, Magali Romero; VIANA, Larissa Moreira. La science médicale entre la France et le Brésil: stratégies déchange scientifique dans la période de lentre-deux guerres. Cahiers des Amériques Latines, vol. 65, p.65-88, 2010.; Suppo, 2016SUPPO, Hugo Rogelio. A máquina diplomática cultural da Quarta República francesa e o Brasil (1946-1958). Meridiano 47, vol. 17, p.01-19, 2016.; 2013SUPPO, Hugo Rogelio. Réflexions sur le rôle de la culture dans les principaux paradigmes des Rélations Internationales. In: MARTINIÈRE, Guy; MONTEIRO, Eric (orgs.). Les échanges culturels internationaux. France. Brésil, Canada-Québec (XIXe-XXe siècles). Paris: Les Indes Savantes, 2013. p.67-76.; 2003SUPPO, Hugo Rogelio. Ciência e Relações internacionais. Revista da Sociedade Brasileira de História da Ciência, vol. 1, n.1, p.06-20, 2003.; 2001SUPPO, Hugo Rogelio. A política cultural da França no Brasil entre 1920 e 1940: o direito e o avesso das missões universitárias. Revista de História, vol. 142-143, p.309-345, 2001.; 2000SUPPO, Hugo Rogelio. La politique culturelle française au Brésil entre les années 1920-1950. Villeneuve d'Ascq: Presses Universitaires du Septentrion, 2000.; 1995SUPPO, Hugo Rogelio. Intelectuais e artistas nas estratégias de propaganda cultural no Brasil (1940-1944). Revista de História, vol. 1, p.75-88, 1995.; Suppo; Lessa, 2012SUPPO, Hugo Rogelio; LESSA, Mônica Leite (orgs.). A quarta dimensão das Relações Internacionais: a dimensão cultural. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2012.; 2004SUPPO, Hugo Rogelio; LESSA, Mônica Leite. Contribuciones teóricas y metodológicas al estudio de la dimensión cultural en las relaciones internacionales. Ciclos en la Historia, la Economía y la Sociedad, vol. 28, p.155-174, 2004.; Tota, 2005TOTA, Antonio Pedro. Cultura e dominação: relações culturais entre o Brasil e os Estados Unidos durante a Guerra Fria. Perspectivas, vol. 27, p.111-122, 2005.; 2000TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor - a americanização no Brasil na época da Segunda Guerra. São Paulo: Companhia das letras, 2000.). O Canadá ainda não mereceu estudos sistemáticos em chave de interpretação semelhante. O caso Dansereau permite analisar as inter-relações entre a geopolítica do desenvolvimentismo brasileiro, o nacionalismo quebequense, o panamericanismo como movimento intelectual e a tentativa de estabelecimento de rede francófona de pesquisa em biogeografia, ecologia e sociologia vegetal.

A cooperação científica da qual tratamos era internacional, mas não se deu nos termos do já suficientemente problematizado binarismo entre centro-periferia (Basala, 1967BASALA, George. The Spread of Western Science. Science, n. 156, p.611-622, 1967.). A historiografia recente tem trabalhado, antes, com a perspectiva de uma produção científica multicêntrica, altamente diferenciada segundo distintos campos disciplinares e com ênfase em redes de comunicação, alianças, intercâmbios e hibridismo cultural; cruzamento de fronteiras nacionais e de áreas do conhecimento científico; circulação de ideias, pessoas e artefatos tecnológicos; sincronias, reciprocidade e interseções entre grupos e relações de trabalho (Charle, 2006CHARLE, Christopher (org.). Redes intelectuales trasnacionales. Barcelona: Pomares, 2006.; Charle; Schriewer; Wagner, 2004CHARLE, Christopher; SCHRIEWER, Jurgen; WAGNER, Peter (eds.). Transnational Intellectual Networks: forms of academic knowledge and the search for cultural identities. Frankfurt: Campus Verlag, 2004.; Figueirôa, 1998FIGUEIRÔA, Silvia. Mundialização da ciência e respostas locais: sobre a institucionalização das ciências naturais no Brasil. Asclepio, vol. 2, p.107-123, 1998.; Kropf; Hochman, 2011KROPF, Simone; HOCHMAN, Gilberto. From the Beginnings: Debates on the History of Science in Brazil. The Hispanic American Historical Review, vol. 91, p.391-408, 2011.; Macleod, 1989MACLEOD, Roy. Cambio de perspectiva en la história social de las ciências. In: SALDAÑA, Juan (org.). Introducción a la teoria de la história de las ciências. México: Universidad Autônoma de México, 1989.; 1987; McCook, 2013MCCOOK, Stuart. Global Currents in National Histories of Science: The 'Global Turn' and the History of Science in Latin America. Isis, vol. 104, n. 4, p.773-776, 2013.; 2002MCCOOK, Stuart. States of Nature: Science, Agriculture, and Environment in the Spanish Caribbean, 1760-1940. Austin: University of Texas Press, 2002.; Palmer; Hochman, 2010PALMER, Steven; HOCHMAN, Gilberto. A Canada-Brazil Network in the Global Eradication of Smallpox. Canadian Journal of Public Health, vol. 101, p.113-118, 2010.; Petitjean, 1996PETITJEAN, Patrick. Ciências, Impérios, Relações Científicas Franco-brasileiras. In: HAMBURGUER, Amélia Império; DANTES, Maria Amélia; PATY, Michel; PETITJEAN, Patrick (orgs.). A Ciência nas Relações Brasil-França (1850-1950). São Paulo: Edusp, 1996. p.25-39.).1 1 A cooperação científica Brasil-Canadá já foi objeto de análise de um dos autores deste artigo, em trabalho sobre as redes informais de intercâmbio entre especialistas em saúde pública e suas pesquisas sobre produção de vacinas no âmbito do programa global de erradicação da varíola da Organização Mundial de Saúde - OMS, entre os anos 1966 e 1977. Sua proposta foi compreender a colaboração intelectual em fóruns múltiplos, transientes e pouco formais de trabalho compartilhado, como congressos e comitês internacionais. PALMER; HOCHMAN, 2010. No caso vertente, temos como personagem principal um especialista, tratado entre os seus pares no Brasil como um mestre, mesmo que, na ocasião, viesse de uma região considerada periférica no estado canadense e em toda a América do Norte, enfrentasse séria oposição à sua fixação profissional em Montréal, e estivesse ainda muito distante do renome mundial que alcançaria nos anos 1970 com a sua famosa 'boule de flèches'. Esse modelo analítico que o consagrou representa a multidirecionalidade das trocas de matéria e energia entre os diferentes componentes de um mesmo ecossistema, assim como de ecossistemas vizinhos. O esquema de Dansereau enfatizava níveis tróficos de investimento que caracterizam a atividade humana. Destacava, assim, a injustiça ecológica de modelos modernos de consumo humano como formas de controle sobre ecossistemas, cada vez mais distantes, e dos quais eram retirados recursos naturais e depositados excedentes de produção industrial e lixo (Audet, 2012AUDET, René. L'écologie humaine de Pierre Dansereau et la métaphore du paysage intérieur. Natures Sciences Sociétés, vol. 20, p.30-38, 2012.).2 2 DANSEREAU, Pierre. L'envers et e'endroit: le désir, lé besoin et la capacité. Québec: Musée de la civilisation, 1994; DANSEREAU, Pierre. Les dimensions écologiques de l'espace urbain. Cahiers de géographie du Québec, vol. 31, n. 84, p.333-395, 1987.

Graças à boule de flèches, mas também a conceitos como 'ecodecisão' e 'austeridade feliz', Dansereau é considerado um dos grandes nomes mundiais da ecologia, do ambientalismo e do desenvolvimento sustentável no século XX, e um dos pioneiros da ecologia humana, com suas análises das fases sucessivas da escalada do impacto humano sobre o ambiente por meio da agricultura e industrialização. Suas outras áreas de atuação foram a ecologia urbana e o estudo da dinâmica de florestas tropicais, temperadas e árticas.3 3 Sobre a obra de Dansereau, há vasta bibliografia. Para síntese de sua trajetória profissional, pode-se ver a bela exposição virtual "Pierre Dansereau, écologiste", disponível em: http://www.archives-expopd.uqam.ca/. Já famoso, Dansereau voltou ao Brasil inúmeras outras vezes até aos anos 1990, mantendo parcerias com seus antigos alunos brasileiros, e estabelecendo novas relações com profissionais da área de ecologia urbana, que se ocuparam em dedicar-lhe eventos e publicações de homenagem e de análise de sua obra (Vieira; Ribeiro, 1999VIEIRA, Paulo Freire; RIBEIRO, Maurício Andrés (orgs.). Ecologia humana, ética e educação. A mensagem de Pierre Dansereau. Porto Alegre; Florianópolis: Pallotti; APED, 1999.). Mais recentemente, novos trabalhos têm sido realizados, de modo a compreender as relações de amizade e trocas intelectuais de Dansereau com os alunos e parceiros brasileiros, assim como sua importância para a posterior institucionalização da ecologia no Brasil (Schwarz, 2015SCHWARZ, Maria Luiza. Pierre Dansereau - o ecologista de "pés descalços" nas representações de seus alunos, ex-alunos e amigos canadenses e brasileiros. In: Anais do VIII Encontro Regional Sul de História Oral, História Oral: Lugares e Desafios. Joinville: UNIVILLE, 2015. p.207-217.; Fernandes, 2015FERNANDES, Bruno Fraga. A Institucionalização da Ecologia no Brasil - Contribuições Científicas do Museu Nacional e da Fiocruz. Anais do XXVIII Simpósio Nacional de História, Florianópolis, 2015.), mas a primeira e mais longa viagem ao país, a que possibilitou a cooperação longeva que manteve com profissionais brasileiros, na criação de programas locais de pesquisa, ainda não foi tema de estudos sistemáticos.4 4 Abordagens iniciais foram desenvolvidas em SÁ, 2011; SÁ; SÁ, 2015. Essa, então, é a nossa proposta neste artigo.

Jeune no Canadá

Dansereau nasceu em Montréal em 1911, em uma próspera família de proprietários de terras. Na juventude, em 1932, fundou, com seus amigos do Collège Sainte-Marie, André Laurendeau e Gérad Fillon, o movimento Jeune-Canada, do qual foi o primeiro presidente. Esse agrupamento nacionalista quebequense, católico, de jovens bem nascidos da rica região montrealense de Outremont, postulava, sob o lema "Maîtres chez nous", maior autonomia da província de Québec em relação ao país, assim como o direito de viver em um país bilíngue. Amigos desde o colégio, e de clubes literários como o Club X e o Círculo Crémazie, Dansereau, Laurendeau e Fillon rumaram juntos para a Universidade de Montréal e para o grupo nacionalista. O movimento era apoiado pela Ligue d'action française, do padre historiador Lionel Groulx, catedrático de História Canadense do Québec na Universidade de Montréal, e seu manifesto inicial, de dezembro de 1932, reuniu 75.000 assinaturas de apoiadores e simpatizantes (Bienvenue, 2003BIENVENUE, Louise. Quand la jeunesse entre en scène: l'action catholique avant la Révolution tranquille. Montréal: Boréal, 2003.; Chouinard, 1986CHOUINARD, Denis. Des contestataires pragmatiques: les Jeune-Canada, 1932-1938. Revue d'histoire de l'Amérique française, vol. 40, n. 1, p.05-28, 1986.). Seu nacionalismo era de corte tradicional, conservador, e havia entre seus membros séries de dissensões sobre separatismo, soberania e independência política da província, mas compartilhavam forte princípio básico: a colaboração cotidiana à propaganda do patriotismo local.5 5 DANSEREAU, Pierre. Jeune Canada. Le Quartier Latin (Montréal), p.01-02, 23 fév. 1933. Por meio de textos publicistas em jornais nacionalistas, como Action nationale e Le Devoir, alocuções em programas radiofônicos, assembleias populares frequentes e visitas dirigidas a instituições escolares, o movimento defendia ainda a oposição ao partido liberal quebequense, o protecionismo econômico, a difusão da língua francesa, assim como a imersão na vida rural (Chouinard, 1986CHOUINARD, Denis. Des contestataires pragmatiques: les Jeune-Canada, 1932-1938. Revue d'histoire de l'Amérique française, vol. 40, n. 1, p.05-28, 1986.).

O conjunto de valores desse agrupamento estudantil tem raízes no nacionalismo local, da Nova França ao Bas-Canada dos séculos XVIII ao XX. Referimo-nos especialmente à história do movimento autononomista do Bas-Canada e sua divisa "Notre réligion, notre langue, nos lois". Entre os valores norteadores da ação do Bas-Canada e o nacionalismo quebequense dos anos 1930 houve vários pontos de contato, como o reforço de costumes locais e modelos sociais tradicionais, com ênfase na família, na religião católica e na luta contra a predominância inglesa na região (Lamonde, 2011LAMONDE, Yvan. La modernité au Québec. La Crise de l'homme et de l'esprit, 1929-1939. Montréal: Éditions Fides, 2011.). Um desses pontos, no entanto, tem especial relevância para o caso Dansereau e sua vinda ao Brasil: o sentimento de pertencimento histórico à América.6 6 Em 1791, em resposta à Independência dos EUA, a província do Québec foi dividida em Bas-Canada e Haut-Canada, para melhor controle de territórios sob a jurisdição da Grã-Bretanha. A prática da religião católica e o uso do código civil francês eram tolerados no Bas-Canada, mas com poder de veto absoluto pela monarquia britânica, que também passou a estimular fortemente a colonização inglesa e irlandesa para a região no início do século XIX. Esse movimento deu origem ao Parti Canadien, logo depois Parti Patriote, e ao jornal Le Canadien, com defesa explícita da autonomia administrativa e soberania da província em relação ao poder inglês (LAMONDE, 2011; 2004). Já na primeira metade do século XIX, era intensa a presença britânica no Bas Canada, expressa sobretudo pela criação do Bank of Montreal e da McGill University. Concomitantemente, crescia o apoio, no Haut-Canada, para a junção das duas províncias com a criação de uma única colônia de cultura e língua britânicas. Em 1830, ocorreu a chamada Rebelião dos Patriotas contra os unificadores e legalistas ingleses. Le Bas-Canada declara a sua independência, em 1838, e a República é proclamada. O movimento foi, no entanto, derrotado, e, em 1841, a província do Canadá foi criada com a união do Haut e do Bas-Canada, com vistas a induzir a assimilação cultural completa dos francófonos. A maioria franco-católica do Bas-Canada foi, assim, posta em situação de inferioridade jurídica com o Canada-Uni (LAMONDE, 2011; 2004). O Bas-Canada foi contemporâneo a outros movimentos de independência nas Américas, caso dos EUA, Paraguai, Brasil, Chile, Peru e Colômbia, tendo encontrado, na sua derrota, paralelo mais imediato na metrópole europeia, especialmente nos casos da Irlanda e da Escócia. A identidade com a Europa, a despeito da luta autonomista, foi, pois, mantida, material e simbolicamente, mesmo no contexto mais amplo dos movimentos separatistas nas Américas. O Canadá tornou-se independente do Reino Unido em 1867, mas movimentos autonomistas ou de reivindicação de soberania do Québec se mantiveram até o século XX.

Na universidade, Dansereau se formou em artes em 1931, estudou direito a partir de 1932, com vistas a seguir carreira diplomática, mas seu destino final foi o curso de agronomia. Suas ligações com o movimento nacionalista, que desapareceu em 1938, foram rompidas em 1935, por divergências com outros membros independentistas e maior dedicação ao Instituto Agrícola de Oka, também ligado à Universidade de Montréal, do qual saiu, em 1936, especialista em botânica e horticultura.

Sua especialização na área foi aprofundada com seu doutorado em taxonomia vegetal e geografia botânica, concluído em Genebra em 1939, e sua atuação profissional teve início no Jardim Botânico de Montréal, onde trabalhou de 1939 a 1942. Quando veio ao Brasil, era diretor do Serviço de Biogeografia, situado na Universidade de Montréal. O Serviço era um centro de pesquisas ecológicas, criado na virada de 1942 para 1943, para efetuar estudos de distribuição e adaptação de plantas e animais ao território da província de Québec, com desdobramentos para a silvicultura, caça, pesca e agricultura.7 7 Bulletin du Service de Biogéographie, 1945-1959, 22P-660:001/233-234; Canada: Service de Biogéographie, 1947, 22P-660:01/796; Rapport des travaux du Service de Biogéographie pour les années 1943-1949, 22P-660:01/230-232. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM.

O Serviço de Biogeografia contava com condições altamente favoráveis de apoio financeiro e posicionamento institucional. Funcionava como um setor do departamento de botânica, no interior do Instituto de Biologia, mas tinha gestão autônoma. Prescindia totalmente do apoio da universidade por contar com recursos tanto do governo da província de Québec quanto do Conselho Nacional de Pesquisas do Canadá.8 8 Annexe au procès-verbal de la 237ième réunion du Conseil de la Faculté des Sciences, le 03 oct. 1942 (sobre a proposta de criação do Serviço de Biogeografia); Extrait du procès-verbal de la 238ième réunion du Conseil de la Faculté des Sciences, le 10 nov. 1942 (sobre a aprovação da criação do Serviço); Extrait du procès-verbal de la 239ième réunion du Conseil de la Faculté des Sciences, le 09 déc. 1942 (sobre os recursos financeiros do Serviço); Extrait du procès-verbal de la 247ième réunion du Conseil de la Faculté des Sciences, le 25 août 1943 (sobre o apoio financeiro do governo da Provincia de Québec ao Serviço); Extrait du procès-verbal de la 250ième réunion du Conseil de la Faculté des Sciences, le 26 nov. 1943 (sobre a "independência" do Serviço em relação ao Instituto de Biologia e à Universidade); Extrait du procès-verbal de la 251ième réunion du Conseil de la Faculté des Sciences, le 10 jan. 1944 (sobre as discordâncias em relação ao funcionamento do Serviço na Universidade em função da sua alta captação de recursos externos). Pasta 128.8-3.8, Archives de l'Université de Montréal. Essa condição era totalmente excepcional, como podemos acompanhar na documentação administrativa do Serviço, do Instituto e da Universidade, e ela deve ser explicada por seu capital familiar, ou melhor, por sua extração da elite intelectual e social de Montréal.

Registros autobiográficos demonstram que requisitava apoio, para suas atividades profissionais, e desde muito jovem, a amigos de seu influente pai, Lucien Dansereau.9 9 DANSEREAU, Pierre. La Lancée: 1911-1936 - Projets inachevés, vol. 1. Autobiographie. Québec: Éditions Multimonde, 2005. Ver também: Une vie politique. Le Devoir, le 01 oct. 2011. Disponível em: http://www.ledevoir.com/environnement/actualites-sur-l-environnement/332602/une-vie-politique-un-jeune-homme-fonde-avec-andre-laurendeau-les-jeune-canada; Acesso em: 13 set. 2016. O multifinanciamento do Serviço de Biogeografia não se trata, no entanto, de fenômeno de explicação monocausal. Sobre os interesses de seus apoiadores, devemos esclarecer que o governo de Québec não subsidiava movimentos de autonomia da província, mas induzia propaganda cultural francófona no exterior. Neste panorama, visava que o Serviço fosse uma ponta de lança da internacionalização da ciência do Québec, ou melhor, do Canadá francês, de suas ditas originalidade e independência em relação aos Estados Unidos, à Inglaterra e à própria França. 10 10 Correspondências entre Dansereau e seu orientador de doutorado, Braun-Blanquet: 05 mar. 1945, 25 nov. 1945, 20 mar. 1946 e 14 maio 1946. Pasta: Vie Professionnelle - Correspondances - Braun-Blanquet 1938-1975. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'Université de Québec à Montréal (UQÀM), 22P.030-01/725. De sua parte, o Conselho Nacional de Pesquisas do Canadá tinha sido criado e impulsionado como parte do chamado 'esforço de guerra' canadense, de modo que o país se colocasse em condições de servir como centro produtor de várias matérias-primas em substituição a países europeus assolados pelo conflito mundial. Na ocasião, o Conselho estava especialmente interessado em patrocinar experiências de tropicalização de espécies vegetais e diversificação da indústria florestal e madeireira no país.11 11 Conselho Nacional de Pesquisas do Canadá. Texto datilografado de conferência feita na FGV em 28 mar. 1946. Pasta: Vie Professionnelle - Correspondances - Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 030:12/105. A situação privilegiada do Serviço, no entanto, não trazia conforto institucional. Dansereau sofria muitas pressões para se subordinar ao conselho universitário e, sobretudo ao setor de botânica, e de modo a compartilhar com todo o Instituto de Biologia as verbas externas de seu Serviço de Biogeografia. A opção que a Universidade de Montréal lhe oferecia era a transferência do Serviço para o Jardim Botânico de Montréal, onde resguardaria a continuidade de suas pesquisas sem a possibilidade de recrutamento de estudantes e oferta de atividades de ensino.12 12 Diário da Viagem ao Brasil. Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 620: 04/19. A alternativa construída por Dansereau, por meio de seu capital familiar, foi a vinda ao Brasil, por meio da qual pretendia, então, atender a diplomacia cultural do governo de Québec, cumprir a agenda de pesquisa prioritária do Conselho Nacional, afastar-se temporariamente das pressões da universidade, dar mais consistência aos seus currículo e carreira, e também aumentar a legitimidade de sua área de atuação e da instituição sob sua direção.13 13 Diário da Viagem ao Brasil. Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 620: 04/19. Isso ainda incluía plano de trabalho com seu antigo orientador de doutorado, o botânico suíço Braun-Blanquet (1884-1980), de articulação de uma "triangulação francófona", nas suas palavras, de cooperação em biogeografia, fitossociologia e ecologia, que deveria ter, como pontos irradiadores de produção científica, a Suíça, o Québec e a Bélgica. Seu horizonte era isolar e suplantar a produção norte-americana na área.14 14 Correspondências entre Dansereau e Braun-Blanquet: 05 mar. 1945, 25 nov. 1945, 20 mar. 1946 e 14 maio 1946. Pasta: Vie Professionnelle - Correspondances - Braun-Blanquet 1938-1975. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P.030-01/725.

O acordo científico Brasil-Canadá

Capital intelectual, capital familiar e relações de amizade também estão na origem da escolha de Dansereau como bolsista do governo brasileiro por meio de acordo científico firmado entre Brasil e Canadá em 1944. A intermediação para a vinda de Dansereau foi feita por Jean Désy (1893-1960), seu amigo pessoal.15 15 As respectivas esposas, de Dansereau e Désy, também eram amigas íntimas, como atesta a correspondência trocada por décadas entre as famílias. Pasta: Vie Professionnelle - Correspondances - Jean Désy. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 030-:01/1532. Désy era representante diplomático do Canadá no Brasil desde 1941 e foi nomeado o primeiro embaixador daquele país em 1943. Já desde 1941, tinha sido responsável pela assinatura de vários tratados de comércio e cooperação na indústria naval.16 16 O Sr. Juan [sic] Désy mostra-se um entusiasta de um maior intercâmbio entre os dois países. Será o representante do Canadá no Brasil. Correio Paulistano (São Paulo), p.03, 24 jul. 1941; Intercâmbio comercial entre o Brasil e o Canadá. Correio Paulistano (São Paulo), p.03, 12 set. 1941; O ministro Jean Désy fez, ontem, entrega de suas credenciais ao Chefe da Nação. Relações econômico culturais brasílico canadenses. Correio Paulistano (São Paulo), p.05, 01 out. 1941; Missão Econômica Canadense. O Imparcial (Rio de Janeiro), p.04, 09 out. 1941.

O acordo científico foi decorrência do investimento de Désy na cooperação bilateral, mas também por suas convicções no panamericanismo, que deveria ser mobilizado como política estratégica de aproximação entre as Américas ibérica, anglo-saxã e francesa. A América francesa, ou melhor, o Québec, parecia-lhe a porção menos integrada neste esforço de aproximação continental. Insistia que o Canadá era americano, que a geografia o lembrava de sua verdadeira identidade e que este país deveria ser o verdadeiro irmão do Brasil no Norte, pois não tinha interesses de subjugação, mas de cooperação equânime. Esta visão era compartilhada pelo então ministro das relações exteriores brasileiro, Oswaldo Aranha. 17 17 Discursos pronunciados pelo Sr. Jean Désy e pelo Sr. Oswaldo Aranha, por ocasião da assinatura do Acordo Cultural entre Brasil e Canadá. Pasta Divisão de Cooperação Intelectual, Acervo do Itamaraty.

Aranha era notório pan-americanista desde o conflito mundial. Insistia na aproximação do Brasil com os países do Norte, em detrimento da Europa, e integrava movimento civil pan-americanista, sediado no Brasil, chamado Sociedade dos Amigos da América.18 18 Sociedade dos Amigos da América. CPDOC/ FGV. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/sociedade-amigos-da-america. Acessado em 26/02/16; Acesso em: 26 fev. 2016. Essa aproximação ideológica entre ambos levou a séries de tratativas que se desenrolaram de 1943 a 1944 e à assinatura oficial de acordo científico-cultural no Itamaraty, em 24 de maio de 1944.19 19 Canadá e Brasil, sempre unidos. As relações de Comércio e de Cultura entre os dois países, vistas através da palavra do Ministro Jean Désy. O Dia (Curitiba), p.01-03, 14 jan. 1943; A importância fundamental do novo pacto. Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), p.08, 25 maio 1944; As solenidades de ontem no Itamaraty: assinados acordos culturais com o Canadá e o Equador. Correio da Manhã (Rio de Janeiro), p.02, 25 maio 1944; Assinados acordos culturais do Brasil com o Equador e o Canadá: bolsas de estudo e intercâmbio intelectual sob todos os aspectos. Folha da Noite (São Paulo), p.02, 25 maio 1944; Importante acordo cultural firmado entre Brasil e Canadá - A solenidade no Itamaraty, ontem - Discursos do Chanceler Oswaldo Aranha e Embaixador Jean Désy. Reforçando laços de comunhão espiritual. Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro), p.01, 25 maio 1944; A defesa comum de um ideal comum. Uma realidade política, cultural e espiritual do Brasil. O Dia (Curitiba), p.04, 30 dez. 1944; Estabelecido um acordo entre o Canadá e o Brasil. O Dia (Curitiba), p.11, 11 fev. 1945; Brasil-Canadá. Jornal do Comércio (Rio de Janeiro), p.06, 11 dez. 1945. O acordo previa o incremento do conhecimento recíproco entre os países, oferta de bolsas de estudos e intercâmbio de especialistas, sobretudo professores de universidades, troca de publicações oficiais, científicas e técnicas, e forte investimento em propaganda cultural do Canadá no Brasil, por meio de conferências, programas de rádio, ensino em escolas e filmes.20 20 Ministério das Relações Exteriores. Divisão de Atos Internacionais. Acordo Cultural concluído no Rio de Janeiro, por troca de notas, a 24 maio 1944. BRASIL. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro (DF), jun. 1944, seção 1, p.100066. Oswaldo Aranha firmou o acordo convicto no panamericanismo, mas seguindo linha de atuação adotada pelo Itamaraty, desde os anos 1920, de defesa da importância da ação cultural pragmática no exterior como um fator de desenvolvimento nacional, e também para que o Brasil se firmasse na posição de liderança e potência emergente no hemisfério ocidental (Dummont; Fléchet, 2014DUMMONT, Juliette; FLÉCHET, Anaïs. Pelo que é nosso!: a diplomacia cultural brasileira no século XX. Revista Brasileira de História, vol. 34, n. 67, p.203-221, 2014.).

Aranha deixou de ser ministro de Estado ainda em 1944, mas o acordo foi honrado por seu substituto na pasta, Pedro Leão Velloso. O novo ministro resolveu priorizar, além de acordos comerciais com busca por investimentos industriais e novos mercados para as exportações brasileiras, as cooperações técnicas e científicas, a promoção do turismo, a difusão da língua, artes e música brasileira no mundo (Dummont; Fléchet, 2014DUMMONT, Juliette; FLÉCHET, Anaïs. Pelo que é nosso!: a diplomacia cultural brasileira no século XX. Revista Brasileira de História, vol. 34, n. 67, p.203-221, 2014.). Com isso, Désy passou a ter programas de rádio regulares no Brasil, em emissoras educativas, como a rádio difusora do Distrito Federal, e outras extremamente populares, como a Rádio Nacional.21 21 Instituto Inter-aliado de Alta Cultura. Diário de Notícias (Rio de Janeiro), p.06, 24 jun. 1944; A cultura a serviço da paz. Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro), p.05, 12 jul. 1944. Passou a colaborar também com o suplemento cultural Pensamento da América, do jornal A Manhã. O jornal havia sido encampado pelo Estado Novo varguista, tendo editado o caderno cultural americanista, organizado por diplomatas, de 1941 a 1948. Pensamento da América visava a propaganda do panamericanismo do regime e a promoção da chamada "americanidade", ou seja, a integração geográfica e cultural das nações do continente para a formação de uma consciência americana (Neves; Piazza, 2012NEVES, Livia Lopes; PIAZZA, Maria de Fátima Fontes. Pensamento da América: campo intelectual, ideias e dilemas de um suplemento. Revista Eletrônica da ANPHLAC, n. 12, p.280-305, jan./jun. 2012.). Entre 1941 e 1942 o suplemento era eminentemente literário, com notícias sobre intercâmbios culturais. A partir de 1942, passou a ser instrumento efetivo da política externa brasileira, com sua ênfase na história e no sentimento de união entre as Américas, na descrição de aspectos físicos e humanos dos países americanos, nas biografias edificantes dos pais fundadores da nacionalidade de cada país, e no estímulo à solidariedade americana, com rechaço à influência de estados não americanos para a defesa continental (Minella, 2013MINELLA, Jorge Lucas Simões. Pan-americanismo no Brasil: uma abordagem conceitual a partir do Estado Novo. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2013., p.218-222).

Alinhado ao fortalecimento dos laços entre as Américas, o acordo cultural foi, pois, firmado. Como parte da colaboração, Désy foi instado a selecionar cinco profissionais de diferentes áreas, para trabalho de pesquisa e ensino em instituições nacionais, que seriam bolsistas do setor da Divisão de Cooperação Intelectual do Departamento Político, Econômico e Cultural do Itamaraty, por um ano, com possibilidades de extensão de prazo. Désy, então, formalizou o convite a Dansereau, ciente de seu compromisso com a internacionalização da ciência canadense, de seus vínculos com o ideal político-ideológico de uma América unida e das dificuldades que o amigo enfrentava na Universidade de Montréal para a consolidação do Serviço de Biogeografia.22 22 Correspondências Désy-Dansereau, 25 abr., 03 maio, 21 maio, 28 maio, 01 jul. e 17 jul. 1945. Pasta: Vie Professionnelle - Correspondances - Jean Désy. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 030-:01/1532. Os bolsistas teriam garantidos apoio financeiro para as viagens, de ida e volta, pagamento mensal e acesso a ensino gratuito de português durante o período de estadia. Cinco brasileiros, no mesmo movimento, seriam mandados ao Canadá com financiamento local.23 23 Não localizamos dados ou identificação dos bolsistas brasileiros contemplados no acordo cultural.

Os interesses do estado brasileiro no acordo com o Canadá

A vinda de Dansereau ao Brasil também se explica pelas prioridades geopolíticas do Estado nacional na ocasião e pelas fortes afinidades eletivas entre o Serviço de Biogeografia de Montréal e as instituições científicas que o receberam no país. A partir de 1938, com a criação, pelo Estado Novo varguista, do Centro Nacional de Ensino e Pesquisas Agronômicas (CNEPA), do Ministério da Agricultura, houve a tentativa de centralização de políticas de conhecimento e ocupação do território, assim como do planejamento econômico por meio de diversos planos de desenvolvimento regional. A centralização federal das ações político-econômicas, decorrente do recrudescimento autoritário do regime, foi experimentada em áreas diversas, como educação e saúde, e também na gerência da economia rural. Para tanto, o Estado brasileiro, sobretudo nos anos 1940, promoveu a instrumentalização estratégica da ciência, com a institucionalização de certos campos disciplinares. A geografia foi um desses saberes mobilizados na ocasião para a otimização da administração do Estado Nacional. Em 1942 o Brasil seria dividido em cinco macrorregiões geográficas. Desta classificação surgiu, em 1945, uma subdivisão em microrregiões, ou zonas fisiográficas, às quais foram agregados os municípios (Contel, 2014CONTEL, Fabio Betioli. As divisões regionais do IBGE no século XX (1942, 1970 e 1990). Terra Brasilis (Nova Série), vol. 3, p.01-21, 2014.).

A divisão territorial era resultado de séries de empreendimentos locais levados a cabo pelo Conselho Nacional de Geografia/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (CNG/IBGE), desde 1937/1938, com o Estado Novo, quando essas instituições foram organizadas. A seu encargo ficavam a formação e o treinamento de profissionais em geografia, assim como a mensuração e estabelecimento de diferentes áreas do território por meio da realização de expedições de campo. O CNG buscava organizar o território por meio da reunião de características comuns de aspectos demográficos, produtivos, disponibilidade de infraestrutura e bases fisiográficas. A convicção prevalecente era de que não se faria bom planejamento estatal sem o conhecimento das diferenças naturais e potencialidades econômicas das diferentes regiões do país. A geografia deveria, pois, balizar a administração do Estado. Foi nessa direção que caminhou a promoção estatal de projetos e estudos para a elaboração de um novo mapa do Brasil, para a localização da nova capital federal no interior do país, determinações de limites estaduais, estudos sobre relevo, programas de colonização dirigida, monitoramento do processo de ocupação humana, dimensionamento de bacias hidrográficas, estabelecimento de padrões espaciais de cobertura vegetal e indução da expansão da fronteira agrícola (Contel, 2014CONTEL, Fabio Betioli. As divisões regionais do IBGE no século XX (1942, 1970 e 1990). Terra Brasilis (Nova Série), vol. 3, p.01-21, 2014.).

Longe de terem começado com o CNG ou de estarem circunscritos a esta instituição, estudos da configuração natural do território tiveram forte incremento em políticas diversas que atravessaram os governos Vargas e JK e também por meio de órgãos ligados à produção agrícola e à institucionalização da agronomia. Estavam incumbidos de realizar estudos da "base física" do território. Neste caso, indicações fitogeográficas orientavam a regionalização do Brasil, com referências a aspectos climatológicos, cobertura vegetal predominante e potencialidades de aproveitamento agrícola (Sá; Sá, 2015SÁ, Magali Romero; SÁ, Dominichi Miranda de. A ecologia do Planalto Central do Brasil: as pesquisas de Henrique Pimenta Veloso nos anos 1940. In: SILVA, Sandro Dutra; SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero (orgs.). Vastos Sertões: História, Natureza na Ciência e na Literatura. Rio de Janeiro: Mauad X, 2015. p.199-212.).

Nesse quadro, houve forte indução para a criação de Departamentos de Ecologia e Biogeografia em instituições científicas ligadas ao CNEPA, como o CNG, Instituto Oswaldo Cruz (IOC), Museu Nacional do Rio de Janeiro (MN) e Parque Nacional de Itatiaia (PNI), localizadas no Rio de Janeiro, então Capital Federal. Dansereau foi recrutado tanto para dirigir a criação inicial desses setores quanto para selecionar e treinar as equipes que os constituiriam. Ele permaneceu 15 meses no Brasil, de agosto de 1945 a outubro de 1946, lotado no CNG, mas em contato constante com outras instituições para a realização de seu plano de estudos ecológicos, que previa, em linhas gerais, expedições científicas, formação de pessoal local especializado e recrutamento de estudantes para o Canadá francês.24 24 Plano de Estudos Ecológicos. Pasta Activités Scientifiques, 22P. 620: 01/112; Pasta Missions Scientifiques - Mission au Brésil - Activités Scientifiques - 22P.620:04/10. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM. Dansereau introduziu no Brasil o método de análise de sociologia vegetal criado por seu orientador de doutorado Braun-Blanquet na década de 1930 e suas pesquisas priorizaram estudos sobre processos de sucessão e colonização em vegetação de restingas e ambientes de altitude (Sá, 2011SÁ, Magali Romero. Uma visão ecológica do cerrado brasileiro: os trabalhos de Henrique Pimenta Veloso. Anais da 63ª Reunião Anual da SBPC, Goiânia, 2011.).

Inicialmente, a lotação de Dansereau, para o período de trabalho no Brasil, estava prevista para o Museu Nacional (MN), onde primeiramente ministrou um curso, constituído por cinco conferências, intitulado "Os planos da biogeografia", nas dependências da Divisão de Caça e Pesca do Ministério da Agricultura, em outubro de 1945 (Sá, 2011SÁ, Magali Romero. Uma visão ecológica do cerrado brasileiro: os trabalhos de Henrique Pimenta Veloso. Anais da 63ª Reunião Anual da SBPC, Goiânia, 2011.).25 25 Diário da Viagem ao Brasil. Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 620: 04/19. Excursões para pesquisa de campo seriam realizadas ao Maciço da Tijuca, Pedra Branca e de Marapicú, a ilhas da Baía de Guanabara, Angra dos Reis e Paraty, assim com a represas do rio Douro, localizado atualmente no município de Queimados, e rio Xerém, no atual município de Duque de Caxias, ambos na Baixada Flumininese. Previa-se ainda a coleta de espécimes vegetais e animais para a composição de coleções botânicas e zoológicas por meio de parceria entre o Museu Nacional e o Serviço de Biogeografia de Montréal; e uma viagem ao Paraná, para ministrar curso de geografia física e estudo em campo de araucárias, com o geógrafo da Universidade do Brasil, Hilgard Sternberg (2017-2011). Finalmente, seriam organizadas excursões a Itatiaia e Teresópolis, com representantes da Diretoria de Parques Nacionais do governo brasileiro, para definição preliminar de tipos de vegetação, níveis de intervenção humana nessas localidades e elaboração de medidas de proteção florestal. O MN seria responsável por oferecer toda a infraestrutura necessária ao trabalho de Dansereau: posto de trabalho de chefe de uma seção de ecologia que ele próprio criaria na instituição, assistentes, transporte para as excursões, apoio financeiro para viagens e trabalhos técnicos em instituições fora do Rio de Janeiro, e acondicionamento dos espécimes coletados em campo. Ocorre que, por problemas orçamentários internos, o MN não conseguiu cumprir o acordo firmado com Dansereau e seu plano de pesquisas ecológicas foi transferido e expandido pelo CNG, com o apoio do Núcleo de Biologia da Fundação Getúlio Vargas (FGV).26 26 Projet de recherches écologiques dans la région de Rio de Janeiro pendant les mois de septembre, octobre, novembre e décembre 1945. Anexo ao Diário da Viagem ao Brasil. Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 620: 04/19.

A colaboração ainda incluiu, além do CNG e da FGV, a Universidade do Brasil, o próprio MN, o Jardim Botânico (JB), o Serviço Florestal (SF), a Divisão de Parques Nacionais, a Escola Nacional de Agronomia (ENA), a Divisão de Caça e Pesca do Ministério da Agricultura e o IOC.

Em todo o período, Dansereau também realizou atividades de propaganda do Canadá: fez várias palestras sobre programas científicos do país natal nas dependências do Conselho Nacional de Geografia, nos debates internos batizados como Tertúlias Geográficas, assim como no Ministério da Educação e na Universidade de São Paulo. Nessas conferências era acompanhado por Désy, outros representantes da Embaixada do Canadá, e por Jacques Tonnancour, artista e literato, seu contemporâneo como bolsista do acordo de cooperação então em vigor. Nas palestras, tratavam de economia, diplomacia, ciência, descrição do meio geográfico e modos de vida canadenses, propaganda do sistema educacional bilíngue e bicultural, detalhamento da constituição e da política natal, vida artística, música, literatura e história do Canadá, especialmente o francês. As conferências eram ilustradas por filmes coloridos de paisagens canadenses, produzidos e enviados pelo Office Féderal du Film. O estímulo geral era de intercâmbio cultural intenso e frequente entre os dois países.27 27 Présence du Canada au Brésil. Conférences publiques sur le Canada. Anexo ao Diário da Viagem ao Brasil. Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 620: 04/19.

A cooperação in ACTU e a configuração biogeográfica do Brasil

Alguns autores da área de história das ciências, como Warwick Anderson (2004)ANDERSON, Warwick. Natural Histories of Infectious Diseases. Ecological vision in Twentieth-Century Biomedical Science. Osiris, vol. 19, p.39-61, 2004., Paollo Palladino (1996)PALLADINO, Paolo. Entomology, ecology and agriculture: the making of scientific careers in North America, 1885-1985. Amsterdam: Harwood Academic publishers, 1996. e Pascal Acot (1990)ACOT, Pascal. História da Ecologia. Rio de Janeiro: Campus, 1990., chamam atenção para a existência de uma comunidade epistêmica difusa de pensamento ecológico, em nível internacional, dos anos 1880 aos anos 1940. Não se tratava ainda de produção em ecologia como disciplina científica, mas do recurso a abordagens sistêmicas e integradas, mais complexas que o determinismo ambiental ou geográfico, e a uma estrutura conceitual que enfatizava temas como competição, mutualismo e perturbação do equilíbrio biológico. Este último tema, em particular, era constante em áreas do conhecimento batizadas na ocasião como ecologia agrícola ou "agricultura científica", e que eram desenvolvidas em institutos de ciência aplicada em diferentes países. Sua agenda de investigação comum incluía o claro pressuposto de que toda prática agrícola se oporia artificialmente à dinâmica natural da vegetação, mas que seu papel era o de minorar os malefícios da simplificação de ecossistemas, de modo a preservar a aptidão produtiva de espécies vegetais. Essas áreas tinham lugar de destaque na agronomia e entomologia canadenses, como demonstra o trabalho de Palladino, mas também no Brasil, por meio de instituições ligadas à Sociedade Nacional de Agricultura, como a Escola Nacional de Agronomia (Pereira; Sá, 2016PEREIRA, Vanessa; SÁ, Dominichi Miranda de. O agricultor progressista: ciência e proteção à natureza em A Lavoura (1909-1930). Fronteiras, vol. 27, p.27-63, 2016.).

Como já ressaltamos, essa língua franca em ecologia estava na origem de instituições brasileiras criadas no período, ainda que sua agenda de pesquisa fosse incipiente e intermitente. Estratégias para a sua implementação e posterior consolidação levaram Dansereau a se instalar no Conselho Nacional de Geografia, com vistas a aprofundar o trabalho de conhecimento e organização do território, com levantamento de dados sobre populações - humanas, animais e vegetais -, agricultura e recursos naturais, planejamento regional, modernização e diversificação da economia nacional. Havia mesmo um plano de trabalho detalhado, em três grandes etapas, e subdivisões de procedimentos, a explicar as afinidades e colaboração entre instituição e expert estrangeiro: A). Trabalho de documentação, B). Trabalho de campo e C). Trabalho de síntese.

A etapa A, de documentação, seria constituída por sete fases: i. Dansereau, seus assistentes e alunos colaborariam na montagem de coleção de mapas de vegetação do Brasil, explorando, nos acervos das instituições colaboradoras citadas acima, obras de história natural, com interesse geográfico, mapas e cartas existentes, de diferentes escalas, mesmo os decorrentes de diários de viajantes e levantamentos corográficos de objetivo inicial diverso. O importante era reunir informações sobre a distribuição dos vários tipos de vegetação existentes no Brasil e reenquadra-las segundo os conceitos, temas e abordagens comuns à comunidade de pensamento ecológico. Sugeria, inclusive, em fase subsequente do trabalho, ii., nova classificação do material encontrado: mapas nacionais, regionais e locais, mas com sistematização segundo objetos biogeográficos. Essa sistematização seria: distribuição espacial; conservação florestal com parques e reservas; competição, sucessão e zonação; migração de populações humanas e espécies animais, com foco em aves e insetos; florestas amazônicas, pluviais, subtropicais, pinheirais, subalpinas, inundadas, secundárias, plantadas, brejos, mangues, pântanos e turfeiras; litorais marítimos, fluviais, de lagoas e poços; formações herbáceas de campos limpos, campos gerais, pampa, estepe, campos secundários, campos inundados, pastagens e campos alpinos; e, finalmente, savanas de cerrado, chaco e caatinga.

A terceira fase, iii., seria a composição de coleção iconográfica, com especial interesse por fotografias, a partir dos fichamentos das obras localizadas nos acervos institucionais. A seguir, as fases iv. e v. seriam respectivamente a organização de coleções de espécimes de plantas e animais característicos de cada região do Brasil, com ênfase naquelas que sofreram processo de aproveitamento econômico. A fase vi. seria a confecção de novos mapas de distribuição de espécies vegetais e animais com atenção às limitações ecológicas da flora e da fauna. A última fase da etapa de documentação seria a organização de um fichário contendo as observações feitas por viajantes e naturalistas em expedições ao Brasil. O interesse especial era registrar dinâmicas e mudanças na vegetação, vida animal e nas formas de utilização humana do território.28 28 Pesquisas Biogeográficas no Conselho Nacional de Geografia. Pasta: Conseil National de Géographie - Correspondances - Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P.030: 17/9.

A grande etapa seguinte seria o trabalho de campo, por meio do qual Dansereau esperava aproximar seus alunos e assistentes dos objetos da biogeografia e treina-los segundo a sociologia vegetal de Braun-Blanquet e a sucessão ecológica de Frederic Edward Clements (1874-1945). Sua proposta era a de sobrepujar a mera descrição fisionômica das paisagens em favor de abordagens dinâmicas e evolutivas. Esta etapa também estava subdividida em fases: i. excursões a regiões climáticas específicas. Dansereau esclarecia que seu trabalho se restringiria ao treinamento na restinga fluminense e na Serra do Mar. Do seu ponto de vista, localidades restritas para pesquisa permitiriam a aplicação rigorosa dos métodos de sociologia vegetal com número relativamente restrito de espécies e em um curto período de tempo. Essa perspectiva não era incompatível com seu apoio ao objetivo geral do CNG, de produção de conhecimentos biogeográficos para as cinco macrorregiões do Brasil na ocasião: Norte, Nordeste, Leste, Centro-Oeste e Sul. Este trabalho, no entanto, deveria ser realizado por seus alunos e assistentes nos anos subsequentes ao treinamento oferecido.

As fases ii., iii. iv. e v. seriam constituídas pelo trabalho de análise em campo: divisão de zonas fisiográficas, com descrição topográfica, estabelecimento de dados meteorológicos, dos organismos típicos de cada zona fisionômica e dos tipos de solos. Levantamentos fitosociológicos também seriam realizados com estabelecimento de áreas mínimas, determinação das formas biológicas, abundância, sociabilidade e registro de observações sobre disseminação e propagação de espécies. Estudos de populações entomológicas também estariam previstos, com recenseamento de abundância, dispersão e atividades de diferentes espécies. O mesmo seria realizado para populações malacológicas, herpetológicas, ictiológicas, ornitologógicas e de mamíferos. Investigações sobre "impactos" da intervenção humana também seriam empreendidos, com destaque para análise da ordem de resistência das diversas espécies animais e vegetais a ações humanas, como pastagens e queimadas, estradas de rodagem e ferrovias, assim como levantamento de espécies exóticas que invadiram o campo após mudanças bruscas, e exame da dependência de populações biológicas em relação à reconstituição artificial de paisagens.29 29 Plano de Estudos Ecológicos e Formação de Pessoal Especializado. Pasta: Activités Scientifiques. 22P. 620: 01/112; Pesquisas Biogeográficas no Conselho Nacional de Geografia. Pasta: Conseil National de Géographie - Correspondances - 22P.030: 17/9. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM.

A fase C, a última que Dansereau coordenaria no CNG, tinha a pretensão de sistematizar os dados coletados em campo, com cálculo da frequência, presença e estabilidade de cada associação; cartografia das associações; delineamento dos estados de sucessões; estudo biométrico de espécies e comparação das associações de restinga com aqueles habitats equivalentes de outros países. Previa-se, finalmente, a publicação de trabalhos originais sobre a diversidade e riqueza das floras e faunas brasileiras, a variedade de seus climas e a disponibilidade diferenciada de recursos naturais. O aproveitamento econômico desses recursos deveria ser equalizado com soluções preventivas para a utilização de terras, com destaque para o equilíbrio entre florestas e pastagens, lavouras e conservação da fertilidade do solo. A ecologia seria particularmente útil, segundo Dansereau, para orientar ações de reflorestamento (evoluções espontâneas e regeneração natural de vegetação), caça e pesca (conservação e proteção do meio original e dos equilíbrios naturais) e higiene (controle biológico a partir de conhecimento de partes críticas do ciclo de vida de vetores de doenças contagiosas).30 30 Plano de Estudos Ecológicos e Formação de Pessoal Especializado. Pasta: Activités Scientifiques. 22P. 620: 01/112. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM.

A coordenação dos trabalhos estaria dividida entre Dansereau e outros especialistas: Lauro Travassos, do IOC, para zoologia, Karl Arens, da FGV, para botânica, e Christóvão Leite de Castro, do CNG, para geografia. Os assistentes também eram recrutados a partir de interesses profissionais e vínculos institucionais já em curso. Para a área de botânica, a equipe era composta por Luiz Emygdio de Mello Filho (MN), Alexander Curt Brade (JB), João Geraldo G. Kuhlmann (JB), Henrique Pimenta Velloso (IOC), Luiz Laboriau (IOC), David Azambuja (JB) e Horácio de Mattos (SF). A zoologia estava subdivida em subáreas e especialistas atuantes no Brasil. Para entomologia: José Cândido de Mello Carvalho (MN), Hugo Souza Lopes (IOC), Newton Santos (MN), José de Araújo Feio (MN), Oswaldo Frota Pessoa (MN) e Fábio Leoni Werneck (IOC). Para o estudo de crustáceos foi recrutado Lejeune de Oliveira, do IOC; para malacologia, Emanoel Martins, do MN; herpetologia, Antenor Leitão de Carvalho, também do Museu; e ornitologia seria encargo de Herbert Franzoni Berla, igualmente do MN. Ao lado de Leite de Castro, na geografia, estariam Francis Ruellan, Hilgard O´Reilly Sternberg, Miguel Lima e Alfredo Porto Domingues, com vínculos institucionais atribuídos ao CNG.31 31 Plano de Estudos Ecológicos e Formação de Pessoal Especializado, 22P. 620: 01/112. Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM.

A despeito dessa composição ampla nas equipes de trabalho, ficou estabelecido que haveria um grupo misto, mas permanente, a acompanhar Dansereau nas diferentes etapas do plano de estudos ecológicos, especialmente nas excursões de campo. Ele seria constituído por Arens, Velloso, Segadas Vianna, Alfredo Porto Domingues, Laboriau, Brade, Azambuja, Luiz Emygdio de Mello e Antenor Leitão de Carvalho.32 32 Plano de Estudos Ecológicos e Formação de Pessoal Especializado, 22P. 620: 01/112; Diário da Viagem ao Brasil, 22P. 620: 04/19. Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM.

Outra atividade realizada durante a sua permanência no país foi a docência. Temas e abordagens da comunidade de pensamento ecológico da ocasião também estiveram presentes nos trabalhos de ensino e treinamento que Dansereau ofereceu em cursos no Conselho Nacional de Geografia, no Departamento de Geografia da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) na Universidade do Brasil, no Núcleo de Biologia da FGV e na Escola Nacional de Agronomia. Enunciados constantes nos programas de curso e nas aulas eram a introdução de novas espécies em comunidades biológicas; superposição de vegetação natural e de culturas; transformação do solo, relevo e sistemas hidrográficos por meio de fatores humanos, como pastagem, pesca, caça, construção de estradas, canais e represas; e controle de parte do ciclo de vetores de doenças para amplificar condições desfavoráveis de reprodução; aplicações práticas de botânica, colonização humana, aproveitamento racional de florestas, melhoramento de plantas, estabelecimento e manutenção de equilíbrios naturais, produção de comida, tecidos e madeira. Na FNFi, em particular, Dansereau ofereceu curso de 3 meses, iniciado em junho de 1946 e com todas essas temáticas em foco.33 33 Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 610:04/02. No próprio CNG, ofereceu curso de 'Informações Geográficas', destinado a professores de geografia do ensino secundário, do Rio de Janeiro, em junho de 1946.34 34 Pasta: Conseil National de Géographie - Correspondances - Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P.030: 17/9.

A língua franca dessa comunidade epistêmica ainda aproximou Dansereau de agrônomos de formação, com atuação em pesquisa biológica nas instituições brasileiras, como Fernando Segadas Vianna, Henrique Pimenta Velloso e Alceo Magnanini, do CNG, seus assistentes e alunos no Brasil, e com os quais colaboraria até os anos 1970, inclusive no direcionamento à atuação ambientalista; caso particular de Magnanini. O recrutamento de alunos e cientistas em formação para o Canadá sempre esteve nos planos de Dansereau, conforme atestam correspondências e seu diário. Ele convidou e estimulou muitos assistentes com essa possibilidade, assim como manteve contato com amigos, como Désy e H. G. Hesler, do Royal Bank of Canada, para solicitação de recursos financeiros que custeassem viagem e estadia de seus alunos. A ideia é que cursassem mestrados e doutorados em ecologia, botânica e biogeografia em instituições renomadas do Canadá.

Para o Serviço de Biogeografia da Universidade de Montréal, sob sua direção, e para a realização de estudos de biogeografia, ecologia e climatologia, seriam direcionados Henrique Pimenta Velloso (IOC) e Fernando Segadas Vianna (MN), com subvenções possíveis do governo da Província de Québec, do Conselho Nacional de Pesquisasdo Canadá e do Ministério das Relações Exteriores brasileiro. Para o Departamento de Botânica da McGill University, para estudos de fisiologia vegetal, seria encaminhado Luiz Laboriau do IOC, com apoio dos governos brasileiro, canadense, quebequense e da própria universidade de destino. Para o Departamento de Agronomia, do Macdonald College, seria enviado Heitor Grillo, do CNEPA, para estudos de melhoramentos, seleção e bioclimatologia de plantas. Grillo seria apoiado pelo Macdonald College, o CNEPA e a Corporação dos Agrônomos da Província de Québec. Para o Departamento de Fitopatologia, também do Macdonald College, seria destinado David Azambuja, do JB, com financiamento dos governos brasileiro, canadense, quebequense, Macdonald College e Serviço Florestal do Brasil. O Instituto de Botânica, da Universidade de Montréal, também estava cotado, sem candidato previamente estabelecido, ainda que com subvenção solicitada ao Ministério das Relações Exteriores brasileiro para estudos de botânica e fisiologia vegetal.35 35 Étudiants brésiliens au Canadá - Universités de Montréal e McGill. Anexo ao Diário da Viagem ao Brasil. Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 620: 04/19.

Por falta de financiamento, Dansereau fez recrutamento modesto: conseguiu levar dois alunos e unicamente para o seu Serviço de Biogeografia e, isso, graças à intermediação de Désy. Fernando Segadas Vianna e Edgar Kuhlmann foram os únicos a seguir Dansereau para o Canadá. Segadas partiu em janeiro de 1947 com apoio do Conselho Nacional de Pesquisas canadense. Passou o ano de 1947 com Dansereau e, em 1948, graças às cartas de recomendação do ecólogo canadense, estendeu seus estudos nos EUA, com Stanley MCain até 1950.36 36 Pasta: Correspondances - Fernando Segadas Vianna, (1945-1955). 22P. 030: 01/4955. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM. Kuhlmann embarcou para Montréal em janeiro de 1947 e retornou ao Brasil em junho de 1948 graças ao financiamento do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.37 37 Pasta: Correspondances - Edgard Kuhlmann (1946-2004). 22P. 030:01/2964. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM. O aluno preferido de Dansereau, Henrique Pimenta Velloso, com quem manteve correspondências e colaboração intelectual até os anos 1970, ficou impedido de obter financiamento por sua suposta simpatia a Luiz Carlos Prestes, político e militar, um dos ícones do Partido Comunista Brasileiro e da Aliança Nacional Libertadora, movimento antifascista, anti-imperialista e de oposição ao governo Vargas.38 38 Pasta: Correspondances - Henrique Pimenta Velloso (1946-1972). 22P.030:01/5537. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM.

Considerações finais

Imprevistos e trabalhos inacabados foram a tônica das pesquisas de Dansereau no Brasil, conforme atesta o seu diário da viagem ao país. O plano de trabalho efetivamente realizado foi bem menos amplo, metódico e controlado que os roteiros que elaborou. Uma explicação possível para a descompensação entre planejamento e efetividade na sua estadia talvez seja o fato de que tanto o acordo cultural Brasil-Canadá quanto a organização federal, concentrada no CNEPA, que permitiu sua rede de trabalho e circulação por diversas instituições, foram descontinuados com o fim do regime Vargas. Dansereau chegou ao Brasil quando terminava o Estado Novo, em 1945. O caráter sistêmico e centralizado das políticas de conhecimento e ocupação regional no país só conheceria novo incremento a partir do governo JK, em 1956. Nesse sentido, a referência à sua programação profissional no Brasil tem valor, mas não por indicar volume de trabalho realizado ou como vetor unilateral de transmissão de conhecimento. Essa produção vale ser conhecida, do nosso ponto de vista, pela confirmação das sintonias epistemológicas e compartilhamento internacional de agendas de pesquisa de cunho ecológico, com sua atenção ao ajuste entre o aproveitamento econômico da natureza e o planejamento de impactos de atividades agrícolas como modelos de desenvolvimento de Estados nacionais. Em consonância com o que já vinha sendo desenvolvido em agências estatais e na produção científica de cunho conservacionista no país (Franco; Drummond, 2009FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto. Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil, anos 1920 - 1940. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2009.), Dansereau veio integrar processo de politização da biologia (Duarte, 2010DUARTE, Regina Horta. A Biologia militante: o Museu Nacional, especialização científica, divulgação do conhecimento e práticas políticas no Brasil - 1926-1945. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010.), em curso concomitantemente no Brasil e no Canadá.

As excursões a regiões de restinga e de altitude foram, enfim, os trabalhos realizados com mais sucesso e sistematicidade no Brasil, com coleta frequente de espécimes, especialmente botânicos, que Dansereau transportou, por navio, na sua volta a Montréal.

O Serviço de Biogeografia que dirigia não sobreviveu ao fim da década de 1940, e, com isso, seus planos, com Braun-Blanquet, de criação de rede internacional de pesquisas em ecologia tropical e sociologia vegetal não saíram do entusiasmo das cartas que trocaram naquela década. Em 1950, Dansereau transferiu-se, como professor de ecologia, para Ann Arbor, na Universidade de Michigan, onde finalizou a redação de sua principal obra iniciada no Brasil: Biogeografia - uma perspectiva ecológica, lançada em 1957. Em 1955 voltou à Universidade de Montréal, mas para a Faculté des arts et des sciences. Em 1957, esteve envolvido na criação de novo movimento político quebequense, de tintas nacionalistas matizadas, o Rassemblement, cujos princípios orientadores eram a superioridade da democracia como regime político, o respeito aos direitos humanos e a redução da exploração econômica entre os homens. Nos anos 1960, já estava de volta aos EUA, para lecionar em Columbia e co-dirigir o Jardim Botânico de Nova York. Retornaria à Universidade de Montréal para curta passagem de 1968 a 1971, quando se transferiu definitivamente para a Universidade de Québec à Montréal (UQÀM), na qual se consagrou e se aposentou com cooperação internacional intermitente até a sua morte em 2011.

Como procuramos demonstrar no artigo, o caso Dansereau permite analisar as inter-relações entre a geopolítica do desenvolvimentismo brasileiro, o nacionalismo quebequense e o panamericanismo como movimento intelectual. Reforça ainda linha de pesquisa que aborda a política cultural como uma das facetas mais importantes das relações internacionais (Suppo, 2016SUPPO, Hugo Rogelio. A máquina diplomática cultural da Quarta República francesa e o Brasil (1946-1958). Meridiano 47, vol. 17, p.01-19, 2016.; 2013SUPPO, Hugo Rogelio. Réflexions sur le rôle de la culture dans les principaux paradigmes des Rélations Internationales. In: MARTINIÈRE, Guy; MONTEIRO, Eric (orgs.). Les échanges culturels internationaux. France. Brésil, Canada-Québec (XIXe-XXe siècles). Paris: Les Indes Savantes, 2013. p.67-76.; 2003SUPPO, Hugo Rogelio. Ciência e Relações internacionais. Revista da Sociedade Brasileira de História da Ciência, vol. 1, n.1, p.06-20, 2003.; 2001SUPPO, Hugo Rogelio. A política cultural da França no Brasil entre 1920 e 1940: o direito e o avesso das missões universitárias. Revista de História, vol. 142-143, p.309-345, 2001.; 2000SUPPO, Hugo Rogelio. La politique culturelle française au Brésil entre les années 1920-1950. Villeneuve d'Ascq: Presses Universitaires du Septentrion, 2000.; 1995SUPPO, Hugo Rogelio. Intelectuais e artistas nas estratégias de propaganda cultural no Brasil (1940-1944). Revista de História, vol. 1, p.75-88, 1995.; Suppo; Lessa, 2012SUPPO, Hugo Rogelio; LESSA, Mônica Leite (orgs.). A quarta dimensão das Relações Internacionais: a dimensão cultural. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2012.; 2004SUPPO, Hugo Rogelio; LESSA, Mônica Leite. Contribuciones teóricas y metodológicas al estudio de la dimensión cultural en las relaciones internacionales. Ciclos en la Historia, la Economía y la Sociedad, vol. 28, p.155-174, 2004.). No caso vertente, trata-se de ampliar essas abordagens enfocando o papel desempenhado pela ciência nas relações entre países, como foco tanto em experts como agentes culturais quanto nas cooperações científicas como parte constituinte do próprio movimento de aproximação e circulação de ideias, pessoas, dinheiro, negociações e acordos de poder em configurações variadas, nas quais indivíduos e instituições científicas tiveram papel ativo e visaram projeção e vantagens internacionais (Palmer, 2015PALMER, Steven. Laboratórios de Modernidade Crioula (ou O Demônio que se transformou em Vermes). In: PALMER, Steven. Gênese da Saúde Global: a Fundação Rockefeller no Caribe e na América Latina. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2015. p.187-228.; 2004PALMER, Steven. Saúde Imperial e Educação Popular: a Fundação Rockefeller na Costa Rica em uma perspectiva centro-americana, 1914-1921. In: HOCHMAN, Gilberto; ARMUS, Diedo. Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América Latina e Caribe. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz , 2004. p.217-248.; Silva, 2011SILVA, André Felipe Cândido da. A trajetória de Henrique da Rocha Lima e as relações Brasil - Alemanha (1901-1956). Tese (Doutorado em História) - Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Rio de Janeiro, 2011.).

Como vimos, o ecólogo canadense, em sua passagem pelo país nos anos 1940, estabeleceu parcerias com diversas instituições brasileiras e recrutou pesquisadores para a equipe do então recém-criado Serviço de Biogeografia que dirigia na Universidade de Montréal. Foi ainda agente da propaganda nacionalista quebequense e cooperou com o governo federal brasileiro na oferta de treinamento e especialização profissional para a consolidação de importante agenda pública na ocasião: o conhecimento científico, de cunho ecológico, de características regionais do clima, temperatura média, tipos de solo e cobertura vegetal, com vistas à expansão da fronteira agrícola no país.

Do nosso ponto de vista, esses diferentes lados do acordo científico Brasil-Canadá merecem mais análises. A seguir as colaborações a que Dansereau deu continuidade com seus alunos e assistentes brasileiros, como no Projeto RADAM Brasil, essa cooperação é indissociável da história da ressignificação de biomas, de estudos ecológicos sobre vetores de doenças humanas e do zoneamento da Amazônia brasileira para ocupação humana nos anos 1970 (Sá; Sá, 2015SÁ, Magali Romero; SÁ, Dominichi Miranda de. A ecologia do Planalto Central do Brasil: as pesquisas de Henrique Pimenta Veloso nos anos 1940. In: SILVA, Sandro Dutra; SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero (orgs.). Vastos Sertões: História, Natureza na Ciência e na Literatura. Rio de Janeiro: Mauad X, 2015. p.199-212.).

  • 1
    A cooperação científica Brasil-Canadá já foi objeto de análise de um dos autores deste artigo, em trabalho sobre as redes informais de intercâmbio entre especialistas em saúde pública e suas pesquisas sobre produção de vacinas no âmbito do programa global de erradicação da varíola da Organização Mundial de Saúde - OMS, entre os anos 1966 e 1977. Sua proposta foi compreender a colaboração intelectual em fóruns múltiplos, transientes e pouco formais de trabalho compartilhado, como congressos e comitês internacionais. PALMER; HOCHMAN, 2010.
  • 2
    DANSEREAU, Pierre. L'envers et e'endroit: le désir, lé besoin et la capacité. Québec: Musée de la civilisation, 1994; DANSEREAU, Pierre. Les dimensions écologiques de l'espace urbain. Cahiers de géographie du Québec, vol. 31, n. 84, p.333-395, 1987.
  • 3
    Sobre a obra de Dansereau, há vasta bibliografia. Para síntese de sua trajetória profissional, pode-se ver a bela exposição virtual "Pierre Dansereau, écologiste", disponível em: http://www.archives-expopd.uqam.ca/.
  • 4
    Abordagens iniciais foram desenvolvidas em SÁ, 2011SÁ, Magali Romero. Uma visão ecológica do cerrado brasileiro: os trabalhos de Henrique Pimenta Veloso. Anais da 63ª Reunião Anual da SBPC, Goiânia, 2011.; SÁ; SÁ, 2015SÁ, Magali Romero; SÁ, Dominichi Miranda de. A ecologia do Planalto Central do Brasil: as pesquisas de Henrique Pimenta Veloso nos anos 1940. In: SILVA, Sandro Dutra; SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero (orgs.). Vastos Sertões: História, Natureza na Ciência e na Literatura. Rio de Janeiro: Mauad X, 2015. p.199-212..
  • 5
    DANSEREAU, Pierre. Jeune Canada. Le Quartier Latin (Montréal), p.01-02, 23 fév. 1933.
  • 6
    Em 1791, em resposta à Independência dos EUA, a província do Québec foi dividida em Bas-Canada e Haut-Canada, para melhor controle de territórios sob a jurisdição da Grã-Bretanha. A prática da religião católica e o uso do código civil francês eram tolerados no Bas-Canada, mas com poder de veto absoluto pela monarquia britânica, que também passou a estimular fortemente a colonização inglesa e irlandesa para a região no início do século XIX. Esse movimento deu origem ao Parti Canadien, logo depois Parti Patriote, e ao jornal Le Canadien, com defesa explícita da autonomia administrativa e soberania da província em relação ao poder inglês (LAMONDE, 2011LAMONDE, Yvan. La modernité au Québec. La Crise de l'homme et de l'esprit, 1929-1939. Montréal: Éditions Fides, 2011.; 2004LAMONDE, Yvan. Histoire sociale des idées au Québec, 1896-1929. Montréal: Éditions Fides, 2004.). Já na primeira metade do século XIX, era intensa a presença britânica no Bas Canada, expressa sobretudo pela criação do Bank of Montreal e da McGill University. Concomitantemente, crescia o apoio, no Haut-Canada, para a junção das duas províncias com a criação de uma única colônia de cultura e língua britânicas. Em 1830, ocorreu a chamada Rebelião dos Patriotas contra os unificadores e legalistas ingleses. Le Bas-Canada declara a sua independência, em 1838, e a República é proclamada. O movimento foi, no entanto, derrotado, e, em 1841, a província do Canadá foi criada com a união do Haut e do Bas-Canada, com vistas a induzir a assimilação cultural completa dos francófonos. A maioria franco-católica do Bas-Canada foi, assim, posta em situação de inferioridade jurídica com o Canada-Uni (LAMONDE, 2011LAMONDE, Yvan. La modernité au Québec. La Crise de l'homme et de l'esprit, 1929-1939. Montréal: Éditions Fides, 2011.; 2004LAMONDE, Yvan. Histoire sociale des idées au Québec, 1896-1929. Montréal: Éditions Fides, 2004.). O Bas-Canada foi contemporâneo a outros movimentos de independência nas Américas, caso dos EUA, Paraguai, Brasil, Chile, Peru e Colômbia, tendo encontrado, na sua derrota, paralelo mais imediato na metrópole europeia, especialmente nos casos da Irlanda e da Escócia. A identidade com a Europa, a despeito da luta autonomista, foi, pois, mantida, material e simbolicamente, mesmo no contexto mais amplo dos movimentos separatistas nas Américas. O Canadá tornou-se independente do Reino Unido em 1867, mas movimentos autonomistas ou de reivindicação de soberania do Québec se mantiveram até o século XX.
  • 7
    Bulletin du Service de Biogéographie, 1945-1959, 22P-660:001/233-234; Canada: Service de Biogéographie, 1947, 22P-660:01/796; Rapport des travaux du Service de Biogéographie pour les années 1943-1949, 22P-660:01/230-232. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM.
  • 8
    Annexe au procès-verbal de la 237ième réunion du Conseil de la Faculté des Sciences, le 03 oct. 1942 (sobre a proposta de criação do Serviço de Biogeografia); Extrait du procès-verbal de la 238ième réunion du Conseil de la Faculté des Sciences, le 10 nov. 1942 (sobre a aprovação da criação do Serviço); Extrait du procès-verbal de la 239ième réunion du Conseil de la Faculté des Sciences, le 09 déc. 1942 (sobre os recursos financeiros do Serviço); Extrait du procès-verbal de la 247ième réunion du Conseil de la Faculté des Sciences, le 25 août 1943 (sobre o apoio financeiro do governo da Provincia de Québec ao Serviço); Extrait du procès-verbal de la 250ième réunion du Conseil de la Faculté des Sciences, le 26 nov. 1943 (sobre a "independência" do Serviço em relação ao Instituto de Biologia e à Universidade); Extrait du procès-verbal de la 251ième réunion du Conseil de la Faculté des Sciences, le 10 jan. 1944 (sobre as discordâncias em relação ao funcionamento do Serviço na Universidade em função da sua alta captação de recursos externos). Pasta 128.8-3.8, Archives de l'Université de Montréal.
  • 9
    DANSEREAU, Pierre. La Lancée: 1911-1936 - Projets inachevés, vol. 1. Autobiographie. Québec: Éditions Multimonde, 2005. Ver também: Une vie politique. Le Devoir, le 01 oct. 2011. Disponível em: http://www.ledevoir.com/environnement/actualites-sur-l-environnement/332602/une-vie-politique-un-jeune-homme-fonde-avec-andre-laurendeau-les-jeune-canada; Acesso em: 13 set. 2016.
  • 10
    Correspondências entre Dansereau e seu orientador de doutorado, Braun-Blanquet: 05 mar. 1945, 25 nov. 1945, 20 mar. 1946 e 14 maio 1946. Pasta: Vie Professionnelle - Correspondances - Braun-Blanquet 1938-1975. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'Université de Québec à Montréal (UQÀM), 22P.030-01/725.
  • 11
    Conselho Nacional de Pesquisas do Canadá. Texto datilografado de conferência feita na FGV em 28 mar. 1946. Pasta: Vie Professionnelle - Correspondances - Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 030:12/105.
  • 12
    Diário da Viagem ao Brasil. Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 620: 04/19.
  • 13
    Diário da Viagem ao Brasil. Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 620: 04/19.
  • 14
    Correspondências entre Dansereau e Braun-Blanquet: 05 mar. 1945, 25 nov. 1945, 20 mar. 1946 e 14 maio 1946. Pasta: Vie Professionnelle - Correspondances - Braun-Blanquet 1938-1975. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P.030-01/725.
  • 15
    As respectivas esposas, de Dansereau e Désy, também eram amigas íntimas, como atesta a correspondência trocada por décadas entre as famílias. Pasta: Vie Professionnelle - Correspondances - Jean Désy. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 030-:01/1532.
  • 16
    O Sr. Juan [sic] Désy mostra-se um entusiasta de um maior intercâmbio entre os dois países. Será o representante do Canadá no Brasil. Correio Paulistano (São Paulo), p.03, 24 jul. 1941; Intercâmbio comercial entre o Brasil e o Canadá. Correio Paulistano (São Paulo), p.03, 12 set. 1941; O ministro Jean Désy fez, ontem, entrega de suas credenciais ao Chefe da Nação. Relações econômico culturais brasílico canadenses. Correio Paulistano (São Paulo), p.05, 01 out. 1941; Missão Econômica Canadense. O Imparcial (Rio de Janeiro), p.04, 09 out. 1941.
  • 17
    Discursos pronunciados pelo Sr. Jean Désy e pelo Sr. Oswaldo Aranha, por ocasião da assinatura do Acordo Cultural entre Brasil e Canadá. Pasta Divisão de Cooperação Intelectual, Acervo do Itamaraty.
  • 18
    Sociedade dos Amigos da América. CPDOC/ FGV. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/sociedade-amigos-da-america. Acessado em 26/02/16; Acesso em: 26 fev. 2016.
  • 19
    Canadá e Brasil, sempre unidos. As relações de Comércio e de Cultura entre os dois países, vistas através da palavra do Ministro Jean Désy. O Dia (Curitiba), p.01-03, 14 jan. 1943; A importância fundamental do novo pacto. Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), p.08, 25 maio 1944; As solenidades de ontem no Itamaraty: assinados acordos culturais com o Canadá e o Equador. Correio da Manhã (Rio de Janeiro), p.02, 25 maio 1944; Assinados acordos culturais do Brasil com o Equador e o Canadá: bolsas de estudo e intercâmbio intelectual sob todos os aspectos. Folha da Noite (São Paulo), p.02, 25 maio 1944; Importante acordo cultural firmado entre Brasil e Canadá - A solenidade no Itamaraty, ontem - Discursos do Chanceler Oswaldo Aranha e Embaixador Jean Désy. Reforçando laços de comunhão espiritual. Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro), p.01, 25 maio 1944; A defesa comum de um ideal comum. Uma realidade política, cultural e espiritual do Brasil. O Dia (Curitiba), p.04, 30 dez. 1944; Estabelecido um acordo entre o Canadá e o Brasil. O Dia (Curitiba), p.11, 11 fev. 1945; Brasil-Canadá. Jornal do Comércio (Rio de Janeiro), p.06, 11 dez. 1945.
  • 20
    Ministério das Relações Exteriores. Divisão de Atos Internacionais. Acordo Cultural concluído no Rio de Janeiro, por troca de notas, a 24 maio 1944. BRASIL. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro (DF), jun. 1944, seção 1, p.100066.
  • 21
    Instituto Inter-aliado de Alta Cultura. Diário de Notícias (Rio de Janeiro), p.06, 24 jun. 1944; A cultura a serviço da paz. Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro), p.05, 12 jul. 1944.
  • 22
    Correspondências Désy-Dansereau, 25 abr., 03 maio, 21 maio, 28 maio, 01 jul. e 17 jul. 1945. Pasta: Vie Professionnelle - Correspondances - Jean Désy. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 030-:01/1532.
  • 23
    Não localizamos dados ou identificação dos bolsistas brasileiros contemplados no acordo cultural.
  • 24
    Plano de Estudos Ecológicos. Pasta Activités Scientifiques, 22P. 620: 01/112; Pasta Missions Scientifiques - Mission au Brésil - Activités Scientifiques - 22P.620:04/10. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM.
  • 25
    Diário da Viagem ao Brasil. Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 620: 04/19.
  • 26
    Projet de recherches écologiques dans la région de Rio de Janeiro pendant les mois de septembre, octobre, novembre e décembre 1945. Anexo ao Diário da Viagem ao Brasil. Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 620: 04/19.
  • 27
    Présence du Canada au Brésil. Conférences publiques sur le Canada. Anexo ao Diário da Viagem ao Brasil. Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 620: 04/19.
  • 28
    Pesquisas Biogeográficas no Conselho Nacional de Geografia. Pasta: Conseil National de Géographie - Correspondances - Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P.030: 17/9.
  • 29
    Plano de Estudos Ecológicos e Formação de Pessoal Especializado. Pasta: Activités Scientifiques. 22P. 620: 01/112; Pesquisas Biogeográficas no Conselho Nacional de Geografia. Pasta: Conseil National de Géographie - Correspondances - 22P.030: 17/9. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM.
  • 30
    Plano de Estudos Ecológicos e Formação de Pessoal Especializado. Pasta: Activités Scientifiques. 22P. 620: 01/112. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM.
  • 31
    Plano de Estudos Ecológicos e Formação de Pessoal Especializado, 22P. 620: 01/112. Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM.
  • 32
    Plano de Estudos Ecológicos e Formação de Pessoal Especializado, 22P. 620: 01/112; Diário da Viagem ao Brasil, 22P. 620: 04/19. Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM.
  • 33
    Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 610:04/02.
  • 34
    Pasta: Conseil National de Géographie - Correspondances - Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P.030: 17/9.
  • 35
    Étudiants brésiliens au Canadá - Universités de Montréal e McGill. Anexo ao Diário da Viagem ao Brasil. Pasta: Activités Scientifiques. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM, 22P. 620: 04/19.
  • 36
    Pasta: Correspondances - Fernando Segadas Vianna, (1945-1955). 22P. 030: 01/4955. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM.
  • 37
    Pasta: Correspondances - Edgard Kuhlmann (1946-2004). 22P. 030:01/2964. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM.
  • 38
    Pasta: Correspondances - Henrique Pimenta Velloso (1946-1972). 22P.030:01/5537. Fonds Pierre Dansereau, Archives de l'UQÀM.

Agradecimentos

Agradecemos a Luis Octávio Gomes de Souza, Vanessa Pereira e Erika Carvalho pelo apoio no levantamento de fontes sobre Dansereau no Brasil. Agradecimento especial deve ser feito aos funcionários do Service des Archives et de Gestion des Documents, sediado na UQÀM, por sua gentileza e presteza, durante a estadia em Montréal em 2015 para pesquisa no Fundo Pierre Dansereau. A pesquisa no acervo pessoal de Dansereau foi possível graças aos apoios da Cátedra de Pesquisa Canadense em História da Saúde Internacional da Universidade de Windsor - Canadá e da bolsa Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ, vigente no período 2013-2016. Os autores agradecem ainda aos pareceristas anônimos do artigo por suas sugestões de aprimoramento de argumentos.

Referências bibliográficas

  • ACOT, Pascal. História da Ecologia Rio de Janeiro: Campus, 1990.
  • ANDERSON, Warwick. Natural Histories of Infectious Diseases. Ecological vision in Twentieth-Century Biomedical Science. Osiris, vol. 19, p.39-61, 2004.
  • AUDET, René. L'écologie humaine de Pierre Dansereau et la métaphore du paysage intérieur. Natures Sciences Sociétés, vol. 20, p.30-38, 2012.
  • BASALA, George. The Spread of Western Science. Science, n. 156, p.611-622, 1967.
  • BENCHIMOL, Jaime. O Brasil e o mundo germânico na medicina e saúde pública (1850-1918). História, vol. 32, p.105-138, 2013.
  • BENCHIMOL, Jaime. Relações médicas e científicas entre o Brasil e o mundo germânico (1850-1918). In: DREHER, Martin et al (orgs.). Saúde: corporeidade - educação. São Leopoldo: Oikos, 2009. p.58-113.
  • BIENVENUE, Louise. Quand la jeunesse entre en scène: l'action catholique avant la Révolution tranquille. Montréal: Boréal, 2003.
  • CHARLE, Christopher (org.). Redes intelectuales trasnacionales Barcelona: Pomares, 2006.
  • CHARLE, Christopher; SCHRIEWER, Jurgen; WAGNER, Peter (eds.). Transnational Intellectual Networks: forms of academic knowledge and the search for cultural identities. Frankfurt: Campus Verlag, 2004.
  • CHOUINARD, Denis. Des contestataires pragmatiques: les Jeune-Canada, 1932-1938. Revue d'histoire de l'Amérique française, vol. 40, n. 1, p.05-28, 1986.
  • CONTEL, Fabio Betioli. As divisões regionais do IBGE no século XX (1942, 1970 e 1990). Terra Brasilis (Nova Série), vol. 3, p.01-21, 2014.
  • DUARTE, Regina Horta. A Biologia militante: o Museu Nacional, especialização científica, divulgação do conhecimento e práticas políticas no Brasil - 1926-1945. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010.
  • DUMMONT, Juliette; FLÉCHET, Anaïs. Pelo que é nosso!: a diplomacia cultural brasileira no século XX. Revista Brasileira de História, vol. 34, n. 67, p.203-221, 2014.
  • FERNANDES, Bruno Fraga. A Institucionalização da Ecologia no Brasil - Contribuições Científicas do Museu Nacional e da Fiocruz. Anais do XXVIII Simpósio Nacional de História, Florianópolis, 2015.
  • FERREIRA, Marieta Moraes. O ensino da história na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, vol. 2, p.611-636, 2012.
  • FERREIRA, Marieta Moraes. Os professores franceses e a redescoberta do Brasil. Revista Brasileira, vol. 1, n. 43, p.227-245, 2005.
  • FIGUEIRÔA, Silvia. Mundialização da ciência e respostas locais: sobre a institucionalização das ciências naturais no Brasil. Asclepio, vol. 2, p.107-123, 1998.
  • FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto. Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil, anos 1920 - 1940 Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2009.
  • GAMBINI, Roberto. O duplo jogo de Getúlio Vargas, influência americana e alemã no Estado Novo São Paulo: Símbolo. 1977.
  • GARCIA, Eugenio Vargas. Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920. Brasília: Editora da Universidade de Brasília; Funag, 2006.
  • KODAMA, Kaori; SÁ, Magali Romero. Saúde, imigração e circulação de conhecimentos: Japão e Brasil nas relações científicas no período entre-guerras. Territórios e Fronteiras, vol. 6, p.125-141, 2013.
  • KROPF, Simone; HOCHMAN, Gilberto. From the Beginnings: Debates on the History of Science in Brazil. The Hispanic American Historical Review, vol. 91, p.391-408, 2011.
  • LAMONDE, Yvan. Histoire sociale des idées au Québec, 1896-1929 Montréal: Éditions Fides, 2004.
  • LAMONDE, Yvan. La modernité au Québec La Crise de l'homme et de l'esprit, 1929-1939. Montréal: Éditions Fides, 2011.
  • LESSA, Mônica. Relações culturais internacionais. In: MENEZES, Lená; ROLLEMBERG, Denise; MUNTEAL FILHO, Oswaldo. Olhares sobre o político: novos ângulos, novas perspectivas. Rio de Janeiro, UERJ, 2002. p.11-26.
  • MACLEOD, Roy. Cambio de perspectiva en la história social de las ciências. In: SALDAÑA, Juan (org.). Introducción a la teoria de la história de las ciências México: Universidad Autônoma de México, 1989.
  • MACLEOD, Roy. De visita a la "Moving Metropolis": Reflexiones sobre la arquitetura de la ciencia imperial. In: LA FUENTE, Antonio; SALDAÑA, Juan (orgs.). História de las ciências Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1987.
  • MAIO, Marcos Chor. A Unesco e o projeto de criação de um laboratório científico internacional na Amazônia. Estudos Avançados, vol. 19, n. 53, p.115-130, 2005.
  • MARINHO, Maria Gabriela S. M. C. Norte-americanos no Brasil Uma história da Fundação Rockefeller na Universidade de São Paulo (1934-1952). Campinas: Autores Associados; São Paulo: Universidade de São Francisco, 2001.
  • MCCOOK, Stuart. Global Currents in National Histories of Science: The 'Global Turn' and the History of Science in Latin America. Isis, vol. 104, n. 4, p.773-776, 2013.
  • MCCOOK, Stuart. States of Nature: Science, Agriculture, and Environment in the Spanish Caribbean, 1760-1940. Austin: University of Texas Press, 2002.
  • MINELLA, Jorge Lucas Simões. Pan-americanismo no Brasil: uma abordagem conceitual a partir do Estado Novo. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2013.
  • NEVES, Livia Lopes; PIAZZA, Maria de Fátima Fontes. Pensamento da América: campo intelectual, ideias e dilemas de um suplemento. Revista Eletrônica da ANPHLAC, n. 12, p.280-305, jan./jun. 2012.
  • PALLADINO, Paolo. Entomology, ecology and agriculture: the making of scientific careers in North America, 1885-1985. Amsterdam: Harwood Academic publishers, 1996.
  • PALMER, Steven. Laboratórios de Modernidade Crioula (ou O Demônio que se transformou em Vermes). In: PALMER, Steven. Gênese da Saúde Global: a Fundação Rockefeller no Caribe e na América Latina. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2015. p.187-228.
  • PALMER, Steven. Saúde Imperial e Educação Popular: a Fundação Rockefeller na Costa Rica em uma perspectiva centro-americana, 1914-1921. In: HOCHMAN, Gilberto; ARMUS, Diedo. Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América Latina e Caribe. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz , 2004. p.217-248.
  • PALMER, Steven; HOCHMAN, Gilberto. A Canada-Brazil Network in the Global Eradication of Smallpox. Canadian Journal of Public Health, vol. 101, p.113-118, 2010.
  • PEREIRA, Vanessa; SÁ, Dominichi Miranda de. O agricultor progressista: ciência e proteção à natureza em A Lavoura (1909-1930). Fronteiras, vol. 27, p.27-63, 2016.
  • PETITJEAN, Patrick. Ciências, Impérios, Relações Científicas Franco-brasileiras. In: HAMBURGUER, Amélia Império; DANTES, Maria Amélia; PATY, Michel; PETITJEAN, Patrick (orgs.). A Ciência nas Relações Brasil-França (1850-1950) São Paulo: Edusp, 1996. p.25-39.
  • ROLIM, Marlom Silva; SÁ, Magali Romero. A política de difusão do germanismo por intermédio dos periódicos da Bayer: a Revista Terapêutica e O Farmacêutico Brasileiro. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, vol. 20, p.159-179, 2013.
  • SÁ, Magali Romero. Relações médico-científicas entre Brasil e Japão no entreguerras. In: BENCHIMOL, Jaime; SÁ, Magali Romero; KODAMA, Kaori; ANDRADE, M. M.; CUNHA, V. da S. (orgs.). Cerejeiras e cafezais: relações médico-científicas entre Brasil e Japão e a saga de Hideyo Noguchi. Rio de Janeiro: Bom Texto Editora, 2009. p.75-121.
  • SÁ, Magali Romero. Uma visão ecológica do cerrado brasileiro: os trabalhos de Henrique Pimenta Veloso. Anais da 63ª Reunião Anual da SBPC, Goiânia, 2011.
  • SÁ, Magali Romero; BENCHIMOL, Jaime; KROPF, Simone; VIANA, Larissa; SILVA, André Felipe Cândido da. Medicina, ciência e poder: as relações entre França, Alemanha e Brasil no período de 1919 a 1942. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, vol. 16, p.247-261, 2009.
  • SÁ, Magali Romero; SÁ, Dominichi Miranda de. A ecologia do Planalto Central do Brasil: as pesquisas de Henrique Pimenta Veloso nos anos 1940. In: SILVA, Sandro Dutra; SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero (orgs.). Vastos Sertões: História, Natureza na Ciência e na Literatura. Rio de Janeiro: Mauad X, 2015. p.199-212.
  • SÁ, Magali Romero; SILVA, André Felipe C. da. La Revista Médica de Hamburgo y la Revista Médica Germano Ibero-Americana: Diseminación de la Medicina Germánica en España y América Latina (1920-1933). Asclepio - Revista de Historia de la Medicina y de la Ciencia, vol. LXII, p.07-34, 2010.
  • SÁ, Magali Romero; VIANA, Larissa Moreira. La science médicale entre la France et le Brésil: stratégies déchange scientifique dans la période de lentre-deux guerres. Cahiers des Amériques Latines, vol. 65, p.65-88, 2010.
  • SÁ, Magali Romero; VIANA, Larissa Moreira. Relações científicas internacionais: estudo comparado das influências e estratégias de aproximação da Alemanha, França com o Brasil no entreguerras. In: FAULHABER, Priscila; DOMINGUES, Heloisa; BORGES, Luiz (orgs.). Ciências e Fronteiras Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins - MAST, 2012. p.85-104.
  • SCHWARZ, Maria Luiza. Pierre Dansereau - o ecologista de "pés descalços" nas representações de seus alunos, ex-alunos e amigos canadenses e brasileiros. In: Anais do VIII Encontro Regional Sul de História Oral, História Oral: Lugares e Desafios. Joinville: UNIVILLE, 2015. p.207-217.
  • SILVA, André Felipe Cândido da. A trajetória de Henrique da Rocha Lima e as relações Brasil - Alemanha (1901-1956) Tese (Doutorado em História) - Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Rio de Janeiro, 2011.
  • SUPPO, Hugo Rogelio. A máquina diplomática cultural da Quarta República francesa e o Brasil (1946-1958). Meridiano 47, vol. 17, p.01-19, 2016.
  • SUPPO, Hugo Rogelio. A política cultural da França no Brasil entre 1920 e 1940: o direito e o avesso das missões universitárias. Revista de História, vol. 142-143, p.309-345, 2001.
  • SUPPO, Hugo Rogelio. Ciência e Relações internacionais. Revista da Sociedade Brasileira de História da Ciência, vol. 1, n.1, p.06-20, 2003.
  • SUPPO, Hugo Rogelio. Intelectuais e artistas nas estratégias de propaganda cultural no Brasil (1940-1944). Revista de História, vol. 1, p.75-88, 1995.
  • SUPPO, Hugo Rogelio. La politique culturelle française au Brésil entre les années 1920-1950 Villeneuve d'Ascq: Presses Universitaires du Septentrion, 2000.
  • SUPPO, Hugo Rogelio. Réflexions sur le rôle de la culture dans les principaux paradigmes des Rélations Internationales. In: MARTINIÈRE, Guy; MONTEIRO, Eric (orgs.). Les échanges culturels internationaux France. Brésil, Canada-Québec (XIXe-XXe siècles). Paris: Les Indes Savantes, 2013. p.67-76.
  • SUPPO, Hugo Rogelio; LESSA, Mônica Leite (orgs.). A quarta dimensão das Relações Internacionais: a dimensão cultural. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2012.
  • SUPPO, Hugo Rogelio; LESSA, Mônica Leite. Contribuciones teóricas y metodológicas al estudio de la dimensión cultural en las relaciones internacionales. Ciclos en la Historia, la Economía y la Sociedad, vol. 28, p.155-174, 2004.
  • TOTA, Antonio Pedro. Cultura e dominação: relações culturais entre o Brasil e os Estados Unidos durante a Guerra Fria. Perspectivas, vol. 27, p.111-122, 2005.
  • TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor - a americanização no Brasil na época da Segunda Guerra. São Paulo: Companhia das letras, 2000.
  • VIEIRA, Paulo Freire; RIBEIRO, Maurício Andrés (orgs.). Ecologia humana, ética e educação A mensagem de Pierre Dansereau. Porto Alegre; Florianópolis: Pallotti; APED, 1999.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2017
  • Revisado
    18 Maio 2017
  • Aceito
    30 Maio 2017
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: variahis@gmail.com