Acessibilidade / Reportar erro

Fundo de comércio: sua conceituação legal e avaliação contábil

ARTIGOS

Fundo de comércio: sua conceituação legal e avaliação contábil

Ivan de Sá MottaI; João Carlos HoppII

IProfessor Adjunto da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, Departamentos de Contabilidade e Finanças e de Administração da Produção

IIProfessor Adjunto da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, Departamento de Contabilidade e Finanças

Como pode o administrador determinar o valor intangível de sua emprêsa?

O presente trabalho visa propor um método para avaliação do Fundo de Comércio.

Dividimos a matéria em três partes:

I - Conceituação

II - Método Sugerido para Avaliação

III - Tratamento Contábil.

Na primeira parte, mostramos como o conceito do Fundo de Comércio é tratado pelas leis brasileiras; na segunda parte, apresentamos o método proposto; na parte final, sugerimos o tratamento contábil que nos parece o mais indicado do ponto de vista financeiro.

Conceituação de Fundo de Comércio

O assunto considerado neste artigo é, de há muito, motivo de divergências entre tratadistas de várias partes do mundo.

Também no Brasil, diversas considerações foram aventadas por destacados autores nacionais, sem, entretanto, alcançar-se uma conceituação aceita por todos. (1 (1 ) Luiz Autuori, Fundo de Comércio, Rio de Janeiro, Edição da Revista Forense, 1949. O autor dedica a segunda parte de seu livro à exposição das diversas teorias sobre fundo de comércio, no Brasil e no exterior. )

Além das divergências acima apontadas, existentes no campo do direito comercial, nossos estudos a respeito do assunto levaram-nos a concluir que o fundo de comércio pode também ser considerado sob os aspectos constitucional e fiscal, que passaremos a considerar.

Encontramos na lei brasileira, no artigo 20 do Decreto 24.140, de 20 de abril de 1934, mais conhecido como "Lei das Luvas", que regula as condições e processo de renovação dos contratos de locação de imóveis destinados a fins comerciais ou industriais, a seguinte menção explícita a fundo de comércio:

"O inquilino que, por motivo de condições melhores, não puder renovar o contrato de locação, terá direito a uma indenização, na conformidade do direito comum e, nomeadamente, para ressarcimento dos prejuízos com que tiver de arcar em conseqüência dos encargos da mudança, perda do lugar do comércio ou indústria, e desvalorização do fundo de comércio".

MILTON DE CARVALHO, com mais 131 deputados, sugeriu uma emenda ao artigo, que resultou no artigo 127 da Constituição de 16 de julho de 1934, abaixo transcrito:

"Será regulado por lei ordinária o direito de preferência que assiste ao locatário para a renovação dos arrendamentos de imóveis ocupados por esta belecimento comercial ou industrial".

FELIPE DOS SANTOS REIS considera que o "fundo de comércio industrial, agrícola ou ainda individual, é a soma dos elementos corpóreos que constituem, ou que se lhe agregaram, durante sua existência jurídica ou social em certo local ou em determinado tempo". (2 (2 ) José Bastos Tourinho, Fundo do Comércio, Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti Editores, 1954, pág. 15. )

O fundo de comércio abrange valores deis mais diversas naturezas, tais como: mercadorias, instalações, móveis e utensílios, direito de arrendamento total ou parcial do respectivo local, freguesia, nome comercial, insígnia, marcas de fábrica ou comércio, patentes de invenção, modelos de utilidades e acervo de dívidas ativas e passivas, plantações e benfeitorias do solo passíveis do aproveitamento comercial, tudo, enfim, que possa constituir parte da propriedade comercial, industrial, agrícola ou individual. As árvores, no fundo agrícola, aderem ao ponto (solo, terra) e dêle não podem ser despejadas. O próprio valor individual dos sócios adere à firma ou nela é integrado.

Sob o aspecto fiscal, para efeito da cobrança do imposto de vendas e consignações, no artigo 33, letra e, do Código de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, lê-se:

"Artigo 33) - Consideram-se vendas à vista:

e) as de fundo de comércio ou de estabelecimento, mediante balanço para transferência dêste, desde que o preço seja pago dentro de 40 dias, caso em que serão lançadas no livro competente no último dia da transação, encerrando-o."

Verificamos, pois, que o fundo de comércio é composto de duas partes, ou seja, de bens corpóreos e incorpóreos. Todavia, para o fisco não existe qualquer discriminação do que seja corpóreo ou incorpóreo, pois o imposto de vendas e consignações recai sôbre o total da venda, seja êle representado por um valor que inclui somente os bens tangíveis, ou por um valor que abranja também a parte intangível do ativo. Por conseguinte, a maioria das questões e pendências se prende à parte incorpórea do ativo, de difícil determinação numérica.

Avaliação do Fundo de Comércio

Com o intuito de oferecer uma solução ao problema acima citado, passaremos a apresentar um método de fácil tratamento aritmético, que se baseia no princípio de que a parte incorpórea do fundo de comércio é sobretudo uma função da diferença entre a rentabilidade da emprêsa e a remuneração do capital na praça em que a emprêsa opera.

A fim de tornar claro o nosso raciocínio, vamos adotar a seguinte terminologia e simbolismo:

F =

Fundo de comércio, em unidades monetárias

C =

Capital investido na emprêsa, em unidades monetárias

J =

Rentabilidade da emprêsa, expressa em taxa fracionária anual

J =

Remuneração do capital na praça onde a emprêsa opera, expressa em taxa fracionária anual

A =

Período de tempo, expresso em anos, após o qual está completamente remunerado o capital investido na emprêsa

JC =

Lucro anual da emprêsa, expresso em unidades monetárias

JC =

Remuneração anual do capital investido na emprêsa, expresso em unidades monetárias na praça em que a emprêsa opera.

De acordo com o princípio acima citado, o fundo de comércio pode ser definido como o capital incorpóreo que, somado ao capital investido na emprêsa, e remunerado pela taxa de mercado de capitais da praça em que a emprêsa opera, produz o lucro que a emprêsa está efetivamente obtendo. De acordo com esta definição, e usando o simbolismo acima descrito, podemos escrever:

Desdobrando a expressão do primeiro membro da igualdade, temos:

Isolando no primeiro membro da igualdade a parcela em que figura o fundo de comércio, vem:

Colocando em evidência o capital investido na emprêsa, C, segue:

Dividindo ambos os membros da igualdade por J, temos

que é a expressão matemática para o fundo de comércio, de acordo com a definição acima.

A fim de esclarecer a fórmula, aproveitaremos um exemplo numérico:

Suponhamos uma emprêsa na qual está investido um capital de Cr$ 100.000, 00, com uma rentabilidade anual de 20%. Suponhamos ainda que, na praça em que a emprêsa opera, a remuneração do capital seja de 12% ao ano. Levando êstes valores à fórmula, temos:

F = Cr$ 66.666, 00

Por conseguinte, o valor total da emprêsa é de Cr$ 166.666, 00, composto do seu capital de Cr$ 100.000, 00 e mais o valor do fundo de comércio de Cr$ 66.666, 00.

A expressão matemática do fundo de comércio pode ser ainda colocada sob forma simplificada.

Se introduzirmos na fórmula o período de tempo A, acima definido, ela aparecerá da maneira seguinte:

uma vez que A, por definição, é igual a:

Para o exemplo numérico acima dado, A tem o valor de: 8, 333 anos, ou seja, 8 anos e 4 meses.

Êste período de tempo tem um significado para aquêle que adquiriu a emprêsa e pagou também o fundo de comércio, que poderá ser melhor compreendido se raciocinarmos com a fórmula (1):

colocando-a sob a forma seguinte:

Desta maneira, verificamos que o período de tempo A representa o tempo necessário para que o capital investido pelo comprador da emprêsa seja pago de acordo com a rentabilidade efetiva do capital empatado. Isto significa que, embora a rentabilidade aparente da emprêsa seja J, sua rentabilidade efetiva é.

Tratamento Contábil

A nossa legislação sôbre o imposto de venda nada prevê sôbre a amortização do fundo de comércio, de modo que não há vantagem monetária em fazê-lo figurar entre os ativos da companhia, quando da sua venda. Existisse essa possibilidade de amortização ou de depreciação, as emprêsas poderiam disto se beneficiar, pois a amortização ou depreciação poderia ser levada a débito da conta de lucros e perdas da companhia, assim diminuindo o tributável pelo fisco. Êste, naturalmente, é o ponto de vista do empresário.

A amortização do fundo de comércio é perfeitamente justificável do ponto de vista da economia da emprêsa, pois êle não permanece estacionado por tempo indefinido. Tanto pode de crescer de valor, como aumentar. No caso de o fundo de comércio aumentar, haveria a possibilidade de sua reavaliação, tal como existe a possibilidade de reavaliação prevista do ativo. Os decréscimos, por sua vez, seriam absorvidos pela amortização.

O fato é que o fundo de comércio varia e à emprêsa se deveria permitir a flexibilidade de mostrar isto através do seu balanço. Ainda que as taxas de remuneração do capital, da emprêsa e no mercado em que ela opera guardassem proporções constantes, a fórmula proposta para o cálculo do fundo de comércio mostra que, se o capital investido cresce, aumenta também o fundo de comércio. Mostra, ainda, que o fundo de comércio decresce quando aumenta a taxa de remuneração no mercado de capitais da praça em que a emprêsa opera. O uso desta fórmula tornaria bem mais realista o ativo da emprêsa.

  • 1
    (1) Luiz Autuori, Fundo de Comércio, Rio de Janeiro, Edição da Revista Forense, 1949.
  • 2
    (2) José Bastos Tourinho, Fundo do Comércio, Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti Editores, 1954, pág. 15.
  • (1
    ) Luiz Autuori, Fundo de Comércio, Rio de Janeiro, Edição da Revista Forense, 1949. O autor dedica a segunda parte de seu livro à exposição das diversas teorias sobre fundo de comércio, no Brasil e no exterior.
  • (2
    ) José Bastos Tourinho, Fundo do Comércio, Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti Editores, 1954,
    pág. 15.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Ago 1961
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br