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Remuneração de diretores nas sociedades anônimas

ARTIGOS

Remuneração de diretores nas sociedades anônimas

Antônio Angarita Silva

Vice-Diretor e Professor Adjunto da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, Departamento de Sociologia, Psicologia e Legislação

Reformulado o artigo 134 da Lei das Sociedades por Ações, pode-se evitar que os diretores sejam privados da remuneração merecida.

Nos países de direito positivo escrito, a adequação das leis à realidade é problema constante. A questão ganha mais ênfase quando é trazida para a área do Direito Comercial, pois êste tende a conter, senão na totalidade, pelo menos na parte mais substancial, as diretivas das atividades econômicas.

Atualizar leis comerciais, portanto, é tarefa que se condiciona à necessidade que tem o mundo jurídico de acompanhar as mutações do mundo econômico, as quais, como é sabido, se processam de modo singularmente diversificado e rápido. Daí o precoce envelhecimento das normas, nem sempre capazes de seguir o desenvolvimento dos negócios, e a moderna tendência do Direito Comercial de alargar seu domínio, tomando como base a emprêsa. (1 (1 ) Ver, sôbre o assunto, em notável trabalho de síntese, os artigos dos professores Jean Van Ryn, Darcy Bessone e Túlio Ascarelli, publicados, respectivamente, nas «Revistas de Direito Mercantil» (vol. 4, pgs. 7/20), «Revista dos Tribunais» (vol. 257, pgs. 19/35) e «Revista Forense» (vol. 149, pgs. 17/45) e Oscar Barreto Filho, in «Regime Jurídico das Sociedades, de Investimento», edição de Max Limonad, 1956, pgs. 43/45. )

A Lei das Sociedades por Ações (Decreto-lei n.º 2.627, de 26/9/1940) que, comparada a outras leis mercantis, é recente e goza do prestígio de ter sido elaborada por um jurista de mérito, nem por isso foge à regra geral. De fato, está a carecer de uma revisão que lhe venha corrigir defeitos e preencher lacunas, já apontados pelos Tribunais e pela Doutrina, ambos chamados a suprir e esclarecer pontos em que ela se omite. (2 (2 ) Compare-se o Decreto-lei n.º 2.627, que é de 1940, com a «Lei das Debêntures», Decreto-lei n." 177-A, de 1893, com a «Lei das Cam biais», Decreto n.º 2.044, de 1908, com a «Lei do Cheque», Decreto n.º 2.591, de 1912, com a «Lei das Sociedades Limitadas», Decreto n.º 3.708, de 1919, e com tantas outras leis de caráter mercantil posteriores ao Código Comercial, que data de 1850. )

Examinaremos, a seguir, dispositivo da mencionada lei, cujo entendimento correntio não nos parece deva ser aceito.

A Natureza Jurídica da Remuneração

Por fôrça de claros dispositivos da atual Lei das Sociedades por Ações, de que a sociedade anônima é espécie mais consagrada pelo uso, (3 (3 ) Ao lado da sociedade anônima, o Decreto-lei n.º 2.627 regula a sociedade em comandita por ações, de restritíssimo uso no Brasil. Trata-se de uma sociedade de responsabilidade mista (diretores ou gerentes com responsabilidade ilimitada, solidária e subsidiária às obrigações sociais, e os acionistas de responsabilidade limitada ao montante do capital que subscreveram), que pode girar sob firma ou razão social (a sociedade anônima terá obrigatoriamente uma denominação), com prazo indeterminado para o mandato dos diretores ou gerentes, dos quais dependem a mudança do objeto da sociedade, a prorrogação do prazo de sua duração, o aumento ou a diminuição do capital e a emissão de debêntures e de partes beneficiárias (arts. 163/166 da Lei). É a diretoria ou gerência, nesses importantes casos, órgão superior à assembléia geral dos acionistas. É evidente, assim, que a sociedade anônima seja instrumento mais hábil para os negócios e para receber investimento de terceiros. ) ao contrário do que facultava o estatuto passado (Decreto n.º 434, de 4/7/1891), os diretores devem ser remunerados. É o que se depreende da alínea b) do § 1.º do art. 116 e do art. 134, que adiante se vai transcrever.

Tal remuneração, por via de regra, tem dois feitios:

a) remuneração fixa e mensal, que se costuma chamar de honorários;

b) remuneração variável e resultante da aplicação de certa percentagem sôbre os lucros líquidos de cada exercício. Esta, quando não vem registrada nos estatutos sociais, pode ser estipulada pela assembléia geral. É a percentagem da Diretoria.

A natureza salarial do primeiro tipo é evidente, já porque é fixada como pro labore, já porque o seu fluxo independe dos resultados. No entanto, para a remuneração variável, ainda que tomemos a palavra salário na sua acepção mais lata, vale dizer, enquanto significa remuneração de trabalho, não há a mesma tranqüilidade quanto àquela natureza. A começar, porém, por CARVALHO DE MENDONÇA, parece que, entre nós, os autores se põem de acordo em que também esta última configura remuneração tipicamente de trabalho. Na verdade, diz o autor do grande TRATADO, ainda que baseado na lei passada:

"A remuneração pode ter a forma de estipêndio ou "consistir em determinada participação nos lucros "líquidos da sociedade, depois de deduzida a parte "destinada ao fundo de reserva, se porventura instituído." (

4 (4 ) Carvalho de Mendonça, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, 5.ª edição da Livraria Freitas Bastos, vol. IV, n.º 1.183, pg. 49.

)

Não pensa de outro modo TRAJANO MIRANDA VALVERDE, autor do anteprojeto que se converteu no Decreto-lei n.º 2.627:

"Na maioria dos casos os diretores recebem uma "quantia certa mensal estabelecida nos estatutos "ou anualmente votada na assembléia geral, no "comêço de cada exercício. Também é comum a "atribuição de uma percentagem sôbre os lucros "líquidos apurados em cada exercício."

"A percentagem dos lucros líquidos constitui a "parte variável das remunerações dos diretores." (5 (5 ) Trajano Miranda Valverde, Sociedade por Ações, 2.ª edição da Revista Forense, vol. II, n.º 610, 695, pgs. 289 e 397. )

GUDESTEU PIRES, dos primeiros a comentar a lei atual, também, e de modo muito claro, corrobora esta tese:

"Além da referência aos honorários fixos, regularão (os estatutos) o modo de dedução e as condições de pagamento das percentagens sôbre os "lucros líquidos que forem atribuídas, como remuneração, aos diretores." (6 (6 ) Gudesteu Pires, Manual das Sociedades Anônimas, 1.ª edição da Livraria Freitas Bastos, pg. 253. )

Assim, não nos parece procedente a opinião de ALOYSIO LOPES PONTES (7 (7 ) Aloysio Lopes Pontes, Sociedades Anônimas, 3.ª edição da Revista Forense, pg. 544. ), quando inculca a essa forma adicional de salário o caráter de singela liberalidade da emprêsa, chamando-a insistentemente de "gratificação". Em verdade, êle mesmo acentua, como de resto todos os outros comentadores da lei, que a percentagem existe para estimular os diretores, no sentido de que, com motivação redobrada, promovam o progresso da sociedade. Demais, convém ter presente que um diretor, nesta qualidade, não poderá auferir outro rendimento na emprêsa senão por força de seu trabalho, pois para isso foi chamado à direção da mesma. (8 (8 ) No Brasil, quase sempre, os diretores são os grandes acionistas; quando não, o critério de escolha se subordina menos à qualificação dos eleitos e mais à conveniência de grupos ou relações de parentesco. Só recentemente é que se nota a quebra dêsse hábito. ) Não se pode colhêr, para o raciocínio, a limitação que estabelece a mais recente lei do Imposto de Renda (Lei n.º 3.470, de 28/11/1958), a qual relaciona os salários dos diretores ao valor do salário mínimo mais elevado. (9 (9 ) No art. 42 da Lei n.º 3.470, as limitações para as despesas com o salário dos diretores são as seguintes: (a) 5 vezes o maior salário mínimo mensal para 3 dos diretores; (b) 4 vezes o maior salário mínimo mensal para os demais diretores; (c) o total da remuneração mensal dos diretores não poderá ultrapassar a 35 vêzes o maior salário mínimo mensal; (d) esses limites terão ainda as seguintes reduções, condicionadas ao capital realizado: 50% - quando o capital não exceder a Cr$ 2.000.000, 00; 60% - quando o capital se situar entre Cr$ 2.000.000, 00 e Cr$ 3.000.000, 00; e 80% - quando o capital fôr superior a Cr$ 3.000.000, 00 e não ultrapassar de Cr$ 5.000.000, 00. )

Não vemos como negar a natureza de salário à percentagem. O argumento de que o seu pagamento se condiciona a uma eventualidade é pueril, pois, substantivamente, não há diferença entre o caso examinado aqui e o de certas emprêsas que pagam salário proporcional à produção. É que numa e noutra hipótese o que se remunera é trabalho humano, não importa em que nível de qualificação. Aliás, ainda que seja incontroverso que o vínculo jurídico criado entre o diretor e a companhia não configura relação de emprêgo, não é incoerência citar a Consolidação das Leis do Trabalho (Dec. Lei n.º 5.452, de 1/5/1943) que, no art. 459, prevê a hipótese de o salário tomar a forma de percentagem.

A "Percentagem" da Diretoria e a Limitação Legal

Inegável, porém, é que o pagamento de um e de outro tipo de remuneração é feito de forma e sob condições bem diversas. Os "honorários" são pagos mensalmente e independem da existência de lucros. Já o pagamento da percentagem não poderá ser feito em desobediência ao art. 134 da lei, que estabelece: "Os estatutos sociais regularão o modo de dedução e as condições de pagamento das percentagens sôbre os lucros líquidos que fôrem atribuídos, como remuneração, aos diretores. Qualquer que seja a forma de dedução adotada, os diretores não poderão receber percentagem alguma sôbre os lucros líquidos verificados nos balanços em que não fôr distribuído aos acionistas um dividendo à razão de 6% (seis por cento) ao ano, no mínimo, observadas as disposições legais quanto às cotas que devam ser creditadas ao fundo de reserva."

O preceito está redigido em linguagem que repele dúvidas, e a limitação que impõe ao pagamento da percentagem aos diretores é inequívoca: se não houver distribuição de um dividendo mínimo de 6% aos acionistas, não será lícito aos diretores receber a sua remuneração complementar, ou, como vimos, o seu salário adicional. Convém notar ainda que é pacífico poderem os estatutos estipular uma taxa mais elevada de dividendos e condicionar à sua distribuição o pagamento da percentagem devida aos diretores. Por igual, o pagamento da percentagem não será lícito senão após a dedução de 5% dos lucros líquidos - para a constituição da chamada reserva legal, até que atinja a 1/5 do capital - e também das importâncias destinadas a amortizar ou a atender a depreciação dos bens do ativo. Claríssima a intenção do legislador: garantir remuneração mínima ao investimento e defender a realidade patrimonial da emprêsa.

O artigo 108 da lei anterior condicionava o pagamento da percentagem a que ela fôsse calculada sôbre o lucro líquido e que a ela precedesse a dedução do fundo de reserva quando instituído. Isto, porém, quando os estatutos não dispusessem em contrário. A norma atual veio pôr côbro a vima situação imoral, qual seja a de os acionistas majoritários, que quase sempre se elegem diretores, haverem regulares e polpudas percentagens sem nenhum pagamento de dividendos às minorias. (10 (10 ) Ver a respeito o interessante acórdão do Tribunal de Justiça de Alagoas, seguido de um parecer do Prof. Waldemar Ferreira, publicados na «Revista de Direito Mercantil», vol. 2, pgs. 628/63. )

Formulação do Problema e uma Resposta Inaceitável

Em face do que se expôs, indaguemos o seguinte: se os acionistas não quiserem receber dividendos, estarão os diretores praticando ilegalidade se receberem a percentagem prevista nos estatutos, quando fôr certo que o lucro do exercício suporta um pagamento acima do mínimo fixado na lei, ou nos estatutos? Ou, ainda mais especificamente para o que temos em mente examinar: a diretoria de uma sociedade anônima, cumprindo o disposto nas alíneas h) e j), inciso II do art. 136 da lei, (11 (11 ) Diz a Lei - «Art. 136 - A demonstração da conta de lucros e perdas acompanhará o balanço e dela constarão:. .. II-A débito:. .. h) dividendos que devem ser distribuídos;. .. j) saldo disponível para o exercício seguinte.» ) submete à assembléia geral ordinária um balanço em cuja conta de lucros e perdas se registram, a débito, importâncias destinadas à distribuição de dividendos e ao pagamento da percentagem estatutária devida aos diretores; os acionistas, no entanto, desaprovam tal destinação dos lucros; pergunta-se: será ilegítimo o pagamento da percentagem aos diretores?

Desde logo, estabeleçamos o seguinte: o problema decai de importância se não adotarmos o pressuposto de a percentagem estar prevista nos estatutos. Quando essa remuneração não é norma estatutária, o seu pagamento se submete, obviamente, ao alvedrio dos acionistas que, entretanto, para fazê-lo, não poderão desatender o citado art. 134.

Uma interpretação literal, à base do velho e já ultrapassado "in claris cessat interpretatio" (12 (12 ) Ver Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito. 5.ª edição da Livraria Freitas Bastos, pgs. 51/3 e 136/9. ) levará a uma tranqüila negativa à indagação formulada. E mais: os diretores que, naquelas condições, recebessem a percentagem, não estariam a salvo de um enquadramento nas disposições penais do mesmo Decreto-lei n.º 2.627.

Todavia, porque não nos pareça próprio estudar as leis armados tão só da interpretação gramatical e tenhamos certeza de que a aplicação restrita do preceito levará a injustiças, façamos uma análise do problema, já agora, bem objetivado.

Abordagem do Problema por Alguns Autores

Os comentadores da lei das sociedades por ações, cujas obras consultamos, não discutem o assunto de modo a responder à questão com a amplitude desejada. Com efeito, MIRANDA VALVERDE, ao invés de usar a expressão da lei, que é "distri buição de dividendos", usa de uma sinonímia, que não nos parece seja muito própria, quando ensina: "E (a percentagem) não pode ser paga aos diretores senão depois de garantido o dividendo mínimo de 6% ao ano, calculado sôbre o valor nominal das ações." (13 (13 ) Op. cit., pg. 397. ) WALDEMAR FERREIRA e GUDESTEU PIRES, a rigor, reproduzem as palavras da lei e não se estendem em comentários que possam esclarecer a dúvida. (14 (14 ) Waldemar Ferreira, in Tratado de Sociedades Mercantis - Sociedades Anônimas, 1.ª edição da Livraria Freitas Bastos, vol. 2, pg. 405 e Gudesteu Pires, op. loc. cits. ) LOPES PONTES também transcreve a lei, mas, ao comentá-la nesse trecho, escreve: "Somente, portanto, poderá ser concedida gratificação aos diretores, depois de deduzida" etc. etc.; e mais adiante: "De fato, mesmo sob o aspecto social justifica-se fique condicionada a gratificação a diretores e empregados ao pagamento do dividendo" etc. etc. (15 (15 ) Op. cit., pgs. 540 e 544. )

Ora, lèxicamente, garantir e deduzir não substituem, com exatidão, distribuir, pois êste verbo designa a ação de entregar alguma coisa: no caso da lei, a entrega do dividendo aos acionistas, isto é, o pagamento que a sociedade lhes faz do produto de seu investimento. Na verdade, o dividendo estipulado na lei, ou outro qualquer mais elevado estabelecido nos estatutos, estaria garantido pelos lucros ou dêles deduzido, sempre que êstes alcançassem um volume capaz de suportar o pagamento posterior dos referidos dividendos. Se a lei quer dizer com distribuir a simples garantia ou a dedução do dividendo, ainda que êste não fôsse pago, poderiam os diretores receber a sua percentagem sem ferir o preceito. Bastaria que na ata da assembléia geral ficasse armado êsse estratagema para que a lei fôsse contornada. Mas, ainda assim, o balanço não poderia registrar distribuição de dividendos. Portanto, o dividendo não estaria, na hipótese, juridicamente à disposição dos acionistas.

Análise de Situações Concretas

A questão, assim, continua de pé. E já agora ousamos respondê-la com uma afirmação que poderá causar espécie: cremos, não obstante o texto da lei ser tão claro, não ser jurídico nem lógico deixar o pagamento da percentagem dos diretores à mercê dos acionistas. Segundo nos parece, se a percentagem está consagrada nos estatutos, se o resultado do exercício pode ultrapassar o mínimo da lei ou o mínimo estipulado nos estatutos, será de singular injustiça furtar-se aos diretores o direito de receber o seu salário adicional.

Caso contrário, seria dar aos acionistas majoritários azo a uma fraude grosseira e nem por isso fora da lei: ainda que os lucros dessem margem a uma distribuição opulenta, não poderiam os diretores receber as percentagens estatutárias. De fato, organizado o balanço e atribuída verba para a distribuição dos dividendos, poderiam os acionistas, abrindo mão do recebimento de seus lucros, prejudicar o direito dos diretores. Seria, no caso, talvez, um exemplo típico de abuso de direito. Tal prática estaria a indicar, quando nada, que os interêsses da emprêsa afrontariam, sem nenhuma sanção, os direitos adquiridos daqueles que, como diretores, não poderiam rece ber o salário a que fizeram jus. O quanto êsse fato tenha de justo ou de injusto é de senso comum poder julgar: relevantes hão de ser os interêsses e os direitos dos capitalistas, ou da emprêsa, desde que, no entanto, a êles não se submetam, até o extermínio, os direitos e interêsses do homem, ganhos por fôrça de serviços prestados. O trabalho é também conteúdo da emprêsa; sem dúvida o mais nobre.

Não se diga que estamos argumentando com o absurdo. A questão não é despicienda, à vista de que já se começa a sentir no Brasil o surgimento do administrador de emprêsas como um profissional que tem qualificação específica. Desta forma, na prática, não será difícil encontrar uma das seguintes situações:

A - Os acionistas majoritários poderiam ficar em face de uma tributação de suas rendas, imposto progressivo, muito elevada, de tal forma que lhes seria de muita conveniência, num determinado exercício, deixar que apenas a sua sociedade pagasse o imposto de pessoa jurídica e mais o adicional incidente sôbre as reservas. Desta forma, ainda que os lucros pudessem remunerar as ações com 20%, os diretores nada poderiam receber de percentagem, tão só pela ausência da distribuição dos dividendos.

B - Uma desavença entre os detentores da maioria do capital com os diretores poderia determinar uma não distribuição dos dividendos e, com isso, evitar o pagamento da percentagem. Após a saída dos diretores - demissíveis ad nutum - com uma simples assembléia geral extraordinária, os lucros seriam distribuídos, já agora acrescidos da soma que não fôra paga aos diretores.

C - Fluído o prazo do mandato dos diretores (máximo de 6 anos), durante o qual não se registrasse distribuição de dividendos, bem poderiam os acionistas proceder, então, à distribuição de dividendos, dessa feita bem maiores, por fôrça da acumulação.

É certo que os diretores, provada que fôsse a má-fé da assembléia, poderiam receber judicialmente o fruto de seu trabalho. No entanto, melhor seria se a lei dispusesse de tal modo que o pagamento da percentagem, como o do salário fixo e mensal, não ficasse ao talante da maioria, nem entregue aos azares de uma demanda judicial, incerta, cara e demoradíssima.

Aliás, MIRANDA VALVERDE não é totalmente infenso à indagação, quando salienta:

"A percentagem sôbre o lucro líquido fixada nos "estatutos, como remuneração aos diretores, cons"titui, verificada a respectiva importância, um cré"dito contra a sociedade, cujo pagamento deverá "também ser regulado nos estatutos. O crédito "surge na data do levantamento do balanço, por "tanto, no fim do exercício, no pressuposto, é "claro, de que o balanço exprima a verdadeira situação da sociedade." (

16 (16 ) Op. cit., n.º 697, pg. 389.

)

Porém, vejamos em que ponto o ensinamento deixa dúvidas. A primeira pergunta seria: "Quando e onde é verificada a respectiva importância (da percentagem)?" O mesmo jurista responde: na data do levantamento do balanço e nêle próprio. Contudo, o balanço levantado pela diretoria será ou não aprovado pela assembléia geral, a qual, mesmo no pressuposto de que o balanço reflita realmente a situação da emprêsa, pode modificar a destinação dos lucros, distribuindo-os entre os acionistas ou deixando-os em suspenso, apenas para mencionar as duas hipóteses que interessam ao problema que estamos examinando.

Ora, se é verdade que a assembléia pode desaprovar o balanço, o quantum da percentagem somente será um crédito contra a sociedade se assim entenderem os próprios acionistas, à vista do que dispõe o art. 134.

Conclusões e Sugestão "De Lege Ferenda"

Em conclusão, pois, podemos alinhar o seguinte:

1 - Em face do direito positivo (art. 134 da Lei das Sociedades por Ações), o pagamento da percentagem devida aos diretores pelo seu trabalho, mesmo quando seja essa remuneração prevista nos estatutos, não poderá ser feito sem prévia distribuição efetiva de dividendos aos acionistas, no mínimo de 6% sôbre o valor nominal das ações.

II - Os acionistas poderão postergar o dito pagamento, agindo de má-fé mas dentro da lei - o que, obviamente, dá direito aos prejudicados de postularem em juízo o ressarcimento dos danos sofridos.

III - É certo que a perfeição das leis é objetivo que se não pode atingir, por isso que elas padecem das limitações humanas, e que se submetem a um permanente exercício para fraudá-las.

IV - Não é menos certo, porém, que uma simples modificação de palavras no texto do mencionado art. 134 poderá dar a êle, senão mais clareza, pelo menos um conteúdo mais justo. Seria o caso, então, de formular o final do citado dispositivo da seguinte forma:

"... Qualquer que seja a forma de dedução adotada, os diretores não poderão receber percentage m alguma sôbre os lucros líquidos, se,

através "dos balanços, não se verificar a existência de lucros "capazes de remunerar

aos acionistas com um dividendo à razão de

6%

ao ano, no mínimo, observadas as disposições legais quanto às cotas que "devam ser creditadas ao fundo de reserva."

Com isso, cremos, a lei seria mais justa: ao lado da proteção aos acionistas minoritários, estabeleceria um critério mais adequado para garantir o pagamento do salário adicional dos diretores.

  • (4) Carvalho de Mendonça, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, 5.ª edição da Livraria Freitas Bastos, vol. IV, n.º 1.183, pg. 49.
  • (5) Trajano Miranda Valverde, Sociedade por Ações, 2.ª edição da Revista Forense, vol. II, n.º 610, 695, pgs. 289 e 397.
  • (6) Gudesteu Pires, Manual das Sociedades Anônimas, 1.ª edição da Livraria Freitas Bastos, pg. 253.
  • (7) Aloysio Lopes Pontes, Sociedades Anônimas, 3.ª edição da Revista Forense, pg. 544.
  • (10) Ver a respeito o interessante acórdão do Tribunal de Justiça de Alagoas, seguido de um parecer do Prof. Waldemar Ferreira, publicados na «Revista de Direito Mercantil», vol. 2, pgs. 628/63.
  • (12) Ver Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito. 5.ª edição da Livraria Freitas Bastos, pgs. 51/3 e 136/9.
  • (13) Op. cit., pg. 397.
  • (14) Waldemar Ferreira, in Tratado de Sociedades Mercantis - Sociedades Anônimas, 1.ª edição da Livraria Freitas Bastos, vol. 2, pg. 405 e Gudesteu Pires, op. loc. cits.
  • (15) Op. cit., pgs. 540 e 544.
  • (16) Op. cit., n.º 697, pg. 389.
  • (1
    ) Ver, sôbre o assunto, em notável trabalho de síntese, os artigos dos professores Jean Van Ryn, Darcy Bessone e Túlio Ascarelli, publicados, respectivamente, nas «Revistas de Direito Mercantil» (vol. 4, pgs. 7/20), «Revista dos Tribunais» (vol. 257, pgs. 19/35) e «Revista Forense» (vol. 149, pgs. 17/45) e Oscar Barreto Filho, in «Regime Jurídico das Sociedades, de Investimento», edição de Max Limonad, 1956, pgs. 43/45.
  • (2
    ) Compare-se o Decreto-lei n.º 2.627, que é de 1940, com a «Lei das Debêntures», Decreto-lei n." 177-A, de 1893, com a «Lei das Cam biais», Decreto n.º 2.044, de 1908, com a «Lei do Cheque», Decreto n.º 2.591, de 1912, com a «Lei das Sociedades Limitadas», Decreto n.º 3.708, de 1919, e com tantas outras leis de caráter mercantil posteriores ao Código Comercial, que data de 1850.
  • (3
    ) Ao lado da sociedade anônima, o Decreto-lei n.º 2.627 regula a sociedade em comandita por ações, de restritíssimo uso no Brasil. Trata-se de uma sociedade de responsabilidade mista (diretores ou gerentes com responsabilidade ilimitada, solidária e subsidiária às obrigações sociais, e os acionistas de responsabilidade limitada ao montante do capital que subscreveram), que pode girar sob firma ou razão social (a sociedade anônima terá obrigatoriamente uma denominação), com prazo indeterminado para o mandato dos diretores ou gerentes, dos quais dependem a mudança do objeto da sociedade, a prorrogação do prazo de sua duração, o aumento ou a diminuição do capital e a emissão de debêntures e de partes beneficiárias (arts. 163/166 da Lei). É a diretoria ou gerência, nesses importantes casos, órgão superior à assembléia geral dos acionistas. É evidente, assim, que a sociedade anônima seja instrumento mais hábil para os negócios e para receber investimento de terceiros.
  • (4
    ) Carvalho de Mendonça, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, 5.ª edição da Livraria Freitas Bastos, vol. IV, n.º 1.183, pg. 49.
  • (5
    ) Trajano Miranda Valverde, Sociedade por Ações, 2.ª edição da Revista Forense, vol. II, n.º 610, 695, pgs. 289 e 397.
  • (6
    ) Gudesteu Pires, Manual das Sociedades Anônimas, 1.ª edição da Livraria Freitas Bastos, pg. 253.
  • (7
    ) Aloysio Lopes Pontes, Sociedades Anônimas, 3.ª edição da Revista Forense, pg. 544.
  • (8
    ) No Brasil, quase sempre, os diretores são os grandes acionistas; quando não, o critério de escolha se subordina menos à qualificação dos eleitos e mais à conveniência de grupos ou relações de parentesco. Só recentemente é que se nota a quebra dêsse hábito.
  • (9
    ) No art. 42 da Lei n.º 3.470, as limitações para as despesas com o salário dos diretores são as seguintes: (a) 5 vezes o maior salário mínimo mensal para 3 dos diretores; (b) 4 vezes o maior salário mínimo mensal para os demais diretores; (c) o total da remuneração mensal dos diretores não poderá ultrapassar a 35 vêzes o maior salário mínimo mensal; (d) esses limites terão ainda as seguintes reduções, condicionadas ao capital realizado: 50% - quando o capital não exceder a Cr$ 2.000.000, 00; 60% - quando o capital se situar entre Cr$ 2.000.000, 00 e Cr$ 3.000.000, 00; e 80% - quando o capital fôr superior a Cr$ 3.000.000, 00 e não ultrapassar de Cr$ 5.000.000, 00.
  • (10
    ) Ver a respeito o interessante acórdão do Tribunal de Justiça de Alagoas, seguido de um parecer do Prof. Waldemar Ferreira, publicados na «Revista de Direito Mercantil», vol. 2, pgs. 628/63.
  • (11
    ) Diz a Lei - «Art. 136 - A demonstração da conta de lucros e perdas acompanhará o balanço e dela constarão:. .. II-A débito:. .. h) dividendos que devem ser distribuídos;. .. j) saldo disponível para o exercício seguinte.»
  • (12
    ) Ver Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito. 5.ª edição da Livraria Freitas Bastos, pgs. 51/3 e 136/9.
  • (13
    ) Op. cit., pg. 397.
  • (14
    ) Waldemar Ferreira, in Tratado de Sociedades Mercantis - Sociedades Anônimas, 1.ª edição da Livraria Freitas Bastos, vol. 2, pg. 405 e Gudesteu Pires, op. loc. cits.
  • (15
    ) Op. cit., pgs. 540 e 544.
  • (16
    ) Op. cit., n.º 697,
    pg. 389.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Ago 1961
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