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A velha e a nova industrialização

COMENTÁRIOS

A velha e a nova industrialização

Maria Magdalena E. Mischan Rodrigues

Aluna do curso de pós-graduação da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas

1. Introdução

A partir da década de 30 até a década de 60 o Brasil apresentou um progresso contínuo e sempre crescente no setor industrial, de tal modo que, ao final desse período, apresentava um amplo parque industrial e um mercado interno bastante diversificado. Esse parque industrial abrangia desde bens leves de consumo até numerosos bens de capital, passando também pela indústria de base (siderurgia, alumínio, cobre, química etc); tudo levava a crer que o Brasil havia atingido aquele ponto em que o seu desenvolvimento seria autosustentado e que se encontrava praticamente na mesma situação dos países que primeiramente realizaram sua Revolução Industrial (Inglaterra, França e Estados Unidos) quando, a partir de um dado momento, esses países tiveram o seu desenvolvimento automático e quase necessário.

A analogia com a primeira Revolução Industrial parece perfeita, mas primeiro seria necessário examinar os principios teóricos em que, consciente ou inconscientemente, está baseada essa analogia e que se encontram desenvolvidos nas diversas teorias do desenvolvimento econômico.

2. A perspectiva unilinear do desenvolvimento

Examinando-se as várias teorias do desenvolvimento econômico mais atuantes e conhecidas nos dias de hoje, nota-se que, apesar das diferenças que apresentam entre si, a maioria delas se identifica em aspectos tão fundamentais que, praticamente, podem ser reduzidas a um mesmo tipo de concepção, a que podemos chamar de teoria unilinear do desenvolvimento econômico.

Essa teoria distingue-se pelo fato de simular o desenvolvimento a um processo contínuo e linear de crescimento, constituído por uma sucessão de degraus necessários que se encaminham em direção a uma determinada estrutura ideal, previamente concebida por cada teórico do desenvolvimento.1 1 Ver Sunkel, Osvaldo & Paz, Pedro. Desarrollo económico. ed. preliminar. Santiago, Instituto Latino-Americano de Planificação Econômica e Social, 1969. t. 1: Introdução, p. 11. O desenvolvimento se definiria, portanto, como a superação dessas fases, como numa carreira de obstáculos.2 2 Ver Furtado, Celso. Teoria e politica do desenvolvimento econômico. São Paulo. ed. nacional, 1967. cap. 10, p. 112. Cada fase seria precondição para a realização da próxima e assim sucessivamente.

Embora discordando quanto aos aspectos que revestiriam cada fase, os fundamentos básicos desses autores são os mesmos, já que todos eles são norteados pela visão das nações ocidentais hoje desenvolvidas. A adoção dessa perspectiva implica a possibilidade de extrapolação desse modelo aos países atualmente em desenvolvimento, já que as fases são necessárias e independentes do tempo e do lugar onde se desenvolvem.

A teoria unilinear do desenvolvimento está baseada num certo tipo de filosofia, caracteristica do século passado, mas que até hoje deixou uma grande influência: o racionalismo hegeliano. Para essa filosofía tudo se passa como se a historia fosse o desenvolvimento do Espirito cujas leis atemporais e aespaciais ditassem uma dialética necessária, proveniente das suas leis intrínsecas, através de uma necessidade que provém da sua própria unidade. "O que o conceito ensina, a história o mostra com a mesma necessidade."3 3 Hegel, Filosofia do direito. Ed. francesa. Prefácio. Conferir: "O desenvolvimento da consciência constitui o fundamento de todas as outras manifestações (as leis dos povos, a religião, a economia etc.). Todas elas têm uma fonte comum, o espírito de uma época, que tem sua causa próxima num degrau anterior e, de uma maneira geral, numa forma da Idéia. Mostrar essa unidade, compreendê-la como tendo uma raiz, este é o objetivo da história universal... O processo histórico é o próprio processo de evolução do espírito." In: Lições sobre a história da filosofia. Paris, Ed. Gallimard, p. 139.

O racionalismo de Hegel está, portanto, presente nessas teorias do desenvolvimento, pois todas partem de uma idéia, de um modelo inicial e tentam interpretar a história como um processo de evolução dessa idéia, desde sua forma mais rudimentar até se chegar a sua estrutura ideal.

O caráter ideológico e, portanto, parcial da teoria unilinear provém do fato de que ela toma um modelo de desenvolvimento, o dos países capitalistas desenvolvidos, como universal e absoluto. Até as alternativas possíveis só podem ser vislumbradas como uma oposição a esse modelo, como sua antítese (caso da teoria das fases históricas de Marx), estando, pois, restritas ainda ao mesmo universo que as geraram.

A observação do mundo subdesenvolvido conduziu entretanto a uma verdade completamente diferente daquela proposta acima: os observadores mais atentos da economia desses países chegaram à conclusão de que, apesar das semelhanças existentes com os países desenvolvidos, as diferenças as superam de longe em número. "Pelo simples fato de serem contemporâneos das economias desenvolvidas, os atuais países subdesenvolvidos não podem repetir a experiência dessas economias".4 4 Furtado, Celso. Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina. 3. ed. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1968. cap. 1, p. 4. Uma comparação do processo de industrialização nesses dois tipos de economia deve levar em conta a defasagem no tempo e as diferenças geográficas existentes entre elas. A falsa analogia entre os dois tipos de industrialização tem sido atualmente ressaltada por vários autores.5 5 Ver Pereira, Luiz Carlos Bresser. Desenvolvimento e crise no Brasil. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1968. p.188.

Se, entretanto, a originalidade do desenvolvimento dos nossos países precisa ser reconhecida, esse desenvolvimento deve sempre ser estudado em confronto com o dos países desenvolvidos, ambos fazendo parte de um sistema maior de intercâmbio e de relações derivadas de uma divisão internacional do trabalho.

Atualmente, devido ao grande progresso nos transportes e nas comunicações, as economias dos vários países não mais podem ser estudadas como unidades isoladas. Elas funcionam como um grande sistema cujas partes são interdependentes e onde podemos distinguir dois subsistemas principais o centro e a periferia. O subsistema central, que iniciou o seu desenvolvimento numa época bem anterior ao periférico, pôde controlar e manter o funcionamento do subsistema periférico condicionado às suas necessidades, por meio da importação de matérias-primas e exportação de manufaturados. O subsistema periférico, por sua vez, desenvolvendo-se sempre em função do central, teve certas funções hipertrofiadas e outras impossibilitadas de crescimento. Essa forma desigual de crescimento impediu que o subsistema periférico tivesse condições futuras de proceder como uma unidade autônoma e se encontrasse em condições totalmente diversas na época de sua decolagem.

É, portanto, necessário voltar às origens (isto é, ao modelo primário-exportador) para descobrir uma explicação das diversidades entre a velha e a nova industrialização.

3. O modelo primário-exportador

As causas do novo tipo de industrialização devem ser buscadas no próprio processo de desenvolvimento dos países capitalistas líderes, já que esse processo exigiu uma divisão internacional do trabalho, cabendo aos países subdesenvolvidos a tarefa de suprir os mais adiantados com as matérias-primas de que eles não dispunham com abundância em seus territórios e também de absorver o excesso (planejado) de produção necessária para manter em dinamismo suas economias.

A abundância de recursos naturais dos nossos países e a dependência politica em relação às metrópoles fizeram, portanto, com que eles se desenvolvessem à luz da demanda externa por alguns de seus produtos básicos, o que determinou uma especialização em alguns produtos abundantes e uma ausência de diversificação da capacidade produtiva interna; o crescimento da economia dava-se somente através do aumento das exportações e não, como ocorreu com as economias centrais, pelo aumento da produtividade e conseqüente formação de um mercado interno mais amplo e mais diversificado.6 6 Ver Furtado, Celso. Características gerais da economia brasileira. In: Boletim Econômico da América Latina, CEPAL. Nessas economias, o desenvolvimento do setor externo (exportações) foi contrabalançado pelo desenvolvimento do setor interno (investimento autônomo e inovações tecnológicas) permitindo que "o aproveitamento das oportunidades do mercado exterior se desse conjuntamente com a diversificação e integração da capacidade produtiva interna".7 7 Tavares, Maria da Conceição. Substituição de importações e desenvolvimento econômico na América Latina. Dados, n. 1, p. 116.

Disso decorreu para os nossos países uma separação muito nítida entre os setores interno e externo da economia, sendo este último o setor de alta rentabilidade, e, também, de grande concentração da propriedade dos meios de produção. Já o setor interno apenas atendia às necessidades básicas de subsistência e nele situava-se a maior parte da população, com baixos níveis de produtividade e níveis de renda muito inferiores.

Devido ao fato do crescimento das economias dos países subdesenvolvidos ter sido efetuado principalmente de acordo com as solicitações externas, não havia uma extensão da prosperidade resultante do aumento da renda das classes exportadoras para o restante da população; "nas economias coloniais há uma tendência à concentração das rendas nas fases de prosperidade e à socialização das perdas nas fases de depressão".8 8 Furtado, Celso. op. cit.

A separação entre os dois setores da economia - o externo e o interno - impedia que houvesse um aumento dos salários reais do grupo interno, o que vinha originar a tendência à concentração da renda apenas no setor exportador. Aumentando-se a renda das classes exportadoras havia uma conseqüente ampliação da importação de bens leves de consumo, principalmente de luxo, desviando-se novamente a renda para fora e impedindo um efeito multiplicador sobre as demais atividades internas.

Desse modo, já nessa fase se delineava o futuro processo de desenvolvimento dos nossos países, com suas distorções características, isto é, a grande desigualdade na distribuição pessoal da renda e os desníveis regionais decorrentes da localização dos centros mais dinâmicos em pontos que atendiam basicamente à facilidade de exportação e não às necessidades internas do mercado e da produção econômica.

A fase de exportação de produtos primários e importação de manufaturados continuou até que condições externas ao subsistema periférico determinassem uma mudança nessa estrutura obrigando os países subdesenvolvidos a produzir internamente alguns bens (principalmente de consumo) diminuindo também suas exportações de matériaprima.

4. A especificidade do modelo de substituição de importações

A crise de 1929 e as sucessivas guerras provocaram uma alteração no comércio exterior, rompendo o equilíbrio do modelo primário-exportador. A partir da I Guerra Mundial, começa um período de retração do comércio internacional, que passa a estar sujeito a quedas e violentas flutuações; esse fato foi decorrente de uma contração na atividade econômica dos países industrializados, que passam a adotar uma política de protecionismo, suspendendo os investimentos no estrangeiro e contendo suas importações.9 9 Ver Sunkel, Osvaldo & Paz, Pedro. Op. cit. t. 2, p. 297-9. A oferta de matériasprimas provenientes dos países periféricos excede a demanda, daí resultando uma redução no seu poder de compra. A queda do valor dos produtos primários no mercado internacional faz com que os países dependentes se vejam impossibilitados de continuar o seu crescimento através da ampliação da agricultura de exportação. Esse fato, por sua vez, obrigou a uma redução nas importações de manufaturas, o que permitiu o início da formação de um mercado interno e deu impulso à industria lização dentro dos próprios países.10 10 Ver Furtado, Celso. op. cit.

Duas alternativas se apresentaram nesse momento: estacionar economicamente ou expandirse, mas rompendo a dependência em relação ao comércio exterior. É importante ressaltar que o início da industrialização deu-se principalmente por influência externa, não havendo nenhuma decisão interna no sentido de promover a industrialização e o desenvolvimento econômico. Não houve nenhuma transição gradual de um sistema de artesanato a um modelo de pequenas indústrias, que pudessem continuar a aproveitar a mão-de-obra e o equipamento existente na fase anterior (como ocorreu com os países desenvolvidos). Houve sim uma mudança brusca numa economia voltada essencialmente para fora, que não possuía indústria diversificada nem mercado interno, e que de repente foi obrigada a industrializar-se dentro de condições que exigiam equipamentos altamente sofisticados e mão-de-obra muito treinada e especializada.

A solução que esses países encontraram foi a de começar a industrialização pela produção de bens de consumo final não duráveis, pois exigiam menores investimentos e já possuíam um mercado interno constituído pela classe dominante tradicional de grandes agricultores e comerciantes (que anteriormente importavam esse tipo de bens). Os equipamentos passaram a ser importados dos centros, pois, devido ao baixo custo dos transportes, era mais barato e mais simples importá-los do que produzi-los internamente. Desse modo "o processo de substituição de importações foi avançando, entrando nas faixas de bens de consumo duráveis e, posteriormente, atingindo algumas faixas de produtos intermediários e bens de capital".11 11 Tavares, Maria da Conceição. op. cit. p. 121.

Esse processo foi totalmente inverso ao ocorrido com os países desenvolvidos: nestes havia uma proporção entre as diversas faixas, o que permitiu a formação de um ciclo de desenvolvimento, quando o incremento da produção de bens de capital levava também ao crescimento do setor de bens de consumo, o que, por sua vez, exigia novos investimentos no setor de produtos de base. O desenvolvimento industrial era baseado em equipamento de fabricação local pois o elevado custo dos transportes e a barreira protetora aduaneira impediam que esses equipamentos fossem importados. Esse processo forçava, portanto, o desenvolvimento paulatino e simultâneo da técnica, que, ao ser incorporada à indústria, permitia o rebaixamento nos preços das mercadorias, com um conseqüente aumento dos salários e do poder aquisitivo das massas trabalhadoras.

Em vez de serem desenvolvidos primeiramente os setores principais, isto é, aqueles que proporcionassem maiores economias externas, que estimulassem o aparecimento de indústrias complementares (e que fossem, portanto, mais rentáveis considerando-se o total da economia) os países subdesenvolvidos iniciaram a sua industrialização por um caminho oposto: eram substituídos bens de consumo para cuja produção era necessária uma proporcional importação de equipamentos, o que muitas vezes aumentava a dependência externa em relação às importações em vez de diminuí-la. A demanda derivada pela importação de bens intermediários e de capital resultou num agravamento da dependência pois esses bens são de mais difícil substituição que os de consumo.12 12 Ver Tavares, Maria da Conceição. op. cit. p. 122.

À medida que se avança na industrialização para as faixas de bens de consumo duráveis e de capital, ocorre um fenômeno de reconcentração da renda nas camadas médias e altas, que vai dificultar o desenvolvimento e acentuar as distorções do mercado interno: os novos investimentos exigem, cada vez mais, grandes densidades de capital e menores quantidades de mão-de-obra. Assim, a capacidade de emprego no setor industrial cresce substancialmente menos que a população e tornase incapaz de absorver o excedente de mão-deobra que, através do êxodo rural, acumula-se nas grandes cidades, constituindo uma massa marginalizada do processo produtivo.13 13 Ver Soares, Gláucio Ary Dillon. A nova industrialização e o sistema político brasileiro. Dados 2/3, 1967. p. 32 a 50.

Disso decorre uma composição setorial da força de trabalho muito diversa da dos países desenvolvidos, na época de sua industrialização. Consideremos por exemplo os dados referentes ao Brasil, no auge de seu processo de substituição de importações (década de 50) e comparmo-los com os dados dos países desenvolvidos numa fase correspondente de sua industrialização. O grau de desenvolvimento dos diversos países foi medido pela porcentagem de força de trabalho no setor primário (uma grande porcentagem nesse setor é considerada um índice de baixo desenvolvimento). Foi observado que, nos países que se desenvolveram a partir da Revolução Industrial, a composição setorial da força de trabalho foi evoluindo gradativamente do setor primário para o secundário e, posteriormente, numa fase já bem avançada de industrialização, para o setor terciário.

Os dados de 1960 são ainda mais significativos, como podemos verificar na tabela 2.

Observamos que, no Brasil, o setor terciário era bem maior que o secundário, enquanto que os outros países tinham mais ou menos a mesma proporção nos dois setores, ou até maior no secundário. Essa estagnação do setor secundário não constitui uma peculiaridade do desenvolvimento brasileiro, mas é comum a diversos países em desenvolvimento.

Essa tendência, juntamente com um precoce desenvolvimento do setor de serviços mostra que a nossa industrialização, ao invés de amenizar as discrepâncias entre as classes sociais, tende a opor uma classe média cada vez maior a uma reserva também crescente de trabalhadores desempregados e marginalizados.15 15 Ver Soares, Gláucio Ary Dillon. op. cit.

O crescimento das duas classes configuradas acima decorre também do processo de urbanização. Entretanto, uma tentativa de comparar a nossa urbanização com a observada na fase clássica do desenvolvimento capitalista, e aproximar os antagonismos existentes entre as classes sociais, também se verá frustrada nos seus objetivos.

Celso Furtado mostra, em seu livro Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina,16 16 3. ed. Ed. Civilização Brasileira, cap. 1, p. 11 e 12. que os antagonismos entre as classes, na velha fase, tinham uma função de dinamização da sociedade, pois, ao pretender uma elevação dos salários, os trabalhadores obrigavam a técnica a evoluir e descobrir novos caminhos de elevação da produtividade, para compensar a alta nos salários. Assim, a técnica solucionava os problemas decorrentes dos antagonismos sociais e esse processo de contradição, de oposição tese-antítese, conduzia a uma síntese superadora, que levava a sociedade a um. estágio superior de desenvolvimento.

O mesmo não ocorreu na América Latina e demais países subdesenvolvidos: a própria forma como a técnica penetra nesses países não leva à solução do conflito, mas, pelo contrário, tende a criar novos problemas de desemprego e de rebaixamento dos salários. O próprio conflito nem chega a ser colocado, pois a classe trabalhadora não possui características bem definidas devido ao constante processo de exclusão-marginalização da mão-de-obra; a expansão espasmódica do sistema faz com que, por um lado a mão-de-obra seja excluída e, por outro, seja incorporada em novas atividades. "Assim, a extensão do setor moderno agrava a heterogeneidade pelo lado da marginalização. Incorporação e expulsão passam a ser duas tendências simultâneas e contraditórias do processo de expansão e modernização, que assume então em sua plenitude um caráter desigual e combinado."17 17 Tavares, Maria da Conceição & Serra, J. Mas allá del estancamiento: una discusión sobre el estilo del desarrollo reciente de Brasil. Trimestre Económico, n. 125, 1965. A classe trabalhadora não possui mais a mesma capacidade de organização e de barganha, característica dessa classe nas sociedades capitalistas clássicas.

As características psicológicas das massas são, portanto, bastante diversas; "essa massa urbana de estrutura pouco definida, aspira a empregos que o sistema econômico não está criando em quantidade suficiente".18 18 Furtado, Celso. op. cit. cap. 1, p. 12. Essa é a razão por que a solução do problema não mais pode ser encontrada ao mesmo nível da fase anterior, mas requer uma solução de natureza política.

Os próprios técnicos, colocados na direção das empresas particulares, e, a serviço da eficiência e da racionalidade, contribuem também para a marginalização da população urbana. Assim, a industrialização avança, atingindo altas taxas de aumento de produtividade mas sem absorver o excedente populacional.

Para o agravamento desse problema concorre, de maneira decisiva, a alta taxa de crescimento demográfico, que é também uma das peculiaridades do mundo subdesenvolvido. Quando a industrialização penetrou nesses países, o progresso da higiene e da medicina preventiva já havia causado uma inflação demográfica que nenhum dos países que se industrializaram nos séculos XVIII e XI X conheceu.

Considerem-se, por exemplo, os dados fornecidos por Paul Bairoch, na sua obra Revolução industrial e subdesenvolvimento.19 19 Siglo Veintiuno Editores S.A., cap. 9, p. 159. Para os países que iniciaram seu desenvolvimento nos séculos XVIII e XIX a taxa média de aumento populacional durante o take-off foi de 0,7% a.a., enquanto que para os países subdesenvolvidos foi de 2,2% a.a., em média (entre 1953 e 1960).

5. As soluções possíveis

Todas essas diferenças demonstram claramente que os dois tipos de industrialização não podem ser reduzidos um ao outro e que aos diversos conflitos devem ser propostas soluções diferentes. A adoção de técnicas de planejamento importadas de culturas que não possuem a mesma configuração estrutural que a nossa não poderá constituir uma solução para o problema. É necessária uma estratégia de desenvolvimento global que leve em conta a tipicidade de cada país, não esquecendo entretanto as relações existentes entre os dois subsistemas principais.

Maria da Conceição Tavares esboça uma orientação para a solução desses problema: propõe que o investimento público se oriente para atividades empregadoras de mão-de-obra e no sentido de promover uma reforma agrária, para que, aumentando a produtividade do setor primário, conjugue-se o fator terra ao fator trabalho (e não ao emprego de técnicas de alta densidade de capital).20 20 Tavares, Maria da Conceição. op. cit. p. 139.

O professor Luiz Carlos Bresser Pereira desenvolve essa solução, propondo o desenvolvimento de indústrias trabalho-intensivas, mas de alto desenvolvimento tecnológico21 21 Pereira, Luiz Carlos Bresser. op. cit. p. 192-5. (ex.: produção de equipamentos eletrônicos ou mecânicos por encomenda). Cada produto exigiria um projeto especial e, portanto, não poderia ser padronizado, ao mesmo tempo que exigiria mão-de-obra altamente especializada.

Ressalta também esse autor a necessidade para esses países de uma participação crescente no comércio internacional de manufaturados. Só desse modo poder-se-ia aumentar sua renda, desde que as oportunidades de substituição de importações já foram esgotadas. O desenvolvimento das exportações não mais deverá basear-se em produtos primários pois a produção desses não exige mão-deobra especializada, possuindo portanto uma baixa produtividade. Se continuarem exportando produtos primários esses países permanecerão com estrutura de países subdesenvolvidos. As exportações deverão basear-se sobre os produtos manufaturados, pois só desse modo essas nações concorrerão com os países desenvolvidos em condições de igualdade, promovendo ao mesmo tempo a diversificação interna e apoiando-se sobre setores de maior produtividade.

Outras soluções são também desenvolvidas com a finalidade de resolver os problemas decorrentes da concentração da renda e do desemprego crescente. Uma das mais conhecidas é a de Celso Furtado, que propõe um aumento da carga tributária sobre os 10% mais ricos da população.22 22 Furtado, Celso. Um projeto para o Brasil. 5 ed. Rio de Janeiro, Ed. Saga. 1. parte; e Pereira, L.C. Bresser. A distribuição da renda e a recuperação da economia brasileira. Visão, nov. 1970. Esses impostos provocariam um aumento da poupança, a qual seria investida em setores altamente trabalho-intensivos. Os grupos menos favorecidos teriam sua renda aumentada, o que por sua vez intensificaria a demanda por bens leves de consumo (produzidos geralmente segundo técnicas trabalho-intensivas). Ao mesmo tempo, os bens produzidos para a classe alta teriam seu preço aumentado enquanto os de consumo geral seriam barateados. Formar-se-ia desse modo uma cadeia de progresso, que, aos poucos, favoreceria grandemente o processo de redistribuição de renda.

A solução atual encontrada pelo Brasil não parece, entretanto, ter sido inspirada em nenhuma dessas teorias apontadas acima. Essa solução é eminentemente prática; q Brasil procurou encontrar uma saída para permitir que o crescimento da economia continuasse a passos largos, apesar da permanência do problema da concentração da renda. A industrialização avança e o crescimento do PNB alcança níveis dificilmente atingíveis, embora baseando-se ainda em distorções originadas ao tempo da economia colonial do modelo primário-exportador.

Dois mecanismos principais têm sido utilizados pela política governamental para enfrentar o problema do desenvolvimento: aumento do poder aquisitivo das camadas média e alta da população e estímulo ao aumento das exportações de manufaturados.

O aumento do poder aquisitivo da classe média tem sido efetuado através do estabelecimento de "novos esquemas de financiamento dos bens duráveis e de uma política salarial que favorece uma abertura na escala de remuneração dos novos grupos médios emergentes".23 23 Tavares, Maria da Conceição. Artigo citado na nota 17. O aumento desse poder é particularmente importante para a manutenção do desenvolvimento pois são os grupos médios os capazes de adquirir os produtos das indústrias mais dinâmicas, que são justamente as de maior intensidade de capital e que exigem grandes investimentos para sua instalação e manutenção (por exemplo, o caso da indústria automobilística); aumentando o poderio desses grupos estaria garantida a dinamicidade das atividades de ponta.

Ao lado desse mecanismo é utilizado também um outro mecanismo complementar para compensar as dimensões ainda reduzidas do mercado interno as exportações. Os produtos que não conseguirem ser consumidos internamente serão desviados para o setor externo. Desse modo o país consegue permanecer "num ciclo em que o sistema capitalista se mantém dinâmico, independentemente da redistribuição da renda e da elevação do consumo interno".24 24 Pereira, L.C. Bresser. Artigo citado nacitado na nota 22.

Embora superando a estagnação, o atual crescimento da economia brasileira não conseguiu desvencilhar-se dos antigos problemas surgidos na fase do modelo primario-exportador: a divisão dualista em dois setores de produtividade radicalmente diversos e a grande disparidade na distribuição pessoal da renda.

Um estudo mais detalhado das soluções teóricas e da situação atual da economia brasileira escapa ao âmbito desse trabalho. A finalidade deste foi apenas a de ressaltar a especificidade do desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, sem entrar em detalhes sobre o modo como cada país individualmente está superando o seu desenvolvimento. A ênfase nos problemas específicos que esses países estão enfrentando não quer dizer que eles se encontrem estagnados economicamente, mas apenas que existem problemas sociais e políticos que não serão amenizados automaticamente, como aconteceu com grande parte dos países capitalistas desenvolvidos.

  • 1 Ver Sunkel, Osvaldo & Paz, Pedro. Desarrollo económico. ed. preliminar. Santiago, Instituto Latino-Americano de Planificação Econômica e Social, 1969. t. 1: Introdução, p. 11.
  • 2 Ver Furtado, Celso. Teoria e politica do desenvolvimento econômico. São Paulo. ed. nacional, 1967. cap. 10, p. 112.
  • 3 Hegel, Filosofia do direito. Ed. francesa.
  • Prefácio. Conferir: "O desenvolvimento da consciência constitui o fundamento de todas as outras manifestações (as leis dos povos, a religião, a economia etc.). Todas elas têm uma fonte comum, o espírito de uma época, que tem sua causa próxima num degrau anterior e, de uma maneira geral, numa forma da Idéia. Mostrar essa unidade, compreendê-la como tendo uma raiz, este é o objetivo da história universal... O processo histórico é o próprio processo de evolução do espírito." In: Lições sobre a história da filosofia. Paris, Ed. Gallimard, p. 139.
  • 4 Furtado, Celso. Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina. 3. ed. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1968. cap. 1, p. 4.
  • 5 Ver Pereira, Luiz Carlos Bresser. Desenvolvimento e crise no Brasil. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1968. p.188.
  • 7 Tavares, Maria da Conceição. Substituição de importações e desenvolvimento econômico na América Latina. Dados, n. 1, p. 116.
  • 13 Ver Soares, Gláucio Ary Dillon. A nova industrialização e o sistema político brasileiro. Dados 2/3, 1967. p. 32 a 50.
  • 16 3. ed. Ed. Civilização Brasileira, cap. 1, p. 11 e 12.
  • 17 Tavares, Maria da Conceição & Serra, J. Mas allá del estancamiento: una discusión sobre el estilo del desarrollo reciente de Brasil. Trimestre Económico, n. 125, 1965.
  • 22 Furtado, Celso. Um projeto para o Brasil. 5 ed. Rio de Janeiro, Ed. Saga. 1. parte;
  • e Pereira, L.C. Bresser. A distribuição da renda e a recuperação da economia brasileira. Visão, nov. 1970.
  • 1
    Ver Sunkel, Osvaldo & Paz, Pedro.
    Desarrollo económico. ed. preliminar. Santiago, Instituto Latino-Americano de Planificação Econômica e Social, 1969. t. 1: Introdução, p. 11.
  • 2
    Ver Furtado, Celso.
    Teoria e politica do desenvolvimento econômico. São Paulo. ed. nacional, 1967. cap. 10, p. 112.
  • 3
    Hegel,
    Filosofia do direito. Ed. francesa. Prefácio. Conferir: "O desenvolvimento da consciência constitui o fundamento de todas as outras manifestações (as leis dos povos, a religião, a economia etc.). Todas elas têm uma fonte comum, o espírito de uma época, que tem sua causa próxima num degrau anterior e, de uma maneira geral, numa forma da Idéia. Mostrar essa unidade, compreendê-la como tendo
    uma raiz, este é o objetivo da história universal... O processo histórico é o próprio processo de evolução do espírito." In: Lições sobre a história da filosofia. Paris, Ed. Gallimard, p. 139.
  • 4
    Furtado, Celso.
    Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina. 3. ed. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1968. cap. 1, p. 4.
  • 5
    Ver Pereira, Luiz Carlos Bresser.
    Desenvolvimento e crise no Brasil. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1968. p.188.
  • 6
    Ver Furtado, Celso. Características gerais da economia brasileira. In:
    Boletim Econômico da América Latina, CEPAL.
  • 7
    Tavares, Maria da Conceição. Substituição de importações e desenvolvimento econômico na América Latina.
    Dados, n. 1, p. 116.
  • 8
    Furtado, Celso. op. cit.
  • 9
    Ver Sunkel, Osvaldo & Paz, Pedro. Op. cit. t. 2, p. 297-9.
  • 10
    Ver Furtado, Celso. op. cit.
  • 11
    Tavares, Maria da Conceição. op. cit. p. 121.
  • 12
    Ver Tavares, Maria da Conceição. op. cit. p. 122.
  • 13
    Ver Soares, Gláucio Ary Dillon.
    A nova industrialização e o sistema político brasileiro. Dados 2/3, 1967. p. 32 a 50.
  • 14
    Dados extraídos de Soares, Gláucio Ary Dillon. op. cit.
  • 15
    Ver Soares, Gláucio Ary Dillon. op. cit.
  • 16
    3. ed. Ed. Civilização Brasileira, cap. 1, p. 11 e 12.
  • 17
    Tavares, Maria da Conceição & Serra, J. Mas allá del estancamiento: una discusión sobre el estilo del desarrollo reciente de Brasil.
    Trimestre Económico, n. 125, 1965.
  • 18
    Furtado, Celso. op. cit. cap. 1, p. 12.
  • 19
    Siglo Veintiuno Editores S.A., cap. 9, p. 159.
  • 20
    Tavares, Maria da Conceição. op. cit. p. 139.
  • 21
    Pereira, Luiz Carlos Bresser. op. cit. p. 192-5.
  • 22
    Furtado, Celso.
    Um projeto para o Brasil. 5 ed. Rio de Janeiro, Ed. Saga. 1. parte; e Pereira, L.C. Bresser. A distribuição da renda e a recuperação da economia brasileira.
    Visão, nov. 1970.
  • 23
    Tavares, Maria da Conceição. Artigo citado na nota 17.
  • 24
    Pereira, L.C. Bresser. Artigo citado nacitado na nota 22.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1972
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