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O administrador hospitalar: sua formação e perspectivas profissionais

ARTIGOS

O administrador hospitalar: sua formação e perspectivas profissionais

Reinaldo Cavalheiro Marcondes

Professor do Curso de Pós-Graduação em Administração da Faculdade de Economia e Administração da USP; Consultor Associado da BCCL - Boucinhas & Campos - Consultores

Tem sido intensa, desde o início da década de 70, a multiplicação de cursos universitários. Praticamente todos os já tradicionais tiveram seccionamentos para dar origem a novas especializações, como ocorreu com o de medicina (com a criação dos cursos de fisioterapia, fono-audiologia, radiologia, biomedicina) e o de engenharia (com os cursos de engenharia operacional e tecnologia). Os cursos de bacharelado em administração de empresas e pública também foram seccionados em diversos outros que utilizam disciplinas comuns, entre eles, o curso de comércio exterior e análise de sistemas. O curso de administração hospitalar enquadra-se neste caso.

1. A RESOLUÇÃO Nº 18 DO CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO

No dia 4 de junho de 1973, o plenário do Conselho Federal de Educação (CFE) aprovou a criação da habilitação em administração hospitalar, integrada no curso de graduação em administração de empresas, que a 12 de julho deste mesmo ano passou a ser a Resolução n.º 18, fixando seu currículo mínimo.

A justificativa dada pela comissão especial que analisou a proposta inicial para a criação desta nova habilitação foi a de que o hospital, um importante ramo da prestação de serviços que se reflete marcantemente na comunidade e na economia, vinha sendo dirigido no Brasil quase que totalmente por elementos que pouco ou nada sabiam sobre administração. Contudo, acrescentou a comissão, a necessidade de preparo de administradores hospitalares não justificaria, dada a realidade brasileira, o fato de se criar um curso universitário autônomo, já que este novo profissional deveria ter formação específica em administração de empresas.

O currículo mínimo ficou assim estabelecido:

a) Matérias básicas: matemática, estatística, contabilidade, teoria econômica, psicologia aplicada à administração, instituições de direito público e privado, legislação social, legislação tributária, teoria geral de administração.

b) Matérias profissionais comuns: administração financeira, administração de pessoal, administração de material.

c) Matérias profissionais específicas: fundamentos da administração da saúde, administração hospitalar, legislação hospitalar e da previdência social, documentação médica, psicologia e ética médico-hospitalar, custos hospitalares, prática profissional.

d) Complementares: estudo de problemas brasileiros, educação física, estágio supervisionado.

O curso teve sua duração fixada de forma idêntica ao de administração de empresas, ou seja, 2.700 horas/aula, que devem ser cumpridas num mínimo de três e num máximo de sete anos. Naturalmente, a prática generalizada indica como aceitável que seja desenvolvido entre quatro e cinco anos.

A Resolução permite que as pessoas graduadas em outros cursos superiores possam aproveitar as disciplinas já estudadas, complementando-as com as que faltam para obtenção do diploma de bacharel em administração hospitalar. Para isto, deverão cumprir um mínimo de 1.350 horas nesta adaptação. Como parece óbvio, apenas os bacharéis em administração de empresas e pública, terão possibilidade de realizar tal complementação, pois os diplomados em ciências médicas dificilmente poderão aproveitar suas disciplinas já cursadas.

Os bacharéis em administração hospitalar terão seus diplomas emitidos pelas faculdades que tenham os cursos de administração reconhecidos na habilitação hospitalar, e farão seus registros profissionais nos Conselhos Regionais de Técnicos de Administração, passando a ser denominados técnicos de administração, como os da habilitação em empresas.

2. O CAMPO DE TRABALHO DO PROFISSIONAL DE ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR

A justificativa dada pelo CFE para a criação desta habilitação, apesar de ter sido suficiente para a edição da Resolução n.º 18, na realidade não sintetiza a amplitude do campo de trabalho do profissional. Alguns fatos merecem ser observados. Um deles é a ação que vem sendo desenvolvida pelos vários órgãos governamentais que atuam no setor Saúde, visando a formação de recursos humanos para responderem às complexas tarefas de administração do setor. Isto mostra que a Resolução é apenas um dado do problema. O próprio Ministério da Educação instituiu há algum tempo junto a algumas universidade federais os chamados Núcleos de Assistência Técnica (NAT), distribuídos por diversas regiões do País, de forma a poder atuar mais efetivamente na formação de recursos humanos para as instituições universitárias. Entre estes núcleos está o de administração hospitalar, cujo objetivo é tanto assessorar os hospitais universitários na melhoria da sua eficácia administrativa, como o de treinar pessoal para atuar nos níveis médios e superiores dos mesmos.

A Secretaria de Planejamento da Presidência da República, por meio de projetos especiais desenvolvidos pelo PNTE, atualmente incorporado pelo Cebrae, vem atuando na preparação de executivos hospitalares em diversas capitais do País, em convênio com o Instituto de Desenvolvimento de Pesquisas Hospitalares de São Paulo (IPH).

O Ministério da Saúde, da mesma forma, vem-se conscientizando da necessidade de formação de pessoal para esta área, de modo a poder viabilizar seus programas e projetos. Através de um documento elaborado por este Ministério para o Seminario Nacional de Saúde, realizado em Brasília no final de 1975, ficou claramente indicada a necessidade de formação de administradores para o setor Saúde.

Ao lado destas iniciativas que têm demandado esforços do Governo federal e também dos estados, se bem que estes em menor amplitude, a pressão da demanda pelo profissional da administração hospitalar, parece-nos, será bem mais significativa por parte das instituições públicas e privadas que executam os projetos e as atividades de assistência à saúde da população. Como o hospital tem sido a base do nosso sistema de saúde, é a instituição por excelência para utilizar o administrador.

Até bem pouco tempo no Brasil não havia programas de apoio ou ordenação das atividades hospitalares, sendo o hospital visto mais como uma instituição de benemerência e para o treinamento de profissionais de medicina e enfermagem. Como um dos resultados do desenvolvimento econômico havido no início da década de 70, passou-se a ter uma ampliação nas faixas consumidoras de serviços de saúde, o que resultou na expansão dos leitos oferecidos através da construção de novas unidades hospitalares e da ampliação das existentes. No interesse de atender à crescente demanda pelos serviços médico-hospitalares e ordenar o crescimento e a distribuição destes serviços, foram tomadas iniciativas importantes pelo Governo federal. A primeira delas foi tomar o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) o monopsonista dos serviços de assistência à saúde no País. Outra iniciativa foi a criação do Fundo de Apoio do Desenvolvimento Social (FAS) junto à Caixa Econômica Federal, para financiar a expansão de unidades do setor social, com ênfase nas de saúde. Uma outra iniciativa foi a edição da Lei n.º 6.229, que instituiu o Sistema Nacional de Saúde, pretendendo-se com isto a ordenação das atividades dos diversos ministérios e órgãos regionais que são intervenientes no setor Saúde, cada um através de sua especialidade.

Há 10 anos atrás o Governo também criara estímulos e mecanismos especiais para o desenvolvimento de diversos setores econômicos do País, cujo resultado foi a expansão da economia nos anos subseqüentes. Entre as diversas conseqüências, uma que nos interessa de perto refere-se ao crescimento da demanda de profissionais de administração para empresas privadas e também para as então recém-criadas empresas públicas, que expandiram-se substancialmente para além das expectativas.

Hoje no Brasil não há empresário, por menor que seja o porte de sua empresa, que não sinta a necessidade de contar com administradores profissionais para gerir a sua administração. A oferta de empregos para administradores de empresas é, ainda agora, bastante grande, não apenas para os níveis médios da estrutura, mas também para as cúpulas das empresas.

As decisões governamentais no setor Saúde hoje irão sem dúvida refletir-se nos próximos anos em maior demanda de administradores hospitalares.

Quando um hospital se credencia junto ao INPS para atender seus beneficiários, os mecanismos e regras estabelecidos são de tal ordem que exigem, cada vez mais, pessoas preparadas para que possa operar convenientemente. A orientação do INPS vem sendo a de se oferecer assistência médico-hospitalar a um contingente cada vez maior de pessoas, com uma qualidade que atenda a padrões mínimos estabelecidos pela instituição. Isto traz implicações administrativas muito grandes, pois o hospital - sendo tradicionalmente um território exclusivo do médico, em que a orientação vinha sendo a de se ter a "remuneração na margem", ou seja, no atendimento individual - passou a orientar-se pela "remuneração no giro", em que a mesma dedicação deve resultar em número bem maior de atendimentos. Como a prática da medicina vem-se tornando cada vez mais sofisticada e especializada, seu custo, conseqüentemente, vem ascendendo mais que proporcionalmente ao aumento de renda da população. Como esta prática precisa ser apoiada por um esquema organizacional compatível com tal sofisticação, o hospital é diretamente onerado em seu custo operacional. Necessita, assim, contar com recursos humanos cada vez mais especializados e com nível mais alto de escolaridade. Também precisa adquirir equipamentos que demandam altos investimentos e que tendem a se tornar obsoletos mais rapidamente. Isto faz com que o INPS se consolide cada vez mais como monopsonista e o hospital terá que se preparar administrativamente nos mesmos moldes de uma empresa, para sobreviver.1 1 Há anos atrás, semelhante tendência resultou na criação dos programas de "Medicare" e "Medicaid" nos Estados Unidos.

Mesmo que o hospital não seja credenciado junto ao INPS, mas atue com um sistema paralelo ao seguro-saúde nos moldes dos diversos grupos privados de assistência médico-hospitalar, a. sua administração precisa também estar preparada para administrar uma vasta carteira de "segurados". Sua organização terá que ser tão complexa quanto a das companhias privadas de seguros, portanto, empresarial por excelência.

Se o hospital obtiver financiamento do FAS, de acordo com as regras, ele terá que liqüidar a sua dívida por meio de amortizações que se estenderão ao longo de muitos anos. Naturalmente, muita coisa ocorrerá neste período, mas a única certeza que os hospitais terão serão os valores a saldar e seus prazos. Sobre as entradas, ou seja, as receitas, irão pairar sempre dúvidas. Neste período, os equipamentos que eram novos passarão a ser superados, desgastados e onerosos para sua manutenção, as instalações e o edifício ficarão obsoletos, desgastados e não estarão mais adequados às condições da época. Com estas dificuldades naturais, como serão pagas as dívidas? Aqui se faz sentir a necessidade de um profissional de administração que ajude a estabelecer as políticas administrativas e auxilie na operação do hospital em bases de racionalidade econômica mínima.

Considerando o hospital como constituído por duas dimensões, uma médica e outra hospitalar propriamente dita, pode-se dizer que o administrador terá uma ampla atuação nesta última. Na dimensão médica estão os profissionais da medicina, que pela sua própria natureza, atuam com bem mais independência que os demais, pois são os responsáveis pela aplicação da tecnologia fundamental sobre os pacientes. Na outra dimensão estão aqueles que desempenham atividades de facilitação da aplicação da tecnologia médica e que dão suporte aos primeiros, ou seja, o pessoal hospitalar. Temos assim, nesta dimensão, os profissionais de enfermagem, serviço social, nutrição, técnicos de radiologia e laboratório, arquivo médico e estatística, suprimentos, serviços de retaguarda, lavanderia, administração de pessoal, contabilidade e finanças. Há uma intensa inter-relação entre cada uma destas atividades que pressionam no sentido de obter materiais e recursos para fazer face à efetivação da assistência ao paciente. Direta ou indiretamente sobre as diversas atividades desta dimensão, o profissional de administração tem que atuar. Sua responsabilidade é muito direta sobre a gestão dos recursos financeiros a curto prazo, sobre a manutenção de equipamentos e instalações, sobre a substituição dos equipamentos, sobre a contratação e remuneração do pessoal, sobre a administração das receitas provenientes de convênios com o INPS ou outras instituições, sobre os suprimentos, envolvendo compras e estoques, sobre os sistemas operacionais e a organização dos serviços, de forma a se conseguir bom nível de eficácia.

3. UMA EXPERIÊNCIA SOBRE FORMAÇÃO DE BACHARÉIS EM ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR NOS ESTADOS UNIDOS

O Prof. George R. Wren, diretor do Instituto de Administração da Saúde da Universidade Estadual da Geórgia, nos Estados Unidos, nos relata uma interessante experiência sobre a criação, funcionamento e resultados obtidos com a formação de bacharéis em administração de empresas com habilitação para hospitais.2 2 Publicada na revista Hospital Administration com o título Undergraduate education of hospital and health administration in. 1973; v. 18, n.º 1, Winter 1973.

Como bem pode ter sido a inspiração do nosso modelo, a Resolução n.º 18, aquela universidade americana desenvolveu seu programa de bacharelado em administração hospitalar dentro da estrutura do seu já existente curso de administração de empresas. Assim, o aluno ao terminar os quatro anos de seu curso, recebe o título de bacharel em administração de empresas, indicando-se a ênfase em hospital.

O objetivo fundamental para a montagem daquele programa foi preparar pessoal para a média administração dos hospitais, pois a grande maioria dos cursos de administração na área da Saúde nos Estados Unidos orientava-se para formação de mestres e doutores. Com um esquema bem definido de posicionamento profissional, os pós-graduados tornavam-se administradores e diretores de hospitais, não ficando ninguém nos níveis intermediários. Assim, o bacharel deveria ocupar estes lugares carentes dé profissionais atuando como assistentes de administradores.

Com esta motivação, iniciou-se em 1965, o programa da Universidade Estadual da Geórgia, apoiado com recursos da Fundação W. K. Kellog. O currículo elaborado foi distribuído através de três módulos:

1. formação básica: dois anos, com as disciplinas comuns para toda a universidade.

2. administração de empresas: um ano, envolvendo as disciplinas: contabilidade, marketing, finanças, administração geral, legislação comercial, processamento de dados, seguros, administração de ativos, pesquisa operacional.

3. administração hospitalar: um ano, último, incluindo as disciplinas: organização, hospital e comunidade, contabilidade hospitalar, pessoal, legislação hospitalar, administração de materiais, administração hospitalar privada, administração clínica, problemas especiais na administração hospitalar.

Em 1970, 39 estudantes já haviam recebido os seus diplomas de bacharel, cujos cursos foram concluídos entre 1967 e 1969. Através de uma pesquisa realizada com estes ex-alunos para se conhecer as posições que estavam ocupando naquela data (1970), resultou o seguinte perfil:

1. trabalhando na média administração em hospitais 18

1.1

chefes de unidades de enfermagem em grande hospital 4 1.2 idem, mas em hospital psiquiátrico 1 1.3 assistente de gerente de pessoal 1 1.4 contadores, controtters ou assistentes destes 3 1.5 gerente administrativo 1 1.6 administradores de pequenos hospitais 2 1.7 gerente de serviço de alimentação 1 1.8 administradores de casas de repouso 2

1.9

assistentes de administradores 3

2.

freqüentando curso ou com o título de mestre em administração de saúde 8

3.

freqüentando curso ou já com título de mestre em administração de empresas ou outra área de profissionalização 3

4.

servindo nas Forças Armadas 7 5. não atuando no campo 1

6.

não localizados 2

Apesar do pouco tempo decorrido entre a obtenção do diploma e esta pesquisa, que naturalmente pode não revelar com precisão diversas tendências, é possível ter uma idéia do bom resultado trazido pelo programa, principalmente se atentarmos para o fato de que metade dos bacharéis estava atuando na média administração e 20% se encaminhavam para os programas de pós-graduação em administração de saúde. Este fato, segundo o Prof. Wren, facilitou o estabelecimento de objetivos para cada um dos níveis, graduação e pós-graduação na universidade, permitindo-se uma boa articulação entre ambos.

Desde a época da pesquisa até o momento em que foi relatada esta experiência (1973), a universidade estava convencida do sucesso deste programa e recomendava que fosse ele difundido nos Estados Unidos, pois havia conseguido: 1.º atrair realmente estudantes para seus cursos; 2.º formar ao nível de bacharelado, pessoal para a média administração dos hospitais; 3.º verificar condições para reter na média administração este profissional; 4.0 sentir a demanda para empregá-lo; 5.o certificar-se que ele tinha condições de desempenhar um excelente trabalho na média administração dos hospitais.

4. CONSIDERAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO DO ADMINISTRADOR HOSPITALAR NO BRASIL

Procurando tecer algumas considerações sobre a formação do bacharel em administração hospitalar, vimos há pouco dois fatos: a Resolução n.º 18, que formaliza os parâmetros para o curso de bacharelado, e uma recente experiência nos Estados Unidos sobre um curso desta natureza.

Nosso interesse em apresentar os resultados da Universidade Estadual da Geórgia foi tentar fazer algum prognóstico sobre as condições de formação e absorção deste novo profissional. O modelo curricular é semelhante, logo, pode-se esperar que sejam bons os resultados. Um fato motivador para aquela universidade instalar seu curso de bacharelado foi a demanda deste profissional para os níveis médios da administração nos hospitais americanos. No Brasil, já analisamos as perspectivas para a absorção do administrador hospitalar, originadas pela pressão das decisões governamentais sobre o setor Saúde. Portanto, não restam muitas dúvidas sobre a possibilidade de ele ser muito bem aproveitado em futuro próximo, na média administração dos grandes hospitais e, na alta, nos de menor porte. Como em nosso País há uma tradição de se ter médicos como administradores, certamente haverá uma intensa disputa pelas posições de alta administração. Contudo, existem problemas inerentes ao processo de sua formação e profissionalização que precisam ser analisados.

Nos Estados Unidos, as profissões já estão em grande parte consolidadas, onde cada uma delas tem seu status definido sobre o campo de atuação. Quando o Prof. Wren enfatiza que o bacharel em administração hospitalar tem boas condições para ser aproveitável na média administração, o sentido que pretendeu dar é que lá será o seu lugar e atingirá no máximo a posição de assistente de administrador. Isto significa dizer que a posição de administrador do hospital deverá ser ocupada só e exclusivamente por alguém com pós-graduação; o que nos EUA é um fato corriqueiro.

A estrutura para a formação profissional nos Estados Unidos é bastante desenvolvida, existindo pessoal habilitado para praticamente todas as áreas. Tal condição provoca maior sedimentação dos indivíduos em suas posições, resultando uma nítida especialização não apenas na formação universitária, mas também no campo de trabalho.

Nas empresas, este fato também é comum. Em recente pesquisa, publicada na revista Fortune (maio de 76), sobre os administradores profissionais que ocupavam cargos de direção nas 500 maiores indústrias, mais da metade deles tinha pós-graduação em administração.

O panorama em nosso País é bastante diferente. Se considerarmos particularmente a formação do administrador hospitalar, há uma distância muito grande com a nossa realidade. Alguns fatos merecem ser considerados.

Em primeiro lugar, a formação superior do administrador americano, qualquer que seja a sua habilitação, é, quase exclusivamente, feita a nível de pós-graduação e não a nível de graduação como no Brasil. Pois bem, nós só temos no País um curso de pós-graduação, com mestrado e doutorado em administração hospitalar, que é o da Faculdade de Saúde Pública da USP. E por sinal, ainda não está consolidado.

O que nos resta é formar bacharéis, pois para isto nossa atual estrutura universitária tem suporte. Ficaremos com o problema de formar professores de administração, pois estes, necessariamente, terão que ter no mínimo o título de mestre. Porém, esta necessidade será sanada posteriormente.

Dentro desta realidade, existe até o presente apenas uma iniciativa no sentido de formar bacharéis em administração hospitalar, que é a da Faculdade de Administração com Habilitação Hospitalar do IPH em São Paulo. Temos notícia de que em 1977 a Universidade Federal da Paraíba irá implantar também um curso de bacharelado com esta habilitação. Exatamente neste aspecto, surge um problema que merece muita atenção.

As faculdades de administração com habilitação hospitalar, de acordo com o espírito da Resolução n.o 18, são faculdades de administração, fundamentalmente. Isto faz com que, ao lado das quatro centenas de cursos de administração atualmente existentes no País, corramos o risco de ter nos próximos anos mais um contingente deles, com mais um rótulo: o hospitalar.

Ao analisarmos os currículos mínimos das habilitações Empresas e Hospitalar, veremos que apenas o último módulo é diferente, ou seja, "matérias profissionais específicas". As implicações deste fato são diversas.

Uma delas é que após a obtenção do diploma, o bacharel em administração hospitalar tornar-se-á um profissional titulado de técnico de administração e sua atividade será regida pelas mesmas regras do bacharel em administração de empresas. Enfim, ambos serão a mesma coisa perante a legislação trabalhista. Para as instituições privadas será fácil fazer-se a distinção, porém nas públicas ambos serão equivalentes, pois os requisitos formais dos cargos têm que atender ao direito administrativo.

Outra implicação advém do fato de o mercado de trabalho remunerar aparentemente melhor o pessoal nas empresas. Será mais difícil atrair-se alunos para a opção hospitalar, quando a faculdade já tem a opção empresarial. No caso de a escola manter exclusivamente a habilitação em administração hospitalar, dada a grande proximidade de currículos, poderá enfrentar o problema da disputa com outras escolas. Os alunos pré-universitários tenderão a preferir aquelas que têm maior tradição em administração de empresas. Com isto, estes estariam diluindo o risco de, caso não conseguirem boas condições de trabalho em hospitais, terem facilidade de dirigir-se para empresas, que, além de muito numerosas, já o reconhecem como profissionais. O aluno de administração hospitalar, quando recém-formado, teria dificuldades em passar para a empresa, por sua formação ter sido mais específica, concentrada mais em disciplinas na área de Saúde.

5. CONCLUSÕES

O que procuramos apresentar até aqui foi um quadro real e atual das perspectivas de absorção de profissionais de administração hospitalar e também das implicações inerentes à sua formação. Não estamos com isso procurando esvaziar ou simplificar a abordagem da formação deste profissional. Para tanto, faremos a seguir uma série de sugestões extraídas basicamente da nossa experiência como docente e responsável pela formação de pessoal em administração de empresas na USP e como consultor em administração hospitalar.

1. Julgamos fundamental para a formação do bacharel em administração, qualquer que seja sua habilitação, que haja um período de estágio nas instituições típicas onde ele deverá atuar depois de diplomado. Este estágio é de extrema importância para o aluno sentir o mundo real onde irá aplicar as ferramentas que aprendeu a manejar na escola. £ comum nas escolas brasileiras despejar-se uma bibliografia traduzida, exclusivamente de autores americanos, sem que haja uma ponte entre a concepção teórica e o campo de aplicação da mesma. Isto é decorrente, em boa parte, do fato de os docentes de administração não atuarem na área cuja disciplina lecionam e tratarem o ensino mais como atividade temporária para suplementar sua renda familiar do que como uma carreira profissional. O estágio programado e bem dirigido é parte integrante da formação do bacharel em administração hospitalar. Com isto queremos dizer que um local adequado para estágio, hospital ou outra instituição de saúde, é o primeiro ponto a ser enfatizado.

2. Decorrente da multiplicidade de cursos de administração no País, a estrutura de ensino existente poderia perfeitamente absorver mais uma habilitação. Como o campo hospitalar é bem mais restrito que o empresarial, deveriam ser estabelecidos alguns centros especiais junto às universidades brasileiras que mantivessem cursos de administração e hospitais de ensino ou centros de ciências da saúde com seus diversos cursos pertinentes. O entrosamento entre as diversas disciplinas poderia dar uma formação multidisciplinar indispensável ao bacharel em administração hospitalar, além de ele poder estagiar nos locais que servem de campo de ensino e treinamento para os demais profissionais. Afinal, o administrador hospitalar é também um profissional do setor Saúde.

Com esta outra argumentação, queremos dizer que o segundo ponto a ser enfatizado é a utilização das estruturas universitárias já existentes, em vez de se criarem cursos isolados que certamente não conseguirão produzir o efeito necessário.

Para a viabilização de tais sugestões, algumas dificuldades deverão ser superadas. Com relação ao estágio indispensável aos alunos, o primeiro problema reside na grande dificuldade de os hospitais brasileiros, mais acentuadamente os privados, aceitarem ser local de aprendizado profissional, particularmente para um profissional ainda muito recente. Talvez imaginem eles que é competência exclusiva da universidade lançar no mercado de trabalho profissionais com alto nível, o que não é tarefa exclusiva da universidade, principalmente em se tratando de administradores. Um segundo problema é o fato de os próprios cursos de administração existentes não terem ainda dado a devida importância ao estágio e, conseqüentemente, não terem desenvolvido uma estrutura didática que enfatize esta etapa na formação do aluno. Isto é em grande parte decorrência do que já comentamos sobre a pouca motivação acadêmica do professor de administração, que não se dedica o suficiente para orientar os alunos, e o custo que acarreta para as faculdades.

Com relação à sugestão sobre a utilização das estruturas universitárias já existentes, a dificuldade maior reside na obtenção de um resultado significativo ao se tentar integrar, dentro de uma universidade, os currículos das áreas médicas ou de saúde, com os das áreas de administração de empresas: são ambientes bastante distintos, pouco conciliáveis, se apenas forem somadas suas disciplinas. O administrador hospitalar tem expectativas diferentes das do administrador de empresas que é orientado para buscar sempre a eficácia tendo em vista os resultados econômicos. O primeiro está envolvido em um contexto onde há vidas humanas em jogo, onde há disputas entre os vários profissionais que estão distintamente agrupados por especialidade e com seus status bem definidos. Na empresa, as regras são iguais para todos. No hospital, aquelas regras que valem para os médicos não valem para as enfermeiras, e assim por diante. Portanto, deverá ser gradual e lenta a aproximação entre as várias unidades de ensino de uma universidade, para a montagem do curso de administração hospitalar.

Resumindo, esperamos que este profissional mereça uma atenção especial por parte dos hospitais, que irão recebê-lo, e também das universidades, para que não vejam esta habilitação como simples extensão dos cursos de administração de empresas, isolada do contexto da saúde.

  • 1
    Há anos atrás, semelhante tendência resultou na criação dos programas de "Medicare" e "Medicaid" nos Estados Unidos.
  • 2
    Publicada na revista
    Hospital Administration com o título Undergraduate education of hospital and health administration in. 1973; v. 18, n.º 1, Winter 1973.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 1977
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