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Elementos para uma teoria do emprego aplicável a países não-desenvolvidos

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Olga Maroso Hajj

Singer, Paul. Elementos para uma teoria do emprego aplicável a países não-desenvolvidos. Cadernos Cebrap, n. 18.

A preocupação com o nível de absorção da mão-de-obra, apesar de ser uma constante para os governos dos países capitalistas, é exacerbada em épocas de crise como a que atravessamos, uma vez que o desemprego adiciona aos problemas econômicos mais um problema social.

O conhecimento das relações que regem o funcionamento do sistema capitalista é fundamental para o planejamento da intervenção governamental através de políticas econômicas específicas. Daí a atualidade e interesse do trabalho que nos propomos a apresentar.

Neste artigo, Paul Singer procura desenvolver uma teoria que explique as condições de absorção da força de trabalho, em economias não totalmente penetradas pelo sistema de mercado, isto é, em que subsistem outras formas de produção não caracterizadas pela necessidade de produção de excedentes.

Sua metodologia consiste na divisão de tais economias em quatro setores a saber:

- setor de mercado - interno e externo;

- setor de atividades governamentais;

- setor autônomo;

- setor de subsistência.

Cada um desses setores tem sua dinâmica própria de absorção e expulsão de mão-de-obra, seus limites e condicionantes. Os dois primeiros setores não são necessariamente excludentes, subsistindo, isto sim, uma divisão de tarefas entre ambos, ficando para o de atividades governamentais aquelas que não interessam ao setor privado. A permanência e desenvolvimento dos outros dois setores dependem das condições adversas e das distorções do crescimento do setor de mercado.

Para a análise do setor de mercado, sobre o qual nos deteremos nesta resenha, o autor procura integrar a teoria marxista da reprodução capitalista e a teoria keynesiana da demanda.

O emprego no setor de mercado

O nível de emprego numa economia capitalista de mercado depende do nível das atividades. Dado um certo estoque de capita! fixo e uma dada técnica de produção - relação técnica - o nível de utilização desse estoque e, conseqüentemente, o uso de força de trabalho é função da demanda pelos produtos que resultam dessas forças produtivas. Quando os empresários esperam vender tudo o que forem capazes de produzir, a preços que lhes permitam realizar o lucro que é o objetivo de sua atividade, eles estarão dispostos a investir em novos recursos produtivos, a fim de ampliar a sua capacidade de produção. Assim, a demanda induz a um aumento do nível das atividades econômicas que exige a realização de novos investimentos e a ampliação da utilização de forças produtivas, entre elas a força de trabalho. Assim se pode descrever, sucintamente, o processo de reprodução ampliada na economia capitalista.

O processo tem, contudo, duas limitações sérias:

a) a insuficiência da demanda, suscetível de ocorrer em virtude da queda da propensão marginal a consumir quando aumenta a renda. Em outras palavras, quando aumenta a renda, a comunidade tende, na ausência de novos estímulos, a poupar mais e a consumir menos, o que impede a continuidade do processo de reprodução ampliada;

b) Os pontos de estrangulamento do lado da oferta de recursos produtivos, sejam eles insumos básicos ou mesmo a força de trabalho, cuja oferta é inelástica a curto prazo. O efeito destes pontos de estrangulamento é aumentar os custos de produção, dado o seu encarecimento, e reduzir as margens de lucro, o que desencoraja novos investimentos, reduz a utilização da capacidade instalada e diminui o emprego de força de trabalho.

O resultado dessas limitações é precipitar a economia em crises de realização, quando o processo de reprodução pode até contrair-se.

A moderna economia capitalista - de concorrência monopolística e com oferta flexível de meios de pagamento - resolve essas crises através da inovação técnica. Por inovação se entendem:

a) as mudanças de processo de produção;

b) os novos produtos.

Os novos produtos se constituem em estímulos que mantêm permanentemente excitada a demanda. Os novos produtos são geralmente novas formas de atender a necessidades que já eram atendidas por outros produtos, e o aparecimento daqueles provoca a obsolescência destes e do equipamento que os produzia, o que eleva os investimentos em bens de capital e a procura por força de trabalho.

Das mudanças de processo, interessam-nos as que buscam resolver os pontos de estrangulamento do lado da oferta de força de trabalho, pelos seus efeitos sobre o nível de emprego. Estas mudanças permitem alterar a relação técnica da capacidade instalada, isto é, a proporção entre capital fixo e a força de trabalho necessária para operá-lo. Seu efeito geral é, portanto, elevar a produtividade física do trabalho, o que implica reduzir, para um dado nível de atividade econômica, a demanda por força de trabalho, adequando o custo de reprodução dessa força de trabalho às necessidades de acumulação capitalista.

O resultado da inovação técnica - tanto a mudança de processo como os novos produtos - é, nestes termos, a mudança qualitativa da produção e do estoque de capital, de um ciclo de reprodução para outro. Cada ciclo se inicia por uma fase de expansão da renda, dos investimentos e do emprego até que se esgota o dinamismo, provocando a esta nação a recessão. O encadeamento destes ciclos dá o processo geral de crescimento da economia capitalista.

Disto resulta que o pleno emprego só tem condições de ocorrer na fase ascendente de um ciclo de reprodução. Porém, mesmo nesta fase, o pleno emprego dificilmente ocorre na prática, uma vez que, não sendo a economia capitalista planejada, a expansão não se dá ao mesmo ritmo em todos os setores, ocorrendo pleno emprego em alguns e capacidade ociosa em outros.

Se o pleno emprego parcial é uma realidade nas economias capitalistas desenvolvidas, muito mais o é nas economias não-desenvolvidas, mais sujeitas â ocorrência dos pontos de estrangulamento que limitam a fase de expansão dos ciclos de reprodução.

Nas economias capitalistas não-desenvolvidas muitos insumos e, dependendo do estágio da industrialização, até mesmo bens de capital, provêm do exterior; assim sendo, a capacidade de importar tende a ser, em geral, um freio à expansão da economia de mercado. Além disso, a inadequação da força de trabalho ante as técnicas de produção geralmente importadas, agravam as dificuldades, antecipando a crise nos setores mais adiantados da economia.

Isto significa que, nas economias capitalistas não-desenvolvidas, os ciclos de reprodução são mais curtos, uma vez que os pontos de estrangulamento tendem a ocorrer mais cedo, o que implica um processo menos acelerado de acumulação e de crescimento da renda, dos investimentos e do emprego.

Por isto, para o autor, o planejamento do crescimento é fator crucial nestas economias, e deveria:

a) garantir a adequada expansão da oferta dos setores básicos, inclusive mão-de-obra qualificada a fim de que carências deste tipo não interrompam prematuramente a fase de expansão;

b) graduar a expansão da produção, de modo a não estourar a capacidade da oferta destes setores antes que seja possível expandi-las.

Essa ação planejadora permitiria ampliar ao máximo a fase ascendente do ciclo de reprodução, de tal modo a atingir o máximo de expansão da renda e do emprego antes que se iniciasse a fase descendente. Sem o planejamento, o ímpeto expansivo de uma inovação perde-se prematuramente, exigindo novos saltos tecnológicos para debelar a crise de realização.

A visão do planejamento como instrumento de controle da expansão da economia, de modo a obter o máximo de crescimento em cada ciclo econômico, decorre da hipótese de que os investimentos, numa economia de mercado isenta de qualquer intervenção, são feitos de forma irracional. Tal irracionalidade é apontada principalmente quando se constata que novos investimentos são feitos em setores que já apresentam capacidade instalada ociosa.

Na verdade, essa pretensa irracionalidade da alocação de recursos, do ponto de vista do funcionamento do sistema econômico de mercado, não existe. Se o empresário é movido em sua atividade econômica pela busca do lucro e se o seu investimento em determinado setor lhe dá uma expectativa de lucro pelo menos igual à média da economia, é óbvio que sua decisão de ali investir nada tem de irracional. Tal decisão está perfeitamente de acordo com a lógica que comanda o funcionamento do sistema capitalista.

É lógico que, do ponto de vista da sociedade como um todo, a situação é bastante diferente. Na verdade ela pode representar, e freqüentemente representa, desperdício de recursos, saturação no atendimento de determinadas necessidades e carência em outras. Todavia, a solução de tais distorções parece antes um problema político e não técnico, como quer o autor. Este entende que a dificuldade de planejar a expansão econômica, de modo a minimizar os pontos de estrangulamento em economias não-desenvolvidas, como o Brasil por exemplo, decorre da falta de experiência, uma vez que existem poucas iniciativas setoriais bem sucedidas, tal como no campo energético.

Porém, é preciso considerar antes de mais nada, que a introdução do planejamento implica o deslocamento do centro de decisão estratégica das mãos dos empresários para o governo, o que normalmente é repudiado por aqueles. Nenhum genuíno empresário capitalista vê com bons olhos o aumento da intervenção do Estado na economia de mercado.

Além disso, na questão do planejamento econômico pelo Estado, é preciso perguntar também que grupos de interesse este representa. Isto porque se grandes parcelas da população não são representadas adequadamente ao nível do aparelho do Estado - o que normalmente acontece nos países não-desenvolvidos - é óbvio que o planejamento não atenderá igualmente ao interesse da sociedade como um todo, mas apenas o dos grupos que melhor se fizerem ouvir.

Existe, contudo, uma outra questão que é preciso encarar, a fim de colocar numa perspectiva mais correta os problemas de crescimento e de emprego nas economias não-desenvolvidas: são os pontos de estrangulamento do lado da oferta de setores críticos, inclusive mão-de-obra qualificada, os reais óbices ao desenvolvimento, ou esta colocação apenas mascara o verdadeiro problema?

Com efeito, a realidade do desenvolvimento recente da economia capitalista sugere que o verdadeiro entrave ocorre do lado da demanda insuficiente e não do lado da oferta. Como o autor bem expõe, através das mudanças de processo as empresas conseguem substituir fatores escassos, principalmente mão-de-obra, pelo aumento da composição orgânica do capital. Por meio dos novos produtos elas conseguem manter um nível de demanda adequado à realização do lucro. Ocorre que o caráter da inovação técnica mudou bastante, desde a 11 Guerra para cá, indicando uma mudança na natureza dos problemas do desenvolvimento capitalista.

Até 1950 a grande maioria das inovações tecnológicas era de mudanças de processo de produção que buscavam a manutenção das taxas de lucro pelo aumento da produtividade do trabalho. A partir dessa época, com a consolidação da concentração econômica e das grandes empresas oligopolísticas, cuja concorrência não se faz mais em termos de preço, a inovação tecnológica passa a caracterizar-se pela ênfase no desenvolvimento de novos produtos.1 1 A este respeito, veja Gorz, André. Divisão social do trabalho, ciência, técnica e modo de produção capitalista. Cadernos O homem e a sociedade, n. 10, p. 175-7.

Lembrando o que atrás foi dito, a insuficiência de demanda ocorre pela concentração da renda em mãos de classes sociais cuja propensão a consumir é descendente. Ora, é preciso reconhecer que a tendência à concentração da renda é maior em economias não-desenvolvidas, em que as classes trabalhadoras não dispõem de poder de barganha suficiente, pela inexistência de sindicatos atuantes, para fazer crescer sua participação no produto social, quando aumenta sua produtividade.

Neste sentido, muito mais coerente com a realidade dessas economias seria uma política de redistribuição da renda que, ampliando a demanda, permitisse a expansão quantitativa da produção, sem necessidade de freqüentes transformações qualitativas pela inovação tecnológica.

Do ponto de vista social, as vantagens de tal política são evidentes: atendimento de maiores contingentes populacionais em suas necessidades básicas; prolongamento do ciclo de reprodução, pelo retardamento da necessidade de transformações qualitativas na produção; uso mais intenso dos fatores de produção, tanto capital como mão-de-obra, uma vez que as transformações tecnológicas aceleradas os tornam obsoletos mais depressa, maiores condições de expansão da economia de mercado aos demais setores da economia não-desenvolvida.

Evidentemente, pode-se objetar que este padrão de desenvolvimento implicaria uma relativa estagnação tecnológica, pela falta de estímulo á inovação. Entretanto, é bom que se pergunte se a simples reprodução dos padrões de consumo das economias desenvolvidas tem realmente significado progresso tecnológico para as economias não-desenvolvidas. E, novamente, estas questões só podem ser resolvidas no campo da economia política e não da técnica.

Finalmente, é preciso ressaltar que a contribuição de Paul Singer, neste trabalho, é das mais relevantes, por colocar em evidencia a forma desequilibrada pela qual se dá o crescimento econômico capitalista, bem como a funcionalidade, para os sistemas não-desenvolvidos, dos demais setores que não o de mercado na solução desses desequilíbrios, merecendo atenção da parte dos estudiosos dos problemas de emprego.

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    A este respeito, veja Gorz, André. Divisão social do trabalho, ciência, técnica e modo de produção capitalista. Cadernos
    O homem e a sociedade, n. 10, p. 175-7.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 1977
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