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Le projet coopératif, son utopie et sa pratique ses appareils et ses réseaux, ses espérances et ses déconvenues

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Maria Tereza Leme Fleury

Desroche, Henri. Le projet coopératif, son utopie et sa pratique ses appareils et ses réseaux, ses espérances et ses déconvenues. Paris, Editions Ouvrières, 1976.

Le projet coopératif é o último livro lançado pelo Prof. Henri Desroche sobre o tema cooperativismo. Este autor, conhecido tanto pelos estudiosos da sociologia da cooperação, como pelos que se dedicam à sociologia religiosa, é diretor de estudos da École Pratique des Hautes Etudes (Sorbonne), diretor-fundador do College Coopératif de Paris, diretor da revista Archives Internationales de Sociologie de la Coopération, entre outros títulos.

Dentre as suas obras sobre a temática cooperativista, este livro se destaca por seu caráter globalizante, na abordagem de diferentes aspectos do fenômeno e pela discussão de certos problemas dificilmente encontrados em estudos no gênero.

Já na introdução, Diário de um cooperador "cooperante", ao analisar os motivos que o levaram ao estudo do cooperativismo, Desroche levanta o problema da relação entre comunidade e cooperação (problema este que ele retoma adiante no capítulo O enxerto cooperativo). Suas primeiras pesquisas foram a respeito dos shakers nos Estados Unidos, que seriam "um verdadeiro elo perdido entre um neocristianismo e um pré-socialismo sob forma de comunidades cooperativas multifuncionais e que prosperaram durante um século e meio" (p. 18). E é justamente esta postura de Desroche que ao se debruçar no estudo do cooperativismo procura encontrar suas raízes num projeto utópico comunitário, o que confere a sua obra uma perspectiva toda original.

O livro é dividido em três grandes partes: História, Tipologia e Sociologia. Procuraremos dar um breve resumo de cada uma, levantando os principais pontos abordados.

Na primeira parte, o autor faz uma retrospectiva histórica do cooperativismo, desde suas origens até a sua situação atual. A retrospectiva abre com um capítulo, A utopia cooperativa, no qual é definido projeto utópico: "seria um projeto imaginário de uma sociedade alternativa" (p. 35). Analisando, então, os projetos utópicos que precederam ou geraram projetos cooperativos, o autor descreve as principais idéias de Robert Owen, Charles Fourier, Saint-Simon, Cabet, Raiffessen e Weitling. E conclui esta análise considerando que "na passagem da utopia escrita para a posta em prática, observa-se a transformação desta visão comunitária numa prática cooperativa: ... eles achavam que a solução cooperativa seria uma etapa transitória para se chegar à comunidade. Entretanto isto é uma ilusão: se é verdade que certos projetos ou experiências comunitárias deram origem a cooperativas, jamais se observou o oposto" (p. 47).

A seguir, o autor expõe o que denomina "a eclosão cooperativa", detendo-se no estudo da "matriz rochdaleana". Na apresentação dos estatutos de Rochdale, Desroche considera que é preciso distinguir os fins estratégicos dos meios táticos. Os meios táticos seriam aqueles expostos por um dos pioneiros como W. King em seu jornal The Cooperator: "Por que em vez de se apelar para coletas, a fim de se fundarem vilas de harmonia, ao gosto da Igreja owneista, não se faz um apelo à mobilização e frutificação das poupanças investindo-se em lojas de distribuição? Após esta primeira fase de fundação de uma loja, poder-se-ia passar a uma fase seguinte, de criação de uma comunidade", Os fins estratégicos expressos na primeira lei dos estatutos de Rochdale referem-se a reforma social, que levaria a um novo mundo pela fundação de comunidades.

Desroche dá uma ênfase especial a esta primeira lei (first law) de Rochdale, pois ela implica uma concepção globalizante do movimento cooperativista no qual a partir da criação de uma cooperativa de consumo se fundariam cooperativas de habitação, de manufaturas, agrícolas e educacionais - e o objetivo último seria a criação de uma comunidade. Esta first law foi relegada ao esquecimento pelos teóricos e práticos do cooperativismo que viam nela resquícios de um owneismo ultrapassado. Entretanto Desroche a considera de importância crucial para o desenvolvimento de um projeto cooperativo e retoma este ponto diversas vezes no decorrer do seu trabalho.

Completa esta primeira parte a análise de temas como o internacionalismo cooperativo, cooperação e desenvolvimento e demografia cooperativa. Alguns desses tópicos, como por exemplo a demografia cooperativa, já haviam sido estudados em obras anteriores (Le développement intercoopératif), mas adquirem aqui relevância especial.

Na segunda parte - Tipologia- Desroche, após discutir os prós e contras das diversas classificações, propõe uma classificação própria, apontando-lhe os méritos e deixando que outros estudiosos façam as suas críticas. Consistiria basicamente em:

• cooperativas de consumo: englobariam não somente as clássicas cooperativas de consumo, mas também a distribuição realizada por cooperativas de empresas e comerciantes.

• cooperativas de crédito: incluiriam as cooperativas de crédito mútuo a grupos familiares, a empresas, e de ajuda mútua espontânea ou de inspiração sindical.

• cooperativas de produção industrial: compreenderiam as cooperativas de produção operária, as artesanais, as de pescadores, e também algumas recentes como as de profissionais liberais.

• cooperativas agrícolas, incluindo as cooperativas de serviços: abastecimento e/ou escoamento da produção agrícola, as microcooperativas de trabalho, as vilas cooperativas multifuncionais e ainda as cooperativas agroindustriais.

Cada um destes tipos de cooperação é analisado e dentro de cada tipo propõem-se classificações especiais.

Na terceira parte - Sociologia - o autor retoma em um capítulo, 0 enxerto cooperativo, a problemática das relações comunidade/cooperativa (particularmente relevante às nações jovens africanas) e afirma:

"O movimento cooperativo, ao nível das comunidades reais humanas, constitui um modo de organização que permite preservar os valores comunitários antigos e promover um desenvolvimento moderno, suscetível de tomar um lugar sólido nas correntes de evolução do mundo atual".

E procura tornar realidade esta afirmativa, em todas as oportunidades de assessora mento a países em vias de desenvolvimento. O relato destas experiências constitui um dos pontos interessantes do livro.

Analisa ainda temas como o cooperativismo e a reforma agrária, as relações do movimento cooperativista com o Estado, desenvolvendo também um capítulo de cunho mais econômico sobre a empresa cooperativista. Neste capítulo ele considera os princípios econômicos fundamentais da cooperação: propriedade cooperativa, gestão cooperativa e distribuição (a cooperativa remete seus benefícios à cota-parte das transações realizadas pelos associados e não á cota-parte do capital de ações - este é o elemento econômico essencial do cooperatitivismo).

Desroche também considera o problema da democracia no interior das cooperativas. Se nas pequenas cooperativas a gestão interna não traz maiores dificuldades, nas grandes isto já constitui problema mais sério. Geralmente existem nas grandes cooperativas quatro grupos envolvidos no processo de administração: o grupo dos associados, o dos administradores eleitos pela assembléia geral dos cooperados, o de administradores nomeados (quando os associados não têm tempo ou conhecimento suficiente para ocupar cargos administrativos) e o grupo dos empregados assalariados. Entre estes grupos podem surgir sérias divergências, na medida em que um se sobrepõe aos demais, ou se alia a um outro contra os restantes.

Finalizando, o autor aborda temas relativos à convicção cooperativa e à cultura cooperativa (os princícpios, as doutrinas e a educação). E na conclusão procura, ao justificar a escolha do título para a sua obra - Le projet coopératif son utopie e sa pratique, ses appareils et ses réseaux; ses esperances et ses déconvenues - sintetizar suas idéias a respeito do projeto cooperativo, enfatizando os pontos que a seu ver merecem maior destaque.

Um dos grandes méritos de Desroche é aliar um vasto conhecimento teórico sobre o assunto a uma praxis sempre renovada - isto confere a sua obra um valor especial, pois é justamente na discussão dos exemplos concretos que o autor alcança seus melhores momentos teóricos. Com uma citação de Charles Gide ("A verdadeira marca de vitalidade não é durar, mas renascer") conclui: - "... e precisamente o projeto cooperativo dura porque suas experiências renascem perpetuamente de suas descobertas".

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Ago 1977
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