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Finanças públicas municipais

ARTIGOS

Finanças públicas municipais

Eurico Korff

Professor do Departamento de Contabilidade, Finanças e Controle da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

1. INTRODUÇÃO

O município tem sido considerado o precursor do Estado moderno. Dentro dos estreitos limites das comunas tiveram historicamente suas origens todos os grandes princípios que distinguem a vida política contemporânea - entre eles o direito à liberdade, à propriedade e ao trabalho - podendo afirmar-se, em síntese, que o município é a unidade administrativa mais simples e cronologicamente anterior ao Estado, do qual é parte formadora, tendo, por vezes, chegado a confundir-se com o próprio Estado, através das "cidades-estado" da Antiguidade grega ou da Idade Média.

É dentro do município que nascem as primeiras manifestações da vida pública e ele, segundo uma preciosa observação de Tocqueville, significa para a liberdade o que a escola primária significa para a ciência.1 1 Veja Juano, Manuel de. Política y derecho tributário de los municípios. II Congresso Interamericano de Direito Tributário, São Paulo, 1975.

A autonomia municipal tem sido considerada, mesmo, princípio essencial à manutenção de qualquer sistema democrático-representativo. Segundo Harold Laski, conhecido cientista político e eminente teórico do trabalhismo britânico, o estabelecimento, em cada país, de vigoroso sistema de governo local seria uma necessidade indiscutível, tanto assim que, no seu entender, um governo democrático não poderia realizar-se em toda a sua plenitude, caso não se admitisse a existência de muitos problemas não-pertencentes ao governo central e que, por sua própria natureza, exigissem solução local, adotada por pessoas que os sentissem diretamente.2 2 Laski, Harold. O Estado moderno, apud Araújo Castro. A nova Constituição do Brasil. Rio de Janeiro, Livraria Fr. Bastos, 1935. p. 11. (O grifo é nosso. )

Por sua vez o constitucionalista Hans Kelsen, em obra clássica, caracteriza de forma lapidar a natureza do governo local: "A descentralização por autonomia representa outro tipo de estruturação do Estado. No conceito de autonomia conflui o princípio da descentralização com a idéia da democracia, isto é, da autodeterminação. Os órgãos encarregados de estabelecer normas locais individuais, em certa medida também gerais, são eleitos por aqueles para os quais as normas estabelecidas tem de ser obrigató-. rias. A ordem criada, deste modo, constitui os chamados corpos autônomos cujo tipo mais característico temos no município".3 3 Kelsen, Hans. Compêndio da teoria geral do Estado. Apud: Araújo Castro, op. cit p. 11. (O grifo é nosso.)

São os próprios aspectos financeiros - expressos na receita e despesa públicas e consubstanciados no típico reflexo e somatório das intenções coletivas que é o orçamento - que mais justificam o processo de tomada de certas decisões em nível local, a partir dos que "sintam" diretamente as "causas" e as "conseqüências" das suas decisões. Desde um tipo de "democracia direta" (curiosa reminiscência ainda hoje praticada em pequenas comunidades norte-americanas, na Nova Inglaterra, cujos membros deliberam diretamente em assembléia pública sobre propostas e orçamento do serviço público, tal como, por exemplo, sucede, embora não em praça pública, nos condomínios residenciais ou comerciais, tão difundidos no Brasil) até o exercício mais refinado do direito de decidir sobre as finanças, através dos representantes eleitos - em coexistência com o executivo também eleito ou mesmo nomeado - tem uma série de problemas de nítido interesse local, notadamente nas áreas de vias e transportes urbanos, de saneamento básico e de educação primária, e a contínua necessidade de lhes dar atendimento, suscitando a realização regular de despesa pública e a respectiva mobilização de recursos para cobri-la, sob a influência dos desejos e dos interesses dos que, mais de perto, são atingidos pela arrecadação e/ou beneficiados pela despesa pública. A proximidade de problemas e soluções, de cidadãos e seus representantes, faz com que a própria representação popular assuma conotação muito mais local do que a de outras esferas; assim, os candidatos à vereança, nas suas campanhas, ainda que também aludam a assuntos nacionais integrantes que, afinal, são de partidos políticos de âmbito nacional - tendem a concentrar a sua pregação em problemas locais, característica que acaba por estender-se à atuação dos eleitos.

Essa "proximidade" da representação popular, aumentando a expectativa de tomada racional de decisões sob as vistas diretas dos interessados, alinha-se ao lado de várias outras considerações a influírem no papel reservado aos governos locais. Assim, Otto Eckstein, reconhecendo que "um dos problemas mais intrigantes da economia nas finanças públicas é determinar o nível de governo mais adequado à prestação de cada um dos serviços públicos", cita alguns outros aspectos decididamente favoráveis ao nível local de governo, ao lado do melhor conhecimento direto dos problemas: a maior difusão do poder; a instituição descentralizada de programas, obedientes a preferências locais, sem envolver a responsabilidade e o alcance generalizados de programas nacionais; as facilidades de experimentação e pioneirismo em escala menor, com perspectivas de fixação de padrões para o resto do país; melhor contenção de grupos de pressão, de ação mais desenvolta e menos controlável junto a legislativos federais; possibilidade de escolha mais individualizada de bens coletivos, com maior coincidência entre "custos" e "benefícios".4 4 Eckstein, Otto, Economia financeira - uma introdução à politica fiscal. Rio de Janeiro, Zahar, 1966, p. 58-61. Nota: "bens coletivos" são considerados aqueles que tem de ser proporcionados a grupos de pessoas e não propriamente a indivíduos e não podem ser negados "mesmo aos que se neguem a pagar por eles; a "escolha" ocorreria, por exemplo, no caso de famílias mais ou menos numerosas em relação ao sistema escolar e à respectiva carga tributária.

Firmado o critério de que o debate e a aceitação de determinadas necessidades se fazem melhor dentro do município e entregue ao governo local o poder decisão sobre a realização da despesa, resta determinar a melhor maneira de se concretizar a receita.

É preceito tradicional de "finanças públicas" - disciplina basicamente dedicada ao estudo dos meios destinados à cobertura das despesas públicas - de que, normalmente, não poderia realizar-se despesa sem que se criasse a receita correspqndente. O condicionamento recíproco de despesa e receita, tal como o próprio tabu do equilíbrio orçamentário, tiveram essa rigidez, remanescente da chamada era vitoriana, sucessivamente alterada pela crescente influência sobre a política financeira de preocupações de ordem social e econômica, entre as quais, em escala nacional, se situam o controle das flutuações, o crescimento econômico e a distribuição da renda.

Com essa evolução, passou-se a atribuir a "finanças públicas" dois domínios: o "tradicional" que é o estudo dos meios financeiros para fins financeiros, no sentido da já referida cobertura das despesas públicas, e o que pode ser considerado "moderno", ou seja, a análise dá utilização da atividade financeira para um fim intervencionista, que é a ação do Estado sobre as atividades privadas; o primeiro dos dois domínios é conhecido na literatura anglo-saxônica como public finance, no seu sentido estrito de estudo da obtenção e aplicação dos recursos da administração pública, enquanto que o segundo tomou a designação genérica de fiscal policy, caracterizado sobretudo por ambiciosos objetivos globais, centrados no uso do instrumento fiscal para manter o equilíbrio econômico e promover o desenvolvimento, em busca dos quais nem sempre considera e freqüentemente desconsidera os interesses mais estreitos da arrecadação; outrossim, dada a sua natureza global e absorvente, a "política fiscal" tem de encontrar expressão muito mais adequada em termos nacionais do que dentro das limitações do município.

Não obstante a procedência da ressalva, a atividade financeira municipal não pode ser dissociada da extrafiscalidade - expressão do segundo daqueles dois "domínios" de finanças públicas, seja como parte de um todo, seja pela conveniência de prevalecer-se dentro de sua própria esfera, guardadas as proporções, de instrumentos semelhantes aos usados nas outras áreas e que lhe permitam, por vezes, até coibir determinadas atividades, como as poluidoras, ao invés de tributá-las, tal como o imposto de importação, na sua versão protecionista, pode, em vez de tributar, reduzir a tributação, evitando que se efetive a atividade tributável.

Ao contrário, entretanto, do que sucede no tocante aos aspectos globais, cuja apreciação atualmente vem se concentrando de forma muito mais intensa na análise e na própria geração dos efeitos da atividade financeira pública sobre a economia privada, é outra a prioridade em nível municipal; neste ainda predomina o primeiro dos dois domínios - ou seja o da "simples" cobertura das despesas públicas com os municípios voltados para a satisfação das necessidades mais simples e primárias, mesmo porque disto depende a sua própria autonomia política, uma vez que, conforme uma afirmação certeira de Alberdi, "sem renda não há governo" e "não há poder onde não há finanças".5 5 Apud: Juano, Manoel de. op. cit. p. 9.

O atendimento do primeiro dos dois "domínios"que, no Brasil, não tem sido fácil nem simples para os municípios, muito menos seguros da obtenção de recursos do que a União ou, mesmo, os estados, como demonstra a lenta e penosa evolução da discriminação de rendas, é, portanto, antes de qualquer outra ponderação, uma questão de sobrevivência da autonomia municipal.

Ter a autoridade, os instrumentos e o potencial para executar os seus serviços com os seus próprios meios seria o suporte ideal para assegurar também a sua autonomia política.

Na realidade, porém, os municípios, sem exceção até dos mais potentes, têm de satisfazer-se com uma cobertura própria apenas parcial, completada por contribuições federais e estaduais; o sistema de contribuição já antes existente, através de participação de tributos de outros níveis de governo (imposto de renda e ex-imposto de consumo, hoje, imposto de produtos industrializados) ou de sua partilha (ex-imposto de indústrias e profissões, repartido entre estados e municípios), foi reestruturado, aperfeiçoado e ampliado pela Reforma Tributária de 1966, que lhe criou os "fundos de participação" como canais de distribuição.

Desta maneira prevalece uma forma composta de receita pública: a arrecadação mediante o uso de instrumentos próprios, isto é, dos tributos privativos, como tais admitidos pela discriminação federal de renda (Sistema Tributário Nacional) e as contribuições da União e dos estados, obrigatórias por imposição legal ou mesmo voluntárias.

A fórmula utilizada pode encontrar justificação no desejo de somar à arrecadação própria outros recursos, sem a admissão de tributos municipais paralelos ou semelhantes aos cobrados pelos outros poderes, evitando-se a bitributação ou superposição de tributos.6 6 No caso do imposto sobre a propriedade territorial rural a União se reserva a cobrança do tributo unicamente para usá-lo como instrumento de política de reforma agrária, tanto assim que cede o produto líquido da arrecadação aos municípios. Embora o sistema não se constitua propriamente num reforço do poder municipal de tributar, não deixa de significar um instrumento de consolidação financeira do município, no sentido de lhe assegurar o cumprimento dos seus objetivos. Um esquema de entrega regular e automática dos meios cedidos, em obediência a preceitos legais permanentes e sem injunções de política partidária, é elemento indispensável de continuidade política e administrativa, sem prejuízo dessa conexão financeira com os outros níveis de poder. Critérios de distribuição de receita aos municípios, em função dos locais geradores ou então na razão inversa do potencial econômico dos beneficiários, permitem ou revertem os tributos, pelo menos em parte aos lugares de origem, ou então redistribui-los, deslocando-os aos que menores possibilidades tenham de gerá-los; outrossim, a distribuição de parte do imposto de renda aos municípios liga, ainda que de modo indireto e parcial, a cobertura da despesa pública à melhor capacidade contributiva, que ao município brasileiro seria problemático alcançar, por não poder tributar a renda, também em escala municipal, e quando muito, dispor, no presente, de um tributo considerado semipessoal, como é o imposto predial/territorial, incidente sobre o patrimônio, ou, no passado, do já mencionado imposto de indústrias e profissões, cobrado em parte sobre o patrimônio e em parte sobre o movimento de vendas.

Se o sistema de participação permite aos municípios atingir - de forma apenas indireta - o que lhe seria interessante ou justificável alcançar diretamente, é preciso reconhecer que, em compensação, os recursos lhes são entregues sem um esforço arrecadador próprio, em condições supostamente mais favoráveis, tendo-se em vista as perspectivas superiores de arrecadação dos outros níveis de governo, podendo a vantagem para os municípios menos potentes ainda multiplicar-se, se a distribuição obedecer ao citado critério inverso da potencialidade econômica, de uma maneira ou outra procurando-se elevar a receita municipal à altura da despesa desejável.

A adição de recursos ainda é justificada pelo interesse intermunicipal, regional ou, mesmo, nacional que certos tipos de despesa pública, como, por exemplo, os investimentos no sistema de transporte, podem assumir, quando os seus benefícios ultrapassam - por vezes largamente - os estritos interesses municipais. Neste caso é freqüente que às contribuições obrigatórias, impostas pelo Sistema Tributário Nacional, se reunam outras, na forma de dotações de outros poderes (do tipo, por exemplo, das previstas pela recém-criada Empresa Brasileira de Transportes Urbanos) e que tendem, inclusive a facilitar a integração municipal em diretrizes globais ou no planejamento regional, este último ajustado também a essa nova expressão do desenvolvimento urbano ou suburbano que são as regiões metropolitanas. A influência, que órgãos nacionais, como a também recentemente instituída Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana, ou outros regionais, possam exercer no sentido dessa integração e da harmonização dos interesses locais com outros mais amplos, dependerá afinal, substancialmente, dos recursos financeiros que terão à sua disposição para tornar os seus objetivos viáveis, e também mais aceitáveis.

O quadro da complementação da receita própria ainda inclui a adição de recursos restituíveis. Entre esses tem merecido atenção ultimamente os destinados à infraestrutura municipal pelo Banco Nacional de Habitação, órgão federal subordinado ao Ministério do Interior. Também a outras fontes nacionais, ou mesmo externas, têm recorrido os municípios, obtendo financiamentos em função do aspecto social da despesa, ou, até, sem esta consideração, observando-se igualmente a presença das municipalidades maiores no mercado de capitais, em busca de colocação dos seus títulos de renda fixa a médio ou longo prazos. A expansão do crédito público sugere principalmente dois tipos de reflexões: a da opção, de por vezes difícil solução, de distribuição de encargos entre as gerações presente e futura, e dos limites ao endividamento, problema afeto à decisão final do Senado Federal, depois de ouvido o Banco Central, o Ministério da Fazenda e a Presidência da República.

Movendo-se a receita municipal em três planos - o primeiro, de sua própria arrecadação, o segundo, das distribuições ou dotações de outros níveis de poder, o terceiro, de recursos restituíveis - encontra-se a receita de terceiro plano em estreita dependência dos dois primeiros, por lhe corresponder o caráter de antecipação de receita futura, calcado na estabilidade ou no crescimento da arrecadação.

Aos "três planos" da receita municipal, todos ainda situados no domínio tradicional de finanças - o da simples cobertura das necessidades públicas, - devem ainda ser acrescentadas, por assim dizer em "quarto plano", as suas pretensões no domínio extrafiscal, já ligeiramente referidas. Sem a flexibilidade de outras esferas - como a federal, que consegue impulsionar, por exemplo, a exportação de manufaturados ou certas atividades regionais mediante o uso das mais amplas isenções - não deixa a tributação municipal de possuir condições para atrair, incentivar ou desincentivar e até coibir certas atividades, e para influir na destinação de bens como o próprio solo (através do imposto territorial). O acionamento de tais estímulos ou freios fiscais, principalmente quando significa redução de arrecadação, tem de estar estreitamente relacionado com os "três planos" básicos e deles dependentes, por lhes modificar o volume dentro das condições que na esfera municipal são muito mais limitadas.

Finalmente, é mister considerar que a forma de realização da despesa pública, sobretudo quando visa o maior progresso do município - por exemplo, através de doação de áreas industriais - ou uma distribuição mais equitativa dos seus benefícios, mediante o uso das subvenções, como é o caso do transporte coletivo, além de influir no volume da receita necessária, também requer uma composição de carga tributária que não distorça do lado da receita os intuitos redistributivos da despesa.

A tributação seletiva, premissa de justiça tributária ou até de justiça social, sendo mais acessível a outros níveis de tributação, de que o município só participa indiretamente, encontra entraves na natureza dos impostos municipais: um impessoal - sobre os serviços; outro, semipessoal (além de freqüentemente transladado) - sobre a propriedade imobiliária urbana; por outro lado, carece ainda da exploração efetiva de outro tributo que lhe é atribuído - a contribuição de melhoria -, qualificado por enquanto apenas em teoria, para reverter à coletividade os benefícios individuais proporcionados por outras obras públicas.

Uma apreciação, ainda que introdutória, da atividade financeira local, teria, em suma, de conduzir a atenção do estudioso a dois aspectos essenciais: a origem, evolução e perspectivas do ordenamento do que dentro do quadro mais amplo da tributação geral, com a abstenção ou colaboração dos outros poderes, acaba sendo atribuído, direta ou indiretamente, ao município - estudo da discriminação (federal) de rendas; a capacidade do município de explorar, quantitativa e qualitativamente, o conjunto dos seus próprios tributos - estudo do sistema tributário municipal.

2. A DISCRIMINAÇÃO DE RENDAS E O MUNICÍPIO

O Sistema Tributário é o conjunto que reúne todos os tributos existentes num país, sem distingui-los quanto ao poder ou poderes competentes para a sua cobrança; à discriminação de rendas cabe, por sua vez, estabelecer a correspondência entre os tributos que existem, ou possam ser criados, e a autoridade competente para a sua cobrança. Por isto, a sustentação financeira da autonomia municipal é principalmente problema da discriminação de rendas, enquanto determina a aptidão da comunidade local de suprir as suas necessidades.

A discriminação de rendas é a partilha de competência tributária entre os vários níveis de poder, é a qualificação financeira que corresponde à habilitação política das unidades federadas. Segundo Amílcar Falcão ela constitui um dos aspectos nucleares da disciplina jurídica do Estado federal.7 7 Falcão, Amílcar de Araujo. Sistema tributário brasileiro. Rio de Janeiro, Edições Financeiras, 1965. p. 9.

Os tratadistas alemães chegam a alinhar ao lado da constituição política uma "constituição financeira", dentro da qual consideram a partilha equilibrada dos tributos como característica fundamental do Estado de direito e sobretudo do ordenamento federativo; nesse contexto a "constituição financeira" identifica-se com a própria discriminação constitucional de rendas, a qual, de acordo com uma outra observação de Amílcar Falcão, nada mais é do que uma distribuição de competências.8 8 Falcão, Amílcar de Araujo, op. cit. p. 126.

Envolvendo a partilha da competência tributária, relaciona-se a discriminação de rendas estreitamente com a forma de organização do Estado - federativa ou unitária.

Se bem que também nos Estados unitários ocorre a instituição de tributação local principalmente naqueles descentralizados territorialmente como é o caso da Itália - não se trata propriamente de administração autônoma, mas muito mais de descentralização mediante uma espécie de delegação de poderes.

Assim sendo, só com a efetiva existência do regime federativo, isto é, com a presença de vários níveis de poder, qualificados para efetuarem a sua própria arrecadação, é que se concretiza a instituição da discriminação de rendas, a qual pode ser considerada causa e conseqüência, ao mesmo tempo, da autonomia local. O problema da discriminação de rendas, conforme Aliomar Baleeiro, não teria realmente sentido para países de tipo unitário, como, por exemplo, a França, e seria uma particularidade das federações, surgidas a partir do aparecimento da primeira delas, a norte-americana, embora já tivesse se esboçado nas confederações e estados compostos; segundo o mesmo autor, a discriminação de rendas seria "a causa última e decisiva da criação da figura jurídica e política do Estado federal como novidade do fim do século XVIII".9 9 Baleeiro, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 9. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1973. p. 235.

Antes de adotar a federação pioneira, o novo Estado americano já havia passado por uma experiência pouco favorável de confederação. Quando, após a revolução contra a metrópole britânica - por sinal desencadeada por pressões tributárias e justificadas com a famosa divisa "nenhuma tributação sem representação" - as 13 colônias sublevadas se transformaram em "Estados" independentes, estes, em sua aversão às imposições centralizadas, se reuniram dentro de organização política mantida - como é próprio das confederações - pelas contribuições financeiras das unidades componentes, detentoras do poder de tributar, e não dispostas a cedê-lo ou delegá-lo.

A notória falta de mobilidade do sistema da confederação, revelado pelo precário atendimento das necessidades internas e na frágil presença no exterior, onde o novo país esteve exposto a seguidas humilhações, levou à sua substituição pelo regime federativo, vivamente reclamado, entre outros, por Hamilton, em publicação sob o significativo título de Federalist10 10 Neste trabalho Hamilton preconiza (p. 182-199) a necessidade de poder tributário para assegurar a autonomia da União, bem como dos estados, observando que "there must be interwoven, in the frame of government a general power of taxation, in one shape or another". A Constituição norte-americana de 1787, produto da "Convenção de Filadélfia, constitui um compromisso dos estados entre si, delegando o poder de tributar, sem dele abrir mão, a um governo superior, integrado pelos representantes de todos eles.

Persistindo os temores de risco de excessiva centralização, procurou-se reservar ao poder federal de preferência a capacidade de cobrir despesas de nítida natureza geral, como o pagamento das dívidas nacionais e o provimento da "defesa e bem geral dos Estados Unidos"; mas o sistema é flexível, até hoje, no sentido de deixar aos três níveis ampla liberdade de criar tributos, ainda que concorrentes: atualmente, por exemplo, a renda é tributada por alguns governos estaduais e municipais, além do federal, simultaneamente.

A idéia da federação foi assimilada por outros países que se inspiraram nas instituições norte-americanas, entre ps quais a Argentina e o Brasil - este, depois de instituído o regime republicano, hoje inclusive portando o nome de República Federativa, assim como a Alemanha Ocidental, após a II Guerra Mundial convertida em República Federal. Neste país, aliás, é flagrante e preocupação em torno da preservação política e financeira da federação, acentuando, a propósito, Karl M. Hettlage que "onde faltam as premissas para convergência da federação e dos seus membros, a eficácia constitucional é apenas limitada ou inexequível", tal como "a divisão federal de poderes e a significação política da idéia federal seriam nulas, se a "constituição financeira" não se refletisse na legislação, na administração e na jurisprudência"; essa "constituição financeira" acaba tendo sua identificação com a discriminação constitucional de rendas confirmada por aquele autor que, no curso das mesmas considerações, a esta última se refere como o problema crucial da Alemanha.11 11 Hettlage. Karl M. Die Finanzverfassung in Rahmen der Staatsverfassung. Berlim, Walter de Gruyter, 1956.

O invariável entrelaçamento entre a federação e discriminação de rendas nem é desmentido por um regime que, aparentemente, é uma exceção à regra: o da União Soviética, formalmente uma federação, cuja Constituição, entretanto, reserva ao poder central, além do orçamento geral, a aprovação dos impostos e receitas das diversas repúblicas e dos orçamentos locais; a concentração financeira deve ser entendida, contudo, num contexto que, não obstante a existência formal da federação, é caracterizada por uma centralização política real.

É da essência do regime federativo a existência de autonomia regional e local, política e financeira, desde que ele é entendido como "a conjugação, em um só Estado soberano, de entidades autônomas, titulares de competências próprias para autodeterminar-se, sem sofrerem, em princípio, a injunção do governo central";12 12 Falcão, Amílcar de Araujo, op. cit. p. 16. a alternativa é o Estado unitário que reserva todo o poder ao governo central, embora possa tolerar, mas não garantir certa flexibilidade local.

O federalismo, apoiado a princípio na cessão por vezes tênue de poder ao órgão central, requer para a sua sobrevivência, que a centralização, modestamente iniciada, não acabe por crescer em demasia e por esvaziar as outras áreas; o equilíbrio necessário tende a ser obtido menos através da restrição quantitativa que mediante a seleção qualitativa, com a atribuição ao governo central de toda a matéria de interesse geral e aos poderes locais dos demais assuntos, de preponderante interesse local ou suscetível de determinação pelos particularismos regionais; o interesse local, que justifica tal atribuição, porém somente encontra condições para prevalecer, quando se conjuga com a aptidão da coletividade local de concretizá-lo, assim como no seu aspecto global a fórmula federativa, para plenamente realizar-se, tem de harmonizar os interesses de toda a nação com os interesses e particularismos locais.

No Brasil, a atribuição de receita aos governos locais já era observada em longínquas épocas coloniais, quando aos municípios e às suas câmaras era reconhecida a competência de recolher certos tributos, notadamente as taxas e as chamadas "fintas". Essa tributação local, que aqui precedeu largamente a instituição do regime federativo, conferiu por vezes aos municípios importância superior, neste particular, à da própria casa real portuguesa, basicamente limitada às suas rendas dominiais e regalianas; no atendimento de interesses comuns ou, com freqüência, só metropolitanos, a Coroa recorria repetidamente às câmaras municipais brasileiras, como por exemplo para o pagamento das forças empenhadas na expulsão dos holandeses, para a constituição do dote da infanta D. Catarina, futura rainha da Inglaterra, ou para o custeio da reconstrução de Lisboa, destruída por terremoto.

No período colonial, dado o empirismo e primitivismo existentes, ainda não se caracteriza um sistema tributário; trata-se, conforme assinala Carvalho Pinto, de época ainda confusa, de "vexatórias imposições fiscais, incapazes de constituir um sistema com lineamentos científicos".13 13 Pinto, Carlos Alberto Carvalho. Discriminação de rendas. Prefeitura do Município de São Paulo, 1941. p. 125.

Com a vinda da família real, fazem-se notar, também em matéria tributária, várias iniciativas dignas de registro; em 1808 surge um tributo que posteriormente seria um dos sustentáculos da receita municipal - o imposto predial - com o nome de "décima urbana", lançado na base de 10% sobre o valor locativo dos imóveis; em 1810 concedem-se isenções fiscais, durante 10 anos, e até prêmios e distinções aos que se destacassem na cultura de árvores de especiaria fina, em atividades farmacêuticas e de tinturaria, e em 1811 isentam-se da "décima urbana" por 10 anos os que construíssem em aterros ou terrenos "enxugados", e por 20 anos os que construíssem em terrenos pantanosos: curiosas medidas que consagram D. João VI como pioneiro, também, dos incentivos fiscais no Brasil.

Em 1812 aparece, como uma espécie de precursor do "imposto de indústrias e profissões", um tributo destinado a proporcionar ao governo os recursos necessários para a subscrição do capital do primeiro Banco do Brasil, cobrado à taxa fixa de 12$800 anuais sobre lojas, armazéns ou sobrados em que se vendesse por atacado ou a varejo, lojas de ourives, de lapidários, etc, com isenção para lojas estabelecidas nas estradas, arraiais e pequenas povoações.

Entretanto, por falta de separação de competências ou proibição de lançamentos de novos impostos em escala local, passou a predominar a multiplicação e superposição de tributos; assim, ao se encenar esse período com a proclamação da independência em 1822, eram assinaladas 95 rubricas de impostos, entre os remanescentes do período colonial e os que lhes foram continuamente acrescentados por órgãos sem definição de hierarquia e competência tributária.

Com a independência prevaleceu, durante algum tempo, a situação herdada. Contudo, o advento da Constituição monárquica de 1824 significa o início de um sistema constitucional tributário no Brasil, ao dividir a receita pública entre o erário nacional e as câmaras municipais. A menção aos governos municipais, nos art. 167 e 169 daquela constituição, é saudada como o início da "fase verdadeiramente brasileira da história municipal".14 14 Villa, José Machado. O município no regime constitucional vigente. Freitas Bastos, 1952. p. 13.

A Constituição de 1824 ainda é típica, porém, de estado unitário; é parcimoniosa em definições tributárias e veda a tributação própria às províncias.

O relegamento da tributação provincial não seria, contudo, de longa duração; desde então, foi sendo sucessivamente reduzido, sempre por sinal em detrimento dos municípios. Já em 1828 uma "lei regulamentar" subordinou esses últimos muito estreitamente às províncias, substituindo a efêmera fase de euforia municipal, suscitada pela Constituição de 1824, por outra de tendência centralizadora, confirmada pela orientação do Ato Acionai de 1834; este, concedendo autonomia relativa às províncias, lhes abriu uma terceira competência tributária, a meio caminho entre a do governo imperial e a dos municípios.

Tanto a tributação municipal - nos termos daquele ato, as câmaras poderiam "propor os meios de ocorrer às despesas dos seus municípios" como a recém-criada tributação estadual teriam, todavia, quanto à "fixação das despesas municipais e provinciais e os impostos para ela necessários", que manter-se dentro dos limites que não prejudicassem "as imposições gerais do Estado"; essa ressalva e a falta de melhor discriminação permitiu ao governo central, através de definição das receitas gerais, absorver praticamente todos os tributos disponíveis na época, o que foi feito nos termos da Lei n.º 99, de 1835, de modo a transformar, segundo Rubens Gomes de Souza, o Ato Adicional em ensaio falseado de discriminação de rendas no Brasil.15 15 Sousa, Rubens Gomes de. Sistema tributário federal. In: Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, FGV, v. 72, p. 2.

Amílcar Falcão, por sua vez, comenta que, com a Lei n.º 99, a força unitária do Estado retirou maior eficácia à tendência autonomista.

A centralização, restritiva para as províncias, era ainda mais opressiva para os municípios, com as suas câmaras subordinadas às assembléias provinciais, das quais deveriam receber leis e ordens. Foram, na prática, relegadas ao esquecimento até o fim do Império, sem perspectivas de mobilizarem recursos próprios em função de suas próprias decisões, não passando de letra morta o art. 71 da Constituição, destinado a assegurar a todo o cidadão o direito de intervir nos negócios de seu município, quando imediatamente relativos a seus interesses particulares.

Implantada a República, em 1889, instaurou-se no Brasil também o regime federativo, acentuando Amílcar Falcão que "estava criado o clima para a autêntica e lídima discriminação de rendas".16 16 Falcão, Amílcar de Araujo, op. cit. p. 35. A Constituição republicana de 1891 é diploma ainda flexível que estabeleceu competências privativas e também concorrentes da União e dos estados; com base nessa competência concorrente, mesmo sem ter portanto a competência privativa, a União, nas décadas seguintes, criou três dos mais importantes tributos: o de consumo, de vendas mercantis e sobre a renda.

Os municípios ainda não foram aquinhoados de maneira mais satisfatória. Não foram objeto de nenhum dispositivo direto ou expresso, além do disposto no art. 68: "os estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios em tudo quanto respeita ao seu peculiar interesse". A organização dos municípios, deste modo, caberia aos estados disciplinarem através das suas constituições e leis orgânicas, com as despesas municipais cobertas por aqueles impostos, que, atribuídos aos estados, estes pudessem ou quisessem lhes transferir. Assim, continuava o município sendo mero apêndice administrativo e financeiro do estado.

Ao terminar a Primeira República, com a revolução de 1930, desapareceu também o seu sistema constitucional tributário que se havia caracterizado pela flexibilidade, traduzida pela ampla liberdade deixada ao legislador ordinário de instituir os mais variados tributos (como é o caso já citado de introdução de três dos mais importantes tributos por simples legislação ordinária), embora reservasse essa liberdade à União e aos estados, sem consideração direta do município.

Com a Segunda República, a Constituição de 1934 veio modificar esses aspectos mais característicos, ao introduzir rigidez na discriminação, limitando a competência concorrente pelo bloqueio da bitributação e estendendo a competência privativa aos municípios.

Verifica-se, nesta altura, o resultado da lenta, mas constante evolução da discriminação de rendas no Brasil que, começando flexível tal como o sistema pioneiro norte-americano, acabou por adotar natureza decididamente rígida. Segundo Geraldo Ataliba "pela primeira vez, em todo o mundo, estrutura-se um sistema constitucional tributário rígido e inflexível que ao legislador ordinário não deixa margem alguma de discrição ou liberdade".17 17 Ataliba, Geraldo. Sistema constitucional brasileiro. Editora Revista dos Tribunais, 1966. p. 61; segundo Aliomar Baleeiro (op. cit p. 237) a discriminação rígida apresenta três vantagens (preservação da autonomia dos estados e municípios, garantindo um campo mínimo e exclusivo a cada um deles; segurança dos contribuintes quanto à bitributação, como tal entendida, a exigência do tributo sobre o mesmo fato econômico ou jurídico por parte de governos diferentes; tendência à simplificação, com a redução dos tributos às categorias previstas na Constituição, evitando-se a perturbadora multiplicidade tributária) e uma única e discutível desvantagem (sujeição do legislador ordinário a uma disciplina limitativa de sua liberdade de movimentos).

Por outro lado, mereceu finalmente melhor acolhida a esperança dos municípios, nutrida desde a Constituição de 1824, portanto, há mais de 100 anos, de encontrar sua própria competência tributária e proteção contra o longo predomínio dos estados. Em 1934, conforme pondera Carvalho Pinto, "a autonomia municipal assume um significado mais positivo e eficiente, na segurança que encontra das suas mais essenciais condições de sobrevivência".18 18 Pinto, Carlos Alberto Carvalho, op. cit. p. 137.

Dispondo, no seu art. 13, que "os municípios serão organizados de forma que lhes fique assegurada a autonomia em tudo quanto respeite ao seu particular interesse", a Constituição de 1934, pela primeira vez, concedeu ao município uma renda definida:

- de um lado, a arrecadação municipal de 50% do imposto de indústrias e profissões, de competência e lançamento estadual, e a participação em 20% dos impostos que eventualmente viessem a ser criados por parte da União e estados, dentro de sua competência concorrente;

- de outro lado, tributos de sua própria competência, isto é, as taxas sobre os serviços municipais e os seguintes impostos: de licenças; predial e territorial urbanos; sobre diversões públicas; cedular sobre a renda de imóveis rurais.19 19 Pela primeira vez aparece também uma referência à "contribuição de melhoria", a qual, de acordo com o art. 124 da Constituição, "provada a valorização do imóvel por motivo de obras públicas", poderia ser cobrada dos beneficiários pela administração que as tivesse efetuado.

O imposto cedular sobre a renda de imóveis rurais, transferido pela União, a ela voltaria, a seguir, com a Carta Constitucional de 1937 que, em matéria de discriminação, não traria maiores novidades.

Após a queda do Estado Novo e da sua Carta de 1937 elaborou-se a Constituição de 1946 com uma manifesta tendência em favor do governo local a tal ponto que houve quem falasse em "revolução municipalista". Era propósito ostensivo dos constituintes transferir às municipalidades, principalmente às menos favorecidas, recursos mais volumosos, operando através do aparelho tributário uma redistribuição benéfica às regiões e comunidades mais atrasadas.

Aliomar Baleeiro, na dupla qualidade de emérito financista e destacado constituinte de 1946, aponta, com direto conhecimento de causa, o espírito predominante na ocasião: "Em contraste com a assembléia republicana de 1890/1, impregnada de forte espírito federalista e ciosa das prerrogativas estaduais, a Constituinte de 1946 era predominantemente simpática às reivindicações municipais. Essa tendência não só se observa nos programas de alguns partidos na campanha eleitoral de que resultou a escolha dos constituintes, mas também nos pronunciamentos destes e nos relatórios da comissão que elaborou o projeto constitucional.

Evidenciou-se que a União e os estados cortavam a parte do leão e deixavam os municípios em quase inanição fiscal, privados de serviços públicos, com efeitos desastrosos sobre a tendência ao êxodo de populações sertanejas para as capitais. Em contraste com os Estados Unidos a esse tempo, os governos federal e estaduais tendiam ao gigantismo em detrimento dos governos municipais ...

As estatísticas revelavam crescimento econômico e demográfico desigual, desenvolvendo-se rapidamente os estados do sul e a faixa litorânea, enquanto se estiolava o progresso do interior. Convinha que o aparelho tributário viesse a exercer uma ação compensatória do desequilíbrio e funcionasse como um sistema de vasos comunicantes, de sorte que a prosperidade de algumas regiões irrigasse a valorização das demais".20 20 Baleeiro, Aliomar. op. cit p. 290-1.

A Constituição de 1946 manteve a tríplice competência da discriminação anterior e também a sua regidez. Especificamente, no seu art. 29, alterado pela Emenda n.º 5, deu ao município competência exclusiva para decretar os seguintes impostos: territorial urbano e rural; predial; transmissão de propriedade imobiliária inter vivos; de licenças; de indústrias e profissões; de diversões públicas; sobre atos de sua economia e assuntos de sua competência.

Permitindo à união e aos estados decretar outros tributos além dos privativos, com a condição de que o imposto federal eliminasse o estadual idêntico, a constituição confiou a arrecadação aos estados, com a obrigação de entregarem respectivamente 20% e 40% à União e aos municípios onde se realizasse a cobrança.

No campo da competência comum couberam aos três poderes taxas e contribuições de melhoria, de conformidade com a origem dos serviços públicos que as suscitassem. A contribuição de melhoria, objeto da já referida menção inicial da Constituição de 1934, e do silêncio da de 1937, com a Constituição de 1946 volta a integrar expressa e definidamente o elenco de tributos de competência comum aos três poderes, admitida "quando se verificar valorização do imóvel em conseqüência de obras públicas" e não podendo "ser exigida em limites superiores à despesa realizada nem ao acréscimo de valor que da obra decorrer para o imóvel beneficiado".

A mais importante das inovações é a participação na arrecadação de impostos de alheia competência, destinada a reforçar substancialmente as receitas municipais, em obediência aos intuitos de redistribuição; fora a participação nos impostos de competência concorrente, já mencionada, deu a Constituição aos municípios as seguintes participações: 10% do imposto de renda, arrecadado pela União; 30% do excesso de arrecadação estadual sobre o municipal, no território de cada um deles.

A emenda constitucional n.ºS, de 21 de novembro de 1961, com o declarado intuito de instituir "nova discriminação de rendas em favor dos municípios brasileiros", ampliou e aprofundou a iniciativa constitucional de 1946, estabelecendo a entrega pela União aos municípios (em substituição à entrega anteriormente prevista de somente 10% do imposto de renda) de: 10% da arrecadação do "imposto de consumo de mercadorias" ("efetuada a distribuição em partes iguais, e fazendo-se o pagamento de modo integral, de uma só vez a cada município, durante o 4.º trimestre de cada ano"); 15% do imposto sobre a "renda e proventos de qualquer natureza" (com a distribuição efetuada no 3.º trimestre de cada ano, nas mesmas condições do imposto de consumo).21 21 A entrega do imposto de renda foi condicionada à aplicação de pelo menos metade em "benefícios de ordem rural", como tais considerados todos os serviços ou obras realizados "com o objetivo de melhoria das condições econômicas, sociais, sanitárias ou culturais das populações das zonas rurais".

Igualmente os impostos únicos (também chamados impostos nacionais, posteriormente especiais) sobre: combustíveis e lubrificantes, energia elétrica e minerais do país, que a Constituição de 1946 atribuiu privativamente à União, teriam a sua renda partilhada, devendo 60%, no mínimo, ser entregues aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, proporcionalmente à sua superfície, população, consumo e produção.22 22 Já durante a vigência da Constituição de 1937, as Emendas n.º 3 e 4 de 1940, tolhendo aos estados e municípios a tributação direta ou indireta sobre o carvão mineral nacional, combustíveis líquidos e lubrificantes, criaram o imposto federal incidente sobre esses produtos, chamado único, por excluir não só os impostos estaduais e municipais, mas também todos os federais, salvo sobre a renda. A Constituição de 1946 estendeu o regime do "imposto único" aos combustíveis gasosos, a todos os minerais do país e à energia elétrica.

Enfim, de acordo com a Emenda Constitucional n.º 10, de 1964, o imposto territorial rural - não obstante reservar-se, conforme já referido, a competência privativa à União, sobretudo na qualidade de instrumento de política de reformulação agrária em conexão com o "estatuto da terra" - teve o produto líquido de sua arrecadação transferido aos municípios.

A longa enumeração já por si demonstra a atenção que o município passou a merecer.

Além da atribuição privativa dos impostos de indústrias e profissões e de transmissão de propriedade imobiliária inter vivos, antes partilhados ou pertencentes aos estados, foi o município contemplado com considerável acréscimo de receita, representado pela sua participação em impostos federais ou estaduais.

O esquema da participação já fora ensaiado no sistema constitucional anterior, com referência ao imposto de indústria e profissões, decretado privativamente e lançado pelos estados e arrecadado por estes e seus municípios em partes iguais.

A partir de 1946, entretanto, desaparece essa forma dupla de arrecadação substituída por arrecadação única do poder competente, federal ou estadual, tornado responsável pela entrega aos municípios de parte da respectiva receita, desonerando esses últimos da tarefa de cobrar, paralelamente: é o que prevaleceu para a partilha dos impostos de consumo e de renda, dos chamados impostos nacionais e do impostos territorial rural, de competência federal, e do "excesso de arrecadação" estadual, e ainda, ao menos teoricamente, para os tributos de competência concorrente.

O sistema adotado é do tipo largamente conhecido na literatura anglo-saxônica sob os nomes de shared taxes, shared revenues ou legal participations, caracterizado pela proporcionalidade da partilha em relação ao volume do tributo partilhado, o que não acontece, por exemplo, com simples dotações ou subvenções, como as conhecidas dos anglo-saxónicos sob a designação de grands-in-aid. Embora estas possam também ser instituídas como contribuições independentes da discriminação ou boa vontade dos governos concedentes (para lhes tirar eventual conotação de meio de pressão ou intervenção), as shared taxes, graças à proporcionalidade e regularidade da contribuição, asseguradas no caso brasileiro por imposição constitucional, justificam a preferência dos que pretendem reforçar a receita do município sem comprometê-lo perante os outros níveis de poder.

Ainda antes do desaparecimento da Constituição de 1946, surgiu com a Lei n.º 5.172, de 25/10/1966, ampla reforma tributária para introdução do chamado Sistema Tributário Nacional, o qual, com modificações posteriores, teve pelo Ato Complementar n.º36, de 13/3/1967, sua denominação alterada para Código Tributário Nacional.

Este evento assinala, por assim dizer, o encerramento da fase iniciada com Constituição de 1946, tal como esta encerrou a fase pioneira, inaugurada com a Constituição de 1934; a partir desta demarcação caberia classificar a evolução do sistema tributário municipal em três período:

1.º período - 1934-46 - (Constituições de 1934 e 1937);

2.º período - 1946-66 - (Constituição de 1946);

3.º período - a partir de 1966 - (Reforma Tributária de 1966 e Constituição de 1967).

Se o primeiro período marcou época com a introdução da competência privativa do município, cumpre indagar em relação ao segundo período se este - já caracterizado pela extensa gama de dispositivos constitucionais voltados para o município - representou efetivo e substancial avanço, dentro das perspectivas municipalistas dos constituintes de 1946.

Um simples cotejo das atribuições de receita, nos dois períodos, aponta o sensível alargamento da base municipal:

Uma comparação quantificada transparece da composição da receita municipal do "segundo período", considerada com e sem as inclusões nele surgidas a partir de 1946; o exercício fiscal de 1965, último antes da conclusão da Reforma Tributária, apresenta, por exemplo, as cifras de sua "receita corrente" relacionadas no Quadro 1 .24 24 Quadro montado com base em dados extraídos do Anuário Estatístico do Brasil 1968. Fundação IBGE, p. 567,1968.


As observações, que o quadro sugere, podem ser assim resumidas:

a) a receita corrente que, sem os acréscimos, teria atingido apenas Cr$ 338 milhões com os acréscimos de "2.º período", de (45%) Cr$ 277 milhões, chegou a alcançar Cr$ 615 milhões;

b) os acréscimos ascenderam a 45%, ou seja, a quase metade da receita corrente alcançada;

c) em relação à receita corrente, os acréscimos apresentaram a seguinte composição: adição de receita própria - 23%; adição de transferência - 22%; sendo, portanto, quase igual a participação de cada um daqueles elementos no reforço da receita;

d) a receita própria perfaz 78% da receita corrente, com o restante constituído pelas transferências (22%);

e) sem os acréscimos, a receita corrente reduzida a Cr$ 338 milhões, mesmo acrescida da receita de capital (no exercício de 1965 de Cr$ 20 milhões) seria insuficiente até para cobrir a respectiva despesa corrente, de Cr$ 483 milhões (e mais ainda para cobrir também a de investimentos, de Cr$ 189 milhões);

f) é de se deduzir, portanto, que o reforço obtido foi substancial, e que sem a sua concretização os municípios jamais teriam condições de alcançar, o seu nível de gastos e muito menos de efetuar os seus investimentos.

Ao ensejo de apresentação, em 1965, de seu anteprojeto de Reforma da Discriminação Constitucional de Rendas, a Comissão de Reforma, constituída por convênio entre o Ministério da Fazenda e a Fundação Getúlio Vargas, fez uma série de críticas aos tributos do regime vigente a partir de 1946, acompanhadas de propostas de modificação:

1) Manifestou-se contra a permanência do:

a) imposto de licenças - o tributo sobre "licenças", se considerado imposto, seria uma duplicação ou um agravamento do também existente imposto de indústrias e profissões (que teve, aliás, como visto mais adiante, sua substituição também sugerida); se entendido como "autorização para o exercício de uma atividade subordinada à fiscalização municipal", conduziria apenas à existência de uma taxa ou emolumento,25 25 Dentro do conceito de poder de polícia. não de um imposto;

b) imposto sobre diversões - o imposto sobre diversões públicas não se justificaria como tributo isolado, sendo "na melhor das hipóteses uma incidência específica do imposto de licença ou do imposto de indústrias e profissões" ou "na pior hipótese, uma duplicação desses mesmos tributos"; encontraria a tributação das "diversões públicas" enquadramento num novo imposto - o de "serviços" - cuja criação era sugerida;

c) imposto do selo municipal - o imposto do selo municipal, fruto da referência constitucional aos impostos (municipais) "sobre atos de sua economia e assuntos de sua competência", teve a sua supressão proposta, principalmente em face do seu "caráter antieconômico", apontado também nos impostos semelhantes, estadual e federal.26 26 Foi proposta também a supressão do imposto do selo estadual e a modificação, inclusive da sua denominação, e a restrição da base tributária do federal.

2. Pronunciou-se a favor do retorno à competência estadual do imposto inter vivos fonte de 8% da receita corrente em 1955, segundo os dados mencionados; este tributo, "não obstante a sua finalidade declarada de favorecer os municípios pouco lhes deu que eles pudessem eficientemente utilizar"; "as dificuldades de aplicação, derivadas da sua estreita dependência com um dos campos mais complexos do direito civil, exigiu um aparelho jurídico e administrativo que poucos municípios, dentre os mais desenvolvidos, poderiam organizar e manter"; a produtividade do tributo sofreria ainda sensível redução com as limitações de incidência e de alíquota que a comissão pretendeu introduzir-lhe, o que mais ainda reforçou o seu intuito de retirá-lo da competência municipal.

Declarou a sua intensção de "restringir o campo de incidência do imposto chamado de indústrias e profissões", embora admitindo tratar-se "do principal recurso de que hoje dispõem os municípios"; para justificá-lo ofereceu os seguintes argumentos:

a) designação - "imposto de indústrias e profissões" notoriamente inadequada para definir qualquer figura tributária específica;

b) por falta de definição legal da incidência, suficiente para identificar o tributo, essa identificação passa a depender da base de cálculo adotada para a cobrança;

c) no estabelecimento da "base do cálculo" - "para não ficarem limitados meramente a uma taxa, uma 'patente' ou um emolumento sobre o exercício de atividades industriais ou profissionais - que aliás se confundiriam com o imposto de licença - viram-se os municípios, como, antes de 1946, os estados, levados a recorrer a bases de cálculo arbitrárias ou empíricas";

d) entre as várias "bases de cálculo", subsistiu o chamado "movimento econômico", ou seja a receita bruta da atividade tributada, o que acabou por converter o tributo numa duplicação do imposto federal sobre a renda "em sua forma mais primária ou antieconômica" ou mesmo uma espécie de "adicional" do imposto estadual de vendas e consignações, sendo comum municípios, principalmente os menos desenvolvidos, cobrarem o imposto de indústrias e profissões simples, mediante a aplicação de uma percentagem sobre o imposto de vendas arrecadado pelo estado;

e) essa forma mais comum de cobrança do imposto além de falha de base econômica real, "pois o mero exercício de qualquer atividade que configure o fato gerador justificará quando muito uma presunção da capacidade contributiva, mas nunca fornecerá a medida dessa capacidade" - teria reproduzido "no âmbito municipal os problemas peculiares ao imposto de vendas e consignações, notadamente o do conflito de competências nos casos de atividade desenvolvidas em mais de uma entidade tributante", com os "danos de seus efeitos econômicos" acentuados pelo "vício jurídico de se traduzirem pela pretensão de um município de aplicar a sua lei tributária e atividades exercidas fora do seu território";

f) não obstante a intenção expressa inicialmente de apenas restringi-lo, acabou a comissão por propor a substituição do imposto de indústrias e profissões por outro "sobre os serviços de qualquer natureza", "adequadamente utilizável .pelo município", mas com a restrição de que "não incidirá sobre atividades, nem será calculado sobre o movimento econômico e a renda, sujeitos a outros impostos"27 27 A substituição do imposto de vendas e consignação condenou praticamente ao desaparecimento o de indústria e profissões, por assim dizer, um seu satélite.

A supressão de todos esses tributos, sugerida e finalmente concretizada, significa que a reforma, com a sua implantação em 1966 e o concomitante encerramento do que podemos considerar o segundo ciclo do sistema tributário municipal, deixou intacto, entre os impostos de arrecadação própria, apenas o que ficou designado como incidente "sobre a propriedade predial e territorial urbana" e enquadrado entre os "impostos sobre o patrimônio e a renda".28 28 Anteriormente subdividido em dois tributos - sobre os imóveis construídos e sobre terrenos; a reforma preferiu a consolidação em um só imposto, de modo a facilitar seu tratamento sistemático na lei.

No tocante ao mais importante dos impostos suprimidos, - o de indústrias e profissões - que, juntamente com o predial/territorial havia sido o principal sustentáculo da receita municipal própria, acenou a comissão, a par da criação do "imposto sobre serviços", com uma "compensação financeira ... através das redistribuições das receitas tributárias".

Ao expor as suas idéias a respeito de um novo sistema de "distribuições" (nomenclatura a que deu expressadamente preferência sobre a até então usual de "participações na arrecadação" - a qual por si só já envolve uma idéia de subordinação ou dependência, incompatível com a paridade política e jurídica que é a própria base do regime federativo) é que a Comissão de Reforma mostrou-se mais enfática e, também, mais ambiciosa:

- O sistema de transferência, já responsável por quase uma quarta parte da receita corrente, antes da reforma de# 1966 - graças à contribuição dos impostos sobre o consumo e a renda, dos "únicos", do territorial rural e do "excesso de arrecadação estadual", além, ao menos em teoria, .de 40% nos impostos de competência concorrente - era julgado "insatisfatório tanto no plano econômicofinanceiro como no plano político-jurídico" (no plano econômico-financeiro os defeitos do atual sistema ciframse no empirismo da fixação das percentagens a redistribuir e no caráter antieconômico da redistribuição).

- Mereceu particular antipatia a distribuição de 30% do excesso de arrecadação estadual sobre a municipal, que seria característica de uma redistribuição que poderia "até constituir-se em fator desestimulante do desenvolvimento das próprias atividades beneficiadas", devendo a sua extinção ser compensada pela atribuição aos municípios de uma parcela (de 20%) do novo tributo de valor acrescido que, com o nome de imposto de circulação de mercadorias, deveria substituir o de vendas e consignações, cobrado em cascata.

- Preconizada a supressão da competência concorrente, desapareceria para o município a expectativa de participação de 40% nessa arrecadação eventual.

- Era prevista a manutenção da partilha dos chamados impostos "únicos", embora com percentagens parcialmente diferentes das anteriores, uniformizadas em tomo de 60% (juntamente com os estados) e doravante (também em conjunto com os estados):

a) 40% do imposto único sobre lubrificantes e combustíveis;

b) 60% do imposto único sobre energia elétrica;

c) 90% do imposto único sobre minerais do país.29 29 Dessas percentagens conjuntas seriam aplicadas somente ao município as seguintes, respectivamente no sistema novo e antigo: sobre combustíveis e lubrificantes - 8% (12%); sobre energia elétrica - 10% (10%); sobre minerais - 20% (20%).

- Seria mantida também a distribuição aos municípios do produto líquido do imposto territorial rural (pelo mesmo motivo referido anteriormente).

- A principal modificação, ao lado da divisão do novo "imposto de circulação de mercadorias", deveria ocorrer com a distribuição do imposto de consumo (com a nova nomenclatura de "imposto sobre produtos industrializados") e do imposto de renda:

a) com a distribuição do ex-imposto de consumo, reduzida de 10 para 5%, e com a distribuição do imposto de renda, antes ao nível global de 15%, a ser bipartida: retenção total pelo município do imposto descontado na fonte sobre a renda dos seus servidores e dos títulos da sua dívida - e 5% da respectiva arrecadação federal, com exclusão da verba retida;

b) com a criação, para a gestão dos recursos proporcionados pela cota de 5% desses dois impostos, do mecanismo sofisticado do Fundo de Participação dos Municípios, alterando inclusive o critério de rateio anteriormente adotado, tudo de acordo com os minuciosos dispositivos do capítulo III do Código Tributário.

Seria mantida, finalmente, a competência comum aos três poderes, relativa às contribuições de melhoria e às taxas (subdivididas estas últimas entre as destinadas ao ressarcimento de serviços prestados e aquelas concernentes ao exercício do "poder de polícia").30 30 Segundo o art. 78 do Código Tributário Nacional, considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público... ,31 31 A reprodução, em parte textual, de críticas e proposições provém de: Fundação Getúlio Vargas. Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda. Reforma da discriminação constitucional de rendas (anteprojeto'). Rio de Janeiro, 1965.

A Lei n.º 5.172, de 25/10/1966, que acolheu as proposições reformadoras, com a introdução do chamado Sistema Tributário Nacional, surgiu, como já salientado, ainda durante a vigência da Constituição de 1946. Pouco mais tarde, no entanto, viria a Constituição, atualmente em vigor, de 24/1/1967, a qual, com as modificações introduzidas pela Emenda Constitucional n.º 1, incorporou os dispositivos da reforma operada em 1966 e alterações subseqüentes. Ela dedica ao Sistema Tributário Nacional o capítulo V do seu livro 1.º e, segundo Aliomar Baleeiro, "se singulariza no mundo por ter reservado minúcia extrema às disposições financeiras, que lhe tomam 20% do texto total, o que não ocorre com qualquer outra".32 32 Baleeiro, Aliomar. op. cit. p. 292.

Em trabalho dado à publicidade em 1967, a comissão do Ministério da Fazenda manifestou a entusiástica expectativa de que a reforma fosse ter conseqüências tão profundas que merecesse "ser equiparada ao famoso New Deal econômico-social introduzido nos Estados Unidos, em 1933, pelo Presidente Franklin Delano Roosevelt".33 33 Fundação Getúlio Vargas. Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda. Sistema tributário nacional. Rio de Janeiro, 1967. p. 15.

Aliomar Baleeiro, comentando o assunto mais à distância, em 1973 e, com menor entusiasmo, pondera que "na essência não mudou muito a estrutura fiscal do país".34 34 Baleeiro, Aliomar. op. cit. p. 294.

Segundo aquele autor, a reforma mais teria rebatizado velhos impostos que alterado sua substância; seria o caso do imposto de consumo, transformado simplesmente em imposto de produtos industrializados, do imposto de vendas e consignações convertido em imposto de circulação de mercadorias, e na área municipal o imposto de serviços tomando o lugar do velho imposto de indústrias e profissões.

Não há dúvida, entretanto, de que houve inovações - o próprio Baleeiro as admite35 35 Baleeiro, Aliomar. op. cit. p. 293. - algumas delas profundas como a transformação do ex-imposto de vendas e consignações em tributo de valor acrescido, com o produto da sua cobrança rateado entre o estado arrecadador e os municípios - outro aspecto a merecer atenção, tanto que já fora difundido pela Constituição de 1946 - porém agora objeto de técnica mais apurada com a criação dos fundos de participação dos estados e dos municípios como instrumentos de redistribuição. Retomando as idéias predominantes na Constituinte de 1946, a Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda, na referida publicação demonstra esperar da reforma uma "verdadeira transformação estrutural" com "fundas e duradouras repercussões na vida fiscal" dos três níveis de governo e nas relações financeiras entre eles, com o carreamento "das zonas economicamente mais para as menos desenvolvidas" de "importantes subsídios financeiros que irão reforçar os orçamentos de receita dos municípios e dos estados".36 36 Fundação Getulio Vargas. Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda, Sistema Tributário Nacional, p. 13.

Suprimidos cinco dos impostos municipais do sistema anterior, isto é:

- de licenças;

- sobre diversões públicas;

- do selo municipal;

- sobre transmissão inter vivos e

- de indústrias e profissões,

o sistema atual - a par da manutenção no campo da competência comum, das contribuições de melhoria e das taxas (agora subdivididas no tocante a "prestação de serviços" e "exercício do poder de polícia") - proporcionou ao município a existência de apenas dois tributos de sua própria competência:

- o (mantido) imposto predial/territorial urbano e

- o (criado) imposto sobre serviços de qualquer natureza (não compreendidos na competência dos estados e da União).

A redução ou o estreitamento dos canais de arrecadação direta, assim como a supressão de duas fontes indiretas, constituídas por:

- 40% dos impostos de competência concorrente e

- 30% do excesso de arrecadação estadual,

deveriam encontrar compensação no remanejamento e expansão das próprias transferências ou partilhas; a este respeito cabe lembrar que, de acordo com as considerações da Comissão de Reforma, anteriormente citadas, o mais importante dos impostos eliminados - o de "industria e profissões" - teria, além de sua substituição, ao menos parcial, pelo "imposto sobre serviços", "uma compensação financeira ... através das redistribuições das receitas" e a extinção da parcela de 30% do "excesso de arrecadação estadual" seria contrabalançada pela participação municipal no novo "imposto de circulação de mercadorias.37 37 Veja p. 15-6.

Efetivamente, passaram os municípios a contar com o seguinte esquema de transferência ou partilha:

A substituição do sistema anterior pelo atual, baseado em dois impostos, além de taxas e contribuições de melhoria, e no referido esquema de transferências, transparece quantitativamente dos dois quadros seguintes, compreensivos dos dois anos anteriores e cinco anos posteriores à reforma introduzida a partir de 1967.

Entre as impressões que os dois quadros transmitem aparecem, desde logo, com maior destaque as seguintes:

a) surge como transformação principal, e mais radical, a que se produziu na composição da receita: a proporção da receita própria em relação à receita corrente total, até 1966, ao nível de quase 80% sofreu violenta queda, a partir de 1967, para cerca de 40%

b) em conseqüência, a parte mais substancial da receita corrente, ou seja, 60%, não é. mais coberta pela arrecadação própria, transformação que, pelo seu vulto e significação, não poderia deixar de suscitar reparos ou, mesmo, preocupações;

c) a receita corrente que, com a implantação do novo sistema, experimentara em 1967 um crescimento real de 36% (em termos nominais até de 74% de um ano para outro, isto é, de 1966 para 1967) e em 1968 um crescimento real de 22%, não cresceu mais de 8,2%-em todos os três anos restantes do período examinado, à média modesta de 2,7% ao ano entre 1969 e 1971, levando à conclusão de que o grande salto em relação ao período anterior se dera no primeiro biênio 1967/68 e em seguida como que se exauriu, sucedido que foi por estabilidade quase total da receita real;

Quadro 2


d) o aparente esgotamento da capacidade de crescer em termos reais parece derivar, segundo as cifras disponíveis, da virtual estabilização do nível das "transferências", a partir de 1968 (com retrocessos, até em 1969 e 1970), não compensada pelo crescimento global da renda tributária própria, que só em 1971 voltou ao nível de 1965 (inferior ainda em 22% ao de 1966, último ano de vigência do sistema anterior) e, assim mesmo, apenas graças ao crescimento do imposto predial/territorial e das taxas, porquanto o imposto de serviços, com uma receita (deflacionada) de Cr$ 109 milhões, em 1971, ainda estava longe de sequer se aproximar do volume alcançado pelo imposto de indústrias e profissões, em 1966 com Cr S 2 IS milhões, à parte da perda do imposto inter vivos e do desaparecimento de outros tributos.38 38 O volume das transferências e, conseqüentemente, da receita municipal, voltaria a crescer mais intensamente a partir de 1972, inclusive em termos reais, de acordo com as cifras já conhecidas das arrecadações federais e estaduais.

A redução ou estagnação das contribuições próprias dos municípios para a cobertura das suas despesas e a sua larga superação pelas "transferências" - estas, sobretudo, quando consideradas globalmente - não tardaria em despertar reflexões em tomo das perspectivas de preservação da autonomia municipal.

Pondera-se que as exigências do Estado moderno, ditadas por maiores necessidades de centralização e de planejamento, acabaram por introduzir modificações no sistema federativo, as quais, embora retirando algumas ou restringindo outras' competências municipais, procurariam assegurar a autonomia financeira das comunidades através da sua participação - regular e proporcional - na receita de outros poderes; neste contexto - ao lado do conceito tradicionalmente ligado à idéia da federação, que é o da "discriminação de rendas" - estaria nascendo um novo conceito: o da ''discriminação pelo produto"39 39 Termo cunhado por Dória, Antonio R. Sampaio. In: discriminação de rendas tributárias. São Paulo, José Bushatsky, 1972. p. 210. com a adaptação da clássica "lei de autonomia" à coexistência com uma recém-surgida "lei da participação", cuja presença já não mais seria dissociável do Estado atual; é nestes termos que se tem procurado situar o indiscutível alargamento da ação central, não-expresso apenas através do aumento de sua competência impositiva, mas também pela competência de traçar normas gerais de direito tributário aos outros poderes e, deste modo, lhes regulando o uso das suas próprias competências, além da profunda influência exercida na destinação dos recursos transferidos aos outros poderes; esta influência, de acordo com a mesma linha de pensamento, seria compensada pela abundância dos recursos, que dificilmente seria alcançada pelos beneficiários de outra maneira, o que harmonizaria as exigências das leis de "autonomia" e de "participação" pelo oferecimento de uma "autonomia financeira real" (e não teórica), com a simultânea garantia de nível de gastos, inatingível com o próprio esforço, e de aplicação conveniente dos recursos.40 40 Veja Bonavides, Paulo. Ciência Politica. Rio de Janeiro, FGV, 1967; e Oliveira, Fábio Leopoldo de. O problema das competências tributárias e das discriminações de rendas em face do Estado moderno. São Paulo, Resenha Tributária, 1975. Seria fechada, assim, uma lacuna existente entre a chamada "capacidade administrativa" do município e a sua "capacidade fiscal", esta última completada pelo mecanismo das "transferências".

Doutrinariamente alinham-se ainda outros argumentos em abono daquele mecanismo:

- seria um elemento de "flexibilidade", adequado para contrabalançar a rigidez do quadro constitucional vigente;

- estenderia o financiamento a serviços de interesse comum aos três níveis de poder ou de interesse intermunicipal ou regional;

- facilitaria a realização de uma "política global", sem duplicação ou triplicação de serviços similares;

- abriria oportunidades financeiras, capazes de induzir à geração de padrões avançados,de administração local.41 41 Veja a respeito Impacto da reforma tributária brasileira sobre os municípios. São Paulo, FIESP/CIESP, 1972.

Não obstante essa ordem de idéias, subsistem os temores do que para o exercício pleno da autonomia do município possa significar uma política que lhe amplie maciçamente os recursos disponíveis, mas, ao mesmo tempo, o leve a uma contínua redução relativa da sua receita própria, pressionada pela aparente hipertrofia das transferências, apontados também os efeitos colaterais de estimular ainda mais um processo de centralização em pleno curso, e de causar o despreparo do município para enfrentar eventuais divergências intergovernamentais.

Entretanto, para apreciar objetivamente as críticas à "hipertrofia", inspiradas principalmente na bruca transformação de uma participação minoritária na receita corrente, de 22%, num predomínio de 60%, nada melhor que uma análise quantitativa, que permita o conhecimento mais específico dos recursos que os órgãos estatísticos têm apresentado, global e genericamente, como "transferências".

Na falta de desmembramento das chamadas "transferências" nas publicações estatísticas anuais, não é difícil, contudo, localizar-lhes as origens, as quais, até de conformidade com os preceitos constitucionais, se constituem por um imposto estadual, o imposto de circulação de mercadorias (ICM) e pelos impostos federais, de produtos industrializados (IPI), sobre a renda, sobre a propriedade territorial rural e únicos. Conhecidas essas origens, e recorrendo-se a um processo empírico, por falta de informações mais precisas, é possível, partindo-se dos dados já conhecidos da arrecadação federal e estadual de 1974, até muito mais recentes do que os da arrecadação municipal até aqui divulgados, e com a vantagem do ajustamento entrementes ocorrido do ICM, levantar o seguinte quadro, o qual, com a abstração de alguns detalhes menos importantes, indica a expectativa do concurso dos vários tributos na formação das "transferências" em 1974; as proporções encontradas - dada a continuidade das origens e da distribuição percentual - teriam condições de se estenderem, com pouca probabilidade de desvios, aos demais segmentos do período.

A partir dos dados do quadro 4, pode ser considerada, em resumo, a seguinte participação (arredondada) no item "Transferências";


Salientam-se, portanto, como as maiores fontes de receita "transferida", tal como anteriormente indicado:

a chamada cota-parte do ICM (72%)

e

a distribuição do IPI e IR (21%)

As duas receitas são de natureza diferente; a segunda se distingue, além de outras características mais adiante abordadas, pela sua passagem através do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), e a primeira apresenta a singularidade de, não sendo a rigor uma receita própria, também não representar, pelo menos a partir de sua origem, uma receita totalmente identificada com outro poder - o estadual - ou por ele inteiramente dominada.

Basta dizer que a Reforma Tributária, a princípio, instituía dois "impostos de circulação de mercadorias" um "estadual", outro "municipal".

No seu capítulo IV (impostos sobre a produção e circulação), dedicou a Lei n.º 5.172, de 25/10/1966, que instituiu o Sistema Tributário Nacional, a seção II ao "imposto estadual sobre operações relativas à circulação" e a seção III ao "imposto municipal" sobre as mesmas operações; esta seção III abrangeu:

- art. 59: autorizando o município a "cobrar o imposto a que se refere o art. 52" (que instituiu o ICM estadual) "relativamente aos fatos geradores ocorridos em seu território";

- art. 60: determinando como base de cálculo o "montante devido ao estado" e alíquota não-excedente a 30% e uniforme para todas as mercadorias;

- art. 61: impondo ao município a observância da legislação do imposto estadual, mas franqueando acesso à sua própria fiscalização;

- art. 62: assegurando ao município a cobrança mesmo "nos casos em que da lei estadual resultar suspensão ou exclusão de créditos assim como a antecipação ou diferimento de incidências".

Logo a seguir, em 28/12/1966, o Ato Complementar n.º 31 revogou aqueles dispositivos, estabelecendo no seu art. 1.º que "da arrecadação do imposto" (de circulação de mercadorias estadual) "80% constituirão receita dos estados e 20% dos municípios", e que "as parcelas pertencentes aos municípios serão creditadas em contas especiais, abertas em estabelecimentos oficiais de crédito", depósitos esses que, conforme o art. 3.º deveriam ocorrer "no prazo máximo de 10 dias do término de cada período fixado pela legislação para o recolhimento do imposto";42 42 Alterado pelo art. 8.º do Ato Complementar n.º 34 de 30/01/1967, dispondo que "no caso de antecipação ou diferimento do imposto que importe no seu recolhimento em município diferente do da localização do contribuinte substituído, a entrega será efetuada até o último dia do mês seguinte ao em que se efetuou o recolhimento" e que "nos demais casos, a entrega será efetuada pelo próprio agente incumbido da arrecadação, dentro do prazo máximo de três dias a partir da data do recolhimento". o art. 2.º assegurou que "a quota de 20% do imposto será entregue a cada município na proporção das operações tributáveis, realizadas em seu território", e o art. 4.º, à semelhança do revogado art. 62, procurou resguardar os interesses municipais no caso de diferimento ou antecipação de incidências.

Surgiu assim, com a redução dos dois impostos a um só, a chamada "co-participação dos municípios na arrecadação estadual do ICM", conhecida abreviadamente como "cota-parte do ICM".

A unificação em torno do ICM estadual teve sobretudo em vista, ao que tudo indica, a conveniência de se evitar excessivo dispêndio ou dispensável complexidade, possivelmente resultantes da duplicação de tributos; a introdução de vários dispositivos acauteladores revela, por outro lado, a preocupação de se realizar essa unificação sem prejuízo dos interesses essenciais do município.

A própria redução da alíquota máxima - de 30%, do imposto municipal a princípio instituído, para 20%. da "cota-parte" - ocorrida dentro do período inicial de ajustamento das alíquotas introduzidas pela reforma, encontra alguma compensação na eliminação das despesas, decerto não-desprezíveis, de cobrança e fiscalização de tributos e no recebimento assegurado da "participação" dentro de prazos restritos e improrrogáveis.

A "cota-parte do ICM", surgida nessas circunstâncias como solução de conveniência para a substituição de um imposto privativo, assumiu uma identidade própria que se revela, inclusive, no confronto com outras receitas de origem diversa:

a) não é de procedência federal, faltando-lhe, pois. aquela conotação centralizadora, por vezes atribuída genericamente às "transferências";

b) é constituída por parcelas tidas pela Constituição Federal, no seu art. 23, § 8.º, expressamente como pertencentes aos municípios;

c) esta última condição é sustentada pela existência, já referida, de categóricos dispositivos acauteladores;

d) não está sujeita a qualquer "vinculação", ao contrário do que sucede com a quase-totalidade das "transferências" federais.

Diante de todas essas particularidades, é forçoso distinguir a "cota-parte do ICM" das "transferências" em geral, reconhecendo-lhe mais a natureza de "partilha" ou de "co-participação" que de "transferência" ou de "participação"; esta colocação leva, mesmo, a situá-la mais próxima da receita própria que da "transferida", em consonância, aliás, com a origem dessa receita que, mantida a ordem inicial, teria configurado, até nominalmente, um terceiro imposto municipal, ao lado do predial/territorial e do de serviços.

Se essas características não são plenamente suficientes para integrar a "cota-parte" na receita municipal própria - da qual tanto se aproxima - justificam muito menos a sua diluição num bloco de "transferências", de resto todo constituído a partir de tributos federais.

Esta distinção teria de refletir-se também na apreciação de dados estatísticos, como os apresentados pelos órgãos especializados e aqui reproduzidos, os quais aparentam um predomínio flagrante do item "transferências" globalmente consideradas e sem destaque da "cota-parte" - sobre o item "receita própria"; é o que ressalta, por exemplo, dos dados (deflacionados) do ano de 1971, último do quadro 3:


Os termos dessa composição, entretanto, assumem feição diferente a partir do desmembramento das "transferências" (globais), com o concurso dos índices encontrados no quadro 4 que, entre os recursos não-provenientes de arrecadação própria, atribuem, respectivamente, 72% à "cota-parte do ICM" e 28% à contribuição federal do FPM e dos impostos "únicos". Em função desta bipartição, decorrente da incontestável diversidade dos componentes, a composição da receita municipal ganha uma apresentação sensivelmente modificada, dividida não mais em dois, mas em três itens essenciais:

A nova visão, que se oferece, descortina alguns aspectos até surpreendentes:

a) a cota-parte do ICM, antes encoberta entre as transferências em geral, aparece como maior contribuição isolada à receita municipal, iguala-se à soma de todos os componentes da receita própria e supera largamente as transferências federais;

b) a receita própria, por sua vez, já não aparece inferiorizada em relação aos demais itens (como anteriormente, com a proporção 42/58% ou 40/60%), mas ocupa o primeiro lugar, embora em companhia de "cota-parte do ICM", já que o item das transferências propriamente ditas, com o desfalque da cota-parte, cai de um cômodo primeiro lugar com 58 ou 60% para uma distante terceria posição com apenas 16% de participação na receita corrente;

c) se a cota-parte do ICM além de consagrada como reforço vultoso - e incondicional - da receita própria, passa a ser considerada como seu complemento inseparável (em função da origem como terceiro imposto municipal e da seqüência descrita), o volume da receita por assim dizer reunida, da ordem de 80% (em 1971 até de 84%), alcança ou ultrapassa os níveis de arrecadação própria, anteriores à reforma, e sob esse prisma, não confirma a impressionante deterioração, aparentemente sofrida pela receita municipal autônoma;

d) dentro deste contexto, a partilha do ICM teria cumprido também a expectativa de suprir o desaparecimento do chamado "excesso de arrecadação", de existência mais teórica, e principalmente de compensar a falta, esta sim concretamente sentida, do imposto de indústrias e profissões;

e) a apreciação separada da "cota-parte de ICM" permite abordar isoladamente a contribuição dos impostos federais que, de uma participação praticamente da ordem de 20% na receita corrente municipal no fim do "2.0 ciclo tributário",44 44 Abstração feita de eventual constribuição no "excesso de arrecadação", reconhecidamente improdutiva por ser obrigação cumprida por poucos estados e, assim mesmo, com uma defasagem de dois anos entre a avaliação das cotas de retorno e o pagamento efetivo. caiu para 16% em 1971.

A tendência de se reservar à "cota-parte do ICM" toda a produtividade que o município teria haurido da tributação direta das atividades econômicas realizadas em seu território - como seria o caso do substituído "imposto municipal de circulação de mercadorias" - reflete-se também no esforço de se relacionar a "participação no ICM estadual" cada vez mais com as "operações tributáveis", e não simplesmente com a arrecadação efetiva, a fim de se preservar integralmente a receita municipal, não obstante as concessões feitas aos contribuintes por outros poderes.

Por outro lado, vem sendo objeto de estudos mais recentes a inserção de esquemas de estabilização - para evitar flutuações da receita municipal - e até mesmo de nivelamento - para a atenuação das desigualdades entre municípios de diferente potencialidade econômica, tarefa esta última que, a rigor, a reforma declaradamente atribuiu ao Fundo de Participação dos Municípios e não propriamente à "cota-parte"; sem dúvida implicaria a introdução de tais critérios numa alteração do caráter da "cota-parte", transformando uma receita até aqui em princípio automática e incondicional numa contribuição possivelmente mais estável e diversamente distribuída, porém, em última análise, tutelada por não resultar mais do esforço econômico realizado dentro do próprio município, mas de rateios impostos externamente.

Aliás, entre os recursos federais, aqueles provenientes dos "impostos únicos" (1/4 das transferências federais ou 4% da receita corrente, segundo as conclusões resultantes de quadro 4) também não possuem caráter redistributivo: de acordo com o art. 26 da Constituição Federal prevalece, para a distribuição dos três tributos, o critério do volume da produção na área do município e, para os impostos sobre combustíveis/lubrificantes e energia elétrica, ainda o do consumo, da superfície e da população municipais.

Dentro da divisão de tarefas delineadas pela reforma, a redistribuição não seria, portanto, encargo nem da "cota-parte do ICM" nem da contribuição dos "impostos únicos", uma e outra relacionadas de alguma forma com a potencialidade dos municípios, mas ficaria reservado ao Fundo de Participação dos Municípios - FPM, criado especificamente com a finalidade de subordinar a canalização dos recursos oriundos dos impostos de produtos industrializados e sobre a renda a critérios de redistribuição.

A criação do FPM foi uma conseqüência do disposto no art. 86 da Lei n.º 5.172, de 25/10/1966, determinando que o produto da arrecadação dos impostos de produtos industrializados e sobre a renda 80% constituem a receita da União e o restante será distribuído à razão de 10% ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e 10% ao Fundo de Participação dos Municípios.

Posteriormente, e assim já consta do art. 25 da Constituição Federal, a contribuição para cada um dos fundos seria reduzida a 5%, com a expectativa de que o corte não redundasse em prejuízos aos municípios, graças ao incremento da arrecadação federal, notadamente do imposto de renda. O crescimento real, de apenas 32% das transferências globais (com exclusão da cota-parte do ICM), em confronto com o crescimento real, de 79%, da receita corrente no período 1967-71, conduzindo à redução da participação daquelas "transferências" de 22 para 16% da receita, parece não justificar aquelas esperanças, pelo menos no tocante ao primeiro qüinqüênio do novo sistema, quando ainda não se confirma a superação dos cortes que, afinal, foram de 67% para a distribuição do imposto de renda, 50% do IPI e 33% do imposto sobre combustíveis e lubrificantes.

Inferiorizada, por conseguinte, quanto às proporções de distribuição dos impostos federais, diante da maior generosidade do sistema anterior e até da sua própria e efêmera formulação inicial, buscaria a reforma concretizar as suas maiores esperanças de superioridade através de melhor difusão e, também, de melhor aplicação daqueles recursos.

Em relação a este último aspecto, cabe lembrar que a "vinculação" continua presente no destino do mais forte dos impostos únicos, o de combustíveis e lubrificantes, tradicionalmente ligado aos programas de transporte rodoviário, e, que, desde o Decreto-lei n.º 125, de 31/1/1967, se exprime também na aplicação obrigatória do rateio do imposto único sobre minerais em "investimentos nos setores rodoviários e de transporte em geral, energia, educação, agricultura, indústria, saúde pública e urbanização", preferencialmente em áreas consideradas prioritárias para o incremento da produção mineral.

Se tal interferência continua a acompanhar a entrega direta de cotas, como é o caso dos "impostos únicos", decerto não faltaria na destinação dos recursos passados pelo crivo de um órgão especialmente criado para a sua canalização como sucede com o FPM; com efeito, dentro do disposto no art. 94 do Código Tributário, cabe aos municípios a inclusão obrigatória no seu "orçamento de despesas de capital" de pelo menos 50% das distribuições recebidas a partir dos impostos de produtos industrializados e sobre a renda, em substituição das determinações algo vagas do sistema anterior de dispêndio obrigatório em "benefícios de ordem rural" e limitadas apenas às cotas distribuídas pelo imposto de renda.45 45 De acordo com o art 25 da Constituição Federal, a entrega dos recursos atribuídos pelo FPM depende, entre outras condições, da "aprovação de programas de aplicação com base nas diretrizes e prioridades estabelecidas pelo governo federal" e da "vinculação de recursos próprios" necessários à execução daqueles programas, o que significa uma extensão da vinculação e influência na qualidade das aplicações.

Embora desde a implantação da reforma o volume das despesas de capital dos municípios tenha apresentado satisfatório paralelismo em relação às entregas do FPM, aliás no cumprimento das próprias prescrições legais, demonstra, por outro lado, a sua decomposição por funções econômicas a necessidade de um corretivo, uma vez que essas receitas qualitativamente nem sempre tiveram aplicação mais consentânea com o objetivo de máximo retomo, a curto e médio prazo; é esclarecedor a respeito que o item "parques e jardins" foi um dos que demonstraram crescimento mais dinâmico.

Para enquadrar também o município dentro de diretrizes gerais de maximização de melhor uso de uma poupança escassa, surgiu o corretivo na forma de um ato do governo federal de definição de prioridades básicas para a utilização das verbas proporcionadas pelo FPM, as quais, respeitada a aplicação mínima global de 50% genericamente em despesas de capital, deveriam receber uma alocação não-inferior a 20% para os programas específicos de educação, 10% para os de saúde, 10% para os de agricultura e 10% para os de desenvolvimento industrial, proibidas, ainda de acordo com o Decreto n.º 68.135, de 29/1 /1971, as despesas de caráter supérfluo ou suntuario e as de simples embelezamento, salvo as necessárias para a preservação do patrimônio histórico e artístico nacional.

Na sua intenção de dar, por outro lado, melhor difusão aos recursos, agora confiados no FPM, a Comissão de Reforma defrontou-se com um esquema pouco racional, constituído pela simples divisão aritmética de cotas entre todos os municípios existentes ao fim de cada ano, sem qualquer distinção entre eles, numa espécie de "capitação" às avessas, com a agravante de se converter em estímulo à criação de novos municípios, freqüentemente com a única finalidade de participação no "bolo" geral. Substituiu o anacronismo por nova sistemática que, nos termos do Ato Complementar n.º35, de 25/10/1966, destinou 10% da distribuição total aos municípios das capitais e 90% aos demais municípios; o grosso dos meios disponíveis seria, desta maneira, deslocado para os municípios do interior, geralmente de menor potencial, com o seu rateio subordinado aos índices populacionais, enquanto que os 10% restantes, deixados às capitais, obedeceriam, na sua distribuição, também ao "fator representativo da população", mas conjugado com o "fator representativo inverso da renda per capita do respectivo estado", de modo que igualmente na faixa das capitais fosse obtido um deslocamento em benefício daquelas dos estados menos desenvolvidos.

Assim, enquanto no município de São Paulo, no período 1967-73, a participação do FPM não chegou a 1/2% da receita corrente (a cota-parte do ICM, com 47,5%, quase alcançando a metade dessa receita), em outras regiões, principalmente no norte, o FPM representa cerca de 40% da receita municipal, havendo cidades em que atinge 90%; nos municípios brasileiros em geral, com menos de 10.000 habitantes, a participação do FPM na receita total também é da ordem de aproximadamente 40%.46 46 Dados do município de São Paulo, segundo Finanças municipais. Prefeitura do Município de São Paulo, V/VI/74, p. 128; do norte, segundo FPM na composição da receita municipal. IBAM, 1970. p. 6; dos municípios, com menos de 10.000 habitantes, IPE/USP, São Paulo.

Confirma esses dados a implementação da divisão de tarefas entre a "cota-parte do ICM" e o FPM, com este último constituído em suporte dos municípios de menor potencial no exercício de um papel compensatório que, enfrentante, se ressente ainda de algumas distorções; estas seriam causadas, por exemplo, por distribuição semelhantes a municípios de nível populacional idêntico, porém de potencial econômico diferente, ou então por distribuições diferentes a municípios de nível populacional e econômico semelhantes, mas localizados em estados diversos; o problema poderia ser solucionado pela fórmula já sugerida para as capitais, mas por extensão também aplicável aos municípios em geral, que levasse em conta como base do rateio, ao lado do critério demográfico, um "indicador de riqueza" e fator de correção, o qual poderia ser constituído pela própria arrecadação do ICM dentro de cada município.47 47 Veja a respeito Serviço de Publicações FIESP/CIESP. op. cit.

Entretanto, por mais que se aperfeiçoe a difusão e por maiores que sejam as garantias que cerquem a distribuição, avalizadas até pela supervisão do próprio Tribunal de Contas da União, tudo isso não se completará se o volume dos recursos disponíveis não for suficiente para conferir ao FPM, na assistência aos municípios menos potentes, um papel semelhante ao exercido pela "cota-parte do ICM", no atendimento das comunidades mais avançadas, para que a referida divisão assuma caráter efetivo e equilibrado.

Com a divisão atual, exprimindo-se através de:

não há dúvida de que a balança da distribuição está-se inclinando muito mais em favor da cota-parte, e, em conseqüência, dos municípios de maior potencialidade.

Se, entretanto, se restabelecessem os índices anteriores das "transferências" federais, ou pelo menos daquelas provenientes dos dois principais tributos da União:

Embora isenta de maior complexidade, viria uma reformulação como essa, baseada tão somente no restabelecimento dos índices anteriores da contribuição federal, operar decisiva e profunda transformação, com reflexos dos mais importantes: teria, antes de tudo, o mérito de reduzir, imediata e drasticamente, o desnível existente entre as "transferências" federais e os demais componentes da receita, obtendo sua maior aproximação; alcançaria este resultado sem sacrifício excessivo, com um acréscimo de "transferências", não superior a 4% da receita tributária federal, mas suficiente para produzir, desde logo, relativo equilíbrio na composição da receita municipal; a participação federal, de uma modesta proporção de 16%, seria elevada quase ao dobro - 29% da receita corrente dos municípios -e melhoraria muito a sua perspectiva de preencher a sua parte dentro da divisão de tarefas; a melhor adequação dos recursos federais esvaziaria a tendência ultimamente esboçada de se alterar - e talvez desnaturar - a função da cota-parte do ICM, para, a título de correção de insuficiências do FPM, lhe acrescentar, paralelamente a este, uma característica niveladora; contribuindo para afastar as pretendidas alterações da cota-parte do ICM - que nada viriam acrescentar em sentido global, mas apenas retirar de uns para transferir a outros - o reforço do FPM representaria realmente um acréscimo e não uma subtração ou divisão: sem diminuir as receitas dos municípios melhor aquinhoados (principalmente graças à contribuição do ICM), o FPM elevaria substancialmente a receita dos demais, para os quais passaria a ter significação análoga à que a cota-parte exerce em relação aos primeiros; tudo isto, vale insistir, seria conseguido simplesmente com o retomo de algo que já existiu, sem que a este restabelecimento falte a compensação de se reduzir a dependência do apoio federal, de vários tipos, por parte de municípios capazes de equilibrarem os seus próprios orçamentos.

Seria, pois, através de tais modificações quantitativas e outras qualitativas - entre as quais, para o aperfeiçoamento da distribuição, se situaria com destaque como fator de correção o sugerido "indicador de riqueza" - que se poderia esperar do Fundo de Participação o cumprimento das melhores expectativas que, desde o início, lhe foram atribuídas como instrumento decisivo da emancipação econômica dos municípios.

Feita esta análise das condições e perspectivas da receita "transferida" especialmente do FPM, e da receita por assim dizer intermediária que é a cota-parte do ICM, cabe uma palavra final em relação àquela receita que a discriminação atribui privativamente ao município - os impostos predial/territorial e sobre serviços - ou mesmo no contexto da competência comum - as taxas e contribuições de melhoria. Ainda que a competência própria sofra restrições, até em matéria de alíquotas, falta ainda muito para que os municípios, vencendo a falta de preparo, ou mesmo, de arrojo, passem a explorar os seus tributos de forma muito mais dinâmica de serviços, entre 1967-73, superior ao da cota-parte do ICM49 49 Prefeitura Municipal'de São Paulo. op. cit. p. 37. - de modo a permitir que os governos locais, além de pretenderem o seu quinhão nas arrecadações alheias, possam, sobretudo, com os seus próprios meios, obter uma receita mais pujante e sucessivamente mais significativa em relação às contribuições recebidas que, inclusive, lhes dê voz mais ativa e representatividade nas decisões de outros poderes que envolvam a sua autonomia política e financeira.

3. A RECEITA PRÓPRIA DO MUNICÍPIO BRASILEIRO

Segundo os dados estatísticos referentes ao exercício de 1971 - quinto ano de vigência da Reforma Tributária de 1966 - a receita tributária dos municípios apresentou a seguinte composição:

Com a modesta e ainda muito mais teórica participação das contribuições de melhoria, reparte-se a receita tributária municipal em cerca de 3/4 de impostos e 1/4 de taxas.

Antes de se entrar numa análise mais pormenorizada dos impostos, que, em conjunto, constituem o item mais volumoso, com 72%, cumpre situar conceitualmente este ramo da receita pública.

Para Gaston Jèze o imposto seria "uma prestação de valor pecuniário, exigida dos indivíduos, segundo regras fixas, em vista de cobrir despesas de interesse geral, cobrada pelo único fato de quem o deve pagar pertence à comunidade política organizada".51 51 Reproduzido por Deodato, Alberto. In: Manual de ciência das finanças São Paulo, Saraiva, 1961.

Segundo Aliomar Baleeiro "entende-se por imposto a prestação de dinheiro que, para fins de interesse coletivo, uma pessoa jurídica de direito público, por lei, exige coativamente de quantos lhe estão sujeitos e têm capacidade contributiva, sem que lhes assegure qualquer vantagem ou serviço específico em retribuição desse pagamento".52 52 Baleeiro, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 9. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1973. p. 265.

O Código Tributário Nacional, dentro da sua preocupação pelo detalhe define em termos legais, através do art. 16, o que considera "imposto": é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.

Pode-se afirmar, em resumo, que para a existência do imposto há necessidade de poder político exercido por pessoas jurídicas de direito público - entre os quais o município - para tomar efetiva a obrigação de pagá-lo e que esta exigência independe de qualquer compensação individualmente prestada ao contribuinte (não se pode negar, mesmo, ao não-contribuinte a prestação de serviços públicos gerais e indivisíveis, sendo certo que determinadas despesas públicas, como as de assistência social, beneficiam muito mais a quem não paga imposto de que aos que contribuem pesadamente aos cofres públicos).

O que distingue dos demais tributos - também eles decorrentes da repartição do custo de serviços públicos - É justamente essa indivisibilidade e dissociação, no sentido individual, entre a carga impositiva e o benefício proporcionado, enquanto as taxas e contribuições de melhoria procuram dividir o custo de serviços ou obras públicas entre os seus beneficiários.

Quanto à sua classificação têm os impostos mais freqüentemente sido divididos em diretos e indiretos ou reais e pessoais.

A divisão mais antiga, em diretos e indiretos, tem como ponto de partida o fenômeno da repercussão fiscal, tanto que distingue o tributo em função da imposição efetiva do encargo, isto é, considerando-a direta, quando o contribuinte realmente suporta o ônus fiscal, e indireta, quando consegue transferi-lo a terceiros.

Entre os impostos atribuídos ao município, o imposto sobre serviços, quando transferido ao consumidor através da sua incorporação ao preço final, seria indireto, e o predial/territorial seria direto, quando suportado pelo proprietário, principalmente de imóvel não-locado, ou indireto, quando transferido, de forma clara ou encoberta, ao locatário.

Essa classificação, ligada à possibilidade de transferência da carga tributária - e, por isto, dependente de um fenômeno elástico e, por vezes, incontrolável, que é o da repercussão e absorção dos tributos, por sua vez estreitamente relacionado com as condições de formação de preços e outras circunstâncias, - não resistiu em sua rigidez às objeções que foram surgindo.

Especificamente na área municipal, o imposto de serviços perderia a sua natureza indireta, se, conforme as condições do mercado, não pudesse ser transferido ao consumidor, mas absorvido mediante redução do preço do serviço, aspecto também extensivo ao imposto predial/ territorial no tocante à influência do mercado de locações.53 53 A referência à redução é quanto ao preço líquido remanescente para o vendedor, depois de absorvido o imposto.

Após a I Guerra Mundial, a Liga das Nações propôs uma classificação dos inpostos, com a sua divisão em diretos - relativos à propriedade e à renda - e indiretos sobre a produção, uso e transações.

É semelhante a classificação da reforma tributária brasileira de 1966 (Lei n.º 5.172), a qual agrupou os impostos de acordo com o seu relacionamento com o "patrimônio e a renda" ou então com "a produção e a circulação", além daqueles referentes ao "comércio exterior" e dos "impostos especiais".

A própria "reforma" incluiu o "imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana" entre os "impostos sobre o patrimônio e a renda" (cap. III, seção II) e o "imposto sobre serviços de qualquer natureza" entre os "impostos sobre a produção e a circulação" (cap. IV, seção VI).

A caracterização do imposto pode exprimir-se, também, através da sua aplicação sobre as "coisas", com abstração das pessoas possuidoras, ou então sobre as "pessoas", sem referências às coisas possuídas.

No primeiro caso, considerada unicamente a "matéria tributável", com abstração das condições personalíssimas do contribuinte, verifica-se a tributação "real" ou "objetiva"; no segundo, regulado pela situação individual do contribuinte, principalmente pela sua capacidade contributiva, prevalece a tributação "pessoal" ou "subjetiva".

Partindo-se desses conceitos e com apoio no critério utilizado por Jèze, que divisou na personalidade do contribuinte o elemento mais seguro de classificação, poderia ser adotada a seguinte divisão:

- impostos pessoais: sobre o indivíduo considerado isoladamente (capitação) e sobre a capacidade econômica geral (renda global);

- impostos reais: sobre as coisas, consumidas ou não, e sobre os atos jurídicos.

Vista em termos de "justiça tributária" ou mesmo de "justiça social", a tributação real ou objetiva pode ser encarada sob dois aspectos: enquanto alcança as coisas consumidas, é generalizada, não-ligada à capacidade contributiva, e tende a penalizar mais as rendas menores - caso do imposto sobre serviços e dos dois outros tributos parcialmente canalizados para os municípios: o ICM estadual e o IPI federal (este último, ao menos seletivo); à medida que atinge as coisas não-consumidas, ela é mais voltada para o patrimônio, que é elemento de riqueza ou de renda acumulada, convertendo-se eventualmente em instrumento talhado para alcançar a renda a uma natureza totalmente "real", mas de ordem mais "semipessoal", e foi a que no passado deu maior destaque ao papel da tributação da propriedade, principalmente imobiliária, como uma alternativa desejável sobre a tributação generalizada e inteiramente destituída de seletividade, constituída pela tributação das coisas consumidas; neste sentido, essa tributação semipessoal, sobre as coisas não-consumidas, representava um indiscutível avanço, antes que surgisse de uma vez a tributação "pessoal", calcada na capacidade efetiva de contribuição. Essa característica semi-pessoal, ressalvadas as possibilidades de translação, ainda hoje está ligada ao imposto municipal sobre a propriedade imobiliária.

Os impostos "pessoais" abrangem a forma mais antiga - "capitação" -e também a mais moderna - sobre a capacidade econômica geral (renda global) que atinge o maior refinamento através da progressividade, direta ou por faixas.

A "capitação", tributação do indivíduo considerado isoladamente, corresponde à repartição aritméticamente igual da despesa pública entre todos os componentes de uma coletividade, como sucedeu na velha Grécia; teve a sua significação reduzida forçosamente à medida que se foi diversificando a composição econômica das comunidades.

Paul Hugon, falando da "reforma tributária" de 1867, instituida para fazer face à carência de recursos resultante da guerra do Paraguai,54 54 Essa reforma, curiosamente, ocorreu 100 anos exatos antes da implantação da nossa reforma a partir de 1967. refere-se, entre as várias inovações então surgidas, a um "ensaio de capitação sob forma graduada": o tributo, que por sinal não duraria além de 1875, deveria alcançar todas as pessoas residentes em território nacional, à base de 3% do rendimento locativo anual do imóvel que habitassem ou possuíssem.55 55 Hugon, Paul. O imposto. São Paulo, Renascença, 1945. p. 158. A inexistência de "critério fixo", isto é, de uniformidade para todos os contribuintes, alterada que foi pela graduação inserida, iria tirar do gravame a natureza de "capitação" e transformá-lo num precursor dos tributos de caráter proporcional.

A "capitação", entretanto, sobrevive ainda em nossos dias, embora de maneira limitada, dentro da faixa do imposto municipal de serviços concernente àqueles prestados "sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte",56 56 Referência textual do art. 9.º - § 1.º do Decreto-lei n.º 406, de 31/12/1968. típico, mas não-exclusivo dos profissionais liberais autônomos; enquanto, com as alíquotas variando entre 2 e 10%, o imposto de serviços, no seu aspecto geral, é cobrado proporcionalmente às atividades econômicas, ele alcança aquele trabalho pessoal de maneira fixa e uniforme - por exemplo no município de São Paulo, de acordo com o art. 3.º da lei n.º 7.410, de 30/12/1969, à base fixa de dois salários mínimos vigentes no município - de modo a submeter todos esses contribuintes ao mesmo imposto "por cabeça", independentemente do sucesso de seus esforços profissionais.

Já o imposto pessoal, na sua versão mais avançada, ajustado à capacidade contributiva, não está ao alcance da arrecadação direta do município, embora chegue aos seus cofres indiretamente: seja através do imposto de renda retido (este, nas estatísticas do IBGE, até incluído entre os impostos colhidos pelo município e, neste trabalho, considerado entre os "impostos diversos" como o seu integrande principal), seja por intermédio do "fundo de participação dos municípios", formado pela contribuição de 5%, retirado do imposto de renda e do de produtos industrializados.

Assim sendo, surge a seguinte composição da receita obtida pelo município, de acordo com a origem dos impostos por ele próprio arrecadados, retidos ou recebidos por transferência, conforme dados de 1971:

A partir dos valores supra aparece, em resumo, a seguinte composição da receita de impostos, de arrecadação própria ou alheia, quanto à origem:

Verifica-se, assim, grande predomínio dos impostos "reais", não-seletivos, com 68% sobre os puramente "pessoais", com apenas 6%, e os "semipessoais" e "reais-seletivos", com apenas 26% em conjunto, o que teria de suscitar algumas restrições quanto à origem dos recursos destinados à cobertura das despesas municipais, em termos de justiça tributária.

Entretanto, é mister ponderar que ao município, a rigor, não cabe grande quinhão dessas restrições: o mais poderoso dos seus tributos próprios - o predial/territorial - figura com 17% como semipessoal, e o outro dos seus próprios impostos não passa ainda de 10% do total e perfaz apenas cerca de 1/7 dos impostos "reais não seletivos", o que afinal não influi muito na inclinação da balança em favor dos impostos que, no tocante à origem, possam ser tidos por menos elogiáveis, pelo menos quanto aos aspectos mais aparentes e vulgarizados de justiça fiscal. O que pesa decisivamente é a "cota-parte do ICM", com perto de 50% de toda a receita tributária (própria + alheia), assumindo uma significação que, dentro desta linha de considerações, é, todavia, assunto mais de interesse nacional que municipal ou até mesmo estadual.58 58 Ligado às próprias opções da política do desenvolvimento econômico de extrair os recursos necessários para o investimento das classes mais aptas para a formação de poupança ou da coletividade em geral. Por outro lado, o restabelecimento das contribuições dos impostos federais, anteriores à "reforma", com o incremento de 200% da do imposto de renda e 100% do IPI, também modificaria aquele predomínio, embora sempre na dependência de decisões tomadas fora da alçada municipal.

Entre os impostos arrecadados pelo próprio município, é ainda o predial/territorial o mais poderoso, com 62% da receita dos impostos e 44% da receita tributária própria. Antes da reforma de 1966 era superado apenas pelo imposto de indústrias e profissões, a princípio ligeiramente e, após a Constituição de 1946, de modo mais intenso, quando este último foi inteiramente entregue ao município e com ele formou no "1.º ciclo tributário municipal", entre 1934 e 1946, o principal suporte da receita municipal; passou a partir de 1946 juntamente com aquele imposto e o de transmissão inter vivos a formar o "tripé" responsável pela sustentação daquela receita. Com o desaparecimento desses dois tributos da esfera municipal, acabou o imposto predial/territorial ascendendo àquela primazia.

Constituindo o mais antigo tributo municipal brasileiro, dentro das suas características semipessoais, teve o imposto predial/territorial sempre aquela conotação de se antecipar a uma tributação mais pronunciadamente pessoal que o imposto de renda, durante muito tempo esboçado, começaria a cumprir apenas a partir, praticamente, da terceira década deste século.

Já no Brasil-Colônia eram assinalados alguns eventos precursores da tributação dos imóveis, sob a forma inicial de "décima-urbana". Em 1642, a câmara municipal de Salvador, reunida para cuidar do sustento da tropa, declarava que não haveria "modo mais efetivo e igual a todos" (de repartir essa carga) "que a vintena dos frutos que se colhem na terra e dos efeitos da mercancia e dos alugueres de casas pelo estilo e modo que se pagam as décimas em PortugaT; esta taxação seria exercida à base de 5% sobre a renda agrícola e lucros comerciais e de 10% sobre os aluguéis de casa com isenção para o clero, os grandes produtores de açúcar e alguns locadores de imóveis. Em 1799, a Rainha D. Maria, em carta ao governador da Bahia, concordou em substituir a participação na exploração das salinas e pescaria de baleias pelo estabelecimento do "imposto da décima nas casas das cidades marítimas".59 59 Veja a respeito Baleeiro, Aliomar. op. cit. p. 389. (O grifo é nosso.)

Com a chegada da família real ao Brasil surgiu, por meio do Alvará de 27 de junho de 1808, a instituição formal da "décima urbana", como principal elemento da receita pública que cumpria expandir.

A alíquota do tributo era de 10%, incidente sobre o rendimento líquido dos prédios urbanos da cidade-sede da Corte e de todas as localidades "notáveis", situadas à beira-mar; o rendimento líquido correspondia ao aluguel convencionado em contrato ou confirmado em recibos e ao valor locativo arbitrado, no caso de prédios utilizados pelos proprietários. Pelo Alvará de 1809 a incidência foi estendida às localidades são situadas à beira-mar.

No Brasil-Imperio, a legislação da década de 1830, caracterizada após as omissões da Constituição de 1824, pela consideração do papel das províncias, porém em detrimento dos municípios, atribuiu a "décima urbana" à competência provincial. Desde então, e mesmo após a proclamação da República e sua primeira Constituição de 1892, até a Constituição de 1934, a receita e a despesa dos municípios era assunto afeto às províncias e depois aos estados, dos quais o município ainda estava constituindo mero apêndice administrativo e financeiro;60 60 Observe-se que o tributo anteriormente citado, instituído pela reforma tributária de 1867, apesar de incidir sobre os imóveis urbanos, também não era ainda um imposto municipal, pelas mesmas razões. nestas condições cabia às províncias, ou depois aos estados, realizar diretamente a despesa e a receita local ou entregá-lo, sem abrir mão da sua competência, aos municípios, numa espécie de delegação de poderes. Foi o que sucedeu, por exemplo, ainda no Império, quando em 1886 o tributo, agora já conhecido como "imposto sobre prédios", pela Lei Provincial Paulista n.º 124 foi entregue às municipalidades da província, com exceção da capital, de Santos e Campinas, nestas últimas com a não-entrega justificada pela continuação do serviço de iluminação a cargo do governo provincial.61 61 Ver Ayres Neto, Gabriel. O imposto predial. Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de São Paulo, 1947. p. 3-5.

Só com a instauração da competência própria dos municípios, a partir da Constituição de 1934, é que se deu também a emancipação do imposto territorial/predial, desde então aliás, o único imposto municipal que resistiu, incólume, a todas as transformações.

A competência privativa do município para a instituição do imposto sobre "propriedade predial e territorial urbana" é assegurada, atualmente, pelo art. 24 da Constituição.

De acordo com o art. 32 do Código Tributário, o imposto tem como fato gerador "a propriedade, o domínio útil ou a posse do bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do município".

Para que haja a incidência é preciso, portanto, existir a propriedade do bem imóvel ou o seu domínio ou, na falta de uma destas duas situações, a simples posse. O domínio que é "pleno" quando se confunde com a "propriedade", é "útil" quando corresponde à enfiteuse ou "aforamento", isto é, a um contrato de cessão, mediante o qual o proprietário de um imóvel cede a outrem o "domínio útil" da propriedade por meio de pagamento anual, chamado "foro". A cobrança do imposto, cabível nos dois casos, de domínio pleno ou útil, alcança também a simples "posse". Esta, nos termos do art. 485 do Código Civil Brasileiro, é atribuída a "todo aquele que tem, de fato, o exercício pleno ou não de algum dos poderes inerentes ao domínio ou propriedade". Sem o apoio e a clareza da base documental que lastreiam o domínio pleno ou mesmo útil, a consideração da "posse" também é importante e se justifica, como ressalta Aliomar Baleeiro, em face de uma realidade de milhares ou milhões de pessoas no Brasil "que ocupam terras públicas ou particulares de terceiros sem que esses possuidores tenham título hábil".62 62 Baleeiro, Aliomar. op. cit.

Conforme o art. 43 do Código Civil, são bens imóveis por natureza o solo com a sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo, e bens imóveis por acessão física tudo quanto o homem incorpore permanentemente ao solo, como a semente lançada à terra, os edifícios e construções, elementos esses que não possam ser retirados sem destruição, modificação, fratura ou dano.

A zona urbana, de acordo com o § 1.º do art. 32 do Código Tributário Nacional, tem a sua definição confiada à lei municipal, observado porém o "requisito mínimo" da existência de pelo menos dois dos seguintes melhoramentos:

- meio-fio ou calçamento com canalização de águas pluviais;

- abastecimento de água;

- sistema de esgotos sanitários.;

- rede de iluminação pública;

- escola primária ou posto de saúde, num raio de 3km.

A delimitação da zona urbana é determinante para fins de lançamentos do imposto urbano, porquanto as áreas situadas fora dos limites urbanos escapam a essa tributação e se subordinam ao imposto territorial rural, de competência da União (embora com seu produto líquido transferido ao município).

Além da zona urbana, como tal definida por lei municipal, com observância dos requisitos citados, o § 2.º do art. 32 do Código Tributário estende o caráter urbano também as áreas "urbanizáveis" ou "de expansão urbana", "constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio", mesmo que localizados fora da zona estritamente definida como "urbana".

Considera-se que a delimitação, como função privativa do município, não se reveste de propósito exclusiva ou primordialmente fiscal; o aspecto fiscal, segundo Joaquim Castro Aguiar, seria mera conseqüência do objetivo precípuo de "orientar e coordenar o crescimento urbano e a sua política, de modo que seja possível planejar o crescimento da cidade com o necessário atendimento dos serviços públicos e a cada vez mais imperiosa separação de áreas para residências para o comércio e sobretudo para as indústrias".63 63 Aguiar, Joaquim Castro. Sistema tributário municipal. Rio de Janeiro, José Konfino Editor, 1971. p. 52.

Sempre que haja dois dos mencionados requisitos mínimos a lei municipal poderá declarar "urbanas" as áreas assim antes nâo-consideradas; poderá também declarar "urbanizáveis" outras áreas que ainda não apresentem aqueles requisitos, mas obriguem loteamento aprovado pelos órgãos competentes. Em ambos os casos a declaração alcançará as respectivas áreas, onde quer que estejam dentro do município, independentemente da distância ou de continuidade do núcleo central. No caso de se instalar área urbana nova, cabe ao prefeito comunicá-lo ao INCRA que, obrigado a respeitar a lei municipal, deve suspender a partir do exercício seguinte a cobrança do imposto territorial rural, substituído pelo imposto municipal.

É digno de nota que prevalece o imposto territorial rural sobre os imóveis que, apesar de localizados em áreas urbanas, sejam destinados à exploração agropecuária ou agroindustrial; por outro lado, os imóveis situados em área rural, utilizados como "sítios de recreio" ou de produção não-comercial, não sofrem a tributação do imposto territorial rural, mas do imposto predial/territorial urbano.

A base do cálculo do imposto predial/territorial urbano, conforme o art. 33 do Código Tributário Nacional, é o "valor venal do imóvel"; este pode ser apurado com base em vários fatores isolados ou conjugados: preços correntes de imóveis vendidos na proximidade; declaração do contribuinte; preços das locações vigentes; área construída; localização e outras características.

Finalmente, sendo "contribuinte", conforme o art. 34 do Código Tributário Nacional, o "proprietário do imóvel" ou o "titular do seu domínio útil", ou o seu "possuidor a qualquer título" - situações já anteriormente analisadas - cabe à autoridade municipal a preferência por qualquer um deles, se for o caso.

A determinação do valor venal64 64 Segundo Aguiar, Joaquim de Castro, op. cit. p. 54, "valor venal é o valor de venda à vista do imóvel, nas condições normais do mercado". como base de cálculo é o problema nuclear da cobrança do imposto; num campo em que a subjetividade ou as injunções políticas ou pessoais (estas duas últimas mais acentuadas, quanto menor o município) podem acarretar lamentáveis e nocivas distorções, tende-se a recorrer cada vez mais a bases objetivas.

No município de São Paulo, por exemplo, já em 1957, através da Lei Municipal n.º 5.460, foi previsto que "o executivo editará, periodicamente, Plantas Genéricas de Valores, expressão dos valores médios correntes dos terrenos e dos valores unitários das construções, para fins de lançamento dos impostos territorial e predial" e que "os arbitramentos do valor venal de terrenos não estarão sujeitos a limitações percentuais de um exercício para outro". Outra Lei Municipal Paulistana, n.º 6.989, de 29/12/1966, elaborada para harmonizar a tributação municipal com os ditames da reforma tributária nacional, também estabeleceu que os lançamentos do mesmo deveriam basear-se em "plantas genéricas de valores", com base em valores médios unitários de terrenos e construções, completados por fórmulas destinadas a eventuais ajustes de conformidade, com as características específicas dos imóveis. De acordo com esses dispositivos legais é facultada ao município a edição sucessiva de "plantas genéricas" de modo a lhe permitir atualização constante dos "valores venais", conforme o seu crescimento real em função de vários fatores, sem prejuízo daqueles reajustes anuais que tenham o mero caráter de correção monetária. Se a simples atualização monetária não constitui majoração do tributo, de acordo aliás com o disposto expressamente no § 2.º do art. 97 do Código Tributário, também não constitui propriamente majoração do imposto o reconhecimento da alteração real dos preços dos imóveis, traduzida na modificação periódica das "plantas genéricas".

O Código Tributário Nacional não faz restrições quanto à apuração do valor venal, seja sob a forma subjetiva através de avaliações individuais realizadas pelos "lançadores", seja sob a forma objetiva ou impessoal - por meio do sistema de "avaliação em massa", com base em regras e métodos pré-determinados.

Aires F. Barreto, na dupla qualidade de estudioso do assunto e de diretor do Departamento de Rendas Imobiliárias do Município de São Paulo, embora reconheça alguma desvantagem à "avaliação em massa", por falta de tratamento individual, julga a "subjetividade" mais danosa que eventuais e isoladas discrepâncias do tratamento "objetivo", passíveis aliás de correção; conclui que "o ideal é o cerceamento, por lei municipal, do comportamento das autoridades administrativas, através da imposição de regras e métodos genéricos e impessoais", recomendando a cada município, conforme seu potencial, a elaboração de "pautas, tabelas, listas ou mapas de valores, bem como índices representativos de valorização ou desvalorização, orientadores das autoridades administrativas e garantidoras de ação uniforme, livre de subjetivismo e arbítrio".65 65 Barreto, Aires F. Imposto predial e territorial urbano. In: Finanças públicas municipais, Prefeitura do Município de São Paulo, V/VI, 1974. p. 117.

Geraldo Ataliba por sua vez, sustenta que a forma "impessoal" é "mais requintada, mais objetiva, mais racional e mais consentânea com as exigências do Estado de Direito e do princípio de estrita legalidade da tributação, pois retira qualquer desenvoltura ou subjetividade ao lançamento".66 66 Ataliba, Geraldo. Imposto predial e urbano e taxas de serviços urbanos. In: Revista de Direito Público. São Paulo, n. 11, I/III, p. 122/3. 1970.

Salienta a prefeitura do município de São Paulo que, para o "notável crescimento da arrecadação imobiliária" (da ordem de 62,5% reais entre 1967 e 1973), ao lado da melhoria técnica e humana do aparelho administrativo e da ampliação da zona urbana, foi essencial a "atualização e reformulação da Planta Genérica de Valores que praticamente eliminou o caráter pessoal e subjetivo da sistemática avaliativa".67 67 Prefeitura do Município de São Paulo. Finanças públicas municipais, op. cit p. 16.

Se a reforma tributária de 1966 deixou intacto como único entre os impostos municipais então existentes o predial/territorial, pouco também interferiu na aplicação; além de lhe deixar aquela flexibilidade na determinação do "valor venal" também não lhe limitou as alíquotas, ao contrário do que aconteceu com o novel "imposto sobre serviços". Esta elasticidade seria motivada pelo reconhecimento da diversidade socioeconómica dos milhares de municípios que, afinal, devem encontrar o limite da tributação na capacidade contributiva dos seus municípios e na própria justiça fiscal.

Segundo os dados conhecidos, a alíquota sobre o valor venal vem girando em tomo de 1% em média, para diversas capitais, como São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Recife, Salvador, Vitória, 0,6% para Belém, com majorações até 6% (Porto Alegre) ou 4,2% (São Paulo), conforme a localização mais central. O município de Belo Horizonte, por exemplo, adotou curiosa alíquota progressiva (que, a rigor, só se esperaria do imposto de renda), segundo a localização e o número de terrenos do mesmo proprietário, com uma gradução entre 0,8 e 12%.68 68 Tentativa semelhante do município de Americana, São Paulo, foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (veja O Estado de São Paulo, 7 mar. 1975, p. 20.

A alíquota básica do imposto predial pode sofrer agravamento por motivos, principalmente de violação de posturas municipais. Entre as razões de agravamento figuram as seguintes: clandestinidade de edificação; construção em desacordo com o projeto aprovado; falta de muros ou passeios calçados; clandestinidade ou irregularidade de loteamentos ou arruamentos. Por outro lado pode a alíquota também sofrer redução por motivos sociais, como por exemplo a destinação do imóvel para uso do proprietário que não possua outro, ou com a finalidade de estímulo, favorecendo os proprietários que realizem melhoramentos públicos, como guias e sargetas, pavimentação, arborização, etc.

A graduação das alíquotas pode, entretanto, assumir dimensões muito mais significativas quando passa a cumprir as mais relevantes finalidades extrafiscais. Pondera Rui Barbosa Nogueira que "assim como cabe ào município regular diretamente o planejamento da cidade, estabelecendo regras de urbanismo, também ele o pode fazer, e efetivamente o faz, por meio de impostos municipais".69 69 Nogueira, Rui Barbosa. Direito financeiro -curso de direito tributário. 3. ed. São Paulo, José Bushatsky Editor, 1971. p. 157.

Trata-se de aspectos ainda embrionários da evolução que o tributo pode tomar na esfera extrafíscal, principalmente como instrumento de uma política de melhor utilização do solo (por enquanto ainda circunscrita ao modesto começo de agravamento da tributação para o desestímulo à existência de terrenos baldios centrais).70 70 Ultimamente surgiram algumas iniciativas e estudos para a transformação do imposto predial/territorial em instrumento regulador de uso do solo, por iniciativa da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, da prefeitura de São Paulo e do CEPAM, da Secretaria do Interior do Estado de São Paulo.

Por enquanto, o imposto predial/territorial constitui ainda e sobretudo como já salientado, o principal sustentáculo da receita municipal própria, enquadrada dentro do domínio tradicional das finanças públicas, mais voltado para a obtenção e gestão dos recursos do que para a exploração do poder de tributar, dentro do domínio financeiro mais moderno, para fins sociais e políticos.

Para o município, que se debate ainda pela sobrevivência financeira como suporte da autonomia política, o aspecto da receita continua sendo primordial e como tal também o papel do imposto predial/territorial, na qualidade de primeira das suas fontes próprias.

Tendo o imposto predial/territorial produzido uma receita de:

(Cr$ milhões) - deflacionado em relação a 1965

verifica-se uma ascensão constante e regular em termos reais:

- crescimento global entre 1967 e 1971, de 38%, superior ao crescimento de 28,5% apenas no município de São Paulo;

- crescimento de 83% entre 1966 e 1971, superior ao crescimento de 79% de toda a receita corrente municipal, não obstante essa ter recebido o volumoso reforço da "cota-parte do ICM".

Tudo isto demonstra uma trajetória satisfatória do tributo que, em termos reais, mais que se quintuplicou no qüinqüênio. Se este resultado foi alcançado ainda sem o aperfeiçoamento técnico e humano da maioria das administrações municipais, é lícito considerar este imposto um manancial suscetível de produtividade muito mais intensa, quer como fonte de receita, quer como instrumento regulatório de planejamento urbano, com perspectivas de refinamento muito mais aprimorado, principalmente se puder ser articulado com os demais tributos que, dentro ou fora da alçada municipal, alcancem a propriedade imobiliária: contribuições de melhoria, imposto de transmissão, imposto territorial rural e imposto de renda.

O imposto "sobre serviços de qualquer natureza", criado pela reforma de 1966 para constituir o sistema de impostos dos municípios juntamente com o predial/territorial, distingue-se deste, que incide sobre coisas não-consumidas, isto é, a propriedade imobiliária e é considerado de natureza mais semipessoal, pela tributação das coisas consumidas (embora imateriais, como se verá mais adiante) e, sendo de aplicação generalizada, é de caráter tipicamente real, destituído de seletividade em relação ao consumidor.

Desde que surgiu, representa para o imposto mais poderoso, por assim dizer, o irmão menor, porém em ascensão, tanto que no primeiro ano de sua cobrança (1967) chegava apenas a 35%, mas 5 anos depois já atingia 60% da arrecadação do imposto predial/territorial.

Quanto às origens, nota-se certo paralelismo; assim, enquanto em 1808 se dava a criação da "décima urbana", a qual posteriormente seria convertida em imposto predial/territorial, logo depois, em 1812, apareceu o chamado "imposto do banco" tido por precursor do "imposto de indústrias e profissões", por sua vez antecessor do "imposto sobre serviços".

Aliomar Baleeiro identifica origem ainda mais longínqua nas próprias "fintas" que "Portugal, por intermédio das câmaras municipais, arrecadava, como donativos ou tributos extraordinários, através de um processo de repartição abrangente de todas as classes sociais, confiado aos untadores escolhidos em cada profissão". Ao Brasil-Colõnia era imposto o mesmo tipo esporádico de tributação, aplicado na metrópole desde a Idade Média, extensiva ao exercício de ofícios em geral, inclusive os tabeliões, e sem excluir a "mais antiga das profissões" ou outros "misteres escusos". Em 1642, na Bahia, por exemplo, para o fim de sustento de 2 mil soldados encarregados de sua defesa, foram "fintados" pela vereança todas as "profissões e negócios", com exceção do clero, com a divisão das "fintas" dentro das respectivas categorias profissionais confiada a "mercadores de lojas, alfaiates, barbeiros, senhores de engenho, cirurgiões, boticários, etc.".71 71 Veja Baleeiro, Aliomar. op. cit. p. 393-4.

O primeiro tributo, que no Brasil gravou "de forma direta e ordinária" certas "profissões e atividades lucrativas", era o instituído pelo Alvará de 20/10/1812 do principe-regente D. João e que tomou o referido nome do "imposto do banco", por ter a finalidade de cobrir a participação do erário real como principal acionista do primeiro "Banco do Brasil". Através do seu item II alcançava, a taxa fixa de Rs. 12$800, "cada loja de ourives, lapidarios, correeiros, funileiros, latoeiros, caldeireiros, ce reíros, estanqueiros de tabaco, boticários, com isenção; com alcance menor, por meio do item III sujeitava cada embarcação, como lanchas, botes, saveeiros, canoas ou outras "que se alugam ou andam a frete", ao pagamento de importância anual, variável de acordo com o tipo. Assinala Bernardo Ribeiro de Morais que aparecia um tributo de área de incidência bastante dilatada, abrangendo diversas atividades lucrativas das quais algumas eram de venda de serviços e que aquele alvará seria a primeira manifestação de tributação sobre serviços no Brasil; segundo o mesmo autor não se teria tratado de iniciativa importada, oriunda da contribution des patentes francesa, mas já produto autêntico da "própria civilização brasileira", embora mesclado com legislação metropolitana aqui vigente, e ligado historicamente mais à "finta" portuguesa.72 72 Morais, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e prática do imposto sobre serviços. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1965. p. 4-5.

Já no Brasil-Império o chamado "imposto do banco", de acordo com a Lei (orçamentária) n.º 70 de 1836, recebeu a denominação de "imposto sobre as lojas", com o seu campo de incidência aumentado para qualquer casa que tivesse gêneros à venda e também para numerosas atividades profissionais, entre as quais as de advogado. Em 1831 e 1843 outras leis instituíram impostos sobre "casas de modas e casas de leilão", e sobre "despachantes e corretores". Finalmente, em 1860, a Lei (orçamentária) n.º 1.174 transformou o "imposto sobre as lojas", em "imposto de indústrias e profissões", incorporando-lhe também as áreas antes abrangidas pelos tributos criados em 1831 e 1843. Sob a sua nova designação, que conservaria durante mais de 100 anos, até a sua extinção, o imposto passou a visar as atividades lucrativas em geral, inclusive a prestação de determinados serviços.

A primeira Constituição republicana, de 1891, concedeu a competência do imposto de indústrias e profissões aos estados que, tal como aconteceu com o imposto predial/territorial, poderiam transferir a cobrança do tributo

- que ainda não era imposto municipal - aos municípios, como por exemplo fez o estado de São Paulo. Mesmo a segunda Constituição republicana, de 1934, ainda não deu competência ao município, conservando-a em poder dos estados, apesar de já conceder às municipalidades a arrecadação de 50% do imposto lançado pelo estado. Somente a partir da Constituição de 1946 - e da sua tônica municipalista - passou o imposto de indústrias e profissões à competência privativa dos municípios.

Nesta fase, por exemplo, a Lei do Município de São Paulo n.º 5.917 de 26/12/1961, determinou que o imposto de indústrias e profissões "é devido por todas as pessoas naturais ou jurídicas que, no município de São Paulo, explorem qualquer modalidade de indústria ou comércio ou exerçam qualquer profissão, ofício, arte ou função" e que "a incidência do imposto independe ... do resultado financeiro da atividade", devendo o cálculo ser feito "sobre o movimento econômico das atividades dos contribuintes e outras características materiais"; a alíquota para as atividades industriais ou comerciais mais freqüentes variava entre 0,5 e 1%.

Vários estados, a partir da Constituição de 1934, dentro do campo da competência concorrente e enquanto possível em face das constituições posteriores, criaram o "imposto de transações", incidente sobre diversos atos jurídicos, locação, revelação e copiagem de filmes, construção civil, lavagem e lubrificação de veículos, reparação e reforma de objetos em geral, hospedagem em hotéis e pensões, etc.

Na área dos serviços, a Constituição de 1934, seguida pela de 1937 e de 1946, também deu aos municípios competência privativa para a cobrança do "imposto sobre diversões públicas".

Foi para cobrir todo o campo, bem ou mal objetivado por aqueles diversos tributos, que surgiu, como criação da reforma de 1966, o "imposto sobre serviços de qualquer natureza"; para substituir o de "indústria e profissões", que deveria, sendo de "profissões", ter tributado os serviços, mas na essência, com a cobrança substancialmente sobre o movimento econômico, não passara de duplicação do "imposto de vendas e consignações" e de um seu satélite; para incorporar a tributação das "diversões públicas"; e para abranger a área visada pelo "imposto de transações", muito mais ensaiado que efetivamente cobrado pelos estados.

Dentro da sua preocupação de consolidar "impostos de idênticas naturezas em figuras unitárias, definidas por via de referência as suas fases econômicas",73 73 Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda. Reforma de discriminação constitucional de rendas (anteprojeto). Rio de Janeiro, 1965. p. 6. a comissão de reforma enquadrou no grupo dos "impostos sobre a produção e circulação" (cap. IV do Código Tributário Nacional) dois impostos sobre vendas: um, sobre a "transmissão de bens" ou "venda de bens materiais", outro, sobre a "venda de bens imateriais" ou "prestação de serviços".

Tinha diante de si o precedente da reforma tributária francesa de 1954, inspirada pelo eminente financista Maurice Lauré e que redundara na criação de dois tributos novos:

- taxe sur la valeur ajountée (TVA), imposto sobre o valor acrescido, isto é, sobre a diferença entre o preço de compra e de venda, de mercadorias transacionadas por atacado, inclusive a construção civil e as importações, com a alíquota geral de 20%;

- taxe sur les prestations de services (TPS), imposto sobre as operações de comércio e varejo e prestação de serviços em geral, mediante a alíquota de 8,5%.

Enquanto que a TV A tributava as operações pelo valor acrescido, a TPS o fazia sobre o preço total.

A experiência francesa encontrou a receptividade da Comissão Econômica Européia que, no afã de uniformizar as estruturas tributárias, procurou estendê-la aos demais membros do Mercado Comum. Para facilitar uma implantação harmônica o órgão europeu difundiu algumas definições relativas à nova tributação:

- "contribuinte": pessoa que executa de maneira independente e a título habitual as atividades de produtor, comerciante ou prestador de serviços;

- "transmissão de bens": transferência do poder de disposição de um bem material como proprietário;

- "prestação de serviços": toda a operação que não constitua transmissão de um bem (no sentido da definição anterior);

- "local da prestação de serviços": onde o serviço prestado, o direito cedido ou o objeto locado é utilizado ou explorado;

- "fato gerador": vefica-se de maneira geral no momento em que se presta o serviço;

- "base imponível": remuneração total da prestação de serviço, incluídos todos os gastos e impostos.

Percebeu-se que o conceito que prevaleceu para a "prestação de serviços" não foi o estritamente jurídico, ; do direito civil - limitado ao fornecimento de trabalho a terceiros, mediante remuneração - mas ampliado, com preensivo do "bem econômico" que não seja material; neste sentido alcança tanto o simples fornecimento de trabalho (prestação de serviços dentro do conceito estrito do direito civil) como o exercício de numerosas outras ati vidades, entre as quais a locação de bens móveis, transportes, publicidade, hospedagem, diversões públicas, etc. (venda de bens imateriais).74 74 Veja sobre esta parte Morais, Bernardo Ribeiro de. op. cit.

A instituição no Brasil, no quadro da reforma tributária de 1966, de dois tributos sobre vendas, deu-se em condições semelhantes: um, sobre a venda de bens materiais e incidente sobre o "valor acrescido" - o ICM, substituto do imposto de vendas e consignações, o qual fora cobrado em cascata; outro, sobre a venda de bens imateriais - o imposto "sobre serviços", incidente sobre o . preço do serviço prestado, destinado a preencher o vazio deixado pelo esclarecimento de vários tributos, notadamente do de "indústrias e profissões".

Seria, como diz Aliomar Baleeiro, "vinho velho em pipa nova", um resíduo do mais que secular imposto de indústria e profissões"?75 75 Baleeiro, Aliomar. op. cit. p. 392-3.

Parece não haver dúvida que a substituição de um tributo de base imprecisa, como fora o imposto de indústrias e profissões, assume o sentido de uma modificação, quando coincide com o aparecimento de tributação uniforme e em bases mais racionais da venda de bens materiais através de um só tributo (embora partilhado entre dois poderes) e com a criação do imposto sobre a venda de bens imateriais, com a cuidadosa delimitação que lhe foi dada; seria uma modificação para melhor, desde que se lhe reconheça o mérito de ordenamento e disciplinamento mais preciso.

O art. 71 da Lei n.º 5.172, de 25/10/1966, que instituiu o "sistema tributário nacional", estabeleceu que o "imposto, de competência dos municípios, sobre serviços de qualquer natureza, tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, do serviço que não configure, por si só, fato gerador de imposto de competência da União ou dos estados".

Com esta redação já era excluída da esfera municipal a tributação sobre serviços de operações de crédito, câmbio e seguro e sobre transportes e comunicações não estritamente municipais, ambas as faixas de competência tributária da União, conforme art. 21 da Constituição.

É o art. 24 da Constituição vigente que dá ao município a competência para "instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza não-compreendidos na competência tributária da União ou dos estados, definidos em lei complementar".

Com a revogação do art. 71, e também dos de n.ºs 72 e 73, da Lei n.º 5.172, surgiu o Decreto-lei n.º 406, de 31/12/1968, que inclusive fez as vezes daquela lei complementar, com a delimitação taxativa e citação nominal dos serviços tributáveis pelo município; o Decreto-lei n.º 406 teve aquela redação substituída e ampliada pelo Decreto-lei n.º 834, de 8/09/1969, com a menção de 66 categorias de serviços e com a solução do problema das chamadas "operações mistas", isto é, da prestação de serviços concomitante com o fornecimento de material.

É portanto, o Decreto-lei n.º 406, com as modificações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-lei n.º 834, que determina atualmente ao município como exercer a competência que lhe é assegurada pelo art. 24 da Constituição: define como fato gerador "a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa"; quanto as operações mistas estabelece o seguinte:

a) o fornecimento de mercadorias, com prestação de serviços não-especificados na lista, fica sujeito exclusivamente ao ICM;

b) os serviços incluídos na lista ficam sujeitos apenas ao imposto de serviços "ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias", com algumas exceções mencionadas a seguir;

c) a lista faz algumas exceções, como por exemplo, no caso de "conserto e restauração de quaisquer objetos", de "recondicionamento de motores", etc., quando o serviço propriamente dito sujeita-se ao imposto sobre serviços e o fornecimento do material ao ICM. São outras características importantes daquela legislação vigente:

- estabelece como base de cálculo do imposto o preço do serviço, admitindo que no caso de prestação de serviço sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte o imposto seja calculado por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço e que, no caso de obras hidráulicas, construção civil ou semelhantes, o calculo se faça sobre o preço do serviço após dedução do valor dos materiais fornecidos e das subempreitadas já tributadas;

- identifica o "contribuinte" no prestador de serviço (seja empresa ou profissional autônomo), excluídos os assalariados, os trabalhadores avulsos e os membros de diretoria ou de conselho fiscal ou consultivo de sociedades anônimas;

- isenta do imposto a execução de obras contratadas com órgãos públicos, autarquias ou empresas concessionárias de serviços públicos, inclusive serviços de engenharia consultiva;

- considera local da prestação do serviço o do estabelecimento prestador ou, na falta deste, o do domicílio do prestador e, no caso de construção civil, o local onde se efetuar a prestação.

O caráter preponderantemente local da prestação e também o do consumo de bens imateriais terá, decerto, justificado a preferência da comissão de reforma para deixar esta tributação em poder do município.

Ressalvada a prestação de serviço sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte ou em sociedade de profissionais, quando se verifica a imposição já mencionada de alíquotas fixas ou variáveis de acordo com a atividade e independentemente do preço do serviço, nos demais casos impõe-se a tributação proporcional da atividade econômica, conforme alíquotas máximas que, de acordo com o previsto no § 4.º, do art. 24 da Constituição Federal, foram estritamente limitadas pelo Ato Complementar n.º 34, de 30/1/1967 (art. 9.º):

- execução de obras hidráulicas ou de construção civil até 2% - jogos e diversões públicas até 10% - demais serviços até 5%76 76 Morais, Bernardo Ribeiro de. op. cit. p. 566, considera como não mais existente - por implicitamente revogada - essa limitação das alíquotas.

Quanto à tributação da prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal que aos municípios cabe executar mediante alíquotas fixas ou variáveis de acordo com a atividade, é ilustrativo o disposto na Lei Municipal n.º 8.330, de 3/12/1975, que dispõe sobre o cálculo do imposto de serviços do município de São Paulo no exercício de 1976; adotando, em substituição do salário mínimo, a "unidade de valor fiscal do município" (UFM), estipulada atualmente em Cr$ 501,00, previu a seguinte tributação do trabalho pessoal: 250% da UFM para médicos, advogados, contadores e outros profissionais liberais; 125% para barbeiros, cabeleireiros, etc, por profissional ou cadeira e também para auto-escolas por veículo licenciado, além de outros detalhes.

O imposto de indústrias e profissões, inicialmente, e depois o imposto de serviços, apresentaram a seguinte receita (deflacionada em relação a 1963):

Tendo iniciado a sua trajetória em 1967 com uma receita de Cr$ 47 milhões em fase de ainda explicável despreparo - em 1971, com Cr$ 109 milhões, mais que duplicou aquela receita inicial, oferecendo um crescimento real de 111% no período, superior à evolução favorável do próprio predial/territorial, com 38%, e da receita corrente global de 32%.

Ainda assim, em 1971, com uma receita (deflacionada) de Cr$ 109 milhões, esteve longe de alcançar a receita do imposto de indústria e profissões - em 1966 de Cr$ 218 milhões - que deveria substituir conforme o pensamento da comissão de reforma, se bem que esta de antemão tivesse encarado na contribuição do ICM um suplemento para alcançar aquele objetivo.

Na realidade, segundo se sabe, desde o começo faltou aos municípios em geral, sem exceção dos mais poderosos, material humano e técnico para cobrar com uma efetividade razoável um imposto que afinal incide sobre o movimento econômico; isto não seria inesperado, quando se reconhece que os tributos estaduais e federais também ligados ao movimento econômico e com muito maior tradição se têm cronicamente ressentido de semelhantes limitações administrativas. É expressivo que as administrações municipais, na falta de outros recursos, têm deslocado para a área do imposto de serviços elementos ligados ao imposto predial/territorial, desfalcando setor ainda insuficientemente atendido para guarnecer outro com funcionários despreparados para a nova atividade.

Trata-se, portanto, de uma faixa da tributação municipal onde muito ainda poderá ser feito, e onde a expectativa de um crescimento justificado inclusive pelas melhorias alcançadas na administração do imposto predial/territorial, poderá ser ainda muito mais explorada com a expansão maciça do novo imposto que, cinco anos após a sua instituição, não havia superado 8% da receita corrente total dos municípios.

O município de São Paulo relata o êxito alcançado com a arrecadação do tributo que teve no período de 1967 a 1973 um crescimento real da ordem de quase 250%, o que a prefeitura atribui ao lado do "crescimento explosivo no setor de serviços", ao "reaparelhamento da máquina arrecadadora e fiscalizadora, bem como formulação e aperfeiçoamento de uma sistemática cadastral que servisse como base confiável para atender às peculiaridades desse novo tributo"; segundo a mesma manifestação de 1974 "a crescente participação do ISS na receita do município e a adoção de um sistema de fiscalização dirigida, com base num perfeito cadastramento" e "considerando-se a tendência de crescimento no setor de serviços", seria de esperar-se a curto prazo, pelo menos na capital de São Paulo, que "o ISS se fixará como principal sustentáculo dentro do contexto das finanças públicas municipais".77 77 Prefeitura do Município de São Paulo; op. cit. p. 23-4.

Estas observações foram corroboradas pelo secretário de finanças do município de São Paulo, em 1976, através de declarações feitas ao ensejo do encontro de secretários de fazenda das capitais, quando, eufórico com o resultado do cadastramento, já se aproximando de 300 mil casos, aquela autoridade considerou ilimitadas as perspectivas de crescimento do ISS, principalmente se as melhorias administrativas pudessem ainda ser completadas por uma legislação federal mais voltada para o apoio ao ISS, no sentido de aparar algumas arestas que possam impedir uma arrecadação mais desinibida.78 78 ISS, a futura fonte de renda. O Estado de São Paulo, 12 out 1976, p. 31.

A evolução favorável, no município de São Paulo, transparece quantitativamente do confronto de participação do imposto de serviços na receita corrente em 1968 e em 1973, quando cresceu de 10 para 17% aproximadamente, enquanto que a participação do imposto predial/territorial se manteve em tomo de 20%, do começo ao fim daquele período.

A própria participação ainda pouco expressiva de 8%, na receita corrente global dos municípios brasileiros, em 1971, foi, afinal, alcançada a partir de uma relação inicial mais modesta de 5%.

O crescimento em termos absolutos e a progressiva acentuação do seu significado relativo - aproximando-se do imposto territorial/predial, embora ainda a grande distância da cota-parte do ICM - tende a confirmar as esperanças que se depositam no imposto de serviços como fonte de receita. É dentro deste domínio tradicional das finanças públicas, o da geração de receitas, que este tributo parece mais qualificado para cumprir as suas melhores perspectivas, mesmo porque lhe falta, por exemplo, a elasticidade deixada ao imposto predial/territorial, desejável para a plena exploração de possibilidades extrafiscais. Seria, pelo menos na sua forma atual, pouco ajustável a uma alternância de estímulos e freios um tributo insuscetível de maior agravamento, desde que observada a limitação nacional de alíquotas; o conseqüente confinamento a uma faixa estreita e pouco flexível de alíquotas e outros dispositivos reduz, a seu turno, a expressão de eventuais estímulos traduzidos em isenções ou reduções tributárias, de efeito por si mais restritos num setor como o terciário, pouco talhado para, mais intensamente, atrair ou deslocar vultosos investimentos ou absorver potencial humano em maior escala. Por tudo isso parece mais recomendável a concentração de esforços para um aumento constante e maciço da produtividade do tributos, a qual, enfim, contribuirá através da melhoria da receita, indiretamente, para que outros instrumentos do elenco municipal possam utilizar melhor a sua capacidade extrafiscal.

O sistema tributário do município, montado sobre os dois impostos de sua própria competência, é completado pelas taxas e contribuições de melhoria, ambas de competência comum aos três poderes, cabendo a cada um deles aquelas correspondentes à realização dos seus próprios serviços.

A taxa, em menção isolada, ainda que sem maior destaque, aparece pela primeira vez na Constituição brasileira de 1891, numa época em que a doutrina estrangeira, principalmente a francesa e a inglesa, ainda demonstravam vacilações quanto à sua separação dos impostos.

Em obra publicada em 1896, o financista Amaro Cavalcanti teve oportunidade de se opor ao uso do termo "taxa" como sinônimo de "imposto", quando deveria designar a retribuição individual por um serviço diretamente recebido, constituindo "o preço do serviço obtido e na medida que cada um o exige ou dele tira proveito", caso das "taxas de correio, de matrícula nos estabelecimentos de ensino, emolumentos das repartições públicas pelo fornecimento de certidões, registro de documentos, etc."; salientava numa clara distinção entre os tributos, que "enquanto, pelas taxas, o indivíduo procura obter um serviço que lhe é útil pessoalmente, individualmente, o Estado, ao contrário, procura, pelo imposto, os meios de satisfazer as despesas necessárias da administração ou indispensáveis ao bem comum, tais como a manutenção da ordem, as garantias do direito, etc.".79 79 Cavalcanti, Amaro. Elementos de finanças. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1896. p. 170.

Ruy Barbosa, em parecer de 1919, escrevia que as taxas, na significação moderna desta palavra, são "contribuições pecuniárias" (em retribuição do que) "o indivíduo recebe de certa e determinada vantagem que um serviço público lhe ministra".80 80 Barbosa, Ruy. Parecer sobre a questão dos portos. Bahia, Estab. Dois Mundos, 1919. p. 94.

A Constituição de 1934, entre os tributos que, pela primeira vez, eram atribuídos privativamente aos municípios, incluiu especificamente no item V do § 2.º do art. 13.º "as taxas sobre os serviços municipais", dispositivo que a Constituição de 1937 repetiu no art. 28, alínea IV.

A Constituição de 1946 enquadrou a taxa, juntamente coma contribuição de melhoria e "quaisquer outras rendas que possam provir do exercício de suas atribuições e da utilização dos seus bens e serviços" entre os tributos que, conforme o art. 30, competia "à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios cobrar".

Retomando os conceitos de Amaro Cavalcanti e de Ruy Barbosa, alusivos à retribuição pessoal das vantagens que o indivíduo obtém do poder público, destaca Aliomar Baleeiro a natureza do tributo, ligada a despesas públicas divisíveis, realizada em benefício do indivíduo ou por ele provocadas, afirmando que a "taxa é a contraprestação de serviços público, ou de benefício feito, posto à disposição, ou custeado pelo estado em favor de quem a paga, ou se este, por sua atividade provocou a necessidade de criar-se aquele serviço público." Esse sentido específico de taxa, em oposição ao imposto, como de uma "contraprestação" de ordem individual, é conclusão comum, conforme observa Baleeiro, a numerosos tratadistas contemporâneos do porte de Francisco Campos, Teorínio Monteiro de Barros, Temístocles Cavalcanti, Amílcar Falcão e Rubens Gomes de Sousa. Admite, entretanto, que este conceito, por assim dizer, alarga-se ao assimilar também o de "poder de polícia", cujo exercício entende, em primeiro lugar, como aquele destinado, com finalidade extrafiscal, a "impedir ou restringir atividades no interesse da comunidade" e, em segundo lugar, como o custeio dos serviços necessários para aquele fim - licenças para a localização de estabelecimentos ou atividades; edificações e modificações de edifícios; diversões sujeitas a controle da segurança, ordem e bons costumes; fiscalização em geral; posse de porte de armas; aferição de pesos e medidas, etc. (aspectos, na sua maioria, de nítido interesse local).

A distinção entre o poder, simplesmente, de tributar e o poder de polícia é atribuída à contribuição da doutrina e jurisprudência norte-americana - taxing power x police power - o segundo se confundindo mais com o poder regulatório do Estado, com a ação extrafiscal sobrepondo-se à puramente fiscal, sob a influência de diretrizes políticas e sociais, mediante a utilização do tributo, fundado no poder de polícia, para regular, segundo T. Cooley, direitos, deveres e privilégios entre indivíduos, a conservação da ordem na sociedade política, o encorajamento de atividades perniciosas, boa vizinhança, etc. Acentua Aliomar Baleeiro que o poder de polícia, sendo invocado, mesmo que em atrito formal com certos direitos e garantias constitucionais da propriedade ou do exercício de profissões e atividades lícitas, é resguardado pela jurisprudência norte-americana, quando é justificado pelo predomínio do interesse coletivo, na defesa da segurança, saúde e bem-estar do povo, doutrina esta que, dada a semelhança das instituições, por isto também teria encontrado acolhimento no Brasil e na Argentina.

Cabe ainda a Aliomar Baleeiro insistir na permanência do elemento essencial de "contraprestação" dentro da conceituação embora apoiada da "taxa", com a inclusão do "poder de polícia", tanto mais que o seu exercício seria indissociável do custeio dos serviços indispensáveis à sua implementação.81 81 A respeito do assunto, das citações, inclusive de T. Cooley, veja Baleeiro, Aliomar. op. cit p. 189-90 e 242-7.

A Constituição vigente, seguindo quanto à competência comum, o critério da antecedente de 1946, ligou, tal como esta, a taxa à prestação do serviço público, porém, dentro da já comentada preocupação pelo detalhe, procurou especificá-lo melhor, lembrando os conceitos aqui versados e incluindo-lhes, pela primeira vez, o "poder de polícia", este pela ordem, merecendo menção até anterior a da própria "prestação de serviços", conforme o disposto no art. 18:

"Além dos impostos previstos nesta Constituição, compete à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios instituir:

I. Taxas arrecadadas em razão do poder de polícia ou pela utilização efetiva do potencial de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição."

O Código Tributário Nacional, por sua vez, dispõe no art. 77:

"As taxas cobradas pela União, pelo estado, pelo Distrito Federal ou pelos municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição.

Parágrafo único. A. taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idêntico aos que correspondam a imposto, nem ser calculada em função do capital das empresas."

No artigo seguinte do Código (de n.º 78) aparece, confirmando a preocupação pelo detalhe, o conceito legal de "poder de polícia":

"Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais e coletivos.

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal, e tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder".82 82 No tocante a ambos os dispositivos é interessante observar que, com referência a inconvenientes e prejuízos da poluição e da contaminação do meio ambiente, o Decreto-lei n.º 1.413, de 1975, reservou ao poder executivo federal a competência exclusiva para determinar ou cancelar a suspensão do funcionamento de estabelecimento industrial cuja atividade seja considerada de alto interesse do desenvolvimento e da segurança nacional, facultado aos estados e municípios, com ressalva daquelas disposições, estabelecer no limite das respectivas competências condições para o funcionamento das empresas.

A referência feita no art. 77 do Código Tributário aos dois elementos invocados para a concretização do fato gerador da taxa, numa ordem que parece até sugerir prioridade do "poder de polícia" sobre a "utilização do serviço público", encontra correspondência na conceituação, primeiro, do "poder de polícia", através do art. 78, para ser seguida, no art. 79, pela do elemento tradicional da "utilização do serviço público":

"Os serviços públicos a que se refere o art. 77 consideram-se:

I. Utilizados pelo contribuinte:

a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;

b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento.

II. Específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de unidades, ou de necessidades públicas;

III. Divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários."

Finalmente, para delimitar a ação de cada um dos poderes, o art. 80 do Código Tributário, estabelece que:

"Para efeito de instituição-e cobrança de taxas, consideram-se compreendidas no âmbito das atribuições da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, aquelas que, segundo a Constituição Federal, as Constituições dos estados, as leis Orgânicas do Distrito Federal e dos municípios e a legislação com elas compatível, competem a cada uma dessas pessoas de direito público".83 83 Idem ao 82.

Uma análise quantitativa da evolução da receita proporcionada pelas taxas oferece a seguinte visão:

(Cr$ milhões) - em valores deflacionados

Este quadro vem sugerir as seguintes ponderações:

- tendo alcançado Cr$ 82 milhões, ainda antes da reforma tributária, saltou, com a reforma, para Cr$ 102 milhões em 1967, com um incremento de 23%;

- este incremento de 23% deve ser atribuído à inclusão do "poder de polícia"; embora já anteriormente existissem contribuições com esta origem, apesar de não ter havido menção específica a este respeito, surgiu a partir de 1967 o reforço do que antes constituíra o imposto de licença (com uma contribuição de 1965 e 1966 de, respectivamente, Cr$ 19 milhões, o que vem corresponder aquele aumento);

- desde 1967 até 1971, a receita produzida pelas taxas manteve-se praticamente estável (com exceção do ano possivelmente atípico de 1969), com um crescimento real de apenas 5% em 5 anos, e, com isto, tendo a sua significação em relação à receita tributária e à receita corrente total reduzida, respectivamente, de 35 para 26% e de 10 para 8%;

- atendendo à nova conceituação do Código Tributário, as estatísticas do IBGE vêm apresentando a divisão das taxas entre o "exercício do poder de polícia" e "prestação de serviço", o que, na área municipal, demonstra uma repartição respectiva de 30 e 70% entre as duas faixas. .

De todas essas considerações se depreende uma importância relativamente pequena e decrescente da taxa em relação à receita tributária ou à receita corrente total.

Enquanto se trata de retribuição de serviço prestado, a preocupação básica volta-se para mantê-la, tanto quanto possível, ao nível do custeio, para que uma eventual deficiência não tenha que ser coberta por outras fontes; entretanto, como bem lembrou Rubens Gomes de Souza, nem sempre a retribuição é diretamente equivalente ao custo, fixada que é unilateralmente pelo poder público, por vezes como preço político;85 85 Sousa, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. Rio de Janeiro, Financeiras, 1954. p. 120. é o que, até com freqüência, sucede com vários serviços, notadamente de transportes urbanos, vendido abaixo do custo efetivo, por óbvios motivos sociais.

Enquanto, por outro lado, se trata de cobrança de taxa em função do poder de polícia, a sua significação pode, financeiramente, ser muito modesta (2,4% da receita corrente total), mas tomar-se bem mais expressiva em outros termos, quando permite ao município influir decididamente na atividade privada, na defesa de interesses coletivos, e neste sentido, inclusive, inserir-se no contexto do planejamento urbano, seja para se antecipar à ação de outros tributos financeiramente muito mais poderosos ou, mesmo, de instrumentos não financeiros, seja para com eles conjugar-se, em busca de objetivos do mais amplo alcance, tais como a melhoria do ambiente industrial, a purificação do ar, a melhor utilização do solo ou o disciplinamento do direito de construir.

A contribuição de melhoria é tributo de significação financeira ainda muito menor do que a taxa; em 1971 não passou de 2% da receita tributária e de 0,9% da receita corrente total e, entre 1967 e 1971, praticamente não teve qualquer crescimento real. Confirma-se, por isto, que por ora se trata de tributo essencialmente teórico e sobre o qual, aliás, se tem teorizado bastante.

É, entretanto, uma fonte de receita de grande potencialidade, além de elemento de justiça tributária de indiscutível importância.

Segundo Aliornar Baleeiro, trata-se de tributo sui generis, inconfundível com os impostos e as taxas, embora ofereça alguma semelhança com o imposto de lucro imobiliário, cobrado no Brasil como ramificação do imposto de renda, porém, independentemente da valorização resultante de obras públicas, a qual caracteriza a contribuição de melhoria; esta, de acordo com aquele autor, "não é a contraprestação de um serviço público incorpóreo, mas a recuperação do enriquecimento ganho por um proprietário em virtude de obra pública no local da situação do prédio", encontrando justificação doutrinária "no princípio do enriquecimento sem causa, peculiar ao direito privado".86 86 Baleeiro, Aliomar. op. cit p. 257.

No passado de alguns países europeus surgiram tributos que, até no nome, já mostraram ligação com as melhorias proporcionadas pelo poder público.

É o caso dos betterment charges da Inglaterra. Neste país, aliás, se aponta a tradição mais antiga de envolvimento dos "adjacentes" na conservação e recuperação de obra pública, como foi o caso das barragens de Rommey, em 1250. No mesmo século, em 1296, se assinala em Florença, Itália, a cobrança de contributi de migloria para o custeio de melhoramentos das praças daquela cidade.

Em 1562, houve em Portugal o levantamento daquele tributo peculiar que foram as "fintas", desta vez com a finalidade de cobrir despesas com muros, pontes e calçadas.

Em 1605, uma lei inglesa estabeleceu os betterment charges, destinados ao custeio das obras necessárias para melhorar a navegabilidade do rio Tâmisa; outros atos, de 1662 e 1667, tiveram em vista a recuperação das despesas decorrentes do alargamento das ruas do distrito de Westminster e da reconstrução da área central de Londres, danificada por grande incêndio, trabalhos que deveriam ser custeados com o concurso dos proprietários de imóveis valorizados.

Desde 1672 procurou-se tributar na França a plusvalia, objeto inclusive de decretos de Luis XIV nos anos de 1678 e 1710, voltados para a execução de obras de urbanização.

No mesmo século, algumas cidades holandesas criaram contribuições ajustadas aos privilégios colhidos de obras públicas, as quais são consideradas o modelo que norteou a criação dos special assessments norte-americanos a partir de 1691, quando pela primeira vez apareceram na legislação de Nova Yorque, ex-Nova Amsterdam, para serem mais largamente institucionalizados a partir do século XIX.

Foi naquele país que, graças também à elaboração de técnica mais apurada e de doutrina mais segura, e com o crescente apoio da jurisprudência, o tributo encontrou a sua aplicação mais ampla, empregada em numerosas regiões e sendo responsável, juntamente com os impostos sobre combustíveis, por consideráveis melhorias da rede rodoviária.

Assinalam tratadistas alemães que a criação de vias de trânsito tem sido, tradicionalemnte, uma das primeiras, senão a primeira das finalidades da atividade econômica pública, principalmente a nível local, tendo sido também uma constante o reconhecimento das vantagens individuais, além das coletivas, que essas obras produzem, com a conseqüente preocupação de se fazer reverter de alguma forma à coletividade parte daqueles privilégios, o que se teria refletido, já em épocas remotas, nas "contribuições especiais" levantadas por certas comunidades alemãs.

Na Alemanha moderna, as antigas preocupações de ligar a contribuição à recuperação dos benefícios prestados sobrevivem, segundo Buechner, através de "tendências mais recentes de integrar o dever de contribuir dos adjacentes numa concepção geral uniforme para todo o território nacional da legislação do planejamento, construção e solo que também considere a formação do preço imobiliário, a aquisição de terrenos para a construção, a tributação da terra, a tributação da renda imobiliária, o compromisso de construir, etc."87 87 Buechner, Richard. Contribuições In: Neumark & Gerloff. Tratado de ciência das finanças. Tuebingen, Alemanha, J.C.B. Mohr, 1956. v. 2, p. 230.

A legislação francesa, em 1807, retomando as iniciativas da época de Luís XIV, instituiu a contribution de la phis-value, com o objetivo de obrigar os beneficiários da criação de novas vias, praças, cais ou outras obras públicas a pagarem compensações proporcionais à valorização. Não foi, entretanto, um dispositivo muito utilizado pelas autoridades francesas, mesmo após a sua reforma em 1935, devido ao seu complicado processo administrativo.

Na Inglaterra, não obstante a tradição, só no século XIX e mais intensamente neste século, já entre as duas guerras mundiais, é que as betterment cliarges teriam maior desenvolvimento. No século XIX o seu aproveitamento evoluiu paralelamente com a reforma e ascenção das finanças locais. Neste século cabe referir várias iniciativas: o "Town and Country Planning Act", de 1932, que transferiu às comunidades ampla competência em relação ao planejamento da utilização do solo; o relatório de 1942 do "Utwath Committee on Compensation and Betterment", que rejeitou uma série de sugestões (cômputo da contribuição de melhoria na fixação da indenização, contribuição dos proprietários-construtores com 5% das despesas de construção, contribuições dentro de área limitada ou para determinados melhoramentos, caixas de compensação dos proprietários de terrenos, fundos locais colhidos através de contribuições de melhoria por ocasião da realização dos lucros ou aprovação de plantas de construção) para propor um "imposto sobre o acréscimo do valor anual" (períodic levy on increase in annual site value) ao nível de 75%, o qual deveria alcançar também os privilégios resultantes das atividades comunitárias; finalmente o "Town and Country Act", de 1947, prevendo a cobrança de development cliarges, incidentes sobre as vantagens decorrentes de várias causas, inclusive do planejamento geral do solo, porém de acordo com as decisões individuais de um novo Conselho Central do Solo e com seu pagamento permitido em prestações.

Nos Estados Unidos da América a crescente aceitação dos special assessments é, também, explicável pelas peculiaridades da sua organização federativa e tributária. Encontrando estados e municípios americanos estreitos limites, impostos pelo princípio da equality and uniformity in taxation, portanto na observância, por vezes difícil, do princípio da capacidade contributiva e da distribuição equitativa da carga tributária, os special assessments, não podendo ser enquadrados entre os impostos no sentido estrito, obedeceram, principalmente, às cidades em rápido crescimento, grata oportunidade de cobrir suas despesas não na base da capacidade contributiva, mas a partir dos privilégios resultantes da própria expansão dos seus gastos e ainda com a vantagem de alcançar instituições religiosas, beneficentes ou outras, isentas da tributação geral, mas favorecidas por melhorias. Tem sido uma norma básica, nos Estados Unidos da América, que os special assessments limitem-se à tributação de terrenos e excluam os imóveis construídos e a chamada propriedade pessoal, e que não ultrapassem, em princípio, o custo da respectiva obra pública, devendo a sua distribuição em relação a cada imóvel levar em conta o privilégio emergente.

Segundo Philip H. Cornick, sob a denominação geral de special assessments, há quatro tipos de contribuições, classificação que é igualmente de interesse para o estudioso brasileiro:

- gravames para indenização de despesas públicas com a remoção de coisas incômodas ao bem geral (águas estagnadas, imundícies, etc.), não-removidas pelo proprietário ou ocupantes, assemelhando-se mais a taxas cobradas em função do poder de polícia ou então a multas;

- gravames, a título de indenização de obras, legalmente exigíveis dos proprietários e por ele não realizadas, como passeios ou muros (no Brasil realizados pelos municípios, segundo sua tabela oficial de obras, mais uma percentagem de administração e multa, desde a data de escoamento do prazo);

- gravames à forfait para recuperação de despesas públicas com calçamento de ruas, drenos ou esgotos (com o princípio do benefício afastando o de poder de polícia predominante nos dois primeiros itens) e com a cobrança, para maior facilidade e simplificação, feita com o uso de processo indiciário, segundo medida linear da testada do terreno ou a sua área, ou então proporcional às avaliações oficiais desses imóveis pelo fisco;

- gravames em proporção ao benefício, nunca excedentes a este.

Cornick acentua que o quarto tipo ocupa "o ponto central do pensamento generalizado e na doutrina sobre o assunto" e que, a despeito de ser até menos freqüente que os outros, a manifesta justiça do princípio sobre o qual assenta atraiu tão vigorosamente os espíritos que ele tende a eclipsar não só a existência, mas até a necessidade dos demais tipos.88 88 Cornick, Philip. Special assessment In: Buck, A.E. Municipal finance. New York, Mcmillan, 1937. p. 388 e seguintes.

Por outro lado, não obstante se note o predomínio do fator "benefício" sobre o do "custo", os dois fatores, na prática norte-americana, acabam se conciliando diante da norma de o primeiro não poder ultrapassar o segundo, princípio este que acabou, também, sendo consagrado pela legislação brasileira.

Pondera Ahornar Baleeiro que, no Brasil, "a idéia de recuperação das somas investidas em obras públicas que valorizam imóveis de particulares ocorreu aos estadistas brasileiros muito antes de se difundirem, no país, as práticas fiscais estrangeiras sobre o assunto", mas que as iniciativas legais, em geral, se limitavam à compensação da valorização em expectativa com parte da indenização devida aos proprietários em caso de desapropriação e que, nesse sentido, há textos de leis brasileiras desde 1845.89 89 Baleeiro, Aliomar. op. cit p. 260.

A primeira experiência brasileira de cobrança de um tributo por assim dizer precursor pode ser identificada no Decreto n.º 1029, de 6/07/1905, do então Distrito Federal, que submeteu os proprietários de imóveis lindeiros ao pagamento da metade do custo das vias públicas.

Relatam-se, também, uma tentativa de introdução no município de São Paulo em 1924 e as recomendações do urbanista francês Agache de se financiar a execução de seu plano urbanístico para o Rio de Janeiro, na década de 1920, mediante a cobrança de uma taxa de valorização.

Em 1931, o município de Taquaritinga instituiu por lei contribuição de melhoria, declarada inconstitucional pelo Judiciário.

A Constituição de 1934, pela primeira vez, fez menção específica ao tributo na forma de seu art. 124: "Provada a valorização do imóvel por motivo de obras públicas, a administração que as houver efetuado poderá cobrar dos beneficiados contribuição de melhoria."

O texto constitucional deu oportunidade ao município de São Paulo, através da Lei n.º 2.509 de 1936, para esboçar a instituição do tributo, porém de forma efêmera, porquanto logo a seguir a Carta Constitucional de 1937 não mais fez referência à contribuição de melhoria.

A Constituição de 1946 restabeleceu o tributo através de seu art. 30: "Compete à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios cobrar:

I. contribuição de melhoria, quando se verificar valorização do imóvel, em conseqüência de obras públicas;

Parágrafo único. A contribuição de melhoria não poderá ser exigida em limites superiores à despesa realizada, nem ao acréscimo de valor que da obra decorrer para o imóvel beneficiado."

No mesmo ano de 1946 surgiu um projeto calcado num anteprojeto elaborado por Bilac Pinto e Anhais Melo em período anterior à Constituição. Os dois autores, conhecidos teóricos do assunto, haviam se inspirado na prática norte-americana do special assessment. Três anos depois, em 1949, o projeto se converteu na Lei n.º 854, a qual, conforme denuncia Aliomar Baleeiro, não foi cumprida, apesar de terem expedido legislação subsidiária a Bahia e a Guanabara.90 90 Baleeiro, Aliomar, op. cit p. 263-4.

A comissão que preparou a reforma tributária de 1966 não fez praticamente comentários sobre a contribuição de melhoria, embora de seu trabalho surgisse nova e mais minuciosa redação, nos termos da Lei n.º 5.172:

Art. 81: A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.

Art. 82: A lei relativa à contribuição de melhoria observará os seguintes requisitos mínimos:

I. Publicação prévia dos seguintes elementos:

a) memorial descritivo do projeto;

b) orçamento do custo da obra;

c) determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição;

d) delimitação da zona beneficiada;

e) determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para as áreas diferenciadas, nela contidas.

II. Fixação de prazo não-inferior a 30 dias, para impugnação pelos interessados, de qualquer dos elementos referidos no inciso anterior;

III. Regulamentação do processo administrativo de instrução e julgamento da impugnação a que se refere o inciso anterior, sem prejuízo da sua apreciação judicial.

§ 1.º A contribuição relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela de custo da obra a que se refere a alínea c, do inciso I, pelos imóveis situados na zona beneficiada em função dos respectivos fatores individuais de valorização.

§ 2.º Por ocasião do respectivo lançamento, cada contribuinte deverá ser notificado do montante da contribuição, da forma e dos prazos de seu pagamento e dos elementos que integram o respectivo cálculo.

A Constituição Federal de 1967 adotou redação semelhante à do referido art. 81: Art. 18: Além dos impostos previstos nesta Constituição, compete à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios instituir:

II. Contribuição de melhoria, arrecadada dos proprietários de imóveis valorizados por obras públicas, que terá como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.

O Decreto-lei n.º 195, de 24/12/1967, tratou especificamente da contribuição de melhoria; carece ainda da regulamentação nele previsto, com prazo respectivo há muito esgotado, e tem como um de seus dispositivos da cobrança, a parcela anual a ser paga a este título.

O município de São Paulo, através da Lei n.º 6.989/66 (surgida na véspera da implantação da reforma tributária e destinada a harmonizar com esta a legislação municipal) alinhou entre os tributos municipais a contribuição de melhoria, porém, segundo os próprios colaboradores da municipalidade, a norma, a este respeito, foi de tal modo genérico que, com base nela, não poderia o Executivo regulamentar a cobrança.91 91 Barreto, Aires F.; Fingermann, Henrique & Silva, M.A. Gondim e. Um modelo de cobrança da contribuição de melhoria. São Paulo, Resenha Tributária, 1975. p. 5. Em publicação oficial confirma a prefeitura de São Paulo que os municípios normalmente encontram sérias dificuldades na cobrança desse tributo, haja vista a complexidade em se determinar a valorização ocorrida nos imóveis beneficiados pela realização das obras92 92 Prefeitura do Município de São Paulo. op. cit. p. 14. e as cifras apresentadas na mesma publicação demonstram a sua ausência total entre as fontes efetivas da receita, do município de São Paulo.

Se existe há 20 anos, sem interrupção, a possibilidade constitucional de cobrar a contribuição, confirmada há 10 anos e completada pela reforma tributária e legislação subseqüente -o que impede, afinal, os municípios de fazer a sua cobrança? Ou pelo menos de se aparelharem para isto?

Para Aliomar Baleeiro, o que falta, seria mesmo a vontade de cobrar.93 93 Baleeiro, Aliomar. Contribuição de melhoria: divisão do lucro. In: A construção em São Paulo, n.º 1.302, 22/01/1973.

J. Rildo Medeiros Guedes aponta duas razões que lhe parecem impeditivas: de ordem objetiva, por ser quase impossível estabelecer critérios capazes de proporcionar, com segurança, a delimitação da área onde se localizem os imóveis direta ou indiretamente beneficiados pela obra; de ordem funcional relacionada com a exigência legal de se ter conhecimento da mais-valia obtida unitariamente por imóvel, em decorrência de obra, o que envolve avaliações individuais antes e depois ou por ocasião de sua execução.94 94 Guedes, J. Rildo Medeiros. In: Revista de Administração Municipal, n. 130-27.

Aliomar Baleeiro, não convencido por objeções como essas ou outras, de ordem técnica, jurídica ou política, recomenda o concurso dos setores especializados de engenharia, qualificados profissionalmente para levantar plantas das zonas atingidas, áreas, estado atual, projeto da modificação empreendida, especificações, cálculos dos custos da obra, custo unitário, etc; se esses dados já são geralmente disponíveis para os processos de desapropriação, também seriam perfeitamente utilizáveis para outras finalidades, assim como os próprios cadastros fiscais dos impostos territoriais e do predial poderiam ser mobilizados como pontos de apoio. A respeito da subjetividade, invocada em desabono da contribuição de melhoria, lembra o mesmo autor que esta não é peculiar ou exclusiva, pois permanece no fundo de quase todos os demais tributos entre os quais os próprios impostos territoriais, o predial relativo a casas utilizadas pelos proprietários, o imposto de transmisão e o imposto de renda em vários aspectos como os da cédula G.95 95 Baleeiro, Aliomar. Curso sobre teoria do direito tributário. Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. p. 44.

Uma equipe técnica, ligada ao departamento de rendas imobiliárias da prefeitura de São Paulo, vem de apresentar um estudo para a solução das dificuldades que têm entravado a implantação do tributo. Partindo do alinhamento de quatro variáveis, a serem necessariamente levadas em consideração pelo órgão lançador, inclusive em função da legislação vigente - delimitação de áreas de valorização, valor do imóvel antes da obra, valor do imóvel depois da obra e custo - não se detém no último desses aspectos, o custo, de fácil determinação, para concentrarse na solução dos dois outros problemas enfatizados por Medeiros Guedes: o da delimitação das áreas de valorização e o da valorização do imóvel. Quanto à delimitação, procura levar em consideração o tipo de influência exercida dessa influência para justificação das zonas de influência, que seriam constituídas de acordo com a seguinte classificação do impacto dos melhoramentos públicos sobre os valores imobiliários:

a) obras geradoras de valorização ao longo da direção do melhoramento;

b) obras geradoras de pólos de valorização;

c) obras geradoras de valorização radial e ao longo da direção do melhoramento.

Quanto à valorização propõe a referida equipe como ponto de referência para a fixação de valor anterior o valor venal fiscal, tal como também sugerido por Aliomar Baleeiro, e para a determinação do valor posterior a utilização do sistema das plantas genéricas, já com razoável tradição na área municipal, levados em consideração, porém, com o necessário cuidado, os limites legais, isto é, o total (custo da obra), o individual (o acréscimo de valor resultante para cada um dos imóveis) e também o de cobrança (anualmente 3% do valor fiscal do imóvel).96 96 Barreto, Aires F. et alii, op. cit

Um trabalho, como o citado, que mereceu inclusive a atenção do II Congresso Interamericano de Direito Tributário, reunido em São Paulo em fins de 1975, e voltado especialmente à política tributária de desenvolvimento urbano, constitui sem dúvida um avanço numa área até aqui tomada somente por teoria ou objeções, e onde até aqui tem faltado ao poder público instrumentos que lhe permitam reverter em benefício da coletividade os benefícios individuais proporcionados por suas obras, com poucas e modestas exceções entre as quais o derivativo das desapropriações por zona (a primeira das quais ocorrida ao ensejo da abertura da avenida Presidente Vargas pela então prefeitura do Distrito Federal).

Sem que se possa ter ilusões excessivas sobre a produtividade financeira do tributo, como fonte de receita - mesmo que se pudesse recuperar 10% das despesas de capital em geral, que no período 1970/71 ascendiam a 40% da despesa corrente, e obviamente não eram todas de obras, o produto não iria além de 4% da receita corrente total, muito aquém dos demais tributos - a cobrança chegou até a ser considerada um dever político,97 97 Nome de uma das teses apresentadas ao II Congresso Interamericano de Direito Tributário (por Sidney S. Apocalypse). como medida de justiça tributária por tributar, senão os que possam melhor contribuir, os que mais sejam beneficiados pelo esforço coletivo, além de se poder articular com outros tributos, entre os quais o imposto territorial/predial, rural, a própria taxa, etc, como instrumento de planejamento urbano e, finalmente, servir como elemento propulsionador e, em parte, até autofinanciador dos empreendimentos públicos.

  • 1 Veja Juano, Manuel de. Política y derecho tributário de los municípios. II Congresso Interamericano de Direito Tributário, São Paulo, 1975.
  • 2 Laski, Harold. O Estado moderno, apud Araújo Castro. A nova Constituição do Brasil. Rio de Janeiro, Livraria Fr. Bastos, 1935. p. 11. (O grifo é nosso.
  • 4 Eckstein, Otto, Economia financeira - uma introdução à politica fiscal. Rio de Janeiro, Zahar, 1966, p. 58-61.
  • 7 Falcão, Amílcar de Araujo. Sistema tributário brasileiro. Rio de Janeiro, Edições Financeiras, 1965. p. 9.
  • 9 Baleeiro, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 9. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1973. p. 235.
  • 11 Hettlage. Karl M. Die Finanzverfassung in Rahmen der Staatsverfassung. Berlim, Walter de Gruyter, 1956.
  • 13 Pinto, Carlos Alberto Carvalho. Discriminação de rendas. Prefeitura do Município de São Paulo, 1941. p. 125.
  • 14 Villa, José Machado. O município no regime constitucional vigente. Freitas Bastos, 1952. p. 13.
  • 17 Ataliba, Geraldo. Sistema constitucional brasileiro. Editora Revista dos Tribunais, 1966. p. 61;
  • 24 Quadro montado com base em dados extraídos do Anuário Estatístico do Brasil 1968. Fundação IBGE, p. 567,1968.
  • 31 A reprodução, em parte textual, de críticas e proposições provém de: Fundação Getúlio Vargas. Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda. Reforma da discriminação constitucional de rendas (anteprojeto'). Rio de Janeiro, 1965.
  • 33 Fundação Getúlio Vargas. Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda. Sistema tributário nacional. Rio de Janeiro, 1967. p. 15.
  • 36 Fundação Getulio Vargas. Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda, Sistema Tributário Nacional, p. 13.
  • 39 Termo cunhado por Dória, Antonio R. Sampaio. In: discriminação de rendas tributárias. São Paulo, José Bushatsky, 1972. p. 210.
  • 40 Veja Bonavides, Paulo. Ciência Politica. Rio de Janeiro, FGV, 1967;
  • e Oliveira, Fábio Leopoldo de. O problema das competências tributárias e das discriminações de rendas em face do Estado moderno. São Paulo, Resenha Tributária, 1975.
  • 41 Veja a respeito Impacto da reforma tributária brasileira sobre os municípios. São Paulo, FIESP/CIESP, 1972.
  • 46 Dados do município de São Paulo, segundo Finanças municipais. Prefeitura do Município de São Paulo, V/VI/74, p. 128;
  • do norte, segundo FPM na composição da receita municipal. IBAM, 1970. p. 6;
  • 50 Dados extraídos do Anuário Estatístico do Brasil, Fundação IBGE, 1975,
  • 51 Reproduzido por Deodato, Alberto. In: Manual de ciência das finanças São Paulo, Saraiva, 1961.
  • 52 Baleeiro, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 9. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1973. p. 265.
  • 55 Hugon, Paul. O imposto. São Paulo, Renascença, 1945. p. 158.
  • 61 Ver Ayres Neto, Gabriel. O imposto predial. Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de São Paulo, 1947. p. 3-5.
  • 63 Aguiar, Joaquim Castro. Sistema tributário municipal. Rio de Janeiro, José Konfino Editor, 1971. p. 52.
  • 68 Tentativa semelhante do município de Americana, São Paulo, foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (veja O Estado de São Paulo, 7 mar. 1975, p. 20.
  • 69 Nogueira, Rui Barbosa. Direito financeiro -curso de direito tributário. 3. ed. São Paulo, José Bushatsky Editor, 1971. p. 157.
  • 72 Morais, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e prática do imposto sobre serviços. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1965. p. 4-5.
  • 73 Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda. Reforma de discriminação constitucional de rendas (anteprojeto). Rio de Janeiro, 1965. p. 6.
  • 78 ISS, a futura fonte de renda. O Estado de São Paulo, 12 out 1976, p. 31.
  • 79 Cavalcanti, Amaro. Elementos de finanças. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1896. p. 170.
  • 80 Barbosa, Ruy. Parecer sobre a questão dos portos. Bahia, Estab. Dois Mundos, 1919. p. 94.
  • 85 Sousa, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. Rio de Janeiro, Financeiras, 1954. p. 120.
  • 91 Barreto, Aires F.; Fingermann, Henrique & Silva, M.A. Gondim e. Um modelo de cobrança da contribuição de melhoria. São Paulo, Resenha Tributária, 1975. p. 5.
  • 95 Baleeiro, Aliomar. Curso sobre teoria do direito tributário. Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. p. 44.
  • 1
    Veja Juano, Manuel de. Política y derecho tributário de los municípios. II Congresso Interamericano de Direito Tributário, São Paulo, 1975.
  • 2
    Laski, Harold. O Estado moderno, apud Araújo Castro.
    A nova Constituição do Brasil. Rio de Janeiro, Livraria Fr. Bastos, 1935. p. 11. (O grifo é nosso. )
  • 3
    Kelsen, Hans.
    Compêndio da teoria geral do Estado. Apud: Araújo Castro, op. cit p. 11. (O grifo é nosso.)
  • 4
    Eckstein, Otto,
    Economia financeira - uma introdução à politica fiscal. Rio de Janeiro, Zahar, 1966, p. 58-61. Nota: "bens coletivos" são considerados aqueles que tem de ser proporcionados a grupos de pessoas e não propriamente a indivíduos e não podem ser negados "mesmo aos que se neguem a pagar por eles; a "escolha" ocorreria, por exemplo, no caso de famílias mais ou menos numerosas em relação ao sistema escolar e à respectiva carga tributária.
  • 5
    Apud: Juano, Manoel de. op. cit. p. 9.
  • 6
    No caso do imposto sobre a propriedade territorial rural a União se reserva a cobrança do tributo unicamente para usá-lo como instrumento de política de reforma agrária, tanto assim que cede o produto líquido da arrecadação aos municípios.
  • 7
    Falcão, Amílcar de Araujo.
    Sistema tributário brasileiro. Rio de Janeiro, Edições Financeiras, 1965. p. 9.
  • 8
    Falcão, Amílcar de Araujo, op. cit. p. 126.
  • 9
    Baleeiro, Aliomar.
    Uma introdução à ciência das finanças. 9. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1973. p. 235.
  • 10
    Neste trabalho Hamilton preconiza (p. 182-199) a necessidade de poder tributário para assegurar a autonomia da União, bem como dos estados, observando que "there must be interwoven, in the frame of government a general power of taxation, in one shape or another".
  • 11
    Hettlage. Karl M.
    Die Finanzverfassung in Rahmen der Staatsverfassung. Berlim, Walter de Gruyter, 1956.
  • 12
    Falcão, Amílcar de Araujo, op. cit. p. 16.
  • 13
    Pinto, Carlos Alberto Carvalho.
    Discriminação de rendas. Prefeitura do Município de São Paulo, 1941. p. 125.
  • 14
    Villa, José Machado.
    O município no regime constitucional vigente. Freitas Bastos, 1952. p. 13.
  • 15
    Sousa, Rubens Gomes de. Sistema tributário federal. In:
    Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, FGV, v. 72, p. 2.
  • 16
    Falcão, Amílcar de Araujo, op. cit. p. 35.
  • 17
    Ataliba, Geraldo.
    Sistema constitucional brasileiro. Editora Revista dos Tribunais, 1966. p. 61; segundo Aliomar Baleeiro (op. cit p. 237) a discriminação rígida apresenta três vantagens (preservação da autonomia dos estados e municípios, garantindo um campo mínimo e exclusivo a cada um deles; segurança dos contribuintes quanto à bitributação, como tal entendida, a exigência do tributo sobre o mesmo fato econômico ou jurídico por parte de governos diferentes; tendência à simplificação, com a redução dos tributos às categorias previstas na Constituição, evitando-se a perturbadora multiplicidade tributária) e uma única e discutível desvantagem (sujeição do legislador ordinário a uma disciplina limitativa de sua liberdade de movimentos).
  • 18
    Pinto, Carlos Alberto Carvalho, op. cit. p. 137.
  • 19
    Pela primeira vez aparece também uma referência à "contribuição de melhoria", a qual, de acordo com o art. 124 da Constituição, "provada a valorização do imóvel por motivo de obras públicas", poderia ser cobrada dos beneficiários pela administração que as tivesse efetuado.
  • 20
    Baleeiro, Aliomar. op. cit p. 290-1.
  • 21
    A entrega do imposto de renda foi condicionada à aplicação de pelo menos metade em "benefícios de ordem rural", como tais considerados todos os serviços ou obras realizados "com o objetivo de melhoria das condições econômicas, sociais, sanitárias ou culturais das populações das zonas rurais".
  • 22
    Já durante a vigência da Constituição de 1937, as Emendas n.º 3 e 4 de 1940, tolhendo aos estados e municípios a tributação direta ou indireta sobre o carvão mineral nacional, combustíveis líquidos e lubrificantes, criaram o imposto federal incidente sobre esses produtos, chamado único, por excluir não só os impostos estaduais e municipais, mas também todos os federais, salvo sobre a renda. A Constituição de 1946 estendeu o regime do "imposto único" aos combustíveis gasosos, a todos os minerais do país e à energia elétrica.
  • 23
    As transferências foram consideradas totalmente pertencentes ao segundo período; a rigor, teria de ser considerada ainda no primeiro período alguma distribuição do imposto único, porém, isto somente sucedeu na parte final daquela fase e em termos não muito significativos e extensos. Veja também a nota 22.
  • 24
    Quadro montado com base em dados extraídos do
    Anuário Estatístico do Brasil 1968. Fundação IBGE, p. 567,1968.
  • 25
    Dentro do conceito de poder de polícia.
  • 26
    Foi proposta também a supressão do imposto do selo estadual e a modificação, inclusive da sua denominação, e a restrição da base tributária do federal.
  • 27
    A substituição do imposto de vendas e consignação condenou praticamente ao desaparecimento o de indústria e profissões, por assim dizer, um seu satélite.
  • 28
    Anteriormente subdividido em dois tributos - sobre os imóveis construídos e sobre terrenos; a reforma preferiu a consolidação em um só imposto, de modo a facilitar seu tratamento sistemático na lei.
  • 29
    Dessas percentagens conjuntas seriam aplicadas somente ao município as seguintes, respectivamente no sistema novo e antigo: sobre combustíveis e lubrificantes - 8% (12%); sobre energia elétrica - 10% (10%); sobre minerais - 20% (20%).
  • 30
    Segundo o art. 78 do Código Tributário Nacional, considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público...
  • 31
    A reprodução, em parte textual, de críticas e proposições provém de: Fundação Getúlio Vargas. Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda.
    Reforma da discriminação constitucional de rendas (anteprojeto'). Rio de Janeiro, 1965.
  • 32
    Baleeiro, Aliomar. op. cit. p. 292.
  • 33
    Fundação Getúlio Vargas. Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda.
    Sistema tributário nacional. Rio de Janeiro, 1967. p. 15.
  • 34
    Baleeiro, Aliomar. op. cit. p. 294.
  • 35
    Baleeiro, Aliomar. op. cit. p. 293.
  • 36
    Fundação Getulio Vargas. Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda,
    Sistema Tributário Nacional, p. 13.
  • 37
    Veja p. 15-6.
  • 38
    O volume das transferências e, conseqüentemente, da receita municipal, voltaria a crescer mais intensamente a partir de 1972, inclusive em termos reais, de acordo com as cifras já conhecidas das arrecadações federais e estaduais.
  • 39
    Termo cunhado por Dória, Antonio R. Sampaio. In:
    discriminação de rendas tributárias. São Paulo, José Bushatsky, 1972. p. 210.
  • 40
    Veja Bonavides, Paulo.
    Ciência Politica. Rio de Janeiro, FGV, 1967; e Oliveira, Fábio Leopoldo de.
    O problema das competências tributárias e das discriminações de rendas em face do Estado moderno. São Paulo, Resenha Tributária, 1975.
  • 41
    Veja a respeito
    Impacto da reforma tributária brasileira sobre os municípios. São Paulo, FIESP/CIESP, 1972.
  • 42
    Alterado pelo art. 8.º do Ato Complementar n.º 34 de 30/01/1967, dispondo que "no caso de antecipação ou diferimento do imposto que importe no seu recolhimento em município diferente do da localização do contribuinte substituído, a entrega será efetuada até o último dia do mês seguinte ao em que se efetuou o recolhimento" e que "nos demais casos, a entrega será efetuada pelo próprio agente incumbido da arrecadação, dentro do prazo máximo de três dias a partir da data do recolhimento".
  • 43
    No período 1967-71 os índices da receita própria e da "transferida" (global) giraram, respectivamente, em torno de 40 e 60%.
  • 44
    Abstração feita de eventual constribuição no "excesso de arrecadação", reconhecidamente improdutiva por ser obrigação cumprida por poucos estados e, assim mesmo, com uma defasagem de dois anos entre a avaliação das cotas de retorno e o pagamento efetivo.
  • 45
    De acordo com o art 25 da Constituição Federal, a entrega dos recursos atribuídos pelo FPM depende, entre outras condições, da "aprovação de programas de aplicação com base nas diretrizes e prioridades estabelecidas pelo governo federal" e da "vinculação de recursos próprios" necessários à execução daqueles programas, o que significa uma extensão da vinculação e influência na qualidade das aplicações.
  • 46
    Dados do município de São Paulo, segundo
    Finanças municipais. Prefeitura do Município de São Paulo, V/VI/74, p. 128; do norte, segundo
    FPM na composição da receita municipal. IBAM, 1970. p. 6; dos municípios, com menos de 10.000 habitantes, IPE/USP, São Paulo.
  • 47
    Veja a respeito Serviço de Publicações FIESP/CIESP. op. cit.
  • 48
    Tudo baseado nos dados extraídos do
    quadro 4, referentes a 1971, deflacionados em relação a 1975.
  • 49
    Prefeitura Municipal'de São Paulo. op. cit. p. 37.
  • 50
    Dados extraídos do
    Anuário Estatístico do Brasil, Fundação IBGE, 1975, correspondente a aproximadamente 80% da receita dos municípios brasileiros.
  • 51
    Reproduzido por Deodato, Alberto. In:
    Manual de ciência das finanças São Paulo, Saraiva, 1961.
  • 52
    Baleeiro, Aliomar.
    Uma introdução à ciência das finanças. 9. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1973. p. 265.
  • 53
    A referência à redução é quanto ao preço líquido remanescente para o vendedor, depois de absorvido o imposto.
  • 54
    Essa reforma, curiosamente, ocorreu 100 anos exatos antes da implantação da nossa reforma a partir de 1967.
  • 55
    Hugon, Paul.
    O imposto. São Paulo, Renascença, 1945. p. 158.
  • 56
    Referência textual do art. 9.º - § 1.º do Decreto-lei n.º 406, de 31/12/1968.
  • 57
    Fonte: Fundação IBGE. op. cit; divisão dos recursos transferidos feita a partir dos rateios legais; impostos diversos considerados totalmente como imposto de renda retido, dada a insignificação do resto; imposto de serviço considerado totalmente como "real", sem consideração pela faixa de "capitação", dado o seu produto insignificante e de difícil separação; predial/territorial, considerado semipessoal, com abstração de eventual translação; a diferença entre o total supra e a receita corrente total é constituída pelas taxas, contribuições de melhoria e "outras receitas".
  • 58
    Ligado às próprias opções da política do desenvolvimento econômico de extrair os recursos necessários para o investimento das classes mais aptas para a formação de poupança ou da coletividade em geral.
  • 59
    Veja a respeito Baleeiro, Aliomar. op. cit. p. 389. (O grifo é nosso.)
  • 60
    Observe-se que o tributo anteriormente citado, instituído pela reforma tributária de 1867, apesar de incidir sobre os imóveis urbanos, também não era ainda um imposto municipal, pelas mesmas razões.
  • 61
    Ver Ayres Neto, Gabriel.
    O imposto predial. Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de São Paulo, 1947. p. 3-5.
  • 62
    Baleeiro, Aliomar. op. cit.
  • 63
    Aguiar, Joaquim Castro.
    Sistema tributário municipal. Rio de Janeiro, José Konfino Editor, 1971. p. 52.
  • 64
    Segundo Aguiar, Joaquim de Castro, op. cit. p. 54, "valor venal é o valor de venda à vista do imóvel, nas condições normais do mercado".
  • 65
    Barreto, Aires F. Imposto predial e territorial urbano. In:
    Finanças públicas municipais, Prefeitura do Município de São Paulo, V/VI, 1974. p. 117.
  • 66
    Ataliba, Geraldo. Imposto predial e urbano e taxas de serviços urbanos. In:
    Revista de Direito Público. São Paulo, n. 11, I/III, p. 122/3. 1970.
  • 67
    Prefeitura do Município de São Paulo.
    Finanças públicas municipais, op. cit p. 16.
  • 68
    Tentativa semelhante do município de Americana, São Paulo, foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (veja
    O Estado de São Paulo, 7 mar. 1975, p. 20.
  • 69
    Nogueira, Rui Barbosa.
    Direito financeiro -curso de direito tributário. 3. ed. São Paulo, José Bushatsky Editor, 1971. p. 157.
  • 70
    Ultimamente surgiram algumas iniciativas e estudos para a transformação do imposto predial/territorial em instrumento regulador de uso do solo, por iniciativa da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, da prefeitura de São Paulo e do CEPAM, da Secretaria do Interior do Estado de São Paulo.
  • 71
    Veja Baleeiro, Aliomar. op. cit. p. 393-4.
  • 72
    Morais, Bernardo Ribeiro de.
    Doutrina e prática do imposto sobre serviços. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1965. p. 4-5.
  • 73
    Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda.
    Reforma de discriminação constitucional de rendas (anteprojeto). Rio de Janeiro, 1965. p. 6.
  • 74
    Veja sobre esta parte Morais, Bernardo Ribeiro de. op. cit.
  • 75
    Baleeiro, Aliomar. op. cit. p. 392-3.
  • 76
    Morais, Bernardo Ribeiro de. op. cit. p. 566, considera como não mais existente - por implicitamente revogada - essa limitação das alíquotas.
  • 77
    Prefeitura do Município de São Paulo; op. cit. p. 23-4.
  • 78
    ISS, a futura fonte de renda.
    O Estado de São Paulo, 12 out 1976, p. 31.
  • 79
    Cavalcanti, Amaro.
    Elementos de finanças. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1896. p. 170.
  • 80
    Barbosa, Ruy.
    Parecer sobre a questão dos portos. Bahia, Estab. Dois Mundos, 1919. p. 94.
  • 81
    A respeito do assunto, das citações, inclusive de T. Cooley, veja Baleeiro, Aliomar. op. cit p. 189-90 e 242-7.
  • 82
    No tocante a ambos os dispositivos é interessante observar que, com referência a inconvenientes e prejuízos da poluição e da contaminação do meio ambiente, o Decreto-lei n.º 1.413, de 1975, reservou ao poder executivo federal a competência exclusiva para determinar ou cancelar a suspensão do funcionamento de estabelecimento industrial cuja atividade seja considerada de alto interesse do desenvolvimento e da segurança nacional, facultado aos estados e municípios, com ressalva daquelas disposições, estabelecer no limite das respectivas competências condições para o funcionamento das empresas.
  • 83
    Idem ao 82.
  • 84
    Valores e deflacionamento, de acordo com as fontes antes citadas.
  • 85
    Sousa, Rubens Gomes de.
    Compêndio de legislação tributária. Rio de Janeiro, Financeiras, 1954. p. 120.
  • 86
    Baleeiro, Aliomar. op. cit p. 257.
  • 87
    Buechner, Richard.
    Contribuições In: Neumark & Gerloff.
    Tratado de ciência das finanças. Tuebingen, Alemanha, J.C.B. Mohr, 1956. v. 2, p. 230.
  • 88
    Cornick, Philip.
    Special assessment In: Buck, A.E.
    Municipal finance. New York, Mcmillan, 1937. p. 388 e seguintes.
  • 89
    Baleeiro, Aliomar. op. cit p. 260.
  • 90
    Baleeiro, Aliomar, op. cit p. 263-4.
  • 91
    Barreto, Aires F.; Fingermann, Henrique & Silva, M.A. Gondim e.
    Um modelo de cobrança da contribuição de melhoria. São Paulo, Resenha Tributária, 1975. p. 5.
  • 92
    Prefeitura do Município de São Paulo. op. cit. p. 14.
  • 93
    Baleeiro, Aliomar. Contribuição de melhoria: divisão do lucro. In:
    A construção em São Paulo, n.º 1.302, 22/01/1973.
  • 94
    Guedes, J. Rildo Medeiros. In:
    Revista de Administração Municipal, n. 130-27.
  • 95
    Baleeiro, Aliomar.
    Curso sobre teoria do direito tributário. Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. p. 44.
  • 96
    Barreto, Aires F. et alii, op. cit
  • 97
    Nome de uma das teses apresentadas ao II Congresso Interamericano de Direito Tributário (por Sidney S. Apocalypse).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Out 1977
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