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Gestão tecnológica: aspectos organizacionais e administrativos

Gestão tecnológica: aspectos organizacionais e administrativos

Carlos O. Bertero

Coordenador do Curso de Mestrado em Administração da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

1. GESTÃO TECNOLÓGICA

O estudo da tecnologia não é estranho à literatura administrativa e organizacional. Na verdade o problema tem quase duas décadas e duas maneiras básicas de focalizá-lo podem ser encontradas - uma que busca as relações entre tecnologia e estrutura organizacional e uma outra que tem manifestado mais interesse pelas relações entre a tecnologia adotada e o comportamento de pessoas e grupos no interior das organizações. A primeira abordagem encontra apoio no estudo clássico de Joan Woodward1 1 Woodward, Joan. Industrial organization: theory and practice London, Oxford University Press, 1965. e nos trabalhos do grupo de Aston, realizados quase uma década depois.2 2 Entre os principais trabalhos do grupo de Aston convém lembrar: Hickson, D. J., Pugh, D. S. & Pheysey, D., Operations technology and organization structure. An empirical reappraisal. Administrative Science Quarterly, n. 14, p. 378-97, 1969; e Pugh, D. S., Hickson, D. J., Hinnings, C B. & Turner, D. The context of organization structures. Administrative Science Quartely, n. 14, p. 91-114, 1969. A contribuição de Peter Blau, embora não tenha sido originada por pesquisas que objetivassem primordialmente a investigação das relações entre tecnologia e estrutura, terminou por lançar indiretamente também luzes para o esclarecimento do assunto.3 3 Dentre os vários trabalhos de P. Blau sobre o assunto, é importante lembrar o elaborado em co-autoria com Robert Schoenherr, The structure of organizations. New York, Basic Books, 1971. A formal theory of differentiation in organizations. American Sociological Review, p. 201-18, 1970. A segunda abordagem foi em boa parte desencadeada pelas observações feitas por Chris Argyris sobre a dicotomia indivíduo-organização4 4 Argyris, Chris. Personality and organization. New York, Harper & Row 1957. e teve seqüência em toda uma linha de pesquisas e práticas que procuravam adequar trabalhadores e tarefas, que partindo do pressuposto de que o trabalhador é motivável, criativo, apreciador de autonomia, buscava enriquecer e ampliar as tarefas.5 5 Argyris, Chris. Personality and organization theory revisited. Administrative Science Quarterly, v. 18, p. 150-2, Jun. 1973.

Uma outra abordagem importante foi a dos sistemas sociotécnicos, desenvolvida na Inglaterra pelo Tavistock Institute onde organizações são vistas como possuindo uma dimensão técnica (equipamentos e processos) e uma dimensão social (indivíduos). A abordagem do Tavistock representa uma das tentativas de unificar as contribuições clássicas vindas dos pioneiros das relações humanas (George E. Mayo, Roctilisberger e Dickson) e os proponentes da administração científica (Taylor, Fayol e Uruick).

Além da literatura propriamente organizacional, podemos encontrar interesse pela tecnologia em muitos outros autores, dos quais gostaríamos de ressaltar neste trabalho o que se origina na estratégia empresarial e o que tem sido manifestado pelos economistas.

A estratégia empresarial, ou política de negócios, são expressões em português que traduzem o inglês business policy. A disciplina é de conteúdo teórico reduzido e surgiu mais da necessidade de equacionar os problemas da firma em face do meio-ambiente e da competição. A perspectiva da política de negócios tem sido pragmática. Mais do que fixar-se na elaboração teórica e no desenvolvimento de modelos, sem vinculá-los imediatamente à realidade, a política de negócios vem buscando pragmaticamente desenvolver modelos a fim de responder às dificuldades que o desenrolar das operações criou para que as empresas continuem sendo empreendimentos bem sucedidos.

Na perspectiva da política de negócios, a tecnologia pode ser vista como um dos recursos essenciais para que a empresa opere com sucesso. Entre esses recursos H. Igor Ansoff menciona três tipos básicos, a saber: os recursos físicos (planta industrial e estoques); monetários (crédito, dinheiro) e humanos.6 6 Ansoff, H. Igor. Corporate strategy: an analytic approach to business policy for grouth and expansion. London, Penguin Books, 1965. p. 17.

A colocação da tecnologia como recurso básico é plenamente justificável à medida que é a tecnologia que fornece à empresa os elementos para que ela obtenha uma diferenciação decisiva frente a competidores e consumidores. Sob este aspecto, a tecnologia como recurso empresarial básico pode ser encontrada nas origens do próprio desenvolvimento industrial. A história do desenvolvimento industrial capitalista nos países desenvolvidos é ilustrativa da afirmação, na medida em que um novo produto ou um novo processo, ou ambos, eram o que dava origem a uma determinada empresa. A história empresarial é rica de exemplos neste sentido e o que hoje são grandes impérios empresariais teve sua origem em algum tipo de avanço tecnológico do tipo mencionado. Tomemos o caso de Geroge Eastman e do processo fotográfico do qual surgiu a Kodak; Good Year e o processo de vulcanização da borracha; Henry Ford e o processo de linha de montagem para produzir automóveis; Irenée du Pont e o seu novo processo de fabricar soda cáustica e muitos outros exemplos poderiam ser adicionados a esta lista. Na verdade, a história das empresas é um tipo de literatura onde o aspecto de inovação tecnológica, como recurso básico na criação e desenvolvimento de empresas, pode ser percebido em grande riqueza de detalhes.

O processo inovatório hoje não mais existe centrado no empresário inovador: acabou sendo substituído pelo que se chamaria de um atributo organizacional. A empresa bem sucedida não é aquela que fabrica e comercializa determinada linha de produtos, mas é aquela capaz de alterar permanentemente o seu product mix a fim de adequar-se às alterações do mercado. O inventor genial e isolado foi substituído pela P&D (pesquisa e desenvolvimento) como funções organizacionais permanentes. A grande empresa moderna, surgida do desenvolvimento capitalista, e que opera em mercados oligopolísticos, torna-se ininteligível sem um fluxo constante de inovações que se apoiem na existência de recursos tecnológicos. É a existência dos recursos tecnológicos que toma possível não só o atendimento de uma demanda latente pelo aumento de produção, mas a criação da demanda pela criação de novos produtos e serviços que não eram nem mesmo vislumbrados pelo consumidor.

Outra abordagem importante ao problema de tecnologia na empresa é a da economia. As reflexões do economista sobre a tecnologia podem ser detectadas em dois pontos. Primeiramente, como instrumento competitivo da firma individual. Como tal, a tecnologia deveria levar à redução de custos, aumento de produtividade, poupança de mão-de-obra e melhoria de qualidade de produtos, sempre buscando o aumento de participação no mercado, margens de lucros maiores. Em segundo lugar, as reflexões de economista sobre a tecnologia foram desencadeadas pela problemática das economias subdesenvolvidas ou em desenvolvimento. O comportamento empresarial funcional a uma economia desenvolvida, como o aumento de produtividade, a substituição de mão-de-obra por equipamento, ou a adoção de uma linha de produtos que desse ao consumidor possibilidade de escolha, pode ser disfuncional e até mesmo de adoção questionável em economias onde a mão-de-obra é tão abundante que o desemprego e o subemprego são a regra, onde as necessidades da maioria da população são tão elementares que linhas de produtos mais sofisticados passam a ser descabidas, e onde o aumento da produtividade e a eventual substituição de mão-de-obra por equipamento podem gerar maiores problemas a médio e longo prazos do que as reduzidas vantagens a curto prazo que uma firma isoladamente pode obter.

Toda esta nova realidade - para a qual a teoria econômica não encontrava respostas, pelo fato de ter-se desenvolvido para equacionar problemas bem diversos daqueles encontrados nos países periféricos - é que gerou as discussões em torno da intensidade de capital versus intensidade de mão-de-obra; desenvolvimento de tecnologias intermediárias adaptadas às necessidades das economias em desenvolvimento; adoção de estratégias empresariais menos competitivas, uma vez que a segmentação de mercados pode conduzir ao privilégio dos estratos de renda mais elevada em detrimento de grandes contingentes que auferem rendas substancialmente mais baixas.

Embora todos estes aspectos e abordagens lidem com tecnologia, suas repercussões a nível da empresa ou na economia como um todo tenham sido provocadoras e estimulantes, um aspecto bastante importante foi, até o momento, negligenciado: o de como a empresa lida com os problemas da tecnologia. A empresa é quem administra, coordena, controla, inova, obsolesce em matéria tecnológica.

É fato igualmente inegável que na organização da atividade econômica em nosso século a tecnologia está nas empresas muito mais do que em qualquer outro tipo de organização (agências governamentais, forças armadas ou universidades). Embora o Governo possa desempenhar um papel-chave como financiador de pesquisas e desenvolvimento, o que ocorre praticamente em todos os países, inclusive nos Estados Unidos, é que o encargo de administrar os recursos financeiros, constituir e conduzir equipes de técnicos e especialistas a fim de que desenvolvam projetos específicos é tarefa que permanece sob a responsabilidade das empresas.

Na caracterização da gestão tecnológica encontramos já algumas tentativas como a de Felix Moreno que afirma ser gestão tecnológica a capacidade administrativa para desempenhar funções de criação, avaliação, assimilação e comercialização de tecnologia e para adquirir informação completa e oportuna sobre a mesma.7 7 Moreno, Felix. Cartilla sobre adquisición de tecnologia. Bogotá, Colciencias, Documentos Estudios, 1974.

O trabalho de Maria Teresa Motta, embora reconheça componentes administrativos em sua definição, parece conferir-lhe um papel assessório à medida que vê gestão de tecnologia como explicável a partir de variáveis exclusivamente econômicas. Desta forma, a autora lança a hipótese de que "a decisão tecnológica a nível empresarial pode ser satisfatoriamente explicada através de variáveis econômicas tradicionais como uma decisão de maximização de lucros.8 8 Motta, Maria Teresa. Gestión tecnológica en el sector industrial vallecaucano. Cali, Colombia, Departamento de Administración, 1975. p. 25. Deste ponto de vista, a concepção de Luiz Fajardo encontra-se amparada por um contexto econômico onde se busca relacionar boa gestão tecnológica com sucesso empresarial, seja sob a forma de crescimento, aumento de lucros, ou ambos.9 9 Fajardo, Luiz. Proyecto de investigación sobre gestión tecnológica en América Latina. Bogotá, Cladea, 1975, p. 13.

Portanto, vamo-nos ater, com objetivos de operacionalização futura de nossa definição, à gestão tecnológica como o conjunto de decisões sobre criação, desenvolvimento, adoção e operação de uma determinada tecnologia. A definição proposta tem a vantagem de ser abrangente, ou seja, capaz de abarcar os vários aspectos da gestão tecnológica. Até o momento, a literatura tem dado preferência ao estudo da inovação, da difusão e da transferência. Estes aspectos de gestão tecnológica têm despertado mais interesse e são dotados de maior apelo do que a gestão tecnológica nos seus aspectos rotineiros e quotidianos.

Todavia, acredito que ao estudarmos qualquer aspecto da administração, procuraremos entender e levantar o que se faz rotineiramente e habitualmente, e não só o que é excepcional e que rompe os limites do costumeiro.

Tal concepção apóia-se na crença de que o conhecimento para aspirar à universalidade e aplicabilidade deve abranger todos os aspectos da realidade e não apenas parte desta mesma realidade.

É perfeitamente possível que, após efetuarmos os levantamentos completos dos procedimentos de gestão tecnológica, concluamos pela irrelevância, tanto para a teoria, como para a prática da administração de alguns aspectos. Todavia para que possamos avaliar da falta de importância é necessário investigar. Estas observações se fazem necessárias pelo caráter ainda pioneiro do assunto. Na verdade existe acúmulo de material sobre alguns aspectos da gestão de tecnologia. Deles a inovação é seguramente o que maior interesse tem despertado, não só a análise da inovação no plano do indivíduo, ou os estudos sobre criatividade individual, mas os problemas de compatibilização entre inovação, formalização e rotinas organizacionais. Os vários trabalhos sobre a administração do esforço de pesquisa nas empresas, as peculiaridades que uma organização voltada à inovação apresenta e que a afastam de um modelo burocrático de administração já foram estudadas. O trabalho de Victor Thompson explora não só a lacuna que surge na moderna organização pela separação entre administradores generalistas e tecnólogos (especialistas) a ponto de provocar não apenas dificuldades de operação, mas inclusive sérios atritos no que se refere ao problema do poder e da legitimidade.10 10 Thompson, Victor A. Modern organization: a general theory. New York, Alfred A. Knopf, 1961. p. 6.

As dificuldades envolvidas em compatibilizar no interesse de uma empresa a sistemática administrativa e tudo que ela envolve (controle, prazos, horários, rotinas, formalizações, linhas claras de autoridades, etc) com um setor da mesma organização voltado à inovação é tema já abordado. Poderíamos, inclusive, analisar com mais cuidado as dificuldades e até responsabilidades de aplicar rotinas e procedimentos administrativos, idênticos aos que se aplicam nos demais setores da organização ao pessoal de pesquisa e desenvolvimento. Resta, todavia, a inevitável realidade de que P&D são parte integrante da organização e que, portanto, devem, mesmo respeitadas as suas peculiaridades, adequar-se aos objetivos comuns e últimos da organização. É inteligível e recomendável que o diretor da P&D não se preocupe com os dividendos do atual exercício nos mesmos termos em que se preocupa o diretor financeiro. Mas será igualmente inadmissível que o diretor da P&D rejeite integralmente uma orientação de visar lucros a prazos mais longos com a eventual industrialização e comercialização de alguns dos projetos em que o seu departamento está empenhado.

Outro aspecto interessante da gestão da tecnologia é o da difusão de inovações. Tal concepção, de que a inovação se difunde no passado, forneceu tema a muitas monografias em antropologia. Todavia, o interesse do administrador não está em estudar a difusão de valores, práticas, costumes e idéias, mas de entender como um produto, um processo, uma técnica ou instrumento administrativo acabam por difundir-se a partes bem diversas e distantes daquelas onde a inovação ocorreu. Neste sentido, o estudo da difusão de computadores e equipamentos para o processamento eletrônico de dados pode ser um tópico, assim como a adoção por grande quantidade de empresas de técnicas administrativas como o Pert (Program Evolution and Review Technique) e o Ppbs (Planning Programing, Burdgeting Systems), originariamente criados para o controle administrativo de programas militares (sistemas de armamentos) e programas de exploração espacial.

Outro aspecto relativamente conhecido de tecnologia é o de transferência. A chamada revolução das expectativas, bem como a mística do desenvolvimento - que passou a ocupar lugar preponderante entre os povos mais atrasados, acoplado ao ideal de progresso e aos movimentos internacionais de capitais e investimentos, que se tomaram mais intensos a partir do final da II Guerra Mundial, fizeram que a tecnologia razoavelmente sofisticada fosse transferida dos países mais avançados para os menos desenvolvidos. Tal movimento tecnológico seria indispensável em outras épocas, quando tecnologia era muito mais ciosamente guardada pelos seus descobridores. Bastaria que lembrássemos no Brasil as dificuldades enfrentadas pelo Governo da União durante a década de 30, e início da seguinte para instalar no País uma siderurgia nacional. Seria difícil imaginar que, logo em seguida, não apenas a tecnologia siderúrgica seria transferida, mas muitos outros setores que detinham tecnologias proibidas aos países periféricos acabariam atravessando as fronteiras dos países mais pobres, nem sempre por causa de seu empenho e interesse, mas por força da própria dinâmica dos movimentos internacionais das capitais e fluxos financeiros.

Portanto, o cenário de tecnologia sendo transferida pelos mais diferentes canais - tecnologia sendo vendida, ofertada, comprada e negociada - constitui uma característica de nosso estágio de desenvolvimento e que não encontra precedentes em etapas anteriores.

Certamente não desconhecemos que há segredos extraordinariamente bem guardados e que há muita tecnologia que não está disponível para a transferência. Mas, por outro lado, o próprio fenômeno da intensificação da transferência prende-se a um ritmo bem mais acelerado de inovação tecnológica e de produção de tecnologia.

Além dos aspectos inovadores, difusores e de transferência, certamente outros podem ser vistos a compor a gestão tecnológica a nível de empresa. Os aspectos que poderiam ser aqui incluídos dizem respeito a rotinas que são encontradas em setores como controle de qualidade, engenharia de produto, racionalização (tempos e movimentos).

O estudo da gestão de tecnologia pode ser feito segundo vários aspectos. Um deles seria o de verificar a importância que as questões relacionadas com a tecnologia possui para a empresa. Assim sendo, poderíamos distinguir quatro etapas.

Na primeira podemos constatar que tecnologia é preocupação confinada exclusivamente ao pessoal de produção, na medida em que equipamentos, processos e métodos são atribuição de planta industrial e solucionável naquele âmbito. Uma segunda etapa seria aquela onde a tecnologia passa a constituir preocupação da área financeira, na medida em que representa desembolsos devidos por royalties, licenças, acordos e contratos de assistência técnica e que podem passar a constituir itens elevados de despesa. Várias razões podem levar a que se levante tal preocupação, sendo relevante lembrar que o pagamento pelo uso de tecnologia alheia é sempre efetuado sob forma de um percentual sobre vendas e nunca constitui uma despesa fixa. A terceira etapa seria aquela onde a preocupação com tecnologia passa a ocupar a alta administração da empresa, na medida em que, não só por questões de custos, mas especialmente por motivos estratégicos, a tecnologia passa a ser decisiva no posicionamento de empresa no mercado. Este é o ponto onde a dependência tecnológica, sob a forma de não possuir tecnologia, de estar obrigada, por força de contratos, a produzir determinado produto com especificações e características estabelecidas pelo fornecedor de tecnologia, podendo constituir sério obstáculo à inovação e adaptação do produto. A dependência com relação à tecnologia alheia se faz sentir também na medida em que a nova tecnologia, sob a forma de produtos, processos e equipamentos passa a significar um diferencial competitivo para a empresa.

Enfim, o que leva ao envolvimento da alta administração é a tomada de consciência de que a tecnologia é decisiva para que se chegue a um product mix que assegure posições vantajosas no mercado.

A quarta etapa ocorre quando a empresa decide iniciar o processo de aumento de autonomia e conseqüente diminuição de dependência com relação à tecnologia alheia. Certamente a autarquização tecnológica, é meta questionável do ponto de vista empresarial. Ela não seria nem viável, nem mesmo desejável em termos de custo. A fim de atingir o objetivo proposto, vários caminhos podem ser trilhados, sem que sejam mutuamente exclusivos. A empresa pode iniciar contatos com fontes empresariais alternativas para a obtenção de tecnologia; poderá contratar com outras empresas, institutos ou universidades projetos específicos visando o desenvolvimento e à pesquisa.

As etapas descritas sugerem uma maneira de agrupar dados e informações, ao mesmo tempo que podem ser tomadas como tipologias para explicação de um processo que vai de dependência tecnológica - onde inclusive o domínio e o controle sobre a tecnologia são reduzidos a etapas posteriores, onde a firma não só busca o rompimento da dependência tecnológica, mas pode lançar-se no seu próprio projeto de produção de tecnologia.

Outra maneira de se vislumbrar o desenvolvimento tecnológico de uma firma, desde a dependência até a relativa autonomia tecnológica, seria aquela onde a empresa importa tecnologia em pacotes, mediante pagamento de royalties, ou firma contratos de assistência técnica. Tal fase pode ser encontrada no início da atividade quando a empresa é criada, ou quando se introduzem novos produtos. A fase dura pelo menos o tempo necessário para que a empresa absorva e passe a dominar e conhecer perfeitamente a tecnologia adquirida. Pode-se lançar a hipótese de que nesse estágio a administração tecnológica está entregue àqueles responsáveis pela produção e portanto a nível da planta industrial. Poder-se-ia encontrar ingerência de setores ligados à alta administração, apenas com o envolvimento de consultores jurídicos, que normalmente estudam, minutam e às vezes negociam tais contratos. Porém suas participações se limitam ao período de negociações, quando contratos expiram e devem ser renegociados.

Uma segunda fase é aquela onde a tecnologia adquirida de outrem é efetivamente transferida para a empresa. É o momento onde a tecnologia é aprendida, onde o seu controle e o seu domínio efetivamente se transferem à empresa compradora. A absorção se faz não apenas pela operação do equipamento, condução de processos, manufatura de produtos, mas pelas atividades de manutenção, que são função preciosa para que se absorvam as peculiaridades. As atividades de manutenção servem à formação de mão-de-obra e de técnicos que passam a conhecer o equipamento. Nesta fase, a administração de tecnologia ainda continua ligada à administração de produção.

A terceira fase ocorre quando alguma das partes ou peças do equipamento começam a ser produzidas pela própria empresa ou quando o processo ou o produto são parcialmente alterados. Tais modificações revelam o controle e o avanço de processo de aprendizado. Esta fase pode implicar atividades que levem ao que se chama de adaptações, que incorrem em alterações dos produtos e processos originais.

A quarta fase se dá quando a empresa decide iniciar processo de obtenção de maior autonomia tecnológica, seja contratando consultoria especializada, seja iniciando sua própria atividade de pesquisa e desenvolvimento com vistas ao desenvolvimento de processos, equipamentos e produtos.

As duas maneiras propostas para que se analisem e agrupem dados e informações referentes à gestão de tecnologia na empresa estão apoiadas em dois pressupostos: o primeiro, de que a autonomia tecnológica é desejável e que é melhor possuir maior controle sobre a tecnologia do que operar tecnologia sobre a qual não se possui controle. O segundo pressuposto é o de que o empresário ou aquele que funcione como seu preposto (administrador profissional, conselho de administração) adote como objetivo da firma desenvolvê-la tecnologicamente e diminuir sua dependência com relação a uma fonte única de tecnologia ou a um único tipo de tecnologia. Evidentemente o empresário ou seu preposto, dispõem de poder para implementar suas decisões e não existirão obstáculos ou constrangimentos que o impeçam de percorrer as etapas propostas.

Quando cotejadas, as duas tipologias indicam não só um vetor de dependência em direção à autonomia em matéria tecnológica, mas ainda uma dimensão vertical, admitindo-se uma firma hierarquicamente organizada, onde a gestão da tecnologia pode ser vista a ocupar vários níveis na sua hierarquia. Assim sendo, a administração da tecnologia pode estar limitada ao nível da planta industrial, como pode ocupar o mais elevado nível hierárquico da empresa.

Entre as várias maneiras possíveis de se estudar a gestão de tecnologia, será escolhida a de abordá-la a partir da decisão tecnológica. Tal abordagem não é estranha à teoria administrativa e organizacional. Foi Herbert Simon11 11 Simon, Herbert A. Comportamento administrativo. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1965. p. 257-8. A importância que o autor confere ao processo decisório em administração justifica uma citação mais longa. "O tema central deste estudo pode assim ser enunciado: o comportamento administrativo consiste de uma complexa rede de processos decisórios que se destinam a influenciar o comportamento do pessoal de execução, ou seja, daqueles que realizam realmente o trabalho físico da organização. Por anatomia da organização entende-se a distribuição e localização das funções decisórias. Sua fisiologia consiste nos processos pelos quais a organização influencia as decisões de cada um de seus membros, fornecendo-lhes as premissas para essas decisões". quem, após criticar acidamente a teoria clássica e fazer tabula rasa das relações humanas, propôs o processo de tomada de decisões como a chave para o entendimento não só da dinâmica administrativa, como também do próprio comportamento organizacional. O adequado entendimento da decisão empresarial permitiria inclusive que se compreendesse o complexo problema dos objetivos organizacionais. O trabalho pioneiro de Simon, que publicou primeiramente em 1948, encontraria seqüência, pelo menos parcial, em outro publicado em 1960,12 12 Simon, Herbert A. The shape of automation for men and for management. New York, Harper & Row, 1965. Neste livro, atenção especial deve ser dedicada ao terceiro capítulo, "The new science of management decision". onde a influência de um modelo decisório cibernético é perfeitamente perceptível. Ao classificar decisões em programadas e não programadas13 13 Id. ibid., p. 58-61. e ao distinguir as etapas do processo decisório como sendo inteligência, invenção, desenvolvimento, análise e escolha,14 14 Id. ibid., p. 54. Simon trata não só como sistemas processadores de informação os membros da organização, ou seja os executivos - que são em última instância os tomadores de decisão - como também a própria organização.

A aplicação das etapas do processo decisório ao estudo da decisão tecnológica, tal qual proposta por H. Simon, pode ser fecunda. Se tomarmos cada uma das etapas do processo decisório teremos a primeira: inteligência, que Simon utiliza na acepção militar (intelligence) e que corresponde exatamente à definição de uma realidade a ser investigada e à conseqüente busca de informações sobre ela. Aplicando-se ao processo da decisão tecnológica teríamos aqui a fase em que informações, as mais completas possíveis, são buscadas e acumuladas sobre o problema tecnológico que se quer abordar. Admitamos que o problema seja a compra de um equipamento de transmissão para uma emissora que pretende iniciar operações em freqüência modulada (FM). Todos os lados técnicos dos transmissores disponíveis no mercado serão coletados, bem como informações sobre o uso que outras emissoras que porventura já tenham iniciado transmissões regulares de FM vêm fazendo dos transmissores. As informações deverão ser suficientemente abrangentes para incluir preços, condições e prazos de pagamento, eventuais despesas financeiras, transporte e custo e qualidade da assistência técnica, bem como custos estimados de manutenção. Se formos suficientemente diligentes, levaremos em consideração o tipo de programação que será transmitido. Caso se objetive uma audiência menos diferenciada e que vai absorver basicamente música popular, seria conveniente que se deixasse de contemplar equipamentos que envolvam maiores sofisticações e adote-se algo menos complicado. Caso de deseje colocar no ar uma programação clássica, usando estereofonia ou quadrifonia, outra opção se imporá.

A segunda etapa é a que H. Simon designa pela expressão design activity e que implica o delineamento das categorias que nortearão a invenção ou criação de cursos de ação alternativos, o desenvolvimento ou desdobramento de cada um destes cursos e análise devida e meticulosa de prós e contras, vantagens e desvantagens ou ainda dos custos e benefícios envolvidos em cada curso alternativo. Esta etapa é indiscutivelmente a que deve merecer maior cuidado. O que vier posteriormente será, em boa parte, a conseqüência do que for realizado nesta etapa. Isto porque uma boa escolha não pode ser a decorrência de alternativas medíocres. E o que se espera do tomador de decisões na segunda etapa do processo decisório é que estruture e utilize todas as informações levantadas que sejam realmente ricas, fecundas e que abram ao tomador de decisões oportunidades de escolha. As várias alternativas deverão merecer tratamento analítico exaustivo e que não se empobreça pela exclusão antecipada de alternativas.

A terceira etapa é a escolha, ou seja aquela onde uma das alternativas ou cursos de ação é separada, escolhida e implementada.

O processo decisório foi deliberadamente apresentado de maneira genérica e abstrata. Na forma exposta ele pode ser aplicado à escolha de um determinado transmissor de FM como à escolha de embalagem para o lançamento de nova marca de sabonetes. É conveniente que um modelo seja suficientemente genérico para poder ter aplicação bastante ampla. Porém tal nível de abstração não nos auxilia muito quando se trata de pesquisar o tópico da gestão de tecnologia a nível da empresa.

Quando se fala em gestão de tecnologia estamos claramente nos referindo a um conjunto de atividades que tem lugar no interior de uma empresa que opera num contexto socioeconômico. Portanto, a gestão tecnológica é parte dos procedimentos utilizados pela firma para atingir seus objetivos. Quais são estes objetivos? A matéria é suficientemente difícil, inclusive questionável para que nos afastemos dela. Não pretendemos definir de maneira absoluta objetivos empresariais para depois abordar a problemática de gestão tecnológica. Digamos que a administração da tecnologia é espécie do gênero administração e que se inclui nos meios de que a firma dispõe para atingir os seus objetivos. Isto nos permite tratar a gestão tecnológica sob uma nova luz que enriquecerá bastante a investigação, ou seja, reafirmaremos os recursos tecnológicos como básicos e críticos para que a empresa possa ser bem sucedida e veremos na gestão tecnológica o manejo dos recursos tecnológicos e de seu entrosamento com os outros recursos básicos da empresa. Assim sendo, a gestão tecnológica será vista como fundamental para que a firma logre uma estratégia que lhe permita uma adequação a mercados e consumidores que lhe assegurem crescimento, lucratividade e sucesso.

2. GESTÃO DE TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA EMPRESARIAL

A moderna empresa tem-se expandido constantemente e tal se deve à adoção de uma estratégia de crescimento onde novos produtos e processos desempenham papel fundamental. Relacionar crescimento, ou sucesso empresarial, com sucessos tecnológicos é temerário, porém vários autores têm apontado a capacidade tecnológica como fator decisivo na liderança que as empresas mais importantes vêm exercendo. O modelo de sucesso, crescimento e liderança implicaria um sólido setor de pesquisa e desenvolvimento, onde vários projetos acabariam por produzir um fluxo constante de novos produtos, processos ou ambos que seriam posteriormente industrializados e comercializados em mercados internacionais. Tal modelo tem a vantagem de permitir margens elevadas, uma vez que o produto novo significaria sempre um monopólio, que embora temporário, permitiria às empresas um controle maior sobre o seu meio-ambiente e ainda poderia assegurar receita adicional sob forma de royalties e licenciamentos vários. O que tal modelo contém é o pressuposto de inovação tecnológica e, portanto, de que apenas as empresas inovadoras é que podem aspirar à liderança e ao sucesso. Tal afirmação é de difícil comprovação e há outras formas de uma empresa ser bem sucedida sem que seja inovadora, como mostraremos mais adiante.

Por outro lado, os estudos até o momento realizados sobre pesquisa e desenvolvimento indicam sua alta concentração, tanto em termos de empresas (pequeno número) como de programas (poucos programas), como ainda em termos de países (os mais desenvolvidos ou industrializados). Um relatório das Nações Unidas, publicado em 1970, indicava que 90% das despesas mundiais em P&D eram realizadas pelas nações industrializadas e eram evidentemente orientadas para a solução de problemas daquelas sociedades.15 15 Freeman, C. H . The economics of innovation. London, Penguin Books, 1974. p. 279.

Além das concentrações mencionadas, seria conveniente verificar que há uma grande disparidade em gestões com P&D nas várias indústrias. Dados publicados pela NSF (National Science Foundation) dos Estados Unidos em 1972, apoiada em dados de 1970, indicaram ser bastante diversos os montantes aplicados em P&D nos vários ramos industriais, todos indicados como percentagem de vendas, considerando-se sempre as 20 maiores empresas de cada indústria. Assim é que aeronáutica, equipamento elétrico e equipamentos mecânicos, aplicaram 19,6, 9,7 e 7,1%, respectivamente, enquanto madeira, têxtil e de alimentação apresentaram 0,3, 0,6 e 0,6%. Se tomarmos as quatro maiores empresas de cada indústria, verificaremos que aeronáutica, equipamento elétrico, equipamento mecânico e farmacêutica aplicam 24,8, 12,4,12,6 e 12,7 respectivamente, como percentagem de vendas em pesquisa e desenvolvimento. Isto nos permite constatar não só a concentração em determinadas indústrias, mas que no interior de cada indústria parcela substancial dos gastos com P&D é realizada por número reduzido de empresas.16 16 Id. ibid., p. 205.

O que procuro sugerir com tais dados é que a maioria das empresas seria marginal e estaria excluída entre as bem sucedidas se adotássemos a inovação tecnológica, apoiada em P&D próprios, como critério exclusivo de sucesso. A grande maioria das empresas não tem P&D próprios e não faz da inovação tecnológica a pedra angular de seu sucesso. Isto é fato não só em grande número de firmas nos países mais avançados, como é o caso de quase todas as que se localizam em economias subdesenvolvidas ou em desenvolvimento.

Adotaremos o ponto de vista de que a importância de inovação tecnológica tem sido de maneira geral exagerada e que a tecnologia, na medida em que se manifesta em produtos e processos é um dos elementos que a firma utiliza para obter sucesso.

Mais importante do que considerar a tecnologia isoladamente é procurar entender a estratégia empresarial, e de que maneira a tecnologia, ou melhor, os recursos tecnológicos são manejados pela empresa, de que maneira são utilizados para que os objetivos estratégicos sejam atingidos.

A consideração dos recursos tecnológicos como parte dos recursos totais da empresa, que serão utilizados na elaboração e implementação da estratégia empresarial, é bem mais fecunda e mais adequada ao estudo da gestão da tecnologia a nível da empresa.

A abordagem que apresentaremos a seguir é a de entregar estratégia da empresa e gestão da tecnologia, verificar como os recursos tecnológicos influenciam na fixação de uma estratégia e como são instrumentais na consecução de uma estratégia.

É conveniente que se deixe claro que a primazia pertence à estratégia. Na medida em que o objetivo primeiro de qualquer empresa é sobreviver, e em princípio sobreviver indefinidamente, conclui-se que a utilização de seus recursos tecnológicos, ou a gestão da tecnologia, é utilizada pela empresa com vistas a perpetuar-se da mesma forma que utiliza máquinas, instalações físicas, capital de giro, talento de seus executivos ou a habilidade de uma força de vendas.

A estratégia, freqüentemente designada como política empresarial ou política de negócios, e que em inglês é também designada pelo termo policy, está relacionada com a avaliação, coordenação e utilização dos recursos da empresa, a fim de adequar-se a um meio-ambiente que lhe é externo, através de um conjunto de produtos e serviços que intercambia com esse meio-ambiente. A estratégia implicará também avaliar o meio-ambiente naquilo que ele contiver de relevante e importante para a empresa e procurar encará-lo não só como local onde estão obstáculos a superar, mas também onde se encontram muitos insumos de que a empresa necessita para realizar o processo de produção, financiamento e comercialização. É neste sentido que Wieland e Ullrich dizem que "estratégia refere-se aos meios que capacitam a organização a atingir seus objetivos num determinado meio-ambiente... A estratégia refere-se, ainda, aos meios pelos quais os objetivos são atingidos".17 17 Wieland, George F. & Ullrich, Robert A. Organizations: behavior, design and change. Homewood, Illinois, Richard D. Irwin, 1976, p. 404.

Igor Ansoff tenta uma caracterização mais minuciosa afirmando que "estratégia empresarial é conceito relativamente novo e complexo. Consiste no conjunto de diretrizes administrativas que explicitam a posição da empresa com relação ao binômio produto-mercado, as direções em que a firma busca crescer e mudar os meios de competição que utilizará, os meios pelos quais adentrará novos mercados, a maneira como disporá seus recursos, as forças que procurará explorar, bem como as fraquezas que evitará manifestar. A estratégia é uma maneira de conceber a empresa que fornece um elemento amalgamador de todas as suas atividades".18 18 Ansoff, H. Igor, ed. Business strategy. London, Penguin Books, 1969. p. 7.

Movedendo-se no mesmo universo conceitual e preocupado com os mesmos problemas, Robert N. Anthony define planejamento estratégico como o "processo de decidir sobre os objetivos da organização, sobre mudanças nestes objetivos e sobre as diretrizes que devem governar a aquisição e o uso destes recursos".19 19 Anthony, Robert N. Planning and control systems; a framework for analysis. Boston, Harvard Business School, Division of Research, 1965. p. 17.

Ao tratarmos da gestão tecnológica como parte da estratégia da firma devemos fixar nossa atenção em dois pontos. Primeiramente, no estabelecimento de uma tipologia ou taxonomia de estratégia. Certamente não pretendemos que a tipologia adotada possua qualquer mérito especial; o que dela esperamos é que, como toda tipologia, sirva para auxiliar no entendimento da realidade, auxilie na coleta de informações e forneça referências conceituais para que dados sejam analisados. Em segundo lugar, parece-nos importante proceder a um levantamento pormenorizado dos recursos empresariais.

A razão para isto é que a empresa, ao formular uma estratégia, está propondo uma combinação mix de seus recursos de forma a adequar-se satisfatoriamente ao meio-ambiente, maximizando ou otimizando seus ganhos. Isto significa que nem sempre a empresa poderá estabelecer qualquer tipo de estratégia, pois que a estratégia a adotar será também função dos recursos disponíveis. Assim sendo, a empresa poderá julgar uma estratégia adequada à duplicação nos próximos, digamos, 40 meses, de sua capacidade instalada. Porém o inventário dos recursos financeiros disponíveis não permite que tal expansão seja efetuada no prazo previsto. Da mesma forma, um produto novo pode ser altamente desejável, porém a firma pode não dispor de recursos sob a forma de desenvolvimento para produzi-lo.

A adoção da tipologia estratégica de C. H. Freeman20 20 Freeman, C. H. op. cit. Veja capítulo 8. pareceu-nos adequada a nossos propósitos, desde que remanejada e sofrendo algumas adaptações que iremos enunciar à medida que descrevermos os vários tipos. O mesmo autor nos fornece uma lista de funções ou atividades administrativas que a empresa deve possuir a fim de poder implementar os vários tipos de estratégia. A lista de Freeman contém as seguintes atividades, que podemos considerar como recursos da firma para formulação de uma estratégia: a) pesquisa básica ou fundamental; b) pesquisa aplicada; c) desenvolvimento experimental; d) design engineering; e) engenharia de produção e controle de qualidade; f) serviços técnicos; g) patentes; h) informações técnicas e científicas; i) educação e treinamento de pessoal técnico e administrativo e j) planejamento a longo prazo e planejamento do produto.21 21 Id. ibid. p. 258.

As funções administrativas enunciadas, que podem também ser vistas como recursos da empresa, são necessárias para que se possa implementar qualquer uma ou todas as estratégias que compõem a taxonomia. Porém, um número reduzido de empresas poderia adotar todas as estratégias. Antes de prosseguirmos nestas considerações, passemos ao enunciado e à descrição das várias estratégias.

Os seis tipos de estratégia apresentados por C. H. Freeman são a agressiva (offensive), defensiva, imitativa, dependente, tradicional e oportunista. Cada uma destas estratégias implica utilização de um número maior ou menor dos recursos empresariais anteriormente mencionados. Por sua vez, cada um dos recursos pode ser utilizado em quantidade e "qualidade" maiores ou menores, o que significa ser possível "escalar" ou graduar a qualidade e a intensidade com que um recurso é empregado. Assim sendo, podemos ir de 1 (inexistente ou muito fraco) a 5 (muito forte) o que permitiria dar aos modelos e estratégias de Freeman uma apresentação visual como pode ser verificado nas figuras 1 a 6.







A estratégia agressiva (offensive) é caracterizada como sendo inovadora e "... voltada para a conquista de liderança, técnica e de mercado, colocando a empresa adiante de seus competidores na introdução de novos produtos".22 22 Id. ibid. p. 259.

A estratégia em questão é praticada por número limitado de empresas. Apenas aquelas de porte mais avantajado é que se posicionam como líderes e fazem da inovação o centro de suas atividades, estando nesta categoria as principais empresas que se tomaram multinacionais e que são inovadoras tecnológicas indiscutíveis. Tal tipo de empresa é o que tem sido freqüentemente considerado como paradigmático do capitalismo central contemporâneo. É a empresa cuja estratégia de crescimento, seja diversificando, seja expandindo, apóia-se numa complexa capacidade instalada para produzir, que é alimentada por sólidos, projetos em pesquisa e desenvolvimento dos quais resultam constantemente novos produtos, que são distribuídos por um adequado esforço de comercialização. Como pode ser observado na figura 1, a implementação da estratégia agressiva implica possuir todos os recursos empresariais desenvolvidos em alto grau. Como a figura indica, nenhum recurso tem menos de quatro pontos na escala, sendo que pesquisa aplicada (b), desenvolvimento experimental (c), design engineering (d), serviços técnicos (f), patentes (g) e planejamento a longo prazo e planejamento de produto (j) ocupam o ponto mais elevado da escala. Habitualmente as funções de desenvolvimento experimental de produtos, pesquisa aplicada e design engineering são consideradas como mais importantes para que se sustente uma estratégia do tipo agressivo. A empresa precisa estar ligada ao sistema de inovação científica e tecnológica não só através de canais e vínculos institucionais, mas também através de ligações pessoais. Além do mais, é essencial que a empresa tenha um sólido e forte setor de pesquisa e desenvolvimento que lhe assegure autonomia e permita realizar avanços com insumos sob a forma de informação que possa obter de outras organizações.

A estratégia defensiva (veja figura 2) inclui todas as funções a nível relativamente alto de desenvolvimento. Porém, apenas as funções c (desenvolvimento experimental), d (design engineering) e h (informações técnicas e científicas) atingem o ponto 5 na escala. Na verdade, a estratégia defensiva acaba sendo mais praticada por empresas que se encontram em situações oligopolísticas e se reflete numa estratégia de diferenciação de produtos. Inclui também como função empresarial importante a educação e o treinamento de pessoal técnico e científico.

A estratégia imitativa é particularmente comum entre empresas protegidas por barreiras alfandegárias e que dispõem de uma demanda cativa. É a estratégia encontrada nos países em desenvolvimento e pode ser mais bem entendida a partir do "ciclo de vida do produto". As funções administrativas distribuem-se graficamente da maneira como pode ser visto na figura 3.

As funções se distribuem de maneira desigual e o que se percebe é o pleno desenvolvimento de apenas duas (engenharia de produção e controle de qualidade e informações técnicas e científicas). Num segundo nível encontramos design engineering, educação e treinamento de pessoal técnico e administrativo e planejamento a longo prazo e planejamento de produto. Todas as demais funções, especialmente aquelas consideradas essenciais para o desenvolvimento e a inovação tecnológica, são bem menos cuidadas, inexistindo ou permanecendo a níveis bastante baixos de atividade no interior da empresa.

O quarto tipo de estratégia é a dependente, que se caracterizará por uma atitude de passividade em face do mercado, diríamos de pura reatividade, onde nem mesmo a imitação ocorre, a não ser por solicitação de consumidores ou de empresas-matrizes. Não há inversão em P&D, o que permite obter bons lucros, porque os custos de desenvolvimento são nulos. Tal estratégia é encontrável tanto entre subsidiárias de empresas multinacionais que operam em países subdesenvolvidos, como entre empresas que funcionam sob contrato, fornecendo produtos a empresas maiores sem que possam afastar-se de especificações que são fornecidas pelo comprador. Como pode ser constatado pelo exame à figura 4, a função de maior destaque e a única capaz de atingir o ponto mais elevado da escala é engenharia de produção e controle de qualidade. As demais funções merecem pequeno destaque, cabendo um papel intermediário a design engineering, informações técnicas e científicas e educação e treinamento de pessoal técnico e administrativo.

A estratégia tradicional é aquela onde os produtos da empresa sofrem pouca ou nenhuma mudança. Isto fará com que, ao longo dos anos, outros competidores sejam atraídos, desde que o mercado para o produto se mantenha estável, o que levará a uma situação que se aproxima do modelo de concorrência perfeita. Exemplos de tal situação são encontrados em produtos como o café, açúcar, farinha de trigo e outros farináceos, biscoitos e leite em pó. Em modelo estratégico, as funções administrativas distribuem-se da maneira visualizada na figura 5. A única função que atinge elevado nível de desempenho é engenharia do produto e controle de qualidade, permanecendo as demais a nível bastante baixo, num embotamento quase completo.

A sexta estratégia, oportunista, se caracterizará por uma atitude de "guerrilha" frente ao mercado e aos competidores. O estilo oportunista conduzirá a um embotamento de praticamente todas as funções administrativas, à exceção de informações técnicas e científicas e planejamento a longo prazo e planejamento do produto. A representação visual de tais funções está na figura 6.

Se aplicarmos aos seis modelos estratégicos, ou tipos de estratégia, desenvolvidos por C. H. Freeman, e cuja visualização gráfica acabamos de propor, os conceitos adicionais de centro e periferia com relação ao sistema econômico vigente, será possível reclassificar os seis tipos. Por centro e periferia entendemos não só os centros hegemônicos com relação a uma periferia, que mais obedece do que comanda, e que, conseqüentemente, tem menos capacidade para decidir por estratégias autônomas, como também aquela parte da economia e do sistema empresarial onde há diferenças essenciais no que diz respeito ao conjunto de inovações. Assim sendo, as empresas colocadas em posição central no sistema tenderão a se envolver em inovações, o que lhes permitirá adotar estratégias agressivas e defensivas, enquanto a periferia, menos equipada para inovar, terá que excluir as referidas estratégias de sua lista de alternativas.

Portanto, afirmaríamos que as estratégias podem ser de três tipos, ou seja, centrais, periféricas e ambivalentes.

As estratégias de tipo agressivo (offensive) e defensivo (defensive) são possíveis de adoção apenas pelas empresas colocadas no centro do sistema. Isto implica que sejam matrizes de multinacionais, ou empresas nacionais que disponham de porte que permita arcar com os necessários investimentos e posteriores despesas operacionais. Portanto as estratégias em questão devem ser consideradas estratégias centrais.

As estratégias de tipo imitativo e dependente são as mais provavelmente encontráveis entre subsidiárias de multinacionais e empresas de portes médio, pequeno e grande, porém onde a grandeza medida no âmbito nacional não lhes permite incorrer no investimento de criar e manter seus próprios quadros de atividade de P&D. As estratégias em questão podem ser consideradas como periféricas.

As estratégias de tipo oportunista e tradicional podem ser encontradas tanto no centro como na periferia, e sua adoção por parte de uma empresa é motivada por considerações de adequação ao mercado e obtenção de rentabilidade. Portanto, as estratégias em questão podem ser vistas como ambivalentes.

2.1 As estratégias centrais

As estratégias centrais, a fim de poderem ser implementadas pressupõem que a empresa possua:

a) pesquisa básica;

b) pesquisa aplicada;

c) desenvolvimento experimental;

d) design engineering;

e) engenharia de produto e controle de qualidade;

f) serviços técnicos;

g) informação técnica e científica;

h) educação e treinamento de recursos humanos;

i) planejamento de produto;

j) planejamento a longo prazo.

As estratégias centrais implicam a existência de empresas que liderem o setor, seja pela criação de novos bens, produtos e processos, seja pela adoção rápida, por imitação, de produtos e processos desenvolvidos por concorrentes.

O que faz a diferença entre a agressiva e a defensiva é freqüentemente uma questão de oportunidade; sorte e, certamente, maior atenção à pesquisa, tanto básica, como aplicada.

As estratégias incorrem em posicionamento relativamente alto de gestão de tecnologia. Como podemos observar pela listagem das atividades administrativas necessárias à implementação das estratégias, a gestão de tecnologia implicará a existência de um poderoso setor de pesquisa e desenvolvimento, que fará não só o trabalho de pesquisa pura e aplicada, mas incluirá projetos de desenvolvimento, adaptação, imitação, inovação e quase inovação. Hierarquicamente, isto pode pressupor a existência até mesmo de uma vice-presidência de P&D como pode ser constatado pelo exame de organograma de empresas multinacionais que operam nos setores geradores e aplicadores de tecnologia de ponta.

Além de existência de P&D, o setor de produção e operações industriais ocupar-se-á da gestão de tecnologia, especialmente no seu setor de design engineering, engenharia de produção e controle de qualidade. O controle de qualidade e a engenharia de produção são pontos que realimentam de informações os responsáveis por pesquisas e trabalhos experimentais de desenvolvimento

A necessidade de educar e treinar recursos humanos para operarem tecnologia e, eventualmente aprimorá-la e desenvolvê-la, fará que as preocupações de treinamento e desenvolvimento de recursos humanos ultrapassem as barreiras do trabalho convencional do setor de pessoal ou de relações industriais. Implica não apenas enviar membros da empresa para serem treinados em instituições que possam contribuir para a consecução de objetivos que a empresa estabeleceu em matéria de tecnologia, como também criar, no interior da empresa, atividades que permitam o intercâmbio de idéias entre os pesquisadores e a realização sistemática de atividades de avaliação e troca de informações. Tais atividades farão com que uma parte da empresa, a envolvida em P&D, desenvolvimento experimental, eventualmente controle de qualidade, e design engineering assumam formas de comportamento e estruturem suas atividades de maneira a assemelharem-se a uma universidade ou instituição de pesquisa.

Finalmente, a gestão de tecnologia ocupará a cúpula da organização, pela sua incorporação às atividades de planejamento do produto, que colocará equipes de produção e comercialização, e pelo planejamento a longo prazo.

O planejamento a longo prazo procura oferecer opções à empresa; sua ausência implica perda de autonomia da empresa em face do mercado e dos competidores. A ausência de alternativas leva a que se adote, por via de exclusão, a única que restou. O planejamento a longo prazo não poderia ocorrer se a empresa (agressiva ou defensiva) não dispusesse de opções de tecnologia. A conquista de novos mercados, a obtenção de parcelas de mercado que estão totalmente em mãos da concorrência e a criação de novos mercados só poderão ser entendidas pela expectativa concreta de que, a longo prazo, novos produtos, serviços e processos estarão disponíveis.

2.2 As estratégias periféricas

A implementação das estratégias periféricas incorre na atuação das seguintes funções:

a) desenvolvimento experimental;

b) design engineering;

c) engenharia de produção e controle de qualidade;

d) instalações técnicas e científicas;

e) educação e treinamento;

f) planejamento do produto.

Poderá implicar, secundariamente, a existência de pesquisa aplicada, serviços técnicos e patentes.

Após o que foi dito sobre as características administrativas das empresas que adotam uma estratégia central, o que podemos observar sobre as periféricas, ou seja, estratégias imitativas e dependentes, é que estas são estratégias de certa forma amputadas. A partir daqui, diremos que as estratégias periféricas são assim definidas com relação ao centro de um setor industrial, não compreendendo necessariamente centro e periferia no sentido geográfico. Exemplificando, se imaginarmos uma empresa que opere num país desenvolvido, que no setor industrial em questão ocupa posição de destaque internacional, mas que não adote uma estratégia defensiva ou agressiva, optando por imitar e ser dependente de outras empresas do setor, teremos o caso de estratégias periféricas numa economia central.

Diziam as más línguas, há cerca de uma década nos Estados Unidos, que não era necessário preocupar-se com a Chrysler, enquanto fonte de surpresa na indústria automobilística norte-americana. Ela simplesmente observaria o trabalho da Ford e da General Motors e as acompanharia. Se isto for verdade, e não nos estamos alinhando às más línguas, teríamos uma grande empresa num setor relativamente avançado tecnologicamente, desfrutando de prestígio internacional como inovadora, num país avançado, adotando uma estratégia periférica, porque imita e depende ao invés de criar e ser autônoma.

Todavia, levando-se em consideração que há um grupo de países prioritariamente produtores de tecnologia, e outro formado de consumidores de tecnologia, segue-se que a probabilidade de serem encontradas estratégias centrais em economias periféricas é pequena.

A gestão de tecnologia em empresas de estratégias periféricas envolverá primordialmente os setores ligados à produção e às operações industriais. Nestas empresas o design engineering e o controle de qualidade estão, geralmente integrados numa unidade administrativa que é o setor de produção. A necessidade de saber com rapidez o que ocorre entre as empresas mais avançadas conduz a preocupações com a gestão de tecnologia, que por sua vez envolverão educação e treinamento de pessoal, especialmente o pessoal técnico e voltado às operações industriais, bem como esforços por acumular e processar informações sobre desenvolvimento tecnológico. Secundariamente, e apenas na medida do necessário para realizar adaptações, a estratégia redundará em algum investimento em pesquisa aplicada e desenvolvimento experimental. A indústria automobilística que opera no Brasil será, por exemplo, forçada a adaptar carburação à gasolina de isoctanagem inferior é suspensões a vias mais difíceis. Porém, a necessidade de planejar produtos e também planejar a longo prazo faz com que a gestão de tecnologia inclua também a cúpula administrativa.

2.3 Estratégias ambivalentes

São assim designadas porque o tradicionalismo e oportunismo podem ser utilizados tanto no centro como na periferia, mas constituem certamente exemplos de estratégia mais pobres e menos complexas. O fato de uma estratégia ser menos complexa não significa absolutamente menor sucesso ou mesmo fracasso empresarial. Uma empresa pode ser muito bem sucedida - seja em termos de lucratividade, seja em termos de manutenção e até mesmo expansão de participação no mercado - adotando estratégias simples e que implicam desenvolver e manter menor número de funções administrativas.

É, portanto, com este entendimento prévio que afirmamos que as estratégias ambivalentes utilizam poucas funções administrativas, limitando-se a informações técnicas e científicas, planejamento de produto e planejamento a longo prazo, de maneira prioritária, e secundariamente com engenharia de produto e controle de qualidade. Porém, apenas as oportunistas utilizarão estas três funções, porque a estratégia da empresa tradicional limitará as necessidades a desempenho mais elevado em engenharia do produto e controle de qualidade.

Das duas estratégias consideradas ambivalentes, a de tipo tradicional é a que merece mais a nossa atenção. Na verdade, ela tende a implantar-se em meio-ambientes que caracterizaríamos como sendo de pequena turbulência ou de grande estabilidade. O que faz que uma empresa venha acomodar-se numa estratégia tradicional é a baixa taxa de inovação que existe com relação ao produto que produz. Exemplos poderiam ser encontrados em muitas das indústrias mais antigas e onde uma tecnologia relativamente simples e que se modifica lentamente, faz com que a sua queda no domínio público ocorra, trazendo para o setor, em conseqüência, um número elevado de concorrentes. Estas situações seriam aquelas que mais se aproximariam do modelo econômico de concorrência perfeita. Poderiam ser encontrados nesta categoria indústrias como a de papel, papelão, e celulose, que, apesar dos altos investimentos de que necessitam, desfrutam de uma tecnologia relativamente estável. Além destas, poderíamos citar a indústria têxtil em geral. Não só é uma indústria muito antiga, mas tem sofrido alterações relativamente pequenas.

Em terceiro lugar; poderíamos mencionar a construção civil, que se alterou muito pouco, até mesmo se adotarmos um horizonte temporal bastante dilatado, onde poderemos constatar que muitas tarefas no ramo são ainda desempenhadas secularmente da mesma forma. A indústria de produtos alimentícios contém igualmente uma taxa de inovação que a tem situado entre as de menor inovação do que entre os grandes inovadores.

A indústria alimentícia poderia ser objeto de várias tipologias, mas a que parece predominar é a que toma como base a matéria-prima utilizada. Assim sendo, sub-ramos como os que utilizam farinhas, e dentre elas especialmente a farinha de trigo, fabricam produtos que são seculares e que têm mudado muito pouco. O mesmo se poderia dizer do setor de óleos vegetais, onde nos deparamos com um produto que é conhecido e utilizado pela humanidade há séculos. As inovações em termos de tecnologia foram, aqui, poucas e introduzidas ao longo de períodos bastante distantes. Poderíamos até dizer que o que alterou a técnica de extração de óleos de sementes foi a introdução do vapor - que facilitou muito a extração - a substituição da moenda movida a água pela movida a vapor e, há cerca de um século, pela utilização da eletricidade. Além disso, que se refere apenas à extração propriamente dita, outras inovações foram introduzidas no que diz respeito ao refino, à desodorização e à embalagem, mas que marcam uma taxa de inovação tecnológica bem menor que aquela encontrada na grande maioria das indústrias, onde a vida de um produto é sempre medida em anos, quando muito em décadas.

Não é apenas a tecnologia que se modifica lentamente no setor de empresas que se atêm a uma estratégia tradicional, mas o próprio meio-ambiente que se altera a passos lentos, sem grandes saltos, sendo seu principal movimento o de crescimento de demanda por meio de crescimento da própria população. Portanto, as alterações do mercado são as que dizem respeito mais a seu aumento quantitativo do que em termos de alterações de gostos, preferências ou outras que permitissem grandes práticas segmentadoras de mercado, tão encontradiças em outros setores industriais.

Todas estas considerações, tanto no que diz respeito ao produto, como quanto às características agregadas do mercado e no que tange às preferências dos consumidores, particularmente o conservantismo com que novos produtos são aceitos, têm levado a que a indústria de produtos alimentícios tenha adotado estratégia que se coloca mais acentuadamente no espectro da tradicionalidade. Embora seja impossível encontrar uma empresa ou indústria que adote um dos modelos estratégicos em sua forma pura, pois os tipos apresentados são mais "ideais" e destinados a facilitar o entendimento da realidade, do que propriamente reproduções de situações existentes na prática empresarial; será igualmente impossível imaginar que todo um setor industrial se atenha a um único tipo. Se de um lado podemos apontar para a predominância de um certo modelo numa determinada indústria, de outro, somos forçados a reconhecer que circunstâncias várias fazem que a mesma indústria venha a adotar modelos estratégicos outros que não o tradicional quando o mercado vier a favorecer a imitação ou quando a necessidade de seguir ordens de uma matriz ou de adotar certo tipo de tecnologia, que é patenteada por terceiros, levar à adoção de uma estratégia dependente.

Se na indústria de produtos alimentícios, coeteris paribus, ficarmos no crescimento da demanda, devido à expansão da população e na manutenção dos gostos e preferências, veremos que a maioria das inovações tecnológicas deverão centrar-se em aumentar a escala de produção, aumentar a produtividade, o que pode ser feito pela automação de operações, reduzir o desperdício tanto de matérias-primas como de produtos acabados, e buscar um aumento da qualidade - o que conserva vinculação estrita com padrões elevados de higiene. O aumento de escala com os decorrentes investimentos elevados que se fazem necessários poderão oligopolizar o setor pela eliminação de empresários pequenos e médios que não podem arcar com os custos de adoção de novos equipamentos. Este evento parece ter sido o que mais vem ameaçando o perfil do setor como um todo, afastando-o do que seria a esperada concorrência perfeita e introduzindo oligopólios de fato.

O tradicionalismo em termos de produtos e de alterações que venham desfigurar mais profundamente a aparência dos produtos é igualmente constatável pelas conclusões a que chegaram os autores de trabalho realizado para o Ipea em 1971 o que lembra existir "... entre as empresas (do ramo alimentício) tendência mais acentuada para adaptação de processos do que para adaptação de produtos. Os motivos que levaram à adaptação de processos foram principalmente melhoria da qualidade do produto e da produtividade, seguidos com menor freqüência pela adaptação à disponibilidade local de fatores e/ou insumos. Entre as razões que determinaram a adaptação de produtos, a adequação às condições locais de mercado teve peso um pouco superior à peculiaridade local de insumos".23 23 Biato, Francisco de Almeida; Almeida Guimarães, Eduardo A. de & Figueiredo, Maria Helena Poppe de. Potencial de pesquisa tecnológica no Brasil. Rio de Janeiro, Ipea, 1971. p. 120-1.

Num outro documento, preparado pelo Center for Policy Alternatives, do Massachusetts Institute of Technology, onde os mesmos problemas de tecnologia industrial no Brasil são analisados, incluindo uma revisão crítica do citado trabalho do Ipea, conclusões que apoiam nosso ponto de vista são encontradas na medida em que a análise da natureza dos projetos de P&D realizados por setor, demonstram que em processamento de alimentos 14,7% dos projetos realizados pelas empresas brasileiras referiam-se a protótipos, 11% eram para introdução de modificações de importância e a grande maioria, ou seja, 74,3% eram de pequenas modificações.24 24 Center for policy alternatives, Massachussets, Institute of Technology. Some perspectives on technology research in São Paulo and Brazil. Documento inédito, 1975. p. 28.

Se tentarmos estabelecer uma cronologia dos vários estilos estratégicos apontados, fato que, reconhecemos, deve ser tomado com reservas, poderíamos tentar fazê-lo a partir da experiência industrializante recente de vários países. No caso do Japão percebemos que evoluiu a partir de uma estratégia que era claramente tradicional, para a imitação, de onde passou para a dependência, adotando posteriormente a defensiva e, nos derradeiros 15 ou 20 anos, afirmando-se com uma estratégia agressiva, inovando produtos bem como processos. Outro caso curioso, e este mencionado por C. H. Freeman, é o da Europa Ocidental no período posterior ao término da II Guerra Mundial. O velho continente havia claramente perdido então as lideranças econômica, militar e política da Aliança Ocidental. Era decorrência inevitável que a sua antiga superioridade tecnológica com relação aos Estados Unidos também viesse a ficar comprometida. Além disso, a atitude de ofensiva norte-americana para reconstruir a Europa, sintetizada no gigantesco esforço do Plano Marshall veio a encontrar importante contrapartida no fluxo de investimentos diretos de multinacionais, sediadas nos Estados Unidos, que passaram a canalizar investimentos maciços para os países europeus, ainda parcialmente destruídos pelo esforço e pela ação da guerra. As multinacionais norte-americanas tinham a oferecer não apenas capital, mas a energia e a pujança de novas tecnologias e de produtos e serviços de que a Europa não cogitava. As empresas européias reagiram pela adoção de dois tipos de estratégia, imitativa e defensiva. Na verdade faziam o que podiam. Quando os recursos empresariais eram mais abundantes e mais sofisticados poder-se-ia cogitar da adoção de uma estratégia defensiva, onde se tentava seguir ou acompanhar as norte-americanas, capitalizando eventualmente sobre os erros e falhas que o lançamento pioneiro acarreta. Quando os recursos eram de menor escala, apelava-se para a imitação pura e simples.25 25 Veja Freeman, C. H. op. cit p. 269-70.

Portanto, uma cronologia de estilos estratégicos baseados em tecnologia nos levaria a ver que a estratégia tradicional é certamente a menos sofisticada e a que tenderá a ser adotada por grande número de empresas, especialmente aquelas situadas em setores menos dinâmicos da economia. Em seguida teremos a imitativa, após a qual vem a dependente. Em escala crescente de complexidade de recursos necessários à sua implementação virão a defensiva e, finalmente, a ofensiva ou agressiva.

Se tentarmos estender à indústria alimentícia brasileira a tipologia anteriormente explorada, encontraremos três estratégias preferencialmente utilizadas. São elas a tradicional, a imitativa e a dependente, e apenas subsidiariamente a agressiva, defensiva e oportunista.

A adoção da estratégia de tipo tradicional é a que caracteriza o setor, quando medida pelo número de empresas que o adotam. Na verdade, as características da indústria alimentícia como um todo, a maior lentidão com que se modificam gostos e preferências do consumidor, favorece a entrada de grande número de fabricantes, que a longo prazo tendem a se acomodar num estilo que poderia aproximar-se da concorrência perfeita.

Tal afirmação encontraria apoio na dificuldade que têm as empresas em alterar gostos e preferências, bem como hábitos longamente enraizados, quando do lançamento de novos produtos. Recentemente as empresas líderes do setor de processamento de frutas e legumes (Cica, Paoletti e Peixe) lançaram um novo produto derivado de tomate, que era o purê de tomate. O lançamento entre nós foi feito pela Etti, imediatamente seguida pela Cica e Peixe. As campanhas de propaganda para convencer o consumidor, no caso a dona de casa, de que o novo produto é mais cômodo, mais flexível em seu uso culinário do que o tradicional extrato de tomate, ainda não chegaram a termo. E, em regiões menos avançadas do País, como o centro-oeste, as preferências ainda se encontram no produto tradicional.26 26 Exame, n. 134, p. 70, 24 ago. 1977. Outro exemplo bastante conhecido de resistência das consumidoras, foi quando a General Foods na década de 50 lançou no mercado norte-americano bolos industrializados e os vários tipos de mistura destinadas à preparação de bolos. Longo período e grande investimento em propaganda e promoção foram necessários para que as resistências fossem superadas e os novos produtos pudessem encontrar seu lugar regularmente entre as compras das consumidoras.

O tradicionalismo como estratégia atende também à escassez de recursos administrativos e de capital com que a maioria das empresas brasileiras do setor pode contar. Evidentemente, a grande maioria destas empresas está na categoria de pequenas e médias, e à implementação de uma estratégia tradicional basta um relativo desenvolvimento de controle de qualidade e de engenharia de produção, sendo dispensáveis as demais funções administrativas componentes dos estilos estratégicos mais avançados. Se, em adição, aceitarmos a afirmação de que a estratégia de uma empresa é bastante influenciada pelo ambiente relevante em que se acha inserida, teremos um ambiente pouco turbulento tanto em termos de competição como de mudanças dos hábitos e preferências dos consumidores, bem como da quantidade de informações e pesquisas sobre processos e produtos do setor. Tais informações geralmente circulam fora do âmbito de alcance do pequeno e médio empresário do setor, não sendo, portanto, constitutivo de seu meio-ambiente relevante.

Além da estratégia tradicional, a pequena e média empresas podem adotar a imitativa, quando o imitador procura produzir uma cópia exata do produto que está imitando. A imitação como estratégia vem sendo bastante adotada em nosso país pelos fabricantes de equipamento de som. A maioria dos amplificadores, sintonizadores e receivers é produzida em conformidade com circuitos desenvolvidos em outros países e que acabam rapidamente caindo no domínio público. A única coisa que se exige do empresário que deseje adotar uma estratégia imitativa é um pouco de esforço por ampliar seu sistema de obtenção de informações. No setor alimentício a prática parece ser também constante, podendo ser encontrada em grande número de produtos que reproduzem aqueles desenvolvidos em outros mercados.

A outra modalidade estratégica encontrável em nossa indústria alimentícia é a dependente, que é praticada por subsidiárias de multinacionais, por empresas nacionais de maior porte e por aquelas que passam a exportar regularmente. Sendo a dependência caracterizada pela modificação que se introduzir por solitação de um agente externo à unidade empresarial, seja a matriz, seja o consumidor doméstico, seja o mercado exterior, entende-se que os setores empresariais e tecnologicamente mais modernos de nossa indústria alimentícia venha a adotar uma estratégia de dependência. Os novos produtos, novos processos ou alterações em sabor, características intrínsecas e extrínsecas, bem como novos padrões de qualidade são introduzidos por exigências de uma casa-matriz ou pelas necessidades de atender um mercado estrangeiro, onde as condições são diversas das existentes no mercado doméstico.

Quando a empresa é subsidiária de uma multinacional e está introduzindo em nosso mercado um produto que já foi lançado, testado e encontrou sucesso nos mercados onde está sediada a empresa, poderemos estar assistindo a um lançamento que atende a uma estratégia mercadológica de expansão de mercado pura e simplesmente, ou ainda a uma estratégia onde se busca, em consonância com a teoria do ciclo de vida do produto, compensar pelas vendas conseguidas com a entrada num mercado de outro país o declínio que já se faz sentir no mercado onde o produto foi primeiramente lançado. Exemplo atual e interessante de fase declinante de um produto é o do modelo sedan do automóvel Volkswagen que continua a ser produzido apenas pelas subsidiárias do Brasil, México e União Sul Africana, tendo sido abandonado recentemente pela matriz alemã da empresa.

No caso da indústria de alimentos em nosso país, poderemos encontrar situações em que a estratégia dependente leva à fabricação de certos produtos (corn-beef, cubic beef) que não são nem mesmo vendidos no mercado doméstico, mas que foram adotados com vistas exclusivamente ao mercado de exportação. Outro exemplo são as modificações em processamento e seleção de matérias-primas para se aprimorar a qualidade do produto, quando se tem que enfrentar critérios de higiene e saúde pública mais restritos que os tolerados pela nossa legislação e por nossas autoridades sanitárias. Exemplo que poderia ser aqui citado é o de nível de fungos em derivados de tomate (extrato, purê) que é bem mais baixo para o mercado para onde se exporta (Europa, e Estados Unidos) do que o adotado e permitido para o Brasil.

A estratégia dependente no caso brasileiro - por exigir recursos de capital com o qual equipar-se para a produção de novos produtos, pelos custos incorridos em propaganda e promoção de vendas, bem como pelo acesso a fontes internacionais de informações sobre produtos, processos e equipamentos - só pode ser praticada, em princípio, por empresas nacionais de certo porte e por subsidiárias de multinacionais.

As estratégias de tipo oportunista, agressivo e defensivo não estão certamente excluídas do rol das práticas empresariais do setor alimentício no Brasil. O oportunismo como estratégia estará sempre muito condicionado à existência de talento empresarial, ou seja, de pessoas que desejosas de lucros,expansão e sucesso se disporão a adotar produtos, processos e estratégias compostas e que poderão freqüentemente representar uma combinação de outros tipos de estratégia. Já as estratégias de tipo agressivo e defensivo são aqui praticadas desde que introduzamos algumas qualificações. Não há estratégia agressiva no sentido definido por C. H. Freeman, uma vez que não encontraremos aqui a plenitude das funções empresariais que compõem a estratégia agressiva e que pode ser relembrada por consulta à figura 1. Mas se consideramos inovação a introdução de produtos e processos que, apesar de não constituírem novidade numa escala internacional, são novos para o Brasil, estaremos diante de uma estratégia agressiva qualificada. Na medida em que a introdução de um produto novo para o mercado brasileiro faz que outras empresas reajam, procurando obter parcela de um novo mercado que julgam promissor, ou também capitalizando sobre erros de lançamento ou deficiências do produto, dificuldades que comumente constituem o ônus do pioneirismo, estaremos diante de uma estratégia de tipo defensivo. Em um mercado periférico como o brasileiro, onde boa parte do sucesso consiste em introduzir produtos novos, seja imitando literalmente, seja introduzindo pequenas adaptações em produtos desenvolvidos nos mercados europeus e norte-americanos, será possível encontrar freqüentemente a prática agressiva ou defensiva, desde que entendida com as restrições aqui apontadas.

O que é decisivo para que uma empresa localizada em nosso país adote estes dois tipos de estratégia é a sua facilidade de acesso a informações técnicas, bem como a equipamentos, processos e mesmo ao contato direto, que se faz por viagens periódicas aos países mais avançados. Isto tudo cria situação de evidente desvantagem para o pequeno e mediano empresários nacionais, que, pela escassez de recursos financeiros e pelo seu baixo nível de informação, decorrente de um processo incompleto de educação formal, têm poucas oportunidade de acesso a informações, quer diretas, quer indiretas, sobre o que se passa nos setores mais avançados da economia e de sua atividade empresarial específica.

3. CONCLUSÃO

Embora este artigo tenha um caráter exploratório e preliminar, objetivando fornecer elementos e um contexto de hipóteses e teorias para posterior trabalho de campo, não gostaríamos de encerrá-lo antes de apresentar algumas conclusões.

A primeira delas é que acreditamos ser mais fecunda a investigação sobre a gestão de tecnolgia, desde que amparada no tópico mais amplo da estratégia da empresa. Na verdade, uma empresa não gera sua tecnologia, seja inovando, seja imitando, por outras razões que a sua sobrevivência e sucesso a longo prazo. Portanto, a tecnologia é um fator crítico, na medida em que surge como fator relativamente escasso em nossos dias e, portanto, decisivo para o sucesso empresarial. O economista norte-americano John K. Galbraith, em vários pontos de sua obra, ao questionar a análise econômica clássica e neoclássica, como inadequada ao entendimento das situações econômicas atuais, mormente com as mudanças criadas pelo advento e consolidação da grande empresa multinacional, critica seriamente a tradicional escassez do fator capital e a abundância do fator trabalho. Tais concepções, fundamentais à análise econômica clássica, já não fazem mais sentido em nossos dias. Em certas situações, diríamos que sem mesmo o capital e o trabalho chegam a ser decisivos. O capital é fator cuja escassez relativa tem diminuído em tempos recentes, e o próprio fator trabalho tem sido bem menos abundante do que supunha a teoria clássica. Pelo menos o fator trabalho qualificado. O fator e recurso empresarial de importância crítica para muitas das empresas que hoje existem, especialmente em países menos desenvolvidos é a tecnologia. Não são outras as razões que têm levado, em nosso país, grupos nacionais, financeiramente sólidos e que têm um bom quadro de recursos humanos a se associarem a empresas multinacionais. A dificuldade de acesso a uma tecnologia com a qual possam inovar e continuar a competir é o fator decisivo na celebração de tantas joint ventures.

Assim, a decisão de estudar a gestão de tecnologia como parte integrante da estratégia da empresa, e também como a gestão de um elemento relativamente escasso e crítico ao desempenho empresarial, parece-nos fazer mais sentido do que a fixação em um formalismo de decisões desvinculadas do contexto empresarial mais amplo.

Em segundo lugar, a gestão de tecnologia é vista como um processo abrangente, englobando a empresa como um todo, e portanto muito próxima ao capítulo relativo ao estudo de estratégia empresarial e estilos administrativos. Conseqüentemente, a gestão de tecnologia envolverá o estudo de outros recursos empresariais, como os financeiros, os físicos, ou seja, plantas e equipamentos, bem como o estilo decisório e de comunicações da empresa, que podem variar bastante na dependência da tecnologia adotada.

Em terceiro lugar, o fato de o estudo da gestão de tecnologia não ser inteiramente estranho ao estudo da teoria administrativa e organizacional. O trabalho clássico de Joan Woodward27 27 Woodward, Joan. Industrial organization: theory and practice London, Oxford University Press. 1965. bem como os trabalhos posteriores do grupo de Aston, indicam que o assunto já vem sendo ventilado há algum tempo. Os trabalhos de J. Woodward são os mais ambiciosos na medida em que buscam relacionar tecnologia com estrutura organizacional e com processos e estilos administrativos. Preocupam-se suas investigações com problemas de formato organizacional, hierarquização, formalização, centralização, descentralização, e também com os problemas relativos a processo organizacional, como a amplitude de controle dos administradores, fluxo do processo comunicatório, velocidade de decisões e de comunicações. Já o trabalho propelido pelo grupo de Aston centra-se mais nos aspectos estruturais das organizações detendo-se mais no teste da hipótese central de Woodward, que era a tecnologia como variável condicionante da estrutura empresarial.

Em nosso estudo não pretendemos deixar de lado nenhum dos dois aspectos. Estamos interessados tanto em verificar o impacto de um estilo estratégico para gerir a tecnologia sobre a estrutura da empresa, como sobre os processos de organização.

Se considerarmos os estilos centrais (agressivo e defensivo), veremos que o número de funções administrativas que englobam (pesquisa básica, pesquisa aplicada, desenvolvimento experimental, design engineering, engenharia de produto e controle de qualidade, serviços técnicos, informação técnica e científica, educação e treinamento de recursos humanos, planejamento do produto e planejamento a longo prazo e patentes) demonstram inicialmente a existência de uma organização altamente complexa ou diferenciada horizontalmente. Portanto à medida que uma empresa adota estilos estratégicos e periféricos (imitativo, dependente) ou ambivalentes (oportunista, tradicional), a sua diferenciação horizontal tenderá a reduzir-se. Igualmente o aumento da diferenciação horizontal implicará um maior esforço para o desempenho de atividades de coordenação, bem como a existência de órgãos, seções e comissões responsáveis pela coordenação que é instrumento básico na manutenção da integração organizacional.

Outro elemento importante relacionado com os estilos estratégicos é que os estilos centrais deverão objetivar a presença de profissionais e técnicos de alto nível nos quadros, bem como uma elevação do nível de treinamento e qualificação da mão-de-obra empregada de maneira geral.

Se os estilos estratégicos adotados numa economia periférica e em desenvolvimento, como a brasileira, implicam a adoção de imitação, adaptações e numa dose variável, porém sempre elevada de dependência com relação a fatores externos, seria interessante procurar saber qual a fonte organizacional de inovações, adaptações, imitações, etc. Tais fontes estão na cúpula organizacional, nos setores mais próximos à gestão das plantas industriais, nos responsáveis pelo contato mais imediato com os consumidores, como são os da área comercial, ou ainda, os que têm contatos mais constantes com fornecedores de máquinas e de equipamentos. São questões de importância e cujas respostas poderão ser obtidas a partir de uma perspectiva estratégica da gestão de tecnologia.

A escolha de tecnologia é condicionada em boa parte pela estratégia que a empresa adota a fim de adequar-se ao meio-ambiente e continuar sobrevivendo. Mas como em organizações não há variáveis isoladas, a não ser por meio de abstração e a análise, resta o fato de que a tecnologia, uma vez escolhida e adotada, acabará por influir em outros aspectos da vida organizacional. Assim é que certo tipo de tecnologia poderá facilitar a centralização de decisões; outra poderá levar a que se altere o perfil da mão-de-obra utilizada pela empresa. Outro, ainda, fará que a automação nos processos de produção levem a modificações nos padrões de comunicação entre os operários, etc.

A gestão da tecnologia, especialmente em economias em desenvolvimento, é ainda mal conhecida ao nível das empresas. Não resta dúvida de que muito se tem escrito e pesquisado sobre o assunto dos pontos-de-vista econômico, sociológico e político, bem como se tem explorado as repercussões da tecnologia sobre a formulação da política econômica e mesmo no que diz respeito ao relacionamento entre nações. Todavia, muito pouco se tem pesquisado para entender a nível de empresa, tomada aqui como objeto privilegiado de pesquisa e unidade de análise, o que se passa com a tecnologia. E isto tudo apesar de a literatura existente reconhecer que a empresa é, em última instância, a geradora de tecnologia e a organização onde se desenvolve, adapta e aplica esta tecnologia. É sobre esta realidade singular que pretendemo-nos debruçar, informados pelos conhecimentos oriundos das demais ciências sociais, e com o elemento unificador da estratégia empresarial.

  • 1 Woodward, Joan. Industrial organization: theory and practice London, Oxford University Press, 1965.
  • 2 Entre os principais trabalhos do grupo de Aston convém lembrar: Hickson, D. J., Pugh, D. S. & Pheysey, D., Operations technology and organization structure. An empirical reappraisal. Administrative Science Quarterly, n. 14, p. 378-97, 1969;
  • e Pugh, D. S., Hickson, D. J., Hinnings, C B. & Turner, D. The context of organization structures. Administrative Science Quartely, n. 14, p. 91-114, 1969.
  • 3 Dentre os vários trabalhos de P. Blau sobre o assunto, é importante lembrar o elaborado em co-autoria com Robert Schoenherr, The structure of organizations. New York, Basic Books, 1971.
  • A formal theory of differentiation in organizations. American Sociological Review, p. 201-18, 1970.
  • 4 Argyris, Chris. Personality and organization. New York, Harper & Row 1957.
  • 5 Argyris, Chris. Personality and organization theory revisited. Administrative Science Quarterly, v. 18, p. 150-2, Jun. 1973.
  • 6 Ansoff, H. Igor. Corporate strategy: an analytic approach to business policy for grouth and expansion. London, Penguin Books, 1965. p. 17.
  • 7 Moreno, Felix. Cartilla sobre adquisición de tecnologia. Bogotá, Colciencias, Documentos Estudios, 1974.
  • 8 Motta, Maria Teresa. Gestión tecnológica en el sector industrial vallecaucano. Cali, Colombia, Departamento de Administración, 1975. p. 25.
  • 9 Fajardo, Luiz. Proyecto de investigación sobre gestión tecnológica en América Latina. Bogotá, Cladea, 1975, p. 13.
  • 10 Thompson, Victor A. Modern organization: a general theory. New York, Alfred A. Knopf, 1961. p. 6.
  • 11 Simon, Herbert A. Comportamento administrativo. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1965. p. 257-8.
  • 12 Simon, Herbert A. The shape of automation for men and for management. New York, Harper & Row, 1965.
  • 15 Freeman, C. H. The economics of innovation. London, Penguin Books, 1974. p. 279.
  • 17 Wieland, George F. & Ullrich, Robert A. Organizations: behavior, design and change. Homewood, Illinois, Richard D. Irwin, 1976, p. 404.
  • 18 Ansoff, H. Igor, ed. Business strategy. London, Penguin Books, 1969. p. 7.
  • 19 Anthony, Robert N. Planning and control systems; a framework for analysis. Boston, Harvard Business School, Division of Research, 1965. p. 17.
  • 23 Biato, Francisco de Almeida; Almeida Guimarães, Eduardo A. de & Figueiredo, Maria Helena Poppe de. Potencial de pesquisa tecnológica no Brasil. Rio de Janeiro, Ipea, 1971. p. 120-1.
  • 24 Center for policy alternatives, Massachussets, Institute of Technology. Some perspectives on technology research in São Paulo and Brazil. Documento inédito, 1975. p. 28.
  • 26Exame, n. 134, p. 70, 24 ago. 1977.
  • 27 Woodward, Joan. Industrial organization: theory and practice London, Oxford University Press. 1965.
  • 1
    Woodward, Joan.
    Industrial organization: theory and practice London, Oxford University Press, 1965.
  • 2
    Entre os principais trabalhos do grupo de Aston convém lembrar: Hickson, D. J., Pugh, D. S. & Pheysey, D., Operations technology and organization structure. An empirical reappraisal.
    Administrative Science Quarterly, n. 14, p. 378-97, 1969; e Pugh, D. S., Hickson, D. J., Hinnings, C B. & Turner, D. The context of organization structures.
    Administrative Science Quartely, n. 14, p. 91-114, 1969.
  • 3
    Dentre os vários trabalhos de P. Blau sobre o assunto, é importante lembrar o elaborado em co-autoria com Robert Schoenherr, The structure of organizations. New York, Basic Books, 1971. A formal theory of differentiation in organizations.
    American Sociological Review, p. 201-18, 1970.
  • 4
    Argyris, Chris.
    Personality and organization. New York, Harper & Row 1957.
  • 5
    Argyris, Chris. Personality and organization theory revisited.
    Administrative Science Quarterly, v. 18, p. 150-2, Jun. 1973.
  • 6
    Ansoff, H. Igor.
    Corporate strategy: an analytic approach to business policy for grouth and expansion. London, Penguin Books, 1965. p. 17.
  • 7
    Moreno, Felix.
    Cartilla sobre adquisición de tecnologia. Bogotá, Colciencias, Documentos Estudios, 1974.
  • 8
    Motta, Maria Teresa.
    Gestión tecnológica en el sector industrial vallecaucano. Cali, Colombia, Departamento de Administración, 1975. p. 25.
  • 9
    Fajardo, Luiz.
    Proyecto de investigación sobre gestión tecnológica en América Latina. Bogotá, Cladea, 1975, p. 13.
  • 10
    Thompson, Victor A.
    Modern organization: a general theory. New York, Alfred A. Knopf, 1961. p. 6.
  • 11
    Simon, Herbert A.
    Comportamento administrativo. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1965. p. 257-8. A importância que o autor confere ao processo decisório em administração justifica uma citação mais longa. "O tema central deste estudo pode assim ser enunciado: o comportamento administrativo consiste de uma complexa rede de processos decisórios que se destinam a influenciar o comportamento do pessoal de execução, ou seja, daqueles que realizam realmente o trabalho físico da organização. Por anatomia da organização entende-se a distribuição e localização das funções decisórias. Sua fisiologia consiste nos processos pelos quais a organização influencia as decisões de cada um de seus membros, fornecendo-lhes as premissas para essas decisões".
  • 12
    Simon, Herbert A.
    The shape of automation for men and for management. New York, Harper & Row, 1965. Neste livro, atenção especial deve ser dedicada ao terceiro capítulo, "The new science of management decision".
  • 13
    Id. ibid., p. 58-61.
  • 14
    Id. ibid., p. 54.
  • 15
    Freeman, C. H
    . The economics of innovation. London, Penguin Books, 1974. p. 279.
  • 16
    Id. ibid., p. 205.
  • 17
    Wieland, George F. & Ullrich, Robert A.
    Organizations: behavior, design and change. Homewood, Illinois, Richard D. Irwin, 1976, p. 404.
  • 18
    Ansoff, H. Igor, ed.
    Business strategy. London, Penguin Books, 1969. p. 7.
  • 19
    Anthony, Robert N.
    Planning and control systems; a framework for analysis. Boston, Harvard Business School, Division of Research, 1965. p. 17.
  • 20
    Freeman, C. H. op. cit. Veja capítulo 8.
  • 21
    Id. ibid. p. 258.
  • 22
    Id. ibid. p. 259.
  • 23
    Biato, Francisco de Almeida; Almeida Guimarães, Eduardo A. de & Figueiredo, Maria Helena Poppe
    de. Potencial de pesquisa tecnológica no Brasil. Rio de Janeiro, Ipea, 1971. p. 120-1.
  • 24
    Center for policy alternatives, Massachussets, Institute of Technology.
    Some perspectives on technology research in São Paulo and Brazil. Documento inédito, 1975. p. 28.
  • 25
    Veja Freeman, C. H. op. cit p. 269-70.
  • 26
    Exame, n. 134, p. 70, 24 ago. 1977.
  • 27
    Woodward, Joan.
    Industrial organization: theory and practice London, Oxford University Press. 1965.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1977
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