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Um modelo organizacional para a administração pública federal

ARTIGOS

Um modelo organizacional para a administração pública federal

Francisco José Masset Lacombe

Assistente da Diretoria da Companhia Auxiliar de Empresas de Mineração - CAEMI; professor da Fundação Getúlio Vargas

1. A ATUAL ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL

1.1 Os subordinados diretos do Presidente da República

Pela atual estrutura organizacional da administração pública federal, reportam-se ao Presidente da República:

a) Em funções basicamente de apoio ou assessoria:

• Vice-Presidente da República. Ministro Chefe do Gabinete Civil. Ministro Chefe do Gabinete Militar. Ministro Chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República. Ministro Chefe da Secretaria de Comunicação Social. Ministro Extraordinário para a Desburocratização. Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA). Chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI). Secretário-Geral do Conselho de Segurança Nacional (CSN). Consultor-Geral da República. Diretor-Geral do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). Secretário Particular do Presidente da República.

b) Em funções basicamente de linha:

• Ministro de Estado da Aeronáutica. Ministro de Estado da Agricultura. Ministro de Estado das Comunicações. Ministro de Estado da Educação e Cultura. Ministro de Estado do Exército. Ministro de Estado da Fazenda. Ministro de Estado da Indústria e Comércio. Ministro de Estado do Interior. Ministro de Estado da Justiça. Ministro de Estado da Marinha. Ministro de Estado das Minas e Energia. Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social. Ministro de Estado das Relações Exteriores. Ministro de Estado da Saúde. Ministro de Estado do Trabalho. Ministro de Estado dos Transportes.

Ao todo, 26 pessoas.

O exame dessa estrutura mostra que o número de pessoas diretamente subordinadas ao Presidente da República supera o que seria desejável, segundo os padrões preconizados para as organizações complexas.

1.2 Algumas considerações sobre a estrutura atual

A simples leitura dos títulos dos subordinados do Presidente da República permite a verificação de que, na estrutura atual, é adotado o critério de departamentalização funcional, cujas características são mencionadas no item 3.1.

O número de conselhos e comissões e as suas interfaces com os diversos ministérios bem como a quantidade de assuntos que extravasa o âmbito de cada ministério, indicam o grau de complexidade da coordenação no topo e a dificuldade de se definir com precisão o processo decisório.

O problema é ainda agravado pelo fato de que esta coordenação, considerando-se a quantidade e a diversidade dos subordinados diretos do Presidente, tem de ser exercida, em última instância, pelo Chefe de Estado, a quem cabem também, naturalmente, as responsabilidades de representação no ambiente externo, da maior importância numa organização social aberta.

D. R. Daniel, em artigo publicado na Harvard Business Review, no número de março-abril de 1965, menciona a conclusão a que chegou o principal executivo de uma empresa sobre a sua falta de tempo para estudar as decisões importantes. Tendo pedido à sua secretária que mantivesse um registro do dispêndio de seu tempo, concluiu que 30% do total era dedicado a atividades de representação e de manutenção da sua imagem: discursos, visitas, compromissos sociais, etc, e 10% às viagens de ida e volta para o desempenho dessas ocupações, restando pouco mais da metade para as atividades de direção. Acabou concluindo sobre a necessidade de dividir a coordenação, no topo, entre um pequeno grupo de pessoas atuando integradamente, como num time (3). Esta idéia já tinha sido ventilada antes por Peter Drucker, no seu livro The Practice of management (4).

Se este problema ocorre em empresas, com maior intensidade vai aparecer no sistema que abrange a administração de um país com dimensões continentais.

Não deveria, pois, constituir surpresa a alta entropia desse sistema, manifestada por meio das incoerências, omissões e ineficiências publicadas com freqüência pelos órgãos de divulgação e apontadas pelas mais diversas instituições públicas e privadas.

2. COMPARAÇÕES COM ORGANIZAÇÕES EMPRESARIAIS

2.1 As soluções empresariais e a idéia da analogia

Não parece válido admitir que a administração pública federal seja caso único, absolutamente sui generis e sem possibilidades de comparação com outras organizações.

Grandes empresas e conglomerados, premidos pela necessidade de alcançar resultados favoráveis em ambientes cada vez mais competitivos, têm procurado estabelecer modelos organizacionais que proporcionem melhores condições para um processo decisório ágil e eficaz. Dois recursos são bastante utilizados com este objetivo: o two-man-team e a estrutura em matriz e divisões.

É na comparação com esses modelos empresariais que vamos procurar analogias para idealizar um modelo organizacional para a administração pública.

2.2 Problemas existentes com relação a este raciocínio analógico

Toda analogia é naturalmente imperfeita. A comparação de organizações com objetivos diversos acarreta, como conseqüência, alguns problemas inevitáveis.

Dentro da tipologia de organizações estabelecidas por Katz e Kahn (6), uma empresa é classificada, em geral, como um sistema produtivo, enquanto a administração pública classifica-se como sistema político. Os próprios objetivos diversos desses sistemas obrigam a restringir a analogia a aspectos gerais e mais ou menos evidentes, sem descer a pormenores muito específicos de funcionamento. Ocorre, porém, que limitamos o escopo do trabalho à comparação da administração central de uma empresa multidivisional, conforme definida adiante, com o Poder Executivo da administração pública federal. Por conseguinte, a analogia restringe-se ao confronto de dois subsistemas políticos, embora um esteja inserido no contexto de um sistema produtivo e o outro no de um sistema político. Ainda assim há diferenças substanciais entre eles, em especial no que diz respeito ao relacionamento com o ambiente e ao processo decisório. Em ambos os casos, o sistema político é mais complexo: a) no que diz respeito ao relacionamento com o ambiente, há que considerar a existência dos poderes Legislativo e Judiciário, bem como a necessária submissão periódica à vontade popular; b) no que diz respeito ao processo decisório, nota-se que é mais freqüente nos sistemas políticos a necessidade de se chegar às decisões mediante composições de interesses, acomodações, persuasões e negociações.

Esta maior complexidade, porém, reforça ainda mais a necessidade de diminuir a sobrecarga do Presidente e de delegar, ao menos parcialmente, a coordenação das várias áreas funcionais conforme o modelo proposto adiante.

Validando a analogia, temos o fato de que ambas as organizações são subsistemas políticos de sistemas abertos, que importam energia do ambiente externo para produzir um output e para impedir o crescimento excessivo da sua entropia (6). Isto implica a existência de algumas semelhanças, que tudo indica sejam suficientes para permitir as conclusões aqui apresentadas, ainda que em caráter bastante genérico.

3. ORGANIZAÇÃO EMPRESARIAL

3.1 A estrutura em linha com o critério funcional

É fato bastante conhecido que as pequenas empresas, com atividades pouco diversificadas, estruturam-se, segundo o critério de departamentalização funcional, no primeiro nível hierárquico. Os principais executivos de cada área funcional têm o comando direto, em linha, de todas as atividades da sua função. Geralmente, as áreas funcionais mais comuns são a de produção, a comercial, a administrativa e a financeira, que podem ser desmembradas ou grupadas, ainda no primeiro nível, de acordo com as conveniências da empresa.

Esta estrutura tende a tirar o máximo proveito da especialização de cada indivíduo, bem como das habilidades e experiência do principal executivo de cada área funcional, cuja personalidade se projeta sobre os elementos da área através do comando direto, em linha. Como conseqüência disto e da possibilidade de completa inexistência de duplicação de atividades, esta estrutura tende a proporcionar custos reduzidos nas organizações simples. As suas principais desvantagens são as dificuldades de coordenação no topo e de avaliação dos resultados dos órgãos, bem como a eventual tendência no sentido de proporcionar estanqueidade entre as áreas e, como corolário, a estreiteza de visão nos executivos de nível intermediário. É fato por demais conhecido que este tipo de estrutura tende a forçar a centralização do processo decisório pela interdependência dos objetivos, planos, programas e atividades das várias áreas funcionais, que são coordenados somente no topo (1).

3.2 A estrutura em matriz e divisões

À medida que a empresa se diversifica em objetivos, linhas de produtos, serviços, tecnologias de produção, mercados e áreas geográficas, o critério de departamentalização funcional no primeiro nível torna-se cada vez mais inadequado. As vantagens da especialização diminuem e as desvantagens da centralização, bem como as dificuldades de coordenação e de controle, ampliam-se consideravelmente. É necessário reorganizá-la, de modo a permitir um processo de delegação que proporcione condições de operação mais eficientes.

A empresa forma, então, divisões semi-autônomas - que se constituem centros de lucro, responsáveis por suas receitas e despesas - departamentalizadas por produtos, serviços, áreas geográficas ou por um critério misto, que pode incluir, além dos mencionados, o critério de processo e, em casos excepcionais, o de funcionalidade (7).

O aspecto mais importante nessa estrutura é a constituição de centros de lucro, e a sua característica fundamental é a transferência dos bens e serviços, entre as divisões, pelos preços de mercado e não pelos preços de custo apurados através dos processos de apropriação contábil. Como conseqüência, ao final de um exercício é possível apurar um lucro (ou prejuízo) em cada divisão e identificar as divisões que estão contribuindo positiva (ou negativamente) para o resultado final da empresa.

É evidente que, se os principais executivos de cada divisão devem prestar contas do lucro (ou prejuízo) de cada período, devem, em contrapartida, receber ampla delegação de autoridade. O principal executivo responsável por uma divisão reporta-se ao principal executivo da empresa, cujo staff compõe com o chefe a administração central, à qual cabe a determinação dos objetivos, políticas e metas gerais para a empresa, bem como o controle dos resultados das divisões.

Esta estrutura pode ser assim representada:

3.3 A opinião de Alfred P. Sloan Jr.

Seria interessante citar os comentários de Alfred P. Sloan Jr., no seu livro My years with General Motors, sobre crescimento e descentralização: "O crescimento, ou a vontade de crescer, é, creio eu, essencial à boa 'saúde' de uma empresa. Parar deliberadamente o crescimento é sufocar. Sempre acreditei em planejar com vistas a maiores dimensões. O crescimento e o progresso estão relacionados, pois não há lugar para descanso para a empresa numa economia competitiva. Surgem obstáculos, conflitos, problemas de vários tipos, bem como novos horizontes para movimentar a imaginação e continuar o progresso da indústria. Não deve ser inferido desta afirmação que não considero o tamanho como um obstáculo. Para mim, trata-se apenas de um problema de administração. Meus pensamentos sobre este assunto sempre giraram - na teoria e na prática - em torno de um conceito conhecido pelo nome supersimplificado de descentralização. O tipo de organização da General Motors - coordenada em políticas e descentralizada na administração - funcionou bem não apenas para nós, mas tornou-se prática comum em grande parte da indústria americana"(9).

3.4 Grau de autonomia das divisões e funções da administração central

A autonomia das divisões (centros de lucro) varia inversamente com o grau de interdependência dos seus negócios. Quanto maior a integração vertical e horizontal dos negócios, a homogeneidade das linhas de produtos, dos mercados, das tecnologias e das áreas geográficas, maior o número de funções na administração central (a qual continua departamentalizada pelo critério funcional) e menor a autonomia das divisões. Reciprocamente, as divisões operam como empresas virtualmente autônomas, quando é reduzida a integração dos seus negócios e há grande heterogeneidade dos fatores acima mencionados (10).

No caso de grande autonomia, permanecem na administração central apenas quatro funções: finanças, recursos humanos, comunicação social (interna e externa) e atividades jurídicas, além do planejamento geral, em termos apenas indicativos de objetivos gerais, políticas e estratégias. As demais funções são descentralizadas nas divisões. Este é o modelo utilizado pelos conglomerados e multinacionais de atividades diversificadas (2, 10).

À medida que aumenta a integração dos negócios, bem como a homogeneidade dos produtos, mercados, tecnologias e áreas geográficas, aumenta o número de funções na administração central, que podem incluir, além das que já foram mencionadas, as funções de pesquisa e desenvolvimento, sistemas de informações, compras, marketing, segurança e várias outras. É evidente que decresce gradativamente a autonomia das divisões (2, 10).

4. AS FUNÇÕES DOS MINISTÉRIOS E SEU POSSÍVEL GRUPAMENTO

4.1 Possibilidade de grupamento dos ministérios

Não parece ser coincidência o fato de que todos os ministérios existentes, com exceção dos militares, exerçam funções ligadas às quatro áreas que aparecem na administração central das grandes empresas diversificadas. Isto indica que seria possível, ao menos de modo teórico, grupá-los naquelas quatro áreas.

Há vários anos já se cogita da criação de um Ministério da Economia, considerando que é absolutamente essencial a coordenação e a unidade de orientação da economia do país. Um dos argumentos mais utilizados neste sentido é que esta coordenação, se não for feita pelo Ministério da Economia, terá de sê-lo pelo Presidente da República, que presumivelmente disporá de menos tempo e de menos conhecimentos específicos para efetuá-la e assegurar a unidade de orientação. Argumenta-se, contra este fato, que o Ministro da Economia seria um superministro, desequilibrando os centros de poder.

Mas, se fossem criados apenas quatro ministérios, o titular da pasta que englobasse a educação, a saúde, os desportos, a previdência social, a cultura, o trabalho e as demais áreas ligadas à valorização do homem e ao desenvolvimento social não seria também um superministro?

Argumenta-se, ainda, que os secretários de Estado, responsáveis pelas áreas da Fazenda, Indústria e Comércio, Agricultura, Transportes, etc... que hoje se reportam diretamente ao Presidente, teriam um elemento intermediário nesta relação de subordinação, aumentando o número de níveis hierárquicos.

Tudo indica que este problema poderia ser facilmente superado por um adequado estilo de gestão. A solução foi indicada pelo Prof. Eugênio Gudin em artigo publicado em 4.2.1972: "Qualquer dos secretários de Estado teria o direito, em casos de importância, de ser ouvido pelo Presidente na presença do Ministro da Economia. Como poderia o Presidente convocar qualquer dos secretários. Haveria ao menos uma reunião mensal do Conselho Econômico composto dos secretários de Estado"(5).

Cada Ministério teria a sua própria Secretaria de Planejamento, permanecendo diretamente ligada ao Presidente apenas uma Assessoria de Planejamento Estratégico, com a finalidade de indicar os objetivos e metas gerais e de compatibilizar e consolidar os planos e programas dos ministérios.

A prova de que já estamos seguindo nesta direção é também assinalada pelo Prof. Gudin em artigo de 29.3.1976: "O País é de fato governado por três conselhos criados pelo atual Governo: O Conselho de Desenvolvimento Econômico, o Conselho de Desenvolvimento Social e o Conselho de Desenvolvimento Político. Todos ativamente liderados pelo Presidente da República, que é quem decide sobre uma série de problemas até aqui considerados de âmbito ministerial" (5).

Ultimamente, têm surgido novos conselhos e comitês, que tornam ainda mais complexo o funcionamento do poder público.

É também fato amplamente conhecido pelos estudiosos da teoria das organizações que o aparecimento de conselhos e comitês para deliberar sobre assuntos que envolvam vários órgãos pode, eventualmente, indicar uma inadequação da estrutura organizacional existente. Atuam, neste caso, os conselhos e comitês com bypasses para superar as dificuldades que não podem ser resolvidas através da estrutura formal.

4.2 A sobrecarga do Presidente - o two-man-team - o Poder Moderador

A diminuição do número de ministérios, pelo seu grupamento, poderia não diminuir de forma substancial a sobrecarga do Presidente, considerando o estilo de gestão proposto pelo Prof. Gudin no artigo acima mencionado e que parece imprescindível para assegurar a eficácia da máquina administrativa. No entanto, talvez proporcionasse decisões melhores para os inúmeros problemas que nos assolam, uma vez que haveria uma coordenação mais eficiente de cada uma das áreas funcionais existentes no plano federal.

A fórmula para aliviar a sobrecarga do "principal executivo" da nação seria a separação entre a chefia do Estado e a chefia do Governo, não exatamente nos moldes dos regimes parlamentaristas, mas, ainda, aqui, procurando analogias com o modelo empresarial que se revelou de extrema eficiência em ambientes altamente competitivos (3).

O Chefe de Estado teria funções equivalentes ao Chairman of the Board, cabendo-lhe as atividades de representação e ficando-lhe subordinado o Ministério da Defesa, que englobaria as três armas e, eventualmente, as Relações Exteriores. Ficaria instituído de forma implícita o Poder Moderador, antes exercido pelo Imperador e, desde a proclamação da República, pelas Forças Armadas, ainda que em caráter informal.

O Chefe de Governo teria as responsabilidades que nas empresas são atribuídas ao Chief Executive Officer, ficando-lhe subordinados os Ministérios da Economia, do Desenvolvimento Social, da Justiça, das Relações Internas e, talvez, das Externas. Isto lhe daria condições de dedicar tempo integral à administração do país. Tudo indica ser muito conveniente que lhe fosse assegurado um período adequado para o exercício de seu mandato, independente da composição do legislativo. Não podemos correr o risco de mudanças freqüentes do Governo, como ocorrem em alguns países que adotam o regime parlamentarista com o pluripartidarismo.

4.3 Os Governos estaduais e a descentralização

Dentro desse modelo, pergunta-se: onde estão os centros de lucro? As divisões operacionais? Até aqui só analisamos a administração central.

As divisões operacionais já existem e estão departamentalizadas por áreas geográficas: são os governos estaduais.

O que dificulta e distorce a nossa comparação é o fato de que, nas grandes empresas diversificadas, a administração central quase não opera, a execução é bastante descentralizada e delegada às divisões. Na administração pública, o Governo federal opera em grande escala, não apenas mediante os órgãos de administração pública direta, mas também por meio das empresas estatais a ele vinculadas. Isto torna a estrutura da administração pública federal comparável à organização de uma pequena empresa operacional, rigidamente departamentalizada pelo critério funcional.

Tal fato salienta o absurdo desta situação quando se sabe que este critério é típico de empresas simples e pouco diversificadas. Mas também aqui parece que a analogia nos comprova um fato já de todos conhecido: urge implantar de modo efetivo o regime federativo. Delegar mais aos estados e municípios é um imperativo numa autêntica federação. É preciso também que se forneça aos estados e municípios os recursos que lhes possibilitem arcar com responsabilidades maiores, decorrentes de uma efetiva descentralização e que lhes seja outorgada maior autonomia política e administrativa.

Para tudo isto, é necessário que se ponha em prática a tão falada política de desestatização das empresas, especialmente no âmbito federal. O problema, neste caso, reside na dificuldade de se aglutinarem os recursos privados necessários à execução deste programa. Talvez isto só possa ser resolvido através de poupanças compulsórias, se bem que o ideal seria consegui-lo mediante poupanças voluntárias. Trata-se, porém, de um assunto por demais amplo para ser considerado no escopo deste artigo.

Estas mudanças devem permitir substanciais melhorias no funcionamento do poder central que, aliviado de uma parcela das atividades de execução, poderia dedicar-se com mais eficiência e isenção às tarefas que precipuamente lhe cabem: planejamento, coordenação e controle.

4.4 Algumas implicações do modelo proposto

Pelo modelo proposto, um grupo de seis a oito pessoas passaria a deter as principais responsabilidades e poderes na administração pública federal. A responsabilidade de planejamento, comando, coordenação e controle de cada área funcional seria atribuída a um ministro (ou superministro?). Ao Chefe de Governo caberia a coordenação geral das várias áreas funcionais. Ao Chefe de Estado, basicamente as atividades de representação e as de segurança. Evidentemente, este grupo de pessoas teria que atuar como um time integrado. No entanto, parece óbvio que deve ser mais fácil integrar um conjunto de seis a oito pessoas do que um de vinte e seis, sobretudo se essa integração compete, em última análise, a uma única pessoa, a quem ainda cabem as atividades de representação. Além disso, a maior delegação às esferas estaduais, aliada a uma progressiva desestatização, aliviaria o congestionamento atualmente inevitável no âmbito federal.

Isto equivaleria, na prática, à institucionalização do inner circle tão bem analisado por James D. Thompson no capítulo intitulado O controle de organizações complexas de seu livro Organizations in action (11). Ali é demonstrado que a organização com as bases de poder dispersadas fica imobilizada, a menos que exista um inner circle eficaz. Mostra o autor ainda que, "nas organizações complexas, o poder tende naturalmente a se dispersar, e para que a organização tenha agilidade decisória e dinamismo, o poder disperso deve ser refletido e exercido através de um inner circle, com uma figura central capaz de liderar esta coalizão".

Pela organização atual, este processo de formação do inner circle tende a se desenvolver de modo informal, mediante um processo demorado e absorvedor de grandes quantidades de energia. O que se pretende é uma tentativa de definição mais precisa, para diminuir a entropia e por conseguinte a necessidade de absorção de energia do ambiente externo nas proporções hoje existentes.

A implantação de um modelo nos moldes aqui preconizados acarreta inúmeros problemas, inclusive de ordem política. Alguns elementos que se reportam ao Presidente da República vão considerar um rebaixamento a posição que lhes caberia na nova organização, quando, na realidade, levando em conta o esquema de funcionamento proposto pelo Prof. Gudin e o que ocorre hoje na prática, o modelo estaria apenas formalizando o que, em muitos casos, já existe. E, assim sendo, equivaleria de fato à implantação de uma estrutura organizacional mais adequada às necessidades de administração do país.

5. CONCLUSÃO

Em função de tudo o que foi exposto, seria possível idealizar várias estruturas organizacionais respeitando os princípios mencionados neste artigo.

Os temas aqui abordados foram mantidos em termos de ideias bastante genéricas e comportam aprofundamentos e esmiuçamentos que requereriam amplos estudos e debates. O artigo mostra apenas a ponta do iceberg. Pode-se formular uma infinidade de variantes em função do modelo acima, cada uma delas proporcionando algumas vantagens em relação às demais. É óbvio que na sua implantação devem surgir inúmeras dificuldades e controvérsias. Mas isto é próprio de qualquer solução inovadora a problemas e a novos desafios. O que não podemos é aceitar as facilidades proporcionadas pelo conformismo e a acomodação, preferindo conviver com os problemas existentes em vez de solucioná-los.

Muito se tem debatido em torno da definição de um modelo político brasileiro. No entanto, um modelo político pressupõe a existência de um modelo organizacional que o viabilize. A deficiência dos instrumentos de organização talvez esteja na raiz do adiamento constante desta definição.

  • 1. Allen, Louis A. Management and organization. McGraw-Hill; International Student Edition, p. 71-307.
  • 2. Berg, Norman A. What's different about conglomerate management? Harvard Business Review, Nov./Dec. 1969.
  • 3. Daniel, D. R. Yeam at the top. Harvard Business Review, Mar./Apr. 1965.
  • 4. Drucker, Peter F. The practice of management. London, Pan Books, 1970. p. 196-220.
  • 5. Gudin, Eugênio. O pensamento de Eugênio Gudin. Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getulio Vargas, 1978. p. 217-19, 245-49, 253-56, 290-92.
  • 6. Katz. D. & Kahn. R. L. The Social Psychology of organizations. Wiley International Edition. John Wiley & Sons, 1966. p. 1-335.
  • 7. Newman, W. H.; Summer, C. E. & Warren, E. K. The Process of management. Prentice-Hall of India, 1970. p. 61-9.
  • 8. Perrow, Charles. Análise organizacional; um enfoque sociológico. Atlas, 1972. p. 21-47, 165-220.
  • 9. Sloan Jr., Alfred P. My years with General Motors. Anchor Books Edition, 1972. p. XIV-XVI, 45-62.
  • 10. Stieglitz, Harold. On concepts of corporate structure - Economic determinants of organization in the conference board record. The Conference Board. Feb. 1974. p. 7-13.
  • 11. Thompson, James D. Organizations in action. McGraw-Hill, 1967. p. 132-44.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1980
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