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Marxismo e política

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Luis Carlos Bresser Pereira

Marxismo e política

Por Ralph Miliband. Trad, de Marxism and politics, 1977. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1979.

Ralf Miliband é professor de ciência política na Inglaterra. Publicou antes O Estado na sociedade capitalista (também traduzido pela Zahar), que apresenta as mesmas qualidades e limitações deste seu último livro. Miliband é claramente um marxista heterodoxo, na medida em que não transforma os textos de Marx, Engels (e até de Lenine) em verdades eternas a serem apenas interpretadas e eventualmente atualizadas. Adotando, embora, os postulados básicos marxistas - o materialismo dialético e histórico, a precedência da luta de classes, a mais-valia como forma especificamente capitalista de extração do excedente por parte da burguesia, o socialismo como objetivo - não deixa de criticar os clássicos do marxismo, quando os julga errados ou superados.

Por esse motivo seria, talvez, mais adequado chamá-lo de marxista não-dogmático. Quem seria, pois, afinal, o marxista ortodoxo? Quem teria a verdade a respeito de Marx? Uma noção desse tipo escandalizaria, sem dúvida, o próprio Marx. E se alguns intérpretes, e sobretudo alguns partidos comunistas, a começar pelo soviético, se arvoraram em desempenhar esse papel, hoje está muito clara a imensa contrafação do marxismo que esta atitude representa.

Duas outras características que transparecem neste livro, além do não-dogmatismo, são a coragem e o bom senso. Miliband não se furta a nenhuma discussão. De início, discute as limitações da teoria política marxista, o conceito de classe, seu papel e o da consciência de classe no conflito social; o caráter eventualmente "universal" da classe trabalhadora; a diferença entre consciência revolucionária e disposição à insurreição por parte desta mesma classe.

Em seguida, faz uma excelente análise das ideologias conservadoras e do controle dos aparelhos ideológicos da sociedade como meios de impedir a consciência revolucionária dos trabalhadores. Termina com uma apreciação sobre a importância crescente dos intelectuais, tanto como agentes legitimadores da ordem, quanto como agentes da revolução.

O Estado, como instrumento da classe dominante, e, em seguida, como portador de uma "autonomia relativa", é o assunto que examina a seguir. Nota-se aqui um claro progresso de Miliband em relação ao seu livro anterior. Sua tese básica é a de que o Estado capitalista possui uma certa autonomia porque sua missão é "organizar a reforma", essencial para a sobrevivência do sistema. Não dá, entretanto, a ênfase necessária ao fato de que as políticas do Estado são cada vez mais o resultado das lutas de classe. Subestima, por outro lado, o poder da tecnoburocracia estatal, cuja dimensão e influência cresceram imensamente com o aumento das funções do Estado.

No final do livro, Miliband aborda as questões fundamentais da transição para o socialismo: as relações entre a classe trabalhadora e o partido, a concepção bolchevique de partido único, como decorrência do caráter universal da classe trabalhadora, a ditadura do proletariado transformando-se em ditadura da burocracia, do Partido, o centralismo democrático que substitui o poder do povo pelo do Partido, o do Partido pelo da Comissão Central e o da Comissão Central pelo do ditador, no caso, Stalin.

Nesta parte final, que tem muito de histórica, vemos Lenine, Trotsky, Stalin assumindo posições na prática política. Trotsky a princípio muito autoritário. Lenine mudando consideravelmente quando se vê diante da realidade do poder, não podendo, porém, ser considerado como antecessor de Stalin, cujo totalitarismo ultrapassa todos os limites.

O último capítulo é uma discussão sobre a estratégia leninista da insurreição e o reformismo revolucionário que acabou sendo adotado pela maioria dos partidos comunistas. Os comunistas desejam a revolução, a implantação do socialismo, mas pela via parlamentar, legal, sem recurso à ditadura do proletariado. A luta de classes deverá ser estimulada: a mobilização popular será a estratégia, básica; o objetivo, uma ampla hegemonia ideológica das esquerdas comunistas e não-comunistas. Os partidos comunistas aproximam-se, assim, da estratégia social democrática clássica, na medida em que desejam participar do poder. O trabalho ao nível das consciências, a conquista paulatina da hegemonia ideológica, ao invés da insurreição armada, tornam-se a estratégia fundamental. Nesta parte do livro faz, sem dúvida, muita falta a análise da contribuição de Gramsci. O autor colocou para si, como objetivo, ficar apenas com os clássicos do marxismo; não há dúvida, porém, de que Gramsci, no plano da análise política, já é um dos pensadores marxistas clássicos.

O livro de Miliband é válido na medida em que transmite de maneira imparcial as principais posições de Marx, Engels e Lenine a respeito da política. Sua maior limitação, entretanto, está no seu arraigado bom senso, que o impede de ver mais além, que o impede de, utilizando o instrumental metodológico marxista, oferecer novas contribuições interpretativas aos processos políticos contemporâneos. [ ]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1980
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