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A economia e o objetivo público

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Amarílis Maier Sampaio

A Economia e o objetivo público* * Este trabalho foi elaborado sob a orientação acadêmica do Prof. Eurico Korff.

Por John Kenneth Galbraith. São Paulo, Martins, 1975. 357 p.

A crise da energia e as grandes modificações ocorridas no jogo de forças do sistema econômico internacional com a cartelização dos interesses dos países produtores de petróleo marcaram significativamente a década de 70. A redistribuição da renda mundial e as crescentes dificuldades enfrentadas pelos países industrializados colocaram em questão a capacidade de controle e de recuperação do modelo de desenvolvimento capitalista.

Neste cenário de crises e de incertezas, onde as mudanças ocorrem muito rápido, os esquemas teóricos envelhecem, perdendo a capacidade de disfarçar ou esconder suas debilidades, como nos períodos economicamente ascendentes. Enquanto a realidade é dinâmica e responde instantânea e afirmativamente às alterações impostas pelas circunstâncias concretas, os modelos teóricos são construções lógicas desenvolvidas para cobrir conjunturas específicas. Em conseqüência, os modelos carecem de ajustamentos, adaptações, complementações e cortes que mantenham sua validade explicativa.

O trabalho desenvolvido por John Kenneth Galbraith caminha nessa direção, quando analisa os diferentes aspectos do envelhecimento da teoria neoclássica, apresentando, ao mesmo tempo, subsídios para a formulação de um esquema explicativo mais próximo das situações concretas do sistema econômico em sua configuração atual. Por outro lado, a partir da identificação do problema fundamental da economia que considera a causa básica da crise de crescimento enfrentada pelas sociedades industrializadas em geral e especialmente pela sociedade americana - propõe um elenco de medidas com a finalidade de induzir as forças econômicas a uma nova etapa de expansão contínua, levando o sistema capitalista a recuperar sua força e sua capacidade de desenvolvimento.

A idéia central apresentada pelo autor refere-se ao caráter assimétrico do desenvolvimento econômico da sociedade americana, resultante do crescimento desigual das empresas, impondo tratamentos diferenciados em relação aos agentes da economia. Assim, Galbraith distingue dois setores no sistema econômico, com dinâmicas próprias: sistema de mercado e sistema de planejamento. A essas desigualdades estariam associadas grandes diferenças de poder, este definido como a capacidade de influenciar, controlar e planejar o meio. O que caracterizaria cada um dos sistemas seria a sua posição relativa ao uso dos instrumentos do exercício do poder, isto é, enquanto o sistema de mercado só poderia controlar o meio e os seus recursos por intermédio da ação coletiva ou da assistência governamental, tal controle se daria automaticamente no sistema de planejamento.

O primeiro efeito dessa "disfunção" ocorreria ao nível estrutural das empresas. A capacidade de controle resultaria do tamanho das firmas, o que, por sua vez, seria determinado pela organização. Dar-se-ia uma relação direta entre as categorias organização-tamanho-poder. O autor explica: "com a organização torna-se possível à firma o aumento de tamanho; este é acompanhado pelo aumento de poder sobre os mercados, as atitudes da comunidade e o Estado" (p. 82). A ampliação da divisão de trabalho e a conseqüente especialização requeridas pela organização complexa levariam à formação de uma estrutura técnica - conjunto de especialistas, nos diversos ramos do conhecimento, voltados à gestão da organização (aos níveis operacionais e administrativos) - na qual se situaria a fonte do exercício do poder do sistema de planejamento. Essa despersonalização do poder facilitaria o seu exercício, dificultando a identificação tanto das suas fontes como dos interesses a que servem. Por meio desse mecanismo, os interesses do sistema de planejamento teriam prioridade nas decisões governamentais, ainda que divergentes do objetivo público. Mais do que isso, um poder impessoal, permitiria a não-conscientização dessa situação por parte da comunidade, que incorporaria tais interesses como se atendessem às necessidades gerais da sociedade.

Galbraith explica que certos setores comportariam uma tendência "natural" para o crescimento, uma vez verificadas as condições adequadas para a organização complexa. Assim, algumas empresas teriam capacidade ilimitada para a expansão, enquanto outras teriam o impulso "normal" obstado, em face de sua estrutura organizacional. Daí a coexistência, dentro do mesmo espaço, de um sistema fraco (mercado), composto de um grande; número de pequenas empresas, predominantemente voltadas para a prestação de serviços, sofrendo restrições quanto à expansão e impedidas de exercer influência no meio onde atuam; e de um sistema forte e desenvolvido (planejamento), onde um pequeno número de empresas gigantes controlam metade da economia, com um poder automático sobre preços, custos, fornecedores, consumidores, comunidade e Estado.

Para o autor, o problema fundamental da economia residiria nessa desigualdade e a solução implicaria medidas que induzissem a equalização dos setores. A premissa que alicerça esta colocação é a de que a empresa é o instrumento dinâmico da transformação da sociedade econômica. Assim, levando as empresas a uma situação de igualdade, poderiam ser controladas as principais disfunções do sistema econômico, segundo Galbraith: o "desenvolvimento desigual, a renda desigual, a distribuição desigual e extravagante dos gastos públicos, os prejuízos ambientais, as políticas discriminatórias e ineficazes de estabilização" (p. 233).

A equalização do sistema econômico dar-se-ia com medidas de fortalecimento do sistema de mercado, ao lado de um rígido controle do sistema de planejamento. Neste sentido, a ação do Estado teria como meta a redefinição da correlação de forças entre os agentes, econômicos, mediante um posicionamento diferente em face dos interesses divergentes dos dois sistemas. Para o autor, esse movimento de aproximação teria que ser realizado pela convergência entre as decisões governamentais e o objetivo público, e o seu efeito direto seria a emancipação do Estado da influência do sistema de planejamento. Esta etapa seria imprescindível porque, segundo Galbraith, o Estado apoia o setor mais forte da economia, respondendo afirmativamente às suas necessidades, tornando-se agente das desigualdades.

A ação pública dentro desse novo enfoque poderia ser concretizada pela utilização conveniente dos instrumentos de política fiscal, de política monetária e de um eficiente esquema de controles, que induziriam o fortalecimento do sistema de mercado e incluiriam "medidas tendentes a restringir a desigualdade de lucro entre o sistema de planejamento e o sistema de mercado melhorar o poder negociador do sistema de mercado e diminuir sua exploração pelo sistema de planejamento" (p. 234).

A estratégia para o sistema de planejamento teria a finalidade de disciplinar os objetivos desse setor, levando-os a se identificarem com o objetivo público (ao contrário de defini-los, como aconteceria atualmente), significando a implementação de restrições na aplicação de recursos em áreas superdesenvolvidas e o redirecionamento dos investimentos em áreas de interesse público.

A identificação entre o Governo e o objetivo público seria o que Galbraith chamou de Estado público, meta básica de sua proposta de reformas. A estratégia, cujo objetivo é produzir a igualdade entre os setores, seria o caminho para o que chamou de neo-socialismo.

O neo-socialismo defendido pelo autor não teria coloração ideológica, mas um fundamento operacional. Isto porque Galbraith não o considera uma opção, mas, antes de tudo, uma imposição citada pelas próprias circunstâncias do atual modelo de desenvolvimento (crise de expansão, dadas as desigualdades verificadas entre os agentes da economia) que, sofrendo as restrições advindas dessa disfunção, estaria sendo frustrado em seu objetivo de promover o crescimento da economia e, por extensão, colocaria em risco a própria sobrevivência do sistema capitalista.

O desenrolar-se do trabalho de Galbraith permite uma associação com o pensamento da corrente que estuda o desenvolvimento organizacional1 1 Principalmente P. Lawrence, J. Lorsch, Bennis e Beckhard. dentro do enfoque organização meio ambiente. O fundamento dessa linha de análise é a operacionalização de técnicas que levem à redução das incertezas do ambiente (ou seja, manipulação, controle e planejamento do meio) com a finalidade de afastar ou de reduzir o impacto das variáveis restritivas ao pleno desenvolvimento das organizações. Em outras palavras, assegurar a influência, o poder dentro dos respectivos domínios e, de acordo com as oportunidades dadas pelas circunstâncias ou criadas pelas organizações, expandir o seu domínio atual.

Galbraith parte das mesmas premissas quando incorpora em sua análise a relação organização-tamanho-poder e sobretudo quando aponta a organização como agente principal das desigualdades entre as empresas e, por extensão, a empresa como elemento dinâmico da transformação da sociedade econômica. Subjacente a estas colocações encontra-se a idéia de que o desenvolvimento das organizações responde a características estruturais, funcionais e operacionais existentes dentro da própria empresa, sendo que, a partir do aproveitamento das oportunidades dadas ou artificialmente criadas, todas podem expandir-se de modo igual. Considerando o autor os setores do sistema econômico desligados do padrão de acumulação de capital da sociedade, as respostas para as questões da economia são simplificadas o suficiente para permitir a conservação da situação presente. Esta é uma das técnicas da teoria neoclássica, tão severamente criticada pelo autor em todo o seu trabalho. Teria Galbraith caído na armadilha no pensamento conservador, a despeito de denunciar suas tramas?

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    Este trabalho foi elaborado sob a orientação acadêmica do Prof. Eurico Korff.
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    Principalmente P. Lawrence, J. Lorsch, Bennis e Beckhard.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1980
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