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Algumas implicações do intercâmbio global entre países ricos e pobres: o exemplo dos EUA

ARTIGOS

Algumas implicações do intercâmbio global entre países ricos e pobres: o exemplo dos EUA* * Este trabalho baseia-se em parte em material apresentado verbalmente num painel sobre problemas do estudo da economia americana, durante a conferência sobre os EUA, sua politica externa e os regimes latino-americanos e do Caribe, no Smithsonian Institution, em Washington D.C., em 29 de março de 1978.

Clark W. Reynolds

Professor do Food Research Institute da Universidade de Stanford e pesquisador visitante do Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados, Luxemburgo, Áustria

1. INTRODUÇÃO

Há uma crescente evidência empírica de que os assim chamados países desenvolvidos estão passando por mudanças estruturais que requerem um modelo analítico político-econômico mais abrangente para seu entendimento, do que os que têm sido costumeira mente empregados. As decisões futuras, para serem bem sucedidas no sentido de reconciliar os interesses nacionais entre países de diferentes características, e entre as classes sociais desses, países, devem encontrar um meio de relacionar o comportamento econômico com as mudanças políticas e sociais.

A hipótese deste trabalho, subjacente a todos os outros postulados, è a de que um novo conjunto de estudos empíricos sobre a estrutura, crescimento e distribuição da renda nos países industriais já desenvolvidos é pré-requisito para o exame dos problemas estruturais básicos dessas economias. Lançamos também a hipótese de que a futura política econômica internacional, na medida em que afetar as nações em desenvolvimento, evoluirá em resposta às tentativas de remover ou de melhorar os desequilíbrios procedentes do processo de mudança estrutural interna no centro desenvolvido. Por esta razão, compete aos estudantes de política externa (bem como aos historiadores, economistas e cientistas sociais urbanos) prosseguir com a pesquisa nesta área. Os instrumentos de análise estrutural do desenvolvimento evoluíram primeiramente através da pesquisa sobre as nações em desenvolvimento. O trabalho das comissões regionais das Nações Unidas, OIT, Unesco, Banco Mundial, OCDE, FMI e outros grupos públicos e privados de planejamento e pesquisa do desenvol vimento, bem como economistas do desenvolvimento, cientistas sociais e historiadores fornece linhãs de pesquisa de grande utilidade potencial para os Estados industriais avançados. Tentativa de reverter os papéis de observador e observado entre os países pobres e ricos já começaram na Europa (especial mente entre o centro e sua periferia meridional). Em países específicos, tais como Itália e França, aspectos do dualismo regional e suas manifestações estruturais correlatas estão sendo estudados.

Entretanto, a maior parte das pesquisas econômicas nos países desenvolvidos não se concentrou nos aspectos mais amplos das mudanças estruturais internas, enfocando, em vez disso, a determinação da renda, ou modelos de ajustamento de preços em macronível e uma variedade de problemas de pesquisa microeconômica que ainda tem de ser correlacionada ao macronível a fim de permitir a análise das implicações da mudança estrutural nos mercados de bens industriais, de trabalho, financeiros, tendências demográficas, e outros aspectos do comportamento social, para o comportamento global da economia em termos de produção, comércio, divisão de rendas, poupança e investimento e, particularmente, nas suas implicações relativamente aos paises em desenvolvimento. Por exemplo, com exceção de algumas pesquisas e planejamentos pioneiros ao nível regional, em certas áreas dos EUA (meio oeste superior, apalaches) pouco foi feito para se analisar as dimensões regionais de crescimento, estabilidade e mudança estrutural. E o trabalho que foi feito tende a ignorar o instrumental de análise que está surgindo na literatura sobre os países em desenvolvimento, em que o enfoque dirige-se à geração, mobilização e distribuição de produtos de valor acrescido associado ao crescimento econômico.

A preocupação com energia e alimentos, nesta época de rápida mudança demográfica, foi reorientada, mais uma vez, para os recursos naturais e seu papel no crescimento e distribuição. Neste aspecto o conceito ricardiano de renda econômica merece uma revisão e uma extensão a fim de permitir uma nova abordagem do conceito de excedente econômico. Excedente pode ser redefinido como a soma de fluxos de valor adicional que ultrapassam "o retorno normal do trabalho e bens físicos reproduzíveis e outros investimentos envolvendo trabalho, tempo e outros recursos" (Reynolds, 1977). Por exemplo, a prosperidade de West Virgínia aumenta ou diminui de acordo com o preço do carvão, assim como a prosperidade do Chile e Peru flutua de acordo com os preços do cobre. A análise desenvolvida para economias embasadas na exportação de recursos nos países em desenvolvimento provê fascinantes comparações e contrastes com regiões dos EUA e outros países desenvolvidos, regiões essas que dependem, em grande medida, da renda de seus recursos naturais.

Queremos apresentar aqui algumas hipóteses, sugestões e possíveis objetivos para pesquisas futuras, na esperança de suscitar comentários e novas idéias a propósito de estudos nesse campo. Sendo o St. An thony's College um centro ideal para trabalhos sobre aspectos globais da economia política e da história social, parece apropriado levantar tais questões aqui, especialmente numa época em que as atividades futuras desta faculdade estão sendo discutidas. Acredita-se que a ampla gama de pesquisas empíricas e análises teóricas já disponíveis sobre aspectos do desenvolvimento dos países industrializados, mais a relativa abundância de material de fontes primárias facilitará tal abordagem. Desta forma, a economia convencional será desafiada a estender seu modelo de análise para acomodar aspectos mais amplos da mudança estrutural das economias ricas e pobres num molde internacional. Isto, juntamente com o estudo das conseqüências sociais e políticas da mudança estrutural econômica e suas implicações, quanto aos problemas econômicos internacionais, permitirá o estabelecimento de uma base mais importante para a futura interação Norte-Sul.

2. O CONCEITO DE INTERCÂMBIO GLOBAL

O termo intercâmbio global é introduzido aqui para definir quatro dimensões básicas do intercâmbio internacional: comércio internacional de bens e serviços, fluxos internacionais de capital (investimentos diretos e indiretos mais transferências unilaterais), transferências internacionais de tecnologia e migração internacional de trabalhadores (temporária ou permanente). É dada ênfase na interdependência desses quatro tipos de fluxos, de modo que alterações em um deles repercutirão no comportamento dos outros. Por exemplo, em economia a prova amplamente aceita do teorema da equalização do fator preço afirma que para duas economias estáticas, com diferentes graus de abundância de trabalho, o comércio de bens pode ser demonstrado como tendo um efeito similar à migração para igualar os salários reais das suas respectivas forças de trabalho. Por um argumento similar, fluxos de comércio entre regiões com abundância relativa de capital terão um efeito similar a fluxos de capital na redução do intervalo entre suas taxas de retorno sobre o investimento.

No que se refere a fluxos de tecnologia, há uma suposição de que ambas as regiões dispõem de tecnologia idêntica, implicando comunicação perfeita sobre processos de produção a fim de que não se presuma que o fator de equalização de preços ocorra na ausência de completa transferência de tecnologia. Em resumo, verifica-se que as quatro dimensões do intercâmbio são interdependentes. A intenção aqui é, simplesmente, ressaltar esta interdependência do intercâmbio de tal modo que se possa entender melhor o número de anomalias aparentes no comportamento dos países desenvolvidos, tais como os EUA, na medida em que estes ingressam naquilo que certo número de observadores denominaram, sem definir, uma nova era. Pode-se argumentar que essas anomalias, incluindo os problemas de estagnação, desemprego estrutural, pressões migratórias, movimento de capital para o exterior, desequilíbrios da balança de pagamento e baixas taxas de investimento, combinadas ao crescimento lento e aumentos limitados de produtividade, têm uma coerência orgânica no contexto do intercâmbio global.

Nossos intrumentos para observação dessas interconexões entre mudança estrutural, crescimento e distribuição entre países que participam do comércio internacional continuam sendo as doutrinas básicas da teoria do comércio internacional ampliadas pela melhor observação das implicações da migração e recursos naturais para o crescimento e distribuição da riqueza. A prova do teorema da equalização do fator preço, mencionada acima, repousa em algumas suposições iniciais bastante simples de que há somente dois bens comercializáveis sendo produzidos por dois fatores (capital e trabalho) em competição pura, com idêntica tecnologia, por duas economias estáticas, nenhuma das quais completamente especializada na produção de nenhum dos bens e observando, ambas, totalmente sua força de trabalho e capital em emprego produtivo. Embora este exemplo se distancie do mundo real, ele proporciona uma base para simplificação das complexidades do intercâmbio global, de tal modo que o paradigma emergente parece não estar muito longe da verdade. O primeiro passo seria acrescentar as possibilidades de pressões migratórias de regiões de baixo salário para regiões de alto salário, de tal forma que as barreiras para migração possam ser comparáveis a barreiras para o comércio no impedimento da equalização do fator preço. Quando a migração é introduzida como possibilidade, torna-se aparente que aqueles sistemas com capital e recursos relativamente altos (os países desenvolvidos) limitam o intercâmbio global quando restringem o acesso aos seus meios de produção; da mesma forma que indivíduos com riquezas substanciais, quando resistem às pressões distributivistas, preservam sua prosperidade relativa às custas de seus vizinhos. Barreiras à migração representam uma violação a uma dimensão do intercâmbio global.

O segundo elemento importante a ser reintroduzido na teoria do intercâmbio internacional é a consideração explícita de recursos naturais diferenciados. A generosidade da natureza, segundo Sir William Petty, é a mãe da riqueza, assim como o trabalho é o pai. Esta relação, de certa forma negligenciada durante o longo período da revolução industrial e da colonização de novas regiões, quando alimento e energia eram considerados como tendo, potencialmente, se não realmente, um suprimento ilimitado, foi resuscitada por Nicholas Georgescu-Roegen. Os últimos fisiocratas e os que retornaram ao estudo dos trabalhos dos economistas clássicos, como Ricardo, estão certos ao considerar o conceito de renda econômica como merecedor de mais que uma simples menção na teoria do valor, produção e troca. Na verdade, desde a Opec, ficou bastante claro que a distribuição de renda entre os países do mundo: a) é a chave fundamental do excedente econômico potencialmente disponível para novos investimentos; b) é altamente mutável, dependendo das vicissitudes da oferta e da demanda internacionais; c) pode também ser afetada (através da criação da renda monopolística ou monopsônica) por restrições ao comércio; d) pode ser aumentada através de rendas empresariais, tais como o retorno sobre a inovação, o progresso tecnológico e o aumento da produtividade, especialmente quando existe proteção da propriedade intelectual (tais como patentes, licenças e outras barreiras à completa transferência de tecnologia).

O perfil internacional da renda econômica (a parcela da renda na produção mundial) é sujeito a grandes alterações, e com estas os padrões de riqueza, poder, fluxos financeiros e fluxos de comércio são também alterados. Por isso, é essencial que a análise do intercâmbio global inclua especial atenção à geração e distribuição da renda. É também importante, ao se analisar o crescimento mundial, considerar que as rendas são provavelmente a fonte mais importante de poupança potencial, representando um verdadeiro excedente acima do retorno normal do capital e do trabalho. Por isso, alterações nas rendas estarão relacionadas com alterações na poupança potencial. Isto não significa que os investimentos ocorrerão automaticamente, mas que os sistemas de intermediação entre regiões com excedente e regiões e grupos deficitários facilitarão a mobilização do excedente. Estamos vendo isso com respeito às transferências de recursos dos países da Opec através do mercado financeiro internacional.

Uma dimensão final do intercâmbio global pode bem incluir o efeito de um fluxo internacional de idéias e valores no mesmo padrão do fluxo de riqueza e renda hoje existente. Afinal, valor é simplesmente uma base para a mensuração arbitrária de uma mistura de bens e serviços que, de outra forma, não são comparáveis. Os economistas tendem a fugir do estudo das causas básicas de tais esquemas de mensuração, preferindo operar na superfície dos aspectos da demanda, apontando para preferências reveladas e parando por ai. Desde que a evolução da capacidade produtiva trouxe consigo a criação de necessidades, não é surpreendente que os preços relativos tenham demonstrado, ao longo do tempo, um alto grau de estabilidade. As necessidades humanas estão sendo continuamente adaptadas às mudanças na estrutura da produção. Daí os cidadãos dos países de alta renda, que hoje demandam uma parcela desproporcional de recursos de produção de energia estarem sendo lentamente condicionados a pretender menos e preferir serviços a bens, a fim de conservar a energia. Meu próprio estado, a Califórnia, constitui-se num caso, com nosso governador liderando a campanha. Não é surpreendente que alguns dos mais profundos economistas clássicos tenham sido também filósofos éticos, sendo Adam Smith um exemplo notável; embora quando se procure contar os filósofos éticos moral entre os líderes do pensamento econômico contemporâneo os resultados sejam desencorajadores. É como se os economistas seguissem as limitações individualistas dos ensinamentos dos positivistas lógicos entre os seus companheiros de filosofia, derramando afirmações carregadas de implicações valorativas não verificáveis empiricamente. Assim agindo, cometem o mesmo erro que os físicos newtonianos na era anterior a Einstein, quando não percebiam que os conceitos determinam nosso entendimento da matéria e não o contrário. Da mesma forma, muitos economistas estão tentando, com algum sucesso, tornarem-se os defensores do pensamento exato numa era de relatividade.

3. ALGUMAS HIPÓTESES SOBRE O IMPACTO DO INTERCÂMBIO GLOBAL NA ECONOMIA DOS EUA

O que se segue é uma ilustração de como o conceito de intercâmbio global pode ser usado para se esclarecer alguns problemas contemporâneos dos EUA, quando observados sob perspectivas internacionais. Estou fazendo pesquisas nesta linha com particular atenção às implicações do intercâmbio global entre os EUA e o México contemporâneos, numa época em que grandes mudanças estruturais estão ocorrendo em ambos os países. Durante a minha atual permanência no IIASA, na Áustria, estou também comparando e contrastando o processo de intercâmbio global entre esses países norte-americanos com o intercâmbio entre a Europa do norte e do sul. Os pontos levantados devem ser considerados neste estágio como meras hipóteses, que devem ser testadas empiricamente.

4. DECLÍNIO DA VANTAGEM COMPARATIVA DE CRESCIMENTO DOS EUA

Os EUA estão perdendo sua vantagem comparativa de crescimento, definida como sua capacidade relativa de transformar recursos presentes em bens e serviços futuros, dada a preferência da sociedade para o consumo presente sobre o futuro. Isto significa que, se os EUA tivessem que operar em isolamento, sua baixa eficiência marginal de investimento (retorno sobre o capital antes dos impostos), dado o potencial de poupança de sua sociedade afluente, levaria a uma baixa taxa de juros e a uma lenta taxa de crescimento econômico. Isto sugere também que o retorno sobre o investimento nas operações fora do continente, em termos reais (corrigidas as alterações do preço relativo e taxas de câmbio) é superior àquelas dos EUA; assim, há uma tendência natural de o capital sair dos EUA à procura de oportunidades mais lucrativas no estrangeiro. Isto leva a uma mudança de investimento físico em fábricas e equipamentos para fora dos limites continentais dos EUA, juntamente com uma mudança na localização das indústrias que repousam sobre o capital e a capacidade empresarial americana (e, em certa medida, na capacidade de inovação tecnológica dos EUA). Não é necessário recorrer ao longo ciclo mecanicista de crescimento das nações para se explicar esse processo, embora pareça haver, claramente, alguma regularidade na diminuição gradual de recursos naturais produtores de energia por unidade de trabalho, nos países de alta renda. Tais economias também evidenciariam uma erosão da ética do trabalho e um deslocamento do trabalho manual para tipos mais gratificantes de emprego, na medida em que o trabalho começa a ser percebido como um fim em si mesmo, em vez de um modo enfadonho de se adquirir renda, para consumo durante o tempo livre. Além disso, há uma erosão na ética empresarial que gera as forças da competição agressiva, a qual tradicionalmente introduziu novos produtos e processos no mercado. A luta darwinista da transformação econômica é vista cada vez mais com desdém, na medida em que a sociedade eleva seus níveis de assistência e consciência social.

Até aqui, imigrantes e grupos minoritários geralmente têm executado o papel mais pesado no processo de inovação, bem como têm fornecido a força de trabalho para as ocupações mais servis. Uma alternativa seria a de o centro de produção mudar das economias afluentes para seus parceiros de comércio menos ricos. Na medida em que o trabalho e a capacidade empresarial vigorosa se tornam menos acessíveis nos países ricos, espera-se que a produtividade relativa dos seus investimentos decline e as suas empresas se instalem no estrangeiro. Espera-se também que os produtos e serviços estrangeiros se tornem cada vez mais competitivos.

Esse processo está levando ao crescimento do que pode ser chamado os EUA nº 2 (fora do continente) em expansão mais rápida que os EUA nº 1 (EUA continentais, Alaska e Hawai) na medida em que as empresas americanas se deslocam para regiões com vantagens comparativas maiores de crescimento. Desde que os EUA não são o único país rico sujeito a uma deterioração da vantagem comparativa de crescimento (isto é verdadeiro também para a maioria dos países membros da OCDE), os EUA estão experimentando algum influxo de capital desses países que desejam equilibrar suas finanças no plano internacional; assim, de certa forma, os EUA continentais incluem partes do Japão nº 2 e da Alemanha nº 2. Da mesma forma que os investimentos dos EUA nº 2 nos outros membros da OCDE de uma certa maneira deslocam desses países desenvolvidos a tendência para um crescimento mais lento. Eu levantaria também a hipótese de que, nas próximas décadas, os centros dessas segundas regiões dos países desenvolvidos se deslocarão, cada vez mais, para os países em desenvolvimento, de tal forma que as pressões comerciais dessas regiões irão gradualmente deteriorar as posições competitivas dos EUA nº 1; e essa deterioração virá principalmente dos EUA (e de outros membros da OCDE) nº 2. Os retornos do capital e da capacidade empresarial tenderão a permanecer nas mãos dos habitantes dos países desenvolvidos, mesmo que o centro da produção e da geração da renda se desloque para os países em desenvolvimento. E, se alguns países em desenvolvimento estão demonstrando melhores vantagens comparativas de crescimento (isto é, Coréia, Brasil, México e alguns membros da Opec) isto não é, de forma alguma, um fenômeno universal. A grande parte da população do assim chamado Terceiro Mundo vive em regiões que têm, talvez, uma menor vantagem comparativa de crescimento que a OCDE. Daí a distribuição internacional do emprego e de outros benefícios do crescimento dos EUA nº 2 terem sido e terem de ser, pelas próximas décadas, altamente desequilibradas, tendendo a beneficiar desproporcionalmente os países em desenvolvimento relativamente mais produtivos.

4.1 Ciência, tecnologia e inovação

Os EUA estão perdendo sua liderança em tecnologia e inovação científica, assim como o comando sobre as rendas de escassez decorrentes da inovação, em comparação com o Japão e alguns países europeus (o que é menos verdadeiro para países em desenvolvimento, com poucas exceções, tais como: Coréia, Formosa e Brasil). Isso está relacionado aos cortes do governo nos subsídios para educação, defesa e atividades espaciais, desde os fins da década de 60. De alguma forma, o crescimento dos EUA nº 2 reduziu essa tendência, ao possibilitar que as rendas da inovação fossem para as empresas americanas no estrangeiro. Patentes, licenças, taxas e políticas de transferência de preço também desaceleram essa tendência. No entanto, as atividades produtivas de renda de inovações no exterior estão levando a uma discriminação no controle da remessa de rendas de escassez, bem como na capacidade de restringir a competição, a fim de mantê-las. E mais, os benefícios da expansão das rendas que confluem para tais empresas estão cada vez mais perdidos para os trabalhadores dos EUA nº 1, na medida em que são depositadas nas instituições do exterior e gastos em bens e serviços no estrangeiro. O resultado é uma gradual distribuição internacional da renda, mais rápida que a gradual distribuição internacional da educação, pesquisa e desenvolvimento, de tal modo que os maiores centros de pesquisas permanecem nos EUA nº 1, enquanto as rendas geradas pela inovação tendem a fluir para os EUA nº 2 e países do Terceiro Mundo. Isso pode ser visto como uma compensação parcial para a fuga de cérebros, através da qual o talento intelectual do resto do mundo tende a fluir para os EUA nº 1, embora haja pouca relação direta entre esses dois fluxos respectivos.

4.2 Poupança excedente

Os EUA estão se tornando um país com excedente de poupança, onde a poupança financeira está começando a superar as oportunidades viáveis de investimento, o que gera um fluxo externo potencial de poupança financeira (e a correlata transferência real de recursos), tendência que é parcialmente obscurecida pelo que vem a seguir.

4.3 Aquisição de propriedades americanas por estrangeiros

Estrangeiros que usufruem rendas de recursos naturais (e rendas de proteção e inovação) estão adquirindo propriedades nos EUA, levando a um influxo de capital financeiro, que permite influxos reais de recursos (importações, na sua maioria bens de consumo) em troca do fluxo externo da posse de propriedades. Além disso, o crescimento do Japão nº 2 e da Europa nº 2 está levando à compra de propriedades nos EUA, de modo a instalar indústrias e produzir "por detrás das barreiras protecionistas, reais ou potenciais" dos EUA nº 1. Este aspecto não deve ser confundido com o problema mencionado na primeira hipótese. Isso representa uma luta vigorosa por parcelas de mercados existentes dentro dos EUA e não um crescimento real.

Alguns dos comentários mais acalorados dos representantes do Tesouro e do Departamento de Comércio dos EUA sobre o crescimento do déficit da balança de pagamentos parecem trair uma incapacidade de diferenciar entre influxos de investimentos produtivos e influxos de capital financeiro, que refletem a descapitalização dos detentores de riqueza americanos, em troca de bens de consumo (importações). É claro que esse processo não pode continuar indefinidamente, por mais atraentes que os lucros imediatos de capital possam parecer aos vendedores de bens produtivos, bem como os lucros dos serviços de transação, aos intermediários financeiros.

4.4 Aumento dos custos relativos do trabalho

Dada a sua produtividade física a mão-de-obra nos EUA está se tornando cada vez mais cara, levando a pressões para a imigração de trabalhadores com igual ou melhor capacidade, desejosos de trabalhar por menores salários. Os trabalhadores americanos estão se deslocando para fora do mercado de trabalho efetivo pelas suas demandas por salários, horas, e especialmente condições de trabalho (isto é, desprezo por trabalho braçal, trabalhos servis) quando nenhuma compensação de renda real é oferecida (isto é, salários maiores para trabalhos manuais, em relação a trabalho técnico). Na medida em que a população dos países em desenvolvimento se multiplica e as comunicações e transportes melhoram o acesso ao mercado dos EUA, há uma pressão crescente para se romper as barreiras contra a imigração e reduzir os desequilíbrios salariais. (As implicações sobre o salário real e distribuição da renda nos EUA são claramente reconhecidas por muitos, quer eles suportem ou não essa tendência.) Se a imigração for suficientemente grande, como se demonstrou na discussão anterior sobre intercâmbio global, ou se o comércio e fluxos de capital forem igualmente liberados, e se o crescimento da produção e da produtividade nos EUA nº 1 for relativamente lento, então pode-se esperar um declínio absoluto nos salários reais dos EUA nº 1.1 1 Dada a resistência dos trabalhadores aos salários decrescentes, é possível que isso aconteça através de inflação, de modo que os acréscimos no total da liquidez (moeda e quase moeda, incluindo cartões de crédito e facilidades para saque a maior) superarão a capacidade produtiva. Os preços, então, subirão mais rapidamente que o salário, causando o decréscimo do salário real. Desse modo a inflação se tornará um elemento orgânico da mudança estrutural. Isto pode ocorrer juntamente com acréscimos reais nos salários nos EUA nº 2, bem como em outros países em desenvolvimento, embora não se possa esperar que o princípio de compensação opere entre regiões. O declínio no salário real nos EUA n.º 1 seria acompanhado pelo crescimento do retorno sobre o capital nos EUA n.º 1. É concebível que se os trabalhadores americanos demandassem cada vez mais uma parcela dos lucros, juros e rendas do capital, eles receberiam, então, uma compensação pelo declínio real dos salários, mas isso é bastante irrealista e, mesmo sob as melhores condições, seria verdadeiro apenas para grupos de trabalhadores mais ricos e mais poderosos nos EUA nº 1. Pode-se esperar que tal parcelamento do lucro simplesmente causaria um deslocamento mais rápido de capital para os EUA nº 2, onde seria menos sujeito a pressões da força de trabalho e causaria uma crescente desigualdade de rendas na classe trabalhadora dos EUA n.º 1.

4.5 Mercado de capitais imperfeito nos EUA

O mercado de capitais nos EUA está sujeito a regulamentações que impedem que as taxas de juros reais se alterem para níveis significativamente positivos, levando a uma tendência ainda maior do fluxo externo de poupança do que seria obtido sob as três primeiras condições mencionadas acima. Um segundo efeito é a redução da taxa de poupança dos EUA para níveis que estão entre os mais baixos do mundo em relação ao PIB. Isso é incompatível com o crescimento rápido da renda e do produto. Enquanto o investimento bruto privado interno entre 1970 e 1977 foi em média de 15,3% do do PNB, ao nível de 14,6%, tendo a diferença sido suprida por fluxos de capital estrangeiro, principalmente dos países que também tiveram uma vantagem comparativa de crescimento relativamente baixa, ou de países que desejavam diversificar suas riquezas internacionais, a taxa potencial de poupança nos EUA poderia ter sido mais alta, se tivesse havido oportunidade para investimentos rentáveis em capital físico ou bens financeiros, a taxas de juros reais mais atrativas.

4.6 Desequilíbrio da balança de pagamentos

Na área de comércio internacional, os EUA estão sujeitos a um desequilíbrio crescente nas contas correntes da balança de pagamento, o que é contrabalançado, em certa medida, pelo influxo de capital dos países com excedentes (que tende a ser gasto na aquisição de valores reais existentes, como mencionamos acima). Isso é devido em parte ao atraso na corrida do crescimento (e seus componentes tecnológicos e de investimentos) e em parte a desequilíbrios internos e externos, incluindo os seguintes:

a) incapacidade de se controlar os preços da energia dentro do país; b) barreiras à entrada em mercados estrangeiros (isto é, Japão); c) falta de iniciativa dos empresários americanos, quanto ao crescimento das exportações; d) falta de iniciativa para acompanhar a competição estrangeira nos mercados locais; e) incapacidade do governo de manter as infra-estruturas educacionais, tecnológicas e científicas, com as mesmas taxas de crescimento no passado; f) incapacidade do governo de prover a contínua expansão do transporte, energia, comunicações e infra-estrutura.

4.7 Custos da segurança nacional no intercâmbio global

Nas áreas de defesa e segurança, o crescimento relativo dos EUA nº 2 opõe um custo crescente à produção dos EUA nº 1 e nº 2 (impostos) para subsidiar a segurança dos EUA nº 2. Quanto mais distante e mais "aquecida" a área de atividade dos EUA nº 2, maior o custo dessas despesas por unidade de lucro obtida e menos estável e seguro o futuro das atividades geradoras de renda dos EUA, no seu total. (Implicação: os EUA nº 2, fora do continente, podem um dia vir a ser chamados a pagar sua parte nessas atividades de segurança, o que poderia levar a uma reconcentração da produção nos EUA nº 1 e regiões adjacentes, tais como o México e o Caribe.)

4.8 Distribuição da renda entre capital e trabalho

Na área da política da distribuição social da renda, os problemas internos dos EUA estão se tornando cada vez mais ligados a problemas internacionais (vide o problema da migração mencionado acima). Haverá uma necessidade de transferir as rendas de capital e inovações para os assalariados, na medida em que seus salários reais deixem de crescer (ou mesmo declinem). A "solidariedade" da classe trabalhadora mundial, sempre perigosa, poderia tornar-se cada vez mais problemática nas próximas décadas, se o intercâmbio global continuar. Os trabalhadores americanos podem esforçar-se para uma melhor organização da classe trabalhadora no exterior, bem como para sua participação nas rendas de escassez, a fim de elevar os salários nos países onde, de outro modo, os EUA nº 2 poderiam se expandir. Entretanto, isto poderia aumentar o subemprego e as pressões migratórias dessas áreas.

4.9 Mudança da estrutura etária da população

As tendências demográficas e sociais nos EUA estão levando a uma taxa de crescimento populacional decrescente, expectativa de vida mais longa e aumento do grupo etário maior de 65 anos. Enquanto isso tem criado pressões para que aumente a idade da aposentadoria, o efeito é o de redução da taxa de poupança e a redução da taxa de participação da população adulta na força de trabalho. Uma tendência de efeito contrário é a do aumento de participação das mulheres na força de trabalho; mas, pode-se esperar que, com uma taxa de crescimento mais lenta da população, o aumento da oferta de trabalho será reduzido nos EUA nº 1, em relação aos EUA nº 2 e a outros países em desenvolvimento. Isso exacerbará as tendências mencionadas acima, de imigração dos trabalhadores estrangeiros, emigração de capital e tecnologia dos EUA, bem como maior competição das importações estrangeiras.

4.10 O caso dos EUA em comparação com outros países desenvolvidos

Os problemas dos EUA nº 1 e nº 2, como mencionamos acima, são refletidos em estágios variáveis nos chamados países industriais avançados. A solução para alguns (isto é, Alemanha) é reduzir drasticamente suas taxas de crescimento e reduzir a força de trabalho efetiva, através do desencorajamento da imigração dos trabalhadores temporários, enquanto permite a taxa interna de desemprego se elevar. No caso japonês, incursões agressivas e contínuas no mercado externo, especialmente nos EUA e outros países desenvolvidos, permitiram o crescimento do comércio, mesmo após o mercado interno ter cessado seu período miraculoso de expansão do pós-guerra. Tanto o Japão, quanto a Alemanha, estão deslocando seus centros de produção para suas respectivas regiões nº 2, e pode-se esperar que acelerem essa tendência, na medida em que cresçam suas pressões políticas e sociais internas. Quer eles continuem tentando empobrecer seus vizinhos do grupo da OCDE, através de comércio agressivo, porém com uma política de crescimento interno lento, quer acelerem a demanda interna, para assim expandir as importações da OCDE e dos países em desenvolvimento, afetarão somente a velocidade do crescimento dos problemas estruturais listados acima. Qualquer que seja a taxa de ajustamento, é provável que a vantagem comparativa de crescimento se desloque dos membros atuais do clube da OCDE para um número selecionado de países em desenvolvimento, que estarão aumentando sua pressão nos mercados dos EUA, Europa e Japão nº 1. As implicações dessas tendências para a futura política econômica dos EUA são inquietantes.

5. ALGUMAS CONCLUSÕES

É provável que o intercâmbio global entre países pobres e ricos melhore a sorte de algumas nações relativamente desenvolvidas, mas reduzirá o crescimento e reduzirá mesmo os salários reais em certos países já desenvolvidos. Isso levará a maiores pressões de setores poderosos dos países desenvolvidos, para reduzir as dimensões do intercâmbio, pressões que já estão em evidência nos EUA, nas áreas de comércio, migração, fluxos de capital e, sob certo aspecto, de transferência de tecnologia. O progresso tecnológico rápido dos EUA, ou o aumento significativo na taxa de poupança e investimentos domésticos, poderá retardar esse declínio nos salários reais e, até mesmo, aumentar o retorno sobre o trabalho, ao causar a expansão mais rápida do aumento da produtividade, mais que a expansão das forças do comércio, investimento e migração, equalizadoras do fator preço. Mas a taxa de aumento da produtividade nos EUA, como foi visto, está decaindo, em vez de aumentar; e as taxas de investimentos domésticos têm diminuído também. Quando se somam a isso os efeitos da inflação nos custos de reposição do ativo fixo, levando a um acréscimo exagerado do investimento líquido, o problema é ainda mais sério. Tudo isso é um bom augúrio para alguns países em desenvolvimento, cujo acesso aos mercados externos, e cujos sistemas de educação, políticas de desenvolvimento e instituições políticas lhes dão uma vantagem comparativa de crescimento. Mas tal crescimento terá de ser feito às custas dos países ricos, e será também restringido, por sua vez. O resto do Terceiro Mundo será forçado a perder impulso, justamente com os países desenvolvidos, e o fato de que seus problemas sejam partilhados com os ricos, pouco servirá de compensação, em vista da grande e crescente diferença de rendas entre eles. A melhor opção para as nações mais pobres pode ser a de adotar algo menor que o intercâmbio global com seus vizinhos mais ricos, partindo, em vez disso, para o aumento do intercâmbio global entre eles mesmos. Para tais países, melhores ligações entre seus mercados de trabalho, permitindo migração de seus excedentes de mão-de-obra, e mais completa transferência de tecnologia, podem ser as soluções mais promissoras a curto prazo, junto com a adoção de sistemas de valores e estruturas políticas que propiciariam altas taxas de poupança e investimentos internos, educação de massa e escolha de uma tecnologia que absorvesse mais força de trabalho. Tais sistemas poderão bem ser diferentes daqueles dos países hoje desenvolvidos, não obstante possamos partilhar de suas finalidades últimas, referentes ao progresso material e à dignidade humana.

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    Este trabalho baseia-se em parte em material apresentado verbalmente num painel sobre problemas do estudo da economia americana, durante a conferência sobre os EUA, sua politica externa e os regimes latino-americanos e do Caribe, no Smithsonian Institution, em Washington D.C., em 29 de março de 1978.
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    Dada a resistência dos trabalhadores aos salários decrescentes, é possível que isso aconteça através de inflação, de modo que os acréscimos no total da liquidez (moeda e quase moeda, incluindo cartões de crédito e facilidades para saque a maior) superarão a capacidade produtiva. Os preços, então, subirão mais rapidamente que o salário, causando o decréscimo do salário real. Desse modo a inflação se tornará um elemento orgânico da mudança estrutural.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1980
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