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Sindicalismo no processo político no Brasil

RESENHAS

Maria Cecília Spina Forjaz

Sindicalismo no processo político no Brasil

Por Kenneth Paul Erickson. São Paulo, Brasiliense, 1979.

O tema central do livro é o corporativismo, considerado uma das mais importantes e permanentes características do sistema político brasileiro.

A noção de corporativismo adotada pelo autor aparece logo de início, na introdução da primeira parte da obra: "Para nossos objetivos, um Estado corporativista é aquele cuja cultura política e instituições refletem uma concepção hierárquica e orgânica da sociedade. Sustentando que o bem geral deve prevalecer sobre interesses particulares, este conceito de sociedade confere seu caráter particular a estruturas e processos do sistema político, no qual o Estado serve com árbitro sobre uma hierarquia de associação de empregados e empregadores, organizados em linhas que refletem as principais atividades econômicas da nação" (p. 13).

Apesar de diferir o fenômeno político que quer desvendar a partir de uma visão ideológica dos próprios formuladores da teoria corporativista no Brasil, o autor percebe algo que é fundamental: o corporativismo como forma de controle das classes subalternas no processo de modernização capitalista no Brasil. Nos termos dele mesmo: "o sistema corporativista tem sido um instrumento para extrair sacrifícios da classe trabalhadora, em nome do bem comum" (p. 232).

Como a maioria dos brasilianistas, Erickson dá muito pouca importância a considerações metodológicas ou teóricas que orientaram sua pesquisa. Cita alguns cientistas políticos americanos, em geral ligados à abordagem sistêmica, como "pontos de partida" de sua análise.

Após explicitar brevemente a temática do livro na introdução, expõe um pressuposto básico de sua análise: a preeminência do Estado no desenvolvimento histórico brasileiro, aderindo às perspectivas de Faoro a esse respeito.

E passa (no segundo capítulo) a uma análise da formação do Estado corporativista no Brasil, no período de 1930-1945. Utilizando o modelo de Juan Linz, ressalta o pluralismo limitado, a baixa mobilização política, a existência de urría "mentalidade característica" (que substitui a ideologia elaborada própria dos regimes totalitários) e o domínio de um só líder.

Acrescenta a esses componentes dos regimes autoritários definidos por Linz o padrão burocrático de autoridade que se desenvolveu no Brasil entre 1930 e 1945.

Em seguida, Erickson descreve as formas concretas pelas quais o Estado brasileiro subordina as organizações trabalhistas, dando prioridade à análise do funcionamento dos sindicatos, da previdência social e da justiça do trabalho.

Demonstra a persistência do corporativismo desde a Revolução de 30, e enquadra a Revolução de 64 como um movimento que reforçou as estruturas corporativistas e os controles governamentais sobre as organizações dos trabalhadores.

A segunda parte do livro se dedica à análise do Ministério do Trabalho no Estado corporativista. Compõe-se de dois capítulos bastante distintos.

O quarto capítulo analisa a atuação política do Ministério em termos de uma oscilação entre dois estilos populistas: "Os dois estilos de atuação mais importantes que esse estudo esclarece são o clássico e o populista radical. Movimentos populistas constituem esforços de uma facção da classe dirigente da nação, no sentido de fortalecer sua posição política com apoio da classe operária (e, depois, dos camponeses). 0 estilo populista clássico pode ser rotulado como paternalístico-administrativo; é um tipo de movimento em que os políticos concedem vantagens aos trabalhadores, tais como reconhecimento legal das organizações sindicais, aumento do salário mínimo e legislação social - mas ao mesmo tempo mantêm estrito controle, de forma que os trabalhadores não adquirem nenhum poder político real (...). Esta expansão do sufrágio permitiu que um movimento de caráter radical populista começasse a suplantar o movimento paternalístico-administrativo. Os movimentos populistas radicais, por procurarem uma base social na classe mais baixa e por enfatizarem, em sua retórica, o nacionalismo econômico, a empresa estatal e a distribuição equitativa de bens e serviços, são às vezes confundidos com movimentos socialistas" (p. 81 e 83).

A partir dessa dicotomia de estilos populistas, o autor periodiza as relações entre as elites políticas (representadas principalmente pelos ministros do Trabalho) e a classe operária no amplo período histórico de 1930 a 1975 (veja quadro D-1 à p. 85).

Além dessa tentativa de fazer uma análise histórica da atuação política do Ministério do Trabalho no Brasil, o autor descreve os modelos de carreiras de todos os ministros (inclusive interinos) que ocuparam essa pasta no período apontado acima (veja quadro às p. 88-93).

Usando a análise dos orçamentos do Ministério do Trabalho como ferramenta analítica, Erickson chega às seguintes conclusões principais:

1. "O Ministério gastou constantemente somas inferiores às previstas no orçamento, fraudando assim os programas para a classe operária" (p. 113).

2. Os Governos arbitrários (o Estado Novo e a Revolução de 64) reduziram muito os orçamentos do Ministério do Trabalho.

3. Os Governos populistas "mais do que colocar os recursos à disposição da classe operária como um todo, os Governos os dirigiam de modo consistente, sob a forma de empreguísmo, para os indivíduos-chave, dentro da estrutura corporativista, através dos quais os políticos esperavam controlar o voto da classe operária" (p. 115).

A manipulação do voto operário é uma característica que permanece sob o populismo radical, porém o segundo período populista radical, o do Governo João Goulart, que é enfocado no capítulo 5, "contrasta com o primeiro porque certas forças sociais - destacando-se entre elas os sindicatos de trabalhadores começaram a usar os avanços organizacionais conquistados durante a fase de transição para reivindicar uma participação genuína no processo político (p. 117).

O principal exemplo dessa mudança, segundo o autor, é a gestão de Almino Afonso no Ministério do Trabalho durante o Governo João Goulart.

Esse ministro "tentou derrubar o velho sistema clientelista, que simplesmente trocava votos por empregos e favores (...), apoiou os líderes sindicais que lutavam por criar uma consciência de classe, bem como organizações trabalhistas fortes e com alguma autonomia" (p. 125 e 134).

No contexto da análise da gestão Almino Afonso, o autor pre tende esclarecer também o funcionamento do empreguismo no Mi nistério e na máquina previdenciária e constata que "ele (Almino) transferia o controle sobre o em preguismo da máquina petebista para os nacionalistas radicais, enfatizando, ao mesmo tempo, o aperfeiçoamento dos serviços prestados à classe trabalhadora através da honestidade e da racionalização" (p. 129).

Apesar de esse capitulo constituir uma verdadeira exaltação ao Ministro Almino Afonso, transformado num super-homem - que "se tivesse tido mais tempo, poderia ter efetuado uma mudança fundamental na organização dos trabalhadores e na estrutura de classes do Brasil" (p. 134 5), o autor diz que ele manteve o clientelismo, mas mudou seus beneficiários: ao invés do PTB os "nacionalistas radicais". Esse é o nome que Skidmore deu à esquerda brasileira.

O autor analisa também o poder político dos líderes trabalhistas por intermédio de um levantamento descritivo da preparação e das conseqüências das principais greves políticas ocorridas entre o início dos anos 60 e a Revolução de 1964.

Nessa análise Erickson salienta, numa perspectiva que se aproxima das colocações de Stepan, a importância do apoio militar aos movimentos grevistas. Em suma, declara que enquanto houve apoio militar (até o plebiscito de janeiro de 1963) as greves tiveram sucesso e deixaram de tê-lo a partir do momento em que "muitos líderes militares acreditavam que o apoio militar às greves gerais havia fortalecido os líderes sindicais ao ponto de solapar a ordem interna" (p. 165).

Outras conclusões gerais dessa terceira parte do livro são: o caráter populista do sindicalismo brasileiro nos anos 60; a predominância de motivações econômicas nas greves do período; a limitação do poder adquirido pelas lideranças sindicais, o reforço do controle sobre o movimento operário depois da Revolução.

Como essas últimas conclusões demonstram muito bem, o livro todo dá uma sensação de déja vu. E isso se explica em parte pelo atraso da publicação brasileira da pesquisa de Erickson, que foi efetuada entre junho de 1966 e setembro de 1967.

As colocações do autor em 1967 poderiam ter sido inovadoras e estimulantes enquanto abertura de caminhos para a pesquisa. Mas em 1979 elas soam antigas e repetitivas.

Mesmo porque autores que estudaram posteriormente o sindicalismo no Brasil desenvolveram com maior profundidade a análise do corporativismo, cuja importância Erickson apontou. Luiz Werneck Vianna é um deles.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1980
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