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Petrobrás: do monopólio aos contratos de risco

RESENHAS

Celeste Stefaisk Nunes

Petrobrás: do monopólio aos contratos de risco

Por Getulio Carvalho. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1977.

O autor, ao elaborar este trabalho, objetivava "investigar a maneira pela qual a ideologia nacionalista vem afetando o comportamento organizacional" daquela que é tida como o maior investimento industrial da América Latina - a Petrobrás (1977, p. 9).

Adotando parcialmente a divisão feita pelo autor, faremos uma rápida referência a aspectos tais como: 1. O CNP; 2. O Estatuto do Petróleo; 3. A Petrobrás; 4. As crises; 5. A Petrobrás e os Governos militares (64-74); 6. A crise de 74, e, finalmente, a discussão e crítica da postura teórica adotada pelo autor, uma avaliação do trabalho como um todo, bem como do seu valor e de suas limitações.

Num primeiro momento, o autor elabora um quadro minucioso e detalhado do período pré-Petrobrás, ou seja, o período no qual se colocou uma questão básica: a da necessidade de se regular a exploração dos recursos minerais do País, tendo em vista a sua importância como fator de desenvolvimento industrial e também como decorrência das "profundas mudanças econômicas e políticas que atingiram o País durante e após a Grande Depressão" (1977, p. 17).

Em outros termos, em face destes acontecimentos sentiu-se o Governo forçado a assumir maiores responsabilidades no domínio econômico.

Inserido neste contexto, iniciou se também o debate sobre a questão do petróleo. Tema este que provocou, não somente durante o período de discussão, mas também durante e após a sua implantação, profundas controvérsias e divergências por parte dos grupos envolvidos neste debate: partidos políticos, setores empresariais privados, militares, etc.

No tocante à posse e utilização dos recursos minerais, introduziu-se, na Constituição de 1934, dois dispositivos básicos: "a) a abolição do direito do proprietário particular sobre o subsolo das terras de sua propriedade; b) transferência ao Governo federal da competência exclusiva de conceder a partículares o direito de pesquisa e desenvolvimento de recursos minerais" (1977, p. 21).

Por outro lado, cumpre ressaltar a precariedade das condições com que as coisas ocorriam nessa época: havia pouco interesse na pesquisa, escassos recursos financeiros a serem aplicados em pesquisa, aquisição de equipamentos, exploração do petróleo, etc. Em decorrência as técnicas de pesquisa eram bastante precárias.

Neste contexto, marcada por um profundo caráter nacionalista, caracterizada por grandes polêmicas e posições divergentes e acirradas, desenrolou-se a elaboração e implantação da política de recursos minerais no País, mais especificamente da política petrolífera. E em 1938, em plena vigência do Estado Novo, foi criado por Vargas o Conselho Nacional do Petróleo, órgão autônomo, subordinado diretamente a Presidência da República, concebido sob uma legislação profundamente nacionalista e obstaculizante à participação estrangeira.

Dentre as atribuições do CNP, constavam a atividade de "1 . Controle sobre importação e transporte de petróleo e derivados em território nacional, 2. Autorização para a instalação de refinarias no país; 3. Opinar sobre a conveniência de o Governo federal permitir a empresas privadas nacionais a pesquisa e desenvolvimento de jazidas de petróleo, gases raros etc." (1977, p.25).

Três unidades encarregaram-se das atividades técnicas e administrativas do CNP: 1. Divisão Técnica, para exploração e produção, 2. Divisão Econômica, para fiscalizar o abastecimento de óleo cru, derivados, fixação de preços internos; 3. Divisão Administrativa, para realizar serviços de apoio administrativo.

As limitações quanto à atuação do CNP basicamente consistiam da dificuldade de importar equipamentos, máquinas, etc., imprescindíveis à pesquisa e à produção.

Devido às dificuldades e insucessos na atuação do CNP, seu segundo presidente já propunha que "o Governo autorizasse o concurso de capitais estrangeiros na pesquisa e produção de petróleo e na sua refinação, tomadas as precauções necessárias à manutenção da segurança nacional" (1977, p. 29-30).

Tal proposta, não é difícil de perceber, divergia completamente da proposta do primeiro presidente, General Horta Barbosa, o qual defendia um rígido monopólio esta tal. Tal proposta consistia, ainda, no ponto de partida para a elaboração do Estatuto do Petróleo.

Durante o Governo Dutra, em 1947, elaborou-se um projeto (Estatuto do Petróleo) que previa a pesquisa e desenvolvimento dos recursos minerais sob forma de concessão (grifo meu), que também contemplava a participação de capitais privados estrangeiros em todas as atividades relacionadas à indústria petrolífera.

Seu objetivo básico era "assegurar o abastecimento do mercado nacional, evitando que as companhias estrangeiras sentassem sobre (grifo do autor) as reservas encontradas no País (1977, p.31). Objetivava-se, ainda, com o Estatuto do Petróleo, aumentar a produção petrolífera nacional e expandir o volume das reservas controladas pelo Governo.

Tal projeto repercutiu bastante negativamente nos círculos defensores do monopólio estatal e, tendo recebido tamanhas manifestações de repúdio, foi finalmente arquivado, sendo substituído peio plano Salte que, em linhas gerais, objetivava disciplinar e orientar investimentos no setor público.

Pouco abrangente e ambicioso, também, este plano seria objeto de controvérsias.

O importante no que se refere ao plano Salte foi que, diferentemente do Estatuto do Petróleo, nele "o Governo não se afastou da legislação do petróleo traçada pela administração anterior" (1977, p.37).

Em meio a controvérsias, que viriam a ser uma constante num longo período, cumpre ressaltar que "a intocabilidade da legislação do petróleo, tal como concebida no Estado Novo, permaneceu como um tema tipicamente nacionalista, não se confundindo os grupos e indivíduos que lhe eram favoráveis com qualquer dos partidos políticos" (1977, p. 40).

Por sua vez, também o projeto da Petrobrás foi objeto de longos e penosos debates, segundo Carvalho, tendo encontrado opositores até mesmo no PTB, partido criado por Vargas.

Elaborado em sigilo por pequeno grupo de técnicos, objetivava neutralizar a resistência dos opositores; e embora restringisse a participação de capitais privados estrangeiros, pretendia criar uma empresa administrativa e financeiramente flexível.

Vargas justificou a criação da Petrobrás como a solução considerada mais adequada para acelerar a exploração e o desenvolvimento dos recursos petrolíferos nacionais, tendo como objetivo mais importante, de imediato, reduzir gastos em moedas fortes com a importação de óleo cru e derivados.

A partir de então, o CNP dedicar-se-ia à formulação de políticas oficiais do petróleo, controle das operações da Petrobrás, e refinarias particulares. E importante observar, no projeto da Petrobrás, afirma Carvalho, que este "mostrou-se vago quanto à estrutura organizacional a ser adotada pela empresa. O Governo pretendia dela um comportamento empresarial semelhante ao de organizações industriais privadas. Este ponto será retomado e desenvolvido nas considerações críticas ao final do trabalho"

Para efeito de brevidade, não nos deteremos nos debates que antecederam a criação da Petrobrás, passando para a rápida erumeração das crises enfrentadas pela empresa em questão. Antes porém, torna-se imprescindível a colocação referente ao destino da Petrobrás, no decorrer dos debates. Concebida num círculo restrito, "perdeu várias de suas características originais, ao longo do debate legislativo" (...) "e estava fadada a contar com o apoio de tantos quantos apoiaram a tese do monopólio estatal e a enfrentar as hostilidades daqueles que viram no seu estabelecimento a frustração de seus ideais liberais" (1977, p. 72).

A primeira das crises enfrentadas pela Petrobrás deu-se em 1958, em decorrência da ruptura nas relações CNP-Petrobrás, mais propriamente, nas relações entre os presidentes de um e outra. Resultou na debilidade do CNP como órgão destinado a controlar e formular políticas para a Petrobrás (p. 106 e seguintes).

Entre as lições deixadas por essa crise, há que salientar duas. "1 . A que diz respeito à violação dos padrões tradicionais de conduta burocrática; 2: A que se refere à necessidade de um equilíbrio entre requisitos de autonomia gerencial e o controle dos recursos públicos confiados aos administradores de empresas estatais" (1977, p. 109).

Ainda referindo-se às crises vividas pela Petrobrás, Carvalho afirma ter sido a pior delas a ocorrida no início dos anos 60, sob o Governo Goulart e que o autor acredita ter sido causada por um colapso da autoridade administrativa.

Em outros termos, a ascensão dos sindicatos à esfera do poder, neste período, repercutiu com alguma intensidade não apenas no Governo como também nas empresas estatais.

Argumenta, finalmente, o autor, que "a precariedade do sistema econômico que tornou possível a chamada erosão da autoridade civil (grifo meu) teve suas raízes no desprezo pelo elemento técnico (grifo meu), que o presidente passou a ignorar na tentativa de conquistar o apoio das massas e garantir a lealdade do aparato sindical" (1977, p. 133).

Parece-nos que, com esta argumentação, o autor menospreza (ou subestima) a complexidade do momento histórico analisado, bem como a complexidade das próprias forças sociais em jogo, na dinâmica da sua atuação política enquanto grupos de interesses distintos. Embora também haja que se levar em conta a especificidade com que se dava esta atuação (manipulação populista das massas, desorganização dos grupos etc.)

A partir da intervenção militar de 1964, muita coisa mudou no que se refere à Petrobrás. Segundo Carvalho, "este processo de reorganização, porém, caracterizou-se por um esforço deliberado no sentido de despolitizar as decisões governamentais e de desmobilizar os movimentos políticos de massas" (1977, p. 157). Com isto, surge no palco dos acontecimentos econômico-políticos um novo personagem, a desempenhar importante papel, isto é, surgem em evidência os elementos técnicos da burocracia, atuando sob a direção de lideranças militares (1977, p. 159). Simultânea e paralelamente ao objetivo de mudar as regras do jogo político, persistia a preocupação relativa ao próprio desempenho eficiente da empresa, bem como as precárias condições em que tal atuação sempre se dera (dificuldades quanto a pesquisa, exploração, aquisição de equipamentos essenciais à eficiência da atuação empresarial do Estado, etc.)

Uma colocação pertinente do autor, pareceu-nos detectar, quando atribuí o relativo isolamento da atuação governamental à debilidade dos grupos de interesse e a natureza da sua aproximação do governo, não como reivindicadores capazes de negociar seus interesses, mas procurando obter favores e concessões. Entretanto, parece-nos também que sua análise poderia ser mais incisiva se levasse em conta o caráter da atuação desses grupos no período anterior, chamado populista, a respeito do qual o autor faz apenas referências superficiais (1977, p. 12).

De 1964 até fins de 1974, não se pode negar que a Petrobrás tenha conhecido um relativo crescimento, predominando basicamente o refino como atividade mais importante.

Porém, a partir de 1974, com o que Carvalho chama de "comportamento agressivo dos países exportadores de petróleo, relativo à política de preços crescentes do produto" (1977, p. 185), conjugado com o decréscimo nas atividades petrolíferas brasileiras, tendo em vista a importância crucial do mesmo para a continuidade do processo desenvolvimentista, tornou-se medida de urgência encontrar soluções para o impasse.

Esta questão prática, requerendo propostas de soluções a curtíssimo prazo, aliada ao caráter autoritário, tecnocrático e excludente do Estado implantado em 1964, nosso ver, vão explicar parcial mente as alterações profundas ocorridas no tocante ao que tinham sido as diretrizes fundamentais da Petrobrás durante todo seu tempo de existência até então (a questão intocável do monopólio estatal).

Depois de um longo tempo de defesa irredutível do caráter monopolista estatal da empresa, finalmente admitia-se a participação de capitais privados estrangeiros nas atividades de exploração do petróleo, ainda que protegido por dispositivos contratuais inclusos nos chamados "contratos de risco", em face das perspectivas de: a) reduzidas taxas de crescimento; b) crescente drenagem de moedas fortes para os países produtores de petróleo; c) agravamento do processo inflacionário; d) mudanças inesperadas na estrutura econômica. Na iminência de prejuízo para setores ligados (por exemplo) à indústria automobilística e de fertilizantes, de maior desemprego e exacerbação das tensões sociais (1977, p. 212), rendeu-se o Governo aos contratos de risco, objetivando com isto "reduzir a dependência do País paa com fontes externas de abastecimento" (1977, p. 218). Paralelamente e essas medidas tentou-se também outros caminhos, entre os quais a utilização de energia nuclear, objeto também de longas controvérsias.

1. Considerações finais e avaliação

Como indicado no início do trabalho, o autor objetivava investigar a maneira como a ideologia nacionalista vem afetando o comportamento organizacional da empresa, no caso, da Petrobrás.

Há que se fazer inúmeros comentários a respeito da obra.

Embora o autor faça referências a momentos políticos específicos, tentando correlacionar processo político com diretrizes de atuação da empresa, sua análise carece de maior profundidade na medida em que - pareceu-nos evidenciar na mesma - se detém insuficientemente na reflexão sobre o Estado, seu caráter, suas articulações, os reflexos das suas políticas (relativas ao petróleo) no tocante aos setores sociais de interesses envolvidos, etc.

Por outro lado, no que toca às suas incursões no terreno da análise ideológica, não fica suficiente mente definido ou explicitado pelo autor, sua postura teórico-metodológica referente ao aspecto ideológico.

Pareceu-nos evidenciar, ainda referente a análise do caráter ideológico das políticas relativas ao petróleo, uma certa visão personificada da ideologia, como se esta fosse um instrumento de manipulação consciente ou mesmo deliberada, passível de ser acionado ou não conforme exigências circunstanciais (p. 139 e 193).

Acreditamos que tal fato não ocorre da forma como se depreende da análise do autor, na medida em que se trata de um aspecto bastante complexo, e também acreditando que - subjacente a qualquer política de atuação na esfera econômica ou diretrizes específicas de atuação - se encontra uma ideologia implícita, a qual se evidencia através da análise do caráter do Estado, da relação social representada no mesmo, dos grupos sociais envolvidos nas lutas de interesses, o caráter da atuação desses mesmos grupos, etc.

É ainda importante que se coloquem outros pontos para uma avaliação da obra como um todo.

Embora tivesse delimitado um período de grande significação para a sua análise - período caracterizado como "populismo" ou período do "Estado de Compromisso" - o autor não se detém neste aspecto, resumindo-se a referências superficiais. Por outro lado, embora chegue a tocar em alguns aspectos fundamentais para a análise, como a questão da expansão do Estado sobre a economia (geralmente atribuída à incapacidade dos grupos empresariais privados de assumirem empreendimentos de maior vulto), a questão da organização da empresa pública, posições hierárquicas burocratizadas, questões referentes a autonomia, coordenação externa, bem como ainda o caráter ambíguo da empresa estatal, que não consegue conciliar seu comportamento pautado em critérios de atuação da empresa privada e seu "caráter social" de empresa pública, o autor não consegue ir além da introdução dessas questões, não conseguindo realizar uma análise ou questionamento mais profundo destes temas.

Acreditamos que tal fato possa ser explicado na adoção, pelo autor, da postura teórico-analítica funcionalista, que privilegia alguns aspectos, a nosso ver, controvertidos e questionáveis, quanto ao seu poder de explicação de um dado fenômeno.

Por fim, há que se colocar uma virtude incontestável da obra: ela nos fornece um relato bastante detalhado e minucioso do que foi a criação e implantação da Petrobrás, em todas as suas etapas, desde a discussão do seu projeto aos problemas cruciais enfrentados pela mesma em diversos períodos da sua existência.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1980
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