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Política e mercados: os sistemas políticos e econômicos do mundo

RESENHAS

Antonio Nilson Quezado Cavalcante

Política e mercados - os sistemas políticos e econômicos do mundo

Por Charles E. Lindblom. Trad. de Ruy Jungman. Rio de Janeiro, Zahar, 1979. 443p.

Política e mercados são dois elementos que se inter-relacionam nas sociedades do mundo de hoje, não apenas nas ditas capitalistas, mas também nas chamadas socialistas. Esta é a idéia que permeia o livro mais recente do conhecido professor de economia e ciência política da Universidade de Yale, Charles E. Lindblom, o qual a Zahar achou por bem editar em língua portuguesa.

É claro que o papel dos dois fatores acima citados varia entre os dois tipos de sociedade, bem co-. mo - para fugir a uma classificação meramente binária - entre sistemas poliárquicos, as chamadas democracias ocidentais, e sistemas autoritários, compreendendo a maior parte dos países socialistas bem como países não-socialistas sujeitos a regimes ditatoriais (o quadro da p. 185 é muito instrutivo para uma referência geral). Ao todo são quase 150 países, encontrando-se o maior número deles, principalmente os do chamado Terceiro Mundo, na faixa intermediária de "democracias relativas" ou países em processo de abertura política.

A perspectiva em que se coloca o autor fica muito clara, se isto não ocorrer antes, quando se lê o capítulo 19, no qual se propõem dois modelos, que pretendem aproximar-se de concepções altamente sofisticadas da humanidade e seu destino. O modelo 1, referente a uma sociedade orientada pelo intelecto, pressupõe que algumas pessoas possuem o dom da sapiência integral e, em função disso, são eleitas pelo destino para resolver todos os problemas da nação e, sobretudo, para orientar o processo de mudança política, econômica e social. O segundo modelo, ao contrário, é, por assim dizer, mais populista, pois parte do princípio de que "todos sabem muito bem que são falíveis", como já assinalava no século passado o economista e cientista social Jonn Stuart Mili, no seu pouco conhecido, pelo menos no Brasil, On Liberty (Da Liberdade) .

Por falar em uberdade, é muito oportuna a transcrição da nota de rodapé que aparece na p. 277: "Reconheço que estou-me desviando de uma velha tradição que considera a liberdade como a distinção fundamental entre comunismo e poliarquías orientadas para o mercado. Embora a liberdade possa ser realmente a questão-chave na avaliação dos dois, nossa tarefa aqui não é a avaliação, mas o esclarecimento dos mecanismos fundamentais (sem os quais, poderíamos acrescentar, ninguém pode competentemente proceder a uma avaliação). Além disso, os comunistas tipicamente alegam que apenas uma elite intelectualmente competente pode encaminhar uma sociedade para a liberdade. Tendo em vista só essa alegação, é necessário começar com um exame da maneira como os dois tipos diferentes de sistema consideram a inteligência em sua aplicação às tarefas da organização social."

Mas qual a relação entre mercado e liberdade, já que a relação entre política e liberdade é por demais conhecida? Um economista neoclássico tradicional diria que o mercado garante emprego racional dos recursos produtivos, respeitada a soberania decisória de consumidor que, por assim dizer, vota com seu dinheiro, pagando mais pelo que mais necessita ou valoriza. Este raciocínio, que teoricamente é questionável, coaduna-se perfeitamente com a ideologia do modelo 2 de Lindblom. Acontece que, como qualquer economista moderno deve saber, a alocação ótima da teoria tradicional pressupõe uma dada distribuição inicial de renda, além de postular sobre mecanismos de obtenção do necessário equilíbrio entre oferta e procura (os leilões Walrasianos). Além disso, as condições de mundo real, especialmente a presença de elementos monopólicos de maior ou menor grau, tiram o caráter impessoal atribuído pelos entusiastas da economia de mercado ao sistema de preços, quer os de bens e serviços finais, quer os de fatores de produção.

Não é, todavia, em função dessas objeções que os cientistas sociais do gabarito de um Lindblom devam abandonar, quer como profissionais ou simples cidadãos, uma postura liberal e humilde diante do mundo que os rodeia, de acordo com a filosofia do modelo 2. Depreende-se também da leitura do livro que as restrições teóricas e as imperfeições do mercado, especialmente, a presença de elementos monopólicos ou oligopólicos, esvaziam significativamente os defensores intransigentes da livre iniciativa, eternos guerrilheiros contra a intervenção do Estado na vida econômica.

Em suma, o autor é um crítico mordaz tanto do autoritarismo político e econômico como do pseudoliberalísmo que termina favorecendo os mais fortes. Novas formas de governo precisam ser encontradas. Mesmo em poliarquías adiantadas, como a norte-americana, as coisas andam longe do satisfatório num cenário de problemas que se multiplicam num mundo complexo e interdependente. Afirma Lindblom em seu último capítulo: "Nos EUA, muitos cidadãos pensam que os problemas sociais estão superando de muito a capacidade do governo de resolvê-los. Estamos perdendo o controle. Muitos de nossos filhos não aprendem a ler. Os empregos são inseguros. O dinheiro não conserva seu valor. Em alguns dias, o ar é impróprio para a respiração. As ruas são inseguras. E há sempre a bomba -a probabilidade de um acidente, se não de uma guerra nuclear."

O trabalho de Charles Lindblom proporciona leitura agradável e de extrema utilidade para economistas, sociólogos, jornalistas e outros profissionais preocupados com a organização da sociedade. A lamentar apenas os cochilos do tradutor e/ou revisor, deixando uma ou outra frase inteligível, e a falta de um índice remissivo, que sempre acompanha as edições norte-americanas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1980
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