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Introdução à organização burocrática

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Cláudio Cintrão Forghieri

Introdução à organização burocrática.

Por Prestes Motta, Fernando C. & Bresser Pereira, Luiz C. São Paulo, Brasiliense, 1980.

Os autores apresentam nesta obra três momentos distintos na análise da organização social: o conceito abstrato de burocracia como forma organizacional ou sistema de dominação, a operacionalizaçao do conceito manifesta nas prescrições indutivas das diferentes doutrinas de administração, e a crítica a essa forma de organização social, enfocando o confronto da razão intrumental da burocracia e a realização da liberdade e dos vaiores coletivos e individuais.

O primeiro capítulo do livro apresenta claramente os conceitos de Weber relativos às possíveis bases de aceitação do poder numa relação social: carisma, tradição, racionalidade das normas. Exemplos históricos aproximados a cada tipo ideal weberiano são descritos facilitando a compreensão. Os autores apresentam a empresa capitalista como exemplo de organização baseada na aceitação das regras impessoais impostas e consagradas pelas práticas formalizadas, ou seja, como burocracia. São propostas também algumas das possíveis causas que levaram à emergência da empresa capitalista no século XVIII, como o significado positivo atribuído à acumulação de capital e a necessidade de disciplina no trabalho coletivo para favorecer essa acumulação; nos capítulos finais é feita uma retomada complementar ao tema.

Com o estudo dos grupos informais, os autores apresentam algumas considerações acerca dos desdobramentos reais que ocorrem nas organizações independentemente da intencionalidade formal. O informalismo entre pessoas e grupos é tratado de maneira natural, como conseqüência reativa à contínua prescrição formal da organização burocrática; o in formalismo ajuda o indivíduo a manter-se relativamente espontâneo, podendo ser complementar ao formalismo interno.

Através dos capítulos 3 e 4, os autores investigam a natureza do continuum centralização descentralização e sua adequação particular a cada caso na empresa. Partindo de autores clássicos e neoclássicos, analisa-se as vantagens e desvantagens da descentralização segundo os critérios de delegação de decisões e amplitude de controle. Essa análise revela a proposição da organização funcional descentralizada, modelo defendido para que se obtenha as vantagens de ordem administrativa da descentralização sem incorrer em suas desvantagens.

Segundo esse modelo, a organização estabelece divisões de operação relativamente autônomas, contando cada uma delas com suas unidades essenciais, como produção, finanças, relações industriais e mercadização. A coordenação global é realizada por uma presidência servida por quatro diretores funcionais, ou seja, diretor de produção, financeiro, de relações industriais, de relações industriais e de mercadização. A interpretação das autoridades funcionais desses diretores com relação aos chefes de divisão caracteriza o modelo.

Sob o título Burocracia e administração, os autores desenvolvem no capítulo 5 o estudo da escola de administração científica (Taylor e Fayol) e da escola de relações humanas (Follett e Mayo) que, ao lado dos textos de Weber, constituem o conjunto de idéias sobre os temas organizacionais que orientam o desenvolvimento das posteriores e recorrentes doutrinas de administração.

A crítica às diferentes doutrinas ou escolas de burocracia inicia-se de modo sistemático no capítulo 6, onde os autores passam em câmara rápida as contribuições à teoria de organizações vindas da América do Norte, Europa Ocidental e URSS. É bastante interessante acompanhar a convergência sistêmica daquelas doutrinas tanto em países capitalistas como comunistas, doutrinas que buscam assegurar ao administrador universal o controle social. A crítica à burocracia estende se pelo capítulo 7 com a apresentação das idéias de Merton, Selzníck, Gouldener, Croziere do grupo ae Aston. A partir desse ponto, surge uma inovação interessante; os autores passam à crítica dos críticos da burocracia, que não conseguem incluir em seus quadros de análise o poder como centro da questão; muito oportuna essa crítica dupla dada a abundância de pseudocríticos da burocracia.

A análise de diversas formas burocráticas contemporâneas permite aos autores a elaboração conclusiva da crítica. Estudam a empresa e suas características desde as primeiras fábricas até a corporação multinacional; penetram nas sutilezas da escola como instituição produtora e propagadora da ideologia dominante; analisam a prisão como forma final de dominação de fato. Em todas essas alternativas de burocracia, os autores destacam as características comuns, sutis ou violentas, de controle social.

Os autores dedicam também sua atenção para os aspectos de automação que afetam progressivamente a vida nas organizações. Com a possibilidade de operação e autocontrole nas máquinas, muitas atividades anteriormente atribuídas a operários passam a ser realizadas pelas próprias máquinas. O crescimento contínuo da empresa é analisado segundo o aspecto da automação, quando os autores mostram as dificuldades de controle e coordenação enfrentadas por uma grande empresa, fazendo com que, no limite a alta administração perca o controle das unidades devido ao processamento insuficiente de informações. Esta é, sem dúvida, uma barreira importante ao crescimento da empresa, além das limitações de mercado e capital. Com o desenvolvimento e adoção crescentes das técnicas e equipamentos de processamento de dados, é possível, segundo os autores, que muitas atividades de gerência média sejam absorvidas pelos computadores nas empresas. A relativa proximidade ou distanciamento da cúpula com relação às bases decorrentes desse processo de automação é discutida pelos autores sem a preocupação de um determinismo futurológico.

No último capítulo são apresentadas as diversas fases típicas da empresa, desde o surgimento do sistema transitório (putting-out system) até a empresa industrial, forma acabada de burocracia capitalista. Essa forma burocrática de associação está presente em todas as organizações contemporâneas, em que pese aos arremedos de alternativas amenizadoras como participação nos resultados; controle operário, cogestão e cooperativas. Os autores apresentam as proposições de Guillerm e Bourdet enfocando a autogestão como a única ruptura possível ao sistema burocrático; a alternativa autogestionária é explicada claramente, apontando-se seus limites para surgimento e expansão, ventilando-se suas possibilidades objetivas, o que permite um fechamento moderadamente otimista à obra.

Este é um livro que pode atender às necessidades acadêmicas para cursos de teoria geral da administração e teoria das organizações, bem como apoiar o desenvolvimento de seminários sobre o tema; analisada em seu conjunto, a obra parece-me bastante interessante. Destaco particularmente os capítulos de crítica onde o porte intelectual dos autores permite superar amplamente os pseudocríticos da burocracia e produzir explicações que conduzem a uma forma alternativa de organização social, eliminando o fantasma da burocracia inevitável. Em alguns momento iniciais do livro, nota-se a insistência na descrição dos preceitos das diferentes doutrinas em administração; mas tratando-se de obra introdutória ao tema, facilita daquela forma a compreensão da crítica através da apresentação clara de seu objetivo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Set 1980
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