Acessibilidade / Reportar erro

Moeda e bancos

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Pedro Ramos

Lopes, João do Carmo & Rossetti, José Paschoal. Moeda e bancos. São Paulo, Atlas, 1980. 326 p.

Este livro tem um objetivo bastante específico: pretende preencher a falha na literatura econômica brasileira no tocante a livros-textos introdutórios sobre economia monetária. Ele consta dos capítulos que se seguem: No capítulo 1 os autores discutem as funções da moeda nas economias modernas, bem como discorrem sobre sua evolução histórica, desde a forma de mercadoria até a bancária.

No capítulo 2 são apresentadas as diversas teorias da demanda de moeda, numa ordem, dentro do possível, cronológica. São expostas a versão clássica, keynesiana (com destaque para a contribuição de Tobin), o modelo de Baumol e a abordagem neo-quantitativista, ao mesmo tempo em que são apontadas as diferenças entre tais teorias. Concluem o capítulo mostrando as dificuldades inerentes à determinação empírica da função de demanda monetária.

O capítulo 3 aborda a oferta monetária. Supõem os autores ser esta uma variável exógena e, como tal, sob controle das autoridades monetárias. São feitos estudos comparativos entre a moeda e outros ativos financeiros, seguindo-se a exposição detalhada de como se dá a criação de moeda pelos bancos comerciais (multiplicador dos meios de pagamento).

O capítulo 4 trata da interação entre os setores monetário e real das economias. É feita uma introdução que procura mostrar a evolução histórica das teorias monetárias. Prendem se os autores ao estudo da interação no modelo clás sico e, principalmente, no keynesiano (comparam os dois modelos e apresentam as críticas a eles). Conclui-se o capítulo com a apresentação de noções gerais sobre as modernas abordagens do assunto (teoria quantitativa moderna, interpretações do pensamento keynesiano).

Ao longo do capítulo 5 procura-se fazer análise dos objetivos, instrumentos e eficácia da política monetária. Após a apresentação de possíveis definições de política monetária e de quais são seus objetivos, são explicitados os instrumentos usuais, com a preocupação específica de sua utilização e problemas decorrentes no caso brasileiro (não são tratadas as transações externas). Continuando, é apresentada a política monetária no modelo clássico e no keynesiano, concluindo-se o capítulo com considerações sobre a reabilitação da política monetária na década de 50, as dúvidas quanto a sua eficácia (expansão do emprego etc.) e ainda as influências sobre ela de um sistema financeiro desenvolvido.

O capítulo 6 é dedicado à questão da inflação, com destaque para o caso brasileiro. Após sua conceituação como um fenômeno de natureza monetária, distinguem os autores entre inflação aberta e reprimida, apontando também os seus indicadores. Após isso, são analisadas as principais teorias da inflação: de demanda e de custos, bem como a abordagem estruturalista. São ainda estudadas as relações entre a inflação, o emprego e o crescimento econômico, terminando-se com considerações sobre o processo inflacionário no Brasil (causas, utilização de meios para contê-lo).

O último capítulo destina-se ao estudo da intermediação financeira no Brasil. Começa com uma abordagem teórica do fenômeno (abordagem de Gurley-Shaw). Após essas observações teóricas, é feita uma exposição da evolução do sistema financeiro brasileiro, através do uma periodização que, conforme afirmam os autores, coincide com as fases da evolução da economia brasileira. O capítulo e o livro terminam com a exposição da atual estrutura do sistema financeiro brasileiro (instituições e suas atribuições).

Passemos agora a uma apreciação crítica do livro.

O capítulo 1, pela facilidade do tema que aborda, não parece conter falhas. Talvez a única observação pertinente é a de que poderia ser mais sintético. O capítulo 2 também é agradável, pois os autores conseguem, de forma clara e didática, apresentar as diversas versões da demanda monetária. Já aqui fica evidenciada a preferência dos autores pela abordagem keynesiana. São, sem dúvida, bastante relevantes as considerações feitas ao final do capítulo sobre os problemas com que se defrontam as teorias de demanda monetárias (medição empírica etc).

O capítulo 3 tem uma apresentação bastante objetiva, o que facilita o seu entendimento e o trabalho dos professores. Contudo, alguns pontos neste capítulo merecem reparos. As tabelas do multiplicador monetário (3.1 e 3.2) contêm erros numéricos. Quando tratam dos conceitos de oferta monetária, os autores deixam de mencionar os conceitos de moeda (M1, M2 e M3) tal como são estabelecidos pelo Banco Central do Brasil. Cabem ainda duas considerações de caráter mais geral.

A primeira diz respeito ao longo tratamento dado ao multiplicador dos meios de pagamento. Ele poderia ser mais recuzido, liberando espaço para outros assuntos. Em segundo lugar, poderiam ser inseridas algumas observações sobre as correntes teóricas que tratam a oferta de moeda como uma variável endógena. Não é o caso de se colocar a questão em termos de que "a própria coletividade, e não as autoridades monetárias, é que criaria e destruiria a moeda, de acordo com suas necessidades e conveniências de momento" (p. 88), mas sim de levantar questões importantes, relacionadas às pressões dos diversos setores da economia (empresas públicas, privadas, instituições financeiras etc.) por emissão monetária, bem como às dificuldades de verificação empírica da endogeneidade/exogeneidade da moeda. Nesse sentido, os autores poderiam servir-se de recentes trabalhos sobre o assunto.1 1 Veja: Cardoso, Eliana. Moeda, renda e inflação, algumas evidências da economia brasileira. Pesquisa e Planejamento Econômico, 7 (2) ago. 1977; Contador, Cláudio A Exogeneidade da oferta de moeda no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, 812) ago. 1978.

No capítulo 4, a preferência teórica dos autores fica ainda mais clara, pois que dedicam grande parte dele à abordagem keynesiana de Hicks-Hansen. Ê importante notar que os autores aceitam a divisão feita por Keynes quanto às teorias econômicas anteriores a ele (tidas todas como clássicas). Por isso é que, quando afirmam que "o problema da distribuição da renda, vital quando se considera a economia também a serviço da justiça social, é totalmente ignorado no modelo keynesiano, como também no clássico" (p. 160), não distinguem entre A. Smith, Ricardo e Marx (os quais se preocupam com ela) e os neoclássicos, que a ignoram. Quando comparam os modelos clássico e keynesiano (p. 157, item 1) esquecem de esclarecer que o salário rígido para Keynes é o nominal. Por último, cabe acrescentar que, já que se prendem às versões keynesianas da interação dos mercados, poderiam ter comentado a hipótese da instabilidade financeira de Hyman P. Minsky, na qual esse autor procura mostrar que a decisão de investir ocorre dentro do contexto das práticas financeiras e é a chave determinante da atividade agregada.2 2 Veja. a respeito, o artigo publicado em Challenge, Mar./Apr., 1977.

O capítulo 5 recebe um tratamento bastante sintético e, por isso mesmo, é o de mais difícil compreensão. Contudo, tem a seu favor a análise dos instrumentos da política monetária e as considerações feitas sobre eles no caso brasileiro (apesar de não serem exaustivas, como exemplifica a parte que trata do open-marker e de suas distorções). A maior falha do livro, no entanto, está relacionada a este capítulo: ao definirem política monetária, fizeram-no de duas formas, uma das quais diz explicitamente que eia se constitui no "controle da oferta de moeda e das taxas de juros..." (p. 170). Posteriormente, afirmam que não tratarão das transações externas, alegando ser isto objeto de textos de economia internacional. Parece que isto, de forma alguma, justifica a não-inclusão dos movimentos de capitais financeiros internacionais na análise, e de suas implicações para a economia nacional, como fator que afeta a oferta interna de moeda, a taxa de juros, o papel do próprio setor financeiro doméstico.

No capítulo 6 tem-se a abordagem monetarista da inflação. O fato de exporem as explicações da corrente estruturalista parece posi só justificar o dito anteriormente, quanto à conveniência de considerações sobre a endogeneidade da oferta monetária, já que tal corrente discute essa idéia. Por outro lado, as considerações teóricas sobre o processo inflacionário poderiam estar melhor "amarradas" a análise do caso brasileiro, principalmente quando da referência à inflação de custos e dos efeitos de uma estrutura de mercado oligopólica-monopólica naquele processo e no nível de emprego. Assim, é provável que não precisassem falar em "explicação sedutora para o comportamento da inflação brasileira entre 1964-1973 (p. 249). Ain da, quando citam o caso dos trabalhadores metalúrgicos do ABC paulista (p. 220), os autores dão a impressão de que consideram suas reivindicações, no final dos anos 70, como inflacionárias. Contudo, não explicam se tais reivindicações estavam acima dos índices de produtividade do setor e, mesmo, devido ao efeito propagador de que falam, do conjunto dos operários industriais. Isto é mais importante quando se leva em conta que não pretendem "discutir questões relacionadas à justiça social" (mesma página). Ora, não fazendo referência à produtividade (histórica ou atual) daqueles trabalhadores, podem estar dando a idéia de atribuir a eles, injustamente, a culpa pelo processo inflacionário acelerado que vigora na economia brasileira desde 1974/75. Na verdade, tais reivindicações podem ser vistas como a tentativa de recuperação do poder de compra dos salários.

No capítulo 7, sobre o sistema financeiro nacional, faltam maiores considerações a respeito dos motivos que ensejaram a reforma financeira de 1964/65, relacionando, nesse sentido, de forma mais completa, o sistema financeiro com a evolução e comportamento do mercado de produtos. Ainda, poderia ser feita uma análise global, de caráter crítico, que ressaltasse se as instituições e ativos financeiros, criados pela reforma e após ela, atingiram ou não os objetivos propostos e apontando também as distorções havidas. Não obstante, a descrição pormenorizada da atual estrutura do sistema financeiro nacional pode facilitar essa tarefa para os interessados.

Para concluir, o que mais se lamenta no livro é o fato de ele não incluir, mesmo de forma superficial, considerações acerca das relações financeiras internacionais ou, de outra forma, da mobilidade inter nacional do capital e de suas conseqüências para as economias nacionais e, em particular, para a economia brasileira. Tal abordagem é d3 fundamental importância, dado o grau de abertura externa de nossa economia e dado o fato de que parece inadmissível que um estudante universitário de hoje possa desconhecer o assunto. Isto para não dizer que seria, um pouco, fugir do lugar-comum de grande parte dos livros-textos utilizados no ensino da ciência econômica, que ressalvam tratar apenas da economia fechada.

Em que pese, contudo, esta observação e tendo em conta o dito anteriormente, parece que o livro atinge realmente o objetivo a que se propôs, qual seja, o de preenche: a falha existente na literatura econômica nacional quanto a textos básicos para o ensino de economia monetária e que dêem conta e estejam ajustados "ao sistema financeiro e aos problemas de natureza monetária da economia do 'País" (conforme orelha da capa frontal). Nesse sentido, o livro será bastante útil a alunos c professores de cursos de economia e administração no Brasil.

  • 1
    Veja: Cardoso, Eliana. Moeda, renda e inflação, algumas evidências da economia brasileira.
    Pesquisa e Planejamento Econômico, 7 (2) ago. 1977; Contador, Cláudio A Exogeneidade da oferta de moeda no Brasil.
    Pesquisa e Planejamento Econômico, 812) ago. 1978.
  • 2
    Veja. a respeito, o artigo publicado em
    Challenge, Mar./Apr., 1977.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1980
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br