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Qual o melhor período para a realização do doppler das artérias uterinas na predição de complicações da gestação?

Resumos

OBJETIVO: Avaliar, prospectivamente, qual o melhor período para a realização do Doppler das artérias uterinas na predição de complicações da gestação. MATERIAIS E MÉTODOS: Foi conduzido estudo prospectivo em 45 pacientes primigestas, sem história de doenças crônicas. O Doppler das artérias uterinas foi realizado entre 18-20, 24-26, 28-30 e 34-36 semanas, com determinação do índice de resistência, índice de pulsatilidade, relação A/B e a presença ou ausência de incisura na onda de velocidade de fluxo, assim como o resultado da gestação. RESULTADOS: Os índices Doppler apresentaram decréscimo com o decorrer da gestação, mais pronunciado nas gestações normais quando estas foram comparadas com aquelas que tiveram complicações, de maneira mais acentuada no exame realizado entre 24-26 semanas. A melhor relação entre sensibilidade e especificidade para a detecção de complicações durante a gestação foi obtida no exame realizado entre 24-26 semanas. CONCLUSÃO: O melhor período para a realização do Doppler das artérias uterinas na predição de complicações da gestação é o intervalo entre 24-26 semanas.

Doppler; Artérias uterinas; Pré-eclâmpsia; Restrição do crescimento intra-uterino


OBJECTIVE: To estimate which is the best period to realize uterine artery Doppler for the prediction of pregnancy complications. MATERIALS AND METHODS: A prospective study was conducted with 45 women without a history of chronic diseases and in their first pregnancy. The uterine artery Doppler was performed between the pregnancy weeks 18-20, 24-26, 28-30 and 34-36, with determination of the resistance index, the pulsatility index, the A/B ratio and presence or absence of notch on the flow velocity waveform, as well as the result of the pregnancy. RESULTS: The Doppler index showed decrease in the course of the pregnancy, more pronounced in the normal pregnancies in comparison with the complicated pregnancies. This was most noticed in the examinations performed between the weeks 24-26. The best sensitivity/specificity relation for detecting pregnancy complications was achieved in the examination performed in this same period. CONCLUSION: The best period to perform uterine artery Doppler for prediction of pregnancy complications is between weeks 24-26 of gestation.

Doppler; Uterine artery; Preeclampsia; Intrauterine growth restriction


ARTIGO ORIGINAL

Qual o melhor período para a realização do doppler das artérias uterinas na predição de complicações da gestação?* * Trabalho realizado no Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP.

Fabrício da Silva CostaI; Sérgio Pereira da CunhaII; Aderson Tadeu BerezowskiIII

IProfessor Doutor da Disciplina de Imagenologia do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará

IIProfessor Titular do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

IIIProfessor Doutor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Prof. Dr. Fabrício da Silva Costa Mestrado Profissional em Saúde da Criança e do Adolescente, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual do Ceará Avenida Paranjana, 1700, Campus do Itaperi Fortaleza, CE, 60740-000 E-mail: fabriciouece@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar, prospectivamente, qual o melhor período para a realização do Doppler das artérias uterinas na predição de complicações da gestação.

MATERIAIS E MÉTODOS: Foi conduzido estudo prospectivo em 45 pacientes primigestas, sem história de doenças crônicas. O Doppler das artérias uterinas foi realizado entre 18–20, 24–26, 28–30 e 34–36 semanas, com determinação do índice de resistência, índice de pulsatilidade, relação A/B e a presença ou ausência de incisura na onda de velocidade de fluxo, assim como o resultado da gestação.

RESULTADOS: Os índices Doppler apresentaram decréscimo com o decorrer da gestação, mais pronunciado nas gestações normais quando estas foram comparadas com aquelas que tiveram complicações, de maneira mais acentuada no exame realizado entre 24–26 semanas. A melhor relação entre sensibilidade e especificidade para a detecção de complicações durante a gestação foi obtida no exame realizado entre 24–26 semanas.

CONCLUSÃO: O melhor período para a realização do Doppler das artérias uterinas na predição de complicações da gestação é o intervalo entre 24–26 semanas.

Unitermos: Doppler; Artérias uterinas; Pré-eclâmpsia; Restrição do crescimento intra-uterino.

INTRODUÇÃO

A perfusão do leito placentário na gestação normal, até recentemente, vinha sendo avaliada indiretamente por meio de estudos do "clearance" do sulfato de de-hidroisoandrosterona(1) ou por meio de radioisótopos(2). Medidas diretas do fluxo nas artérias uterinas também foram obtidas com o uso de técnicas eletromagnéticas(3). Apesar da sua grande contribuição aos conhecimentos atuais do fluxo útero-placentário, esses estudos utilizaram métodos invasivos e radioisótopos, hoje impraticáveis devido ao seu alto custo e risco elevado.

Somente a incorporação do efeito Doppler aos equipamentos de ultra-som por Satomura(4) permitiu a Fitzgerald e Drumm(5) estudarem pela primeira vez a circulação materno-fetal de forma não invasiva e fisiológica.

A gestação normal resulta de uma complexa série de modificações na anatomia vascular materna, principalmente na perfusão uterina, que é o ponto crítico para a adequação desse processo. Com a implantação do ovo fecundado na cavidade uterina, o sistema arterial que irriga o endométrio e o miométrio subjacente sofre uma série de modificações que conduzem à circulação útero-placentária. Essas modificações no sistema arterial são conseqüência da invasão da decídua pelo trofoblasto(6).

Acredita-se que a invasão trofoblástica ocorre em duas ondas: a primeira onda estende-se da sexta à décima semana da gestação e afeta as artérias espirais desde o seu extremo distal até a união da decídua basal com o miométrio; a segunda onda inicia-se entre a 14ª e 16ª semana e se desenvolve durante quatro a seis semanas, alcançando os segmentos miometriais das artérias espirais, incluindo as porções mais distais das artérias radiais(7).

Essas mudanças morfológicas na vascularização uterina podem ser demonstradas pelo Doppler colorido e pulsátil(8), com a detecção e análise das artérias uterinas principais e suas ramificações em artérias arqueadas e radiais até os seus ramos espirais terminais. A velocidade do fluxo sanguíneo aumenta na circulação útero-placentária, enquanto a sua impedância diminui com o evoluir da gestação. Os trabalhos de Valentin et al.(9) mostraram que os índices de impedância diminuíram com o decorrer da gestação em ambas as artérias uterinas, mas essa diminuição foi menor nas artérias contralaterais à placenta.

Estudos em que se realizaram biópsias do leito placentário, no terceiro trimestre da gravidez, documentaram inadequada ou anormal invasão trofoblástica, como a lesão predominante em mulheres com pré-eclâmpsia, sendo que o mecanismo responsável por essa falha ainda não é claro(10). Esses achados histológicos têm boa correlação com o aumento da resistência ao fluxo nas artérias uterinas avaliadas pelo Doppler(11) e uma relação deste aumento da resistência e o subseqüente surgimento de pré-eclâmpsia(12,13) .

Utilizando o Doppler como teste de rastreamento, vários estudos têm demonstrado a associação entre anormalidades na onda de velocidade de fluxo (OVF) nas artérias uterinas com o subseqüente surgimento da pré-eclâmpsia, da restrição do crescimento intra-uterino (RCIU), do descolamento prematuro da placenta (DPP) e do parto pré-termo (PPT).

A incisura diastólica, que está presente nas artérias uterinas desde o início da gravidez, desaparece ao redor da 20ª semana; eventualmente, pode ser detectada até a 24ª–26ª semana(13). O trabalho original de Campbell et al.(12), utilizando Doppler pulsátil, estabeleceu a relação entre OVF de alta resistência e pré-eclâmpsia e o potencial uso do Doppler das artérias uterinas como um preditor precoce de subseqüente desenvolvimento da doença hipertensiva específica da gravidez (DHEG) e da RCIU.

Estudo de Chan et al.(14), utilizando "color" Doppler em uma população de médio risco, mostrou uma melhor predição da pré-eclâmpsia na 20ª semana da gestação, considerando como Doppler alterado a combinação de um índice de resistência (IR) maior que o percentil 90 e a presença de incisura bilateral.

Boller e Cabral(15) avaliaram, através de três parâmetros das artérias uterinas maternas (relação A/B, presença de incisura e diferença da relação A/B entre as artérias), 108 pacientes portadoras de gravidez de alto risco e observaram que o Doppler das artérias uterinas permite estabelecer o prognóstico materno de maneira significativa. A presença de incisura na artéria homolateral à placenta foi o achado isolado que melhor se associou com mau prognóstico gestacional.

Estudo recente, com realização do Doppler entre 18–20 semanas, mostrou presença de incisura bilateral em 27,7% dos casos. A sensibilidade da incisura bilateral para a pré-eclâmpsia foi de 100%, mas o valor preditivo positivo (VPP) foi de apenas 19,0%. Combinando a presença de incisura bilateral e a relação A/B > 2,6, foi observada pequena diminuição da sensibilidade (87,5%), mas aumento expressivo no VPP para 67,7%(16).

Silva(17), em estudo recente realizado em nosso meio, avaliou as modificações no fluxo das artérias uterinas, ovarianas, umbilicais e embrionárias no primeiro trimestre da gestação, utilizando o ultra-som transvaginal. O IR e o índice de pulsatilidade (IP) nas artérias uterinas mostraram mudanças significativas com o avançar da idade gestacional, mas essas mudanças não foram significantes nos outros vasos avaliados. O autor concluiu que o Doppler "color" e pulsátil pela via transvaginal é capaz de avaliar a vasculatura na gestação precoce, é um método não-invasivo, inócuo para o embrião, com alta eficácia e facilmente reprodutível.

A pré-eclâmpsia e a RCIU são associadas com significante morbidade e mortalidade perinatais e suas prevenções permanecem um importante objetivo do atendimento obstétrico. Porém, os trabalhos já realizados possuem metodologias diversas e a realização do Doppler em diferentes idades gestacionais.

Neste trabalho avaliamos, prospectivamente, qual o melhor período para a realização do Doppler das artérias uterinas na predição de complicações da gestação.

MATERIAIS E MÉTODOS

A casuística deste estudo compreendeu 45 mulheres na sua primeira gestação, sem doenças crônicas, gestacionais ou ginecológicas, atendidas no Ambulatório de Pré-Natal do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da Universidade de São Paulo, ou na rede pública municipal de Ribeirão Preto, SP, e encaminhadas para a avaliação ultra-sonográfica da gestação. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCFMRP. Os exames foram realizados após explicação prévia à paciente e a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

A determinação da idade gestacional foi feita pela data da última menstruação e pela realização de ultra-sonografia transvaginal no primeiro trimestre da gestação, realizada na unidade de origem da paciente ou pelo pesquisador nos casos de ausência de exame anterior.

As pacientes mantiveram o acompanhamento pré-natal nas unidades de origem até o final da gestação. Foi oferecida a realização de exames extras ao protocolo nos casos de intercorrências ou por solicitação do pré-natalista. Nos casos de complicações da gestação, as pacientes foram encaminhadas para acompanhamento no Ambulatório de Pré-Natal Patológico do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do HCFMRP.

Os critérios de exclusão do estudo foram a existência de doenças crônicas, gestacionais ou ginecológicas, o uso crônico de medicações, tabagismo, gestações múltiplas, presença de malformações fetais, abortamento, não comparecimento aos retornos agendados e partos realizados em outros hospitais.

As pacientes foram avaliadas sempre pelo mesmo observador, após micção espontânea, em decúbito dorsal, com a cabeceira elevada 45°. O equipamento utilizado foi da marca ATL (Advanced Technologies Laboratories, USA), modelo HDI 3000, acoplado de transdutor convexo de 2–5 MHz (banda larga), dotado de Doppler pulsátil, "color" Doppler e Doppler de amplitude ("power" Doppler), e o filtro foi fixado em 100 Hz. O estudo Doppler foi realizado em quatro períodos da gestação: 18–20 semanas, 24–26 semanas, 28–30 semanas e 34–36 semanas. Os vasos avaliados, pelo método Doppler, foram as artérias uterinas direita e esquerda em seus ramos ascendentes. Para a realização do exame, o transdutor foi colocado no quadrante inferior lateral do abdome e angulado medialmente. O "color" Doppler foi utilizado para identificar a artéria uterina homolateral ao transdutor, no ponto que cruza a artéria ilíaca externa, e a amostra de volume foi colocada aproximadamente a 1 cm do ponto de cruzamento (Figura 1). As medidas dos índices Doppler foram realizadas quando se obtiveram cinco OVF similares e de qualidade satisfatória, calculadas pela média das cinco ondas, e a presença ou ausência de incisura nas artérias uterinas foi observada.


Os índices de impedância usados foram os consagrados na literatura: IR, IP e a relação A/B. A presença de incisura bilateral nas artérias uterinas foi considerada como anormalidade na OVF (Figura 2).


As pacientes realizaram o acompanhamento pré-natal nas unidades de origem na ausência de complicações e no HCFMRP quando qualquer complicação foi diagnosticada, retornando para avaliação do pesquisador nos períodos pré-estabelecidos. Os partos foram realizados no Centro Obstétrico do HCFMRP. Os recém-nascidos foram recepcionados e acompanhados pela equipe do Departamento de Pediatria e Puericultura do referido hospital.

As pacientes foram divididas em dois grupos, conforme a evolução da gestação e o resultado perinatal. O grupo 1 foi constituído por mulheres que não apresentaram complicações da gestação ou perinatais, e o grupo 2 foi constituído pelas mulheres que desenvolveram complicações da gestação ou perinatais. Foram consideradas complicações da gestação o surgimento de pré-eclâmpsia, o DPP e o PPT (abaixo de 37 semanas). O diagnóstico de pré-eclâmpsia foi feito nas pacientes que tiveram aumento da pressão arterial > 140/90 mmHg ou elevação de 30 mmHg na pressão sistólica ou de 15 mmHg na pressão diastólica após a 20ª semana da gestação, associado a edema e/ou proteinúria (> 300 mg em 24 horas). Foram consideradas complicações perinatais a centralização cerebral do fluxo sanguíneo fetal, a presença de mecônio espesso no líquido amniótico no momento do nascimento e os recém-nascidos pequenos para a idade gestacional (PIG). Consideramos recém-nascidos PIG os que apresentaram peso ao nascimento abaixo de percentil 10 na curva de crescimento, estabelecida para a nossa população(18).

Na análise estatística foi utilizado o teste de Mann-Whitney para amostras não-paramétricas, e o teste exato de Fisher foi utilizado na avaliação dos parâmetros qualitativos. Em todos os testes utilizou-se o intervalo de confiança de 95% (p < 0,05).

RESULTADOS

As gestantes recrutadas foram acompanhadas longitudinalmente, com realização da avaliação Doppler em quatro períodos da segunda metade da gestação e verificação dos resultados obstétrico e perinatal.

A Tabela 1 lista os 12 casos de complicações apresentadas na gestação e/ou no período perinatal. Não foi observado nenhum caso de DPP.

Para a avaliação dos parâmetros Doppler, foram utilizados o IR, o IP e a relação A/B, avaliados nas artérias uterinas direita e esquerda. Ainda foi obtida a média dos índices entre os dois vasos. Os percentis 25, 50 e 75 dos índices Doppler foram calculados para cada idade gestacional.

O percentil 50 dos valores dos índices Doppler nos quatro períodos da gestação estudados encontram-se representados para as artérias uterinas (média) nas pacientes sem complicações (grupo 1) e com qualquer complicação (grupo 2), graficamente, nas Figuras 3, 4 e 5.




A presença de incisura bilateral nas artérias uterinas entre 24–26 semanas apresentou-se fortemente associada ao surgimento de complicações na gestação, diferindo dos exames realizados nos outros períodos. Nove pacientes apresentaram doenças, representando 75% do total de complicações. Todos os casos de pré-eclâmpsia, um caso de recém-nascido PIG, três casos de PPT e um caso de presença de mecônio espesso no momento do parto apresentaram essa alteração da OVF. A normalidade da OVF não esteve associada com o surgimento de doenças na gestação. Das 21 pacientes que não apresentaram incisura nas artérias uterinas entre 24–26 semanas, somente um caso evoluiu com complicação no período perinatal.

A eficácia da incisura bilateral no exame realizado entre 24–26 semanas para a definição do resultado da gestação é apresentada na Tabela 2.

Usando a incisura bilateral como critério de anormalidade no exame realizado entre 24–26 semanas, a sensibilidade na detecção da pré-eclâmpsia e pré-eclâmpsia ou PIG foi de 100%, porém a especificidade foi de 62,5% e 60,6%, respectivamente, o que resultou um baixo VPP. A detecção de qualquer complicação da gestação também revelou elevada sensibilidade (90%), com discreta elevação do VPP.

DISCUSSÃO

Campbell et al.(12) foram os primeiros a estudar a circulação útero-placentária pelo método Doppler. Os autores avaliaram gestantes normais e com complicações durante a segunda metade da gravidez e observaram que no grupo de pacientes com doenças o Doppler anormal estava associado com maior freqüência à RCIU e à pré-eclâmpsia com proteinúria e hipóxia fetal. A partir desse estudo, várias outras pesquisas realizadas na década de 80 e outras mais recentes têm relacionado alterações nas OVF das artérias uterinas, principalmente a presença de incisura bilateral, com o surgimento de complicações da gestação(13,19). Baseados nesses resultados promissores, um grande número de estudos foi realizado para investigar o valor preditivo do Doppler das artérias uterinas como um teste de rastreamento na gestação, previamente ao surgimento da doença(20).

No nosso meio, existem poucos estudos prospectivos que testaram a validade do Doppler das artérias uterinas na predição de complicações da gestação. Foi com essa finalidade, e também para verificar o comportamento dos índices de impedância nas artérias uterinas na segunda metade da gestação, além de avaliar qual o melhor período para a realização do exame, que acompanhamos longitudinalmente um grupo de gestantes, previamente normais, até a resolução da gravidez.

Os critérios adotados nos estudos da circulação útero-placentária para a obtenção das OVF têm sido distintos. Existem relatos da avaliação das artérias arqueadas e radiais(21), na artéria uterina e/ou arqueada do lado placentário e contralateral(22), e da utilização da média dos valores das artérias uterinas direita e esquerda(23). O estudo das artérias subplacentárias ou das artérias arqueadas em apenas um dos lados do útero não é representativo de todo o fluxo uterino. As alterações nas artérias arqueadas placentárias somente aparecem em fases mais avançadas dos processos patológicos, não permitindo um diagnóstico precoce(24). Em nosso trabalho, adotamos a média dos valores das duas artérias uterinas, com a amostra de volume colocada a 1 cm do ponto de cruzamento das uterinas com as ilíacas externas, proporcionando avaliação mais completa da perfusão uterina(25).

Os índices mais comumente utilizados nos estudos Doppler são o IR, o IP e a relação A/B, os quais têm sido amplamente aceitos como parâmetros relevantes na análise do fluxo sanguíneo em obstetrícia(26). Embora esses índices apresentem alto coeficiente de correlação(27), alguns pesquisadores recomendam o uso do IP, pois este pode quantificar melhor os sinais em casos de velocidade diastólica final ausente e nos casos de fluxo diastólico reverso. Entretanto, esses padrões não são habituais durante a gestação, e os cálculos dos IR e da relação A/B são mais fáceis de serem executados que o IP. No nosso estudo, utilizamos os três índices Doppler para a análise das OVF com a intenção de verificar os seus comportamentos na segunda metade da gestação e as correlações com o surgimento de complicações.

Os dados obtidos no grupo de gestantes que não desenvolveram complicações na gestação mostraram diminuição progressiva nos três índices Doppler nos quatro exames realizados (Figuras 3, 4 e 5). Essa queda nos índices Doppler com o avançar da gravidez espelha uma adequada invasão trofoblástica e a conseqüente multiplicação do sistema viloso, resultando em contínua redução da impedância ao fluxo sanguíneo nas artérias uterinas(28). Esses achados foram semelhantes aos obtidos por Thaler et al.(29) e Kurjak et al.(30), que demonstraram diminuição da impedância ao fluxo desde a artéria uterina principal até as artérias espiraladas à medida que avança a idade gestacional. Thaler et al.(29) também demonstraram, através do Doppler, aumento do volume sanguíneo nas artérias uterinas com o decorrer da gestação, sendo esse aumento mais pronunciado a partir da 20ª semana.

Nas pacientes que desenvolveram qualquer complicação na gestação também observamos redução nos índices Doppler no decorrer da gestação, porém menos pronunciada que nas pacientes que não desenvolveram distúrbios. Kurdi et al.(25) e Montenegro et al.(16), realizando avaliação semelhante, observaram que o IR é mais elevado nas pacientes que desenvolveram complicações da gestação, sendo método útil na sua predição.

Quando comparamos os três índices Doppler das pacientes normais com aquelas que desenvolveram qualquer doença, observamos diferença estatisticamente significativa no exame realizado entre 24–26 semanas (Figuras 3, 4 e 5). Esse fato nos leva a acreditar que índices Doppler aumentados nessa idade gestacional podem prever complicações que irão ocorrer no final da gestação.

O perfil das OVF das artérias uterinas, quando se utiliza o Doppler pulsátil, é característico. Uma onda com um alto pico sistólico, com incisura protodiastólica proeminente e fluxo diastólico final baixo, é um perfil normal da artéria uterina na primeira metade da gestação(31). A placenta, por sua implantação e desenvolvimento, modifica a circulação uterina, de baixo fluxo com alta resistência para alto fluxo e com baixa resistência(32). Essas modificações fazem desaparecer a incisura protodiastólica das artérias uterinas por volta da 24ª–26ª semanas de gestação. O estudo Doppler das artérias uterinas é considerado anormal na persistência da incisura diastólica nas OVF e/ou índices Doppler com valor elevado, após a 20ª semana, ambos caracterizando alta resistência ao fluxo(13).

A sensibilidade e a especificidade do Doppler das artérias uterinas na predição de complicações da gestação já foram amplamente testadas. Arduini et al.(33), estudando uma população de alto risco, obtiveram sensibilidade para a predição de DHEG e RCIU de 62,5%, com 71,1% de especificidade. Resultados similares foram descritos por Bewley et al.(34) e Campbell et al.(35). Utilizando a persistência da incisura bilateral ou IR elevado, Bower et al.(36) obtiveram sensibilidade de 45%, com 96% de especificidade. Kurdi et al.(25) obtiveram, utilizando a presença de incisura bilateral, sensibilidade de 61,9% para o diagnóstico de pré-eclâmpsia, com especificidade de 88,7%, VPP de 11,1% e valor preditivo negativo (VPN) de 99,0%. Já para o diagnóstico de RCIU, encontraram sensibilidade de 36,8%, especificidade de 89,2%, VPP de 17,9% e VPN de 95,7%. Quando utilizaram, como critério de anormalidade do Doppler a resistência elevada, obtiveram sensibilidade de 71,4%, especificidade de 78,2%, VPP de 6,9% e VPN de 99,2% para o diagnóstico de pré-eclâmpsia, ao passo que, para o diagnóstico de RCIU, obtiveram sensibilidade de 47,4%, especificidade de 78,7%, VPP de 12,5% e VPN de 95,9%.

Montenegro et al.(16), também empregando como critérios de anormalidade do Doppler a presença de incisura bilateral ou o IR elevado, demonstraram boa sensibilidade, mas VPP baixos. A incisura bilateral predizendo toxemia apresentou sensibilidade de 100,0%, especificidade de 76,3%, VPP de 19,0% e VPN de 100,0%; o IR elevado mostrou sensibilidade de 83,3%, especificidade de 84,7%, VPP de 23,3% e VPN de 98,9%. Estudo recente de Coleman et al.(23) mostrou, para a predição de DHEG, sensibilidade de 91,0%, especificidade de 42,0% e VPP de 37,0%, e para a predição de recém-nascidos PIG, sensibilidade de 84,0%, especificidade de 39,0% e VPP de 33,0%.

Nosso estudo obteve resultados semelhantes aos da literatura, com a melhor sensibilidade e especificidade observadas no exame realizado entre 24–26 semanas de gestação. Quando consideramos o surgimento de qualquer complicação da gestação, a sensibilidade foi de 90,0%, a especificidade foi de 62,5%, o VPP foi de 42,9% e o VPN foi de 95,2%. A presença de IR elevado entre 24–26 semanas de gestação apresentou sensibilidade e especificidade semelhantes às anteriores, com melhora muito discreta no VPP.

Nossos dados demonstram a importância da realização do estudo Doppler das artérias uterinas mesmo em populações de baixo risco e que a melhor época para a sua realização, tanto avaliando a presença de incisura bilateral quanto índices de impedância elevados, se encontra entre 24–26 semanas de gestação.

Recebido para publicação em 4/3/2005.

Aceito, após revisão, em 1/7/2005.

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  • Endereço para correspondência:
    Prof. Dr. Fabrício da Silva Costa
    Mestrado Profissional em Saúde da Criança e do Adolescente, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual do Ceará
    Avenida Paranjana, 1700, Campus do Itaperi
    Fortaleza, CE, 60740-000
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2006

    Histórico

    • Recebido
      04 Mar 2005
    • Aceito
      01 Jul 2005
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