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O paratudal do Pantanal de Miranda, Corumbá-MS, Brasil

The "paratudal" at the Pantanal de Miranda - Corumba-MS, Brazil

Resumos

Este trabalho teve como objetivo estudar o estrato arbóreo de uma formação savanoide típica do Pantanal de Miranda, o paratudal, no Município de Corumbá, MS. O estrato herbáceo da formação é dominado por Paspalum hydrophilum e o estrato arbóreo, Tabebuia áurea. O paratudo, razão do nome, apresenta densidade média de 363 indivíduos por hectare, altura média de 6,7 m e diâmetro médio do caule de 16,7 cm. O paratudal de algumas regiões do Pantanal de Miranda poderia ser o resultado do solo (fator edáfico), da inundação (fator hidrométrico) e, ou, da ação antrópica, além de, em alguns casos, da associação com artrópodes que formam montículos - murundus -, nos quais T. aurea pode se estabelecer. Essa espécie deve apresentar mecanismos fisiológicos que lhe permitem sobreviver com níveis altos de cálcio e magnésio, enfrentar meses de seca e inundação (estresse hídrico) e mudanças no pH do solo.

Savana arbórea; paratudo; Tabebuia aurea


This work aimed to study the "paratudal", an arboreal savanna formation of the Pantanal de Miranda, Corumbá - MS. There is a predominance of Paspalum hydrophilum grass and Tabebuia aurea tree species. The "paratudal" presents a mean density of 363 individuals/ha, height average of 6.7 m and stem diameter of 16.7 cm. This vegetation formation in some regions of the Pantanal de Miranda could be a result of the soil characteristics, flooding, human factor, and association with arthropods that form wooded hills, whereupon the species can be established. This species must present physiological mechanisms that allow it to survive with high levels of calcium and magnesium; alternated months of drought and flood and changes in the soil pH.

Arboreal savanna; "paratudal"; Tabebuia aurea


O paratudal do Pantanal de Miranda, Corumbá-MS, Brasil

The "paratudal" at the Pantanal de Miranda – Corumba-MS, Brazil

João Juares SoaresI; Ademir Kleber Morbeck de OliveiraII

IDepartamento de Botânica da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). E-mail : <juares@power.ufscar.br>

IIDepartamento de Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - UNIDERP. E-mail: <ademiroliveira@mail.uniderp.br>

RESUMO

Este trabalho teve como objetivo estudar o estrato arbóreo de uma formação savanoide típica do Pantanal de Miranda, o paratudal, no Município de Corumbá, MS. O estrato herbáceo da formação é dominado por Paspalum hydrophilum e o estrato arbóreo, Tabebuia áurea. O paratudo, razão do nome, apresenta densidade média de 363 indivíduos por hectare, altura média de 6,7 m e diâmetro médio do caule de 16,7 cm. O paratudal de algumas regiões do Pantanal de Miranda poderia ser o resultado do solo (fator edáfico), da inundação (fator hidrométrico) e, ou, da ação antrópica, além de, em alguns casos, da associação com artrópodes que formam montículos – murundus –, nos quais T. aurea pode se estabelecer. Essa espécie deve apresentar mecanismos fisiológicos que lhe permitem sobreviver com níveis altos de cálcio e magnésio, enfrentar meses de seca e inundação (estresse hídrico) e mudanças no pH do solo.

Palavras-chave: Savana arbórea, paratudo e Tabebuia aurea.

ABSTRACT

This work aimed to study the "paratudal", an arboreal savanna formation of the Pantanal de Miranda, Corumbá - MS. There is a predominance of Paspalum hydrophilum grass and Tabebuia aurea tree species. The "paratudal" presents a mean density of 363 individuals/ha, height average of 6.7 m and stem diameter of 16.7 cm. This vegetation formation in some regions of the Pantanal de Miranda could be a result of the soil characteristics, flooding, human factor, and association with arthropods that form wooded hills, whereupon the species can be established. This species must present physiological mechanisms that allow it to survive with high levels of calcium and magnesium; alternated months of drought and flood and changes in the soil pH.

Keywords: Arboreal savanna, "paratudal" and Tabebuia aurea.

1. INTRODUÇÃO

O Pantanal é pródigo em formações vegetacionais compostas quase que exclusivamente por uma espécie (consorciação) e dominando vastas extensões como resultado de fatores edáficos e/ou hidrológicos. Como exemplos dessas formações, podem-se citar o buritizal, dominado pela palmeira buriti (Mauritia vinifera Martius); o cambarazal, com a predominância da espécie arbórea cambará (Vochysia divergens Pohl); o caronal, campo de capim-carona (Elyonurus muticus (Spreng.) Kuntze); pateiral, formado pela espécie arbórea pateiro (Couepia uiti (Mart. & Zucc.) Benth. ex Hook.f.); pimenteiral, dominado pelas árvores chamadas de pimenteira (Licania parvifolia Huber) e o paratudal, que tem como espécie arbórea dominante o paratudo (Tabebuia aurea (Silva Manso) Benth. & Hook.f ex. S. Moore).

Entre essas formações, o paratudal destaca-se pela sua intensa floração de cor amarela forte, que ocorre nos meses de agosto/setembro, estando a árvore quase despida de folhas e formando uma bela paisagem na região, principalmente as margens da rodovia BR 262, entre as cidades de Miranda e Corumbá.

O paratudal é uma formação savânica alagável (Savana Parque, Savana Arbórea ou Parque de Cerrado), também chamada de Zona de Transição ou Consorciação (BRASIL, 1982; RIBEIRO e WALTER, 1998), com estrato arbóreo quase exclusivo de Tabebuia aurea (Bignoniaceae), de 5–16 m de altura, muitas vezes crescendo sobre murundus, que são pequenas elevações de terra produzidas por formigas, aos quais as árvores podem estar associadas. Ocorre principalmente no sul do Pantanal até as proximidades do rio Nabileque, associado às zonas de maior influência das inundações por águas de pH alcalino, como do rio Miranda. Este tipo de vegetação tem sido citado por vários autores (ADÁMOLI, 1982; POTT e POTT, 2000; entre outros), mas que permanece ainda pouco estudado.

Esta formação vegetacional ocupa uma área relativamente pequena, tendo sua maior representação nos pantanais de Miranda e Nabileque, onde cobre 63.779 ha ou 31,24% (SILVA et al., 1998), ocorrendo em menor proporção em outros locais, tais como nos Pantanais de Poconé (0,3%), Aquidauana (0,4%), Abobral (3,6%) e do Paraguai (0,7%), ocupando ao todo 1,7% de toda fisionomia vegetacional da região pantaneira (SILVA et al., 2000).

A espécie que compõe o paratudal – T. aurea - também ocorre em comunidades mais complexas na Região Amazônica, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste e em diversas formações vegetacionais, sendo conhecida por caraíba, caraibeira, carnaúba-do-campo, caroba-do-campo, cinco-em-rama, ipê, ipê-do-cerrado, paratudo, pau-d'arco, entre outros nomes populares (LORENZI, 1992; ALMEIDA et al., 1998). Lorenzi (1992), tendo em vista a variedade de ambientes em que a espécie é encontrada, considerou a probabilidade de que exista mais de uma espécie com o mesmo nome científico. Também segundo Chodat e Vischer (1977) apud Allem e Valls (1987), essa é uma árvore típica de áreas arenosas do Chaco paraguaio, ocorrendo em alta densidade ao norte do rio Pilcomayo, onde forma grandes florestas.

Além da beleza cênica propiciada pela floração e composição estrutural dos paratudais, com os indivíduos dispersos em um tapete de gramíneas e ervas, a espécie é considerada medicinal e boa melífera, comumente utilizada na medicina popular como antianêmica, antitérmica, diurética, vermífuga e purgativa, contra gripe, resfriado e inflamações em geral, além de uso abortivo na Argentina, também fornecendo corante amarelo para tintura em comunidades rurais (ALMEIDA et al., 1998; LORENZI e ABREU MATOS, 2002). Sua madeira tem valor econômico, sendo utilizada para confecção de ferramentas, móveis, caixotaria, artigos esportivos, construção civil e obras externas, entre outros usos, além de empregada na arborização e paisagismos de jardins, ruas e parques (LORENZI, 1992; ALMEIDA et al., 1998).

O objetivo deste trabalho foi avaliar o solo, a composição florística e a estrutura da população de Tabebuia aurea em paratudal no Pantanal de Miranda. O trabalho se justifica pela importância do paratudal na paisagem do Pantanal, o potencial de utilização do paratudo e a pouca informação sobre este tipo de formação vegetacional.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Na sub-bacia do Rio Miranda (Bacia do Alto Paraguai), Pantanal de Miranda, município de Corumbá, MS, existem extensos paratudais, sendo que a formação estudada localiza-se nas coordenadas 19º34,5'04 "S e 57º02'17"W, em local denominado Passo do Lontra.

O período mais intenso de chuvas na região ocorre de novembro a março, com déficit hídrico nos meses de setembro a novembro (BRASIL, 1982). O período de inundação tem início em dezembro, com o pico máximo ocorrendo em fevereiro, quando o Rio Miranda pode atingir até 7 m acima do nível normal.

O paratudal foi avaliado florística e estruturalmente pelo Método das Parcelas, com quadros de 10 m x 10 m. As parcelas foram distribuídas ao longo de dezenove transectos, em três locais, de modo a abranger as variações fisionômicas. A distância entre transectos e entre parcelas foi de 10 m, totalizando 129 parcelas ou 12.900 m2 (Figura 1). De todos os indivíduos com diâmetro à altura do peito (DAP) igual ou maior que 5 cm foram coletados dados referentes a altura, diâmetro do caule e copa (MUELLER-DOMBOIS e ELLENBERG, 1974. A identificação das espécies do estrato herbáceo foram feitas em 96 parcelas de 30 cm x 30 cm, distribuídas aleatoriamente nos três locais.


De acordo com Mato Grosso do Sul (1990) e Embrapa (1999), os solos da região são classificados como Planossolo Hidromórfico e para a sua caracterização foram coletadas amostras nas profundidades de 0-5 cm, 10-20 cm e 50-100 cm, realizadas no mês de julho/agosto de 1993, logo após o período de inundação, em três locais (19º34'29,97"S 57º01'35,33"W; 19º34'20,72"S 57º00'59,27"W; 19º34'02,19"S 57º00'48,77"W), seguindo-se metodologia da Embrapa (1979).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1. Solos

A análise dos diferentes pontos de coleta indica que a camada superficial (0-5 cm) é rica em fósforo, potássio e carbono e à medida que aumenta a profundidade, a concentração dos elementos diminui, com exceção do potássio, que na faixa de 50-100 cm, apresentou maior concentração que na camada intermediária (10-20 cm) nos três pontos de coleta (Tabela 1).

O alumínio, um elemento que pode ser tóxico em altas concentrações, apresentou-se em maior concentração principalmente na faixa de 10-20 cm nos três pontos de coleta (Tabela 1). Porém os efeitos negativos desse elemento para a vegetação são minimizados pela presença de cálcio e magnésio, presentes em alta concentração no solo. A maior concentração destes elementos ocorre nas profundidades de 0-5 cm e 50-100 cm nos três locais de coleta (Tabela 1).

As altas concentrações de cálcio e magnésio estão ligadas à composição química das águas do rio Miranda, que corta a região e possui, em sua composição grande concentração desses elementos devido ao seu percurso pela Serra de Bodoquena, região rica em rochas carbonatadas (SCREMIN-DIAS et al., 1999). A grande deposição de cálcio e magnésio origina concreções a partir de 80 cm de profundidade, que impedem o aprofundamento das raízes da vegetação arbórea, tornando o sistema radicular plagiotrópico (superficial, com raiz pivotante atrofiada) e as árvores susceptíveis a quedas em períodos de vento forte e inundações.

Apesar da grande concentração de cálcio e magnésio, a camada superficial do solo (0-5 cm e 10-20 cm) da região é ácida, provavelmente devido ao processo de decomposição de matéria orgânica também trazida pelas inundações. Já na faixa de 50-100 cm, onde ocorre a maior concentração de cálcio e magnésio, o pH tende para a neutralidade (Tabela 1). A acidez na área provavelmente deve mudar durante o ano, pois além do fator acima citado, a precipitação provoca o acréscimo de íons H+ originados por hidrólise da água no solo na presença de substâncias acidificantes, como o alumínio (LARCHER, 2000).

De acordo com Cunha (1985), ocorre uma maior riqueza de alguns nutrientes, tais como fósforo e potássio, entre outros, logo após o alagamento dos campos, fator relacionado a uma maior umidade do solo, favorecendo a liberação de nutrientes e também por adição, através da enchente, que propicia a deposição de minerais e sedimentos. Desta maneira, além da variação de pH, deve ocorrer uma oscilação no nível nutricional do solo da região.

As características físicas mostram um solo arenoso nos três pontos de coleta, com uma variação de 58% a 86% de areia e entre 4 e 20% de argila. A maior concentração de argila ocorre à 50-100 cm e menor à 10-20 cm de profundidade, enquanto a maior proporção de areia é encontrada entre 10-20 cm de profundidade. Já a concentração de silte ficou entre 8 e 22% (Tabela 1).

Estes pequenos valores encontrados na fração argila podem indicar problemas na retenção de nutrientes e água, pois é nessa fração de solo que normalmente eles ficam adsorvidos devido sua maior área superficial e maior capacidade de troca iônica (RICKLEFS, 2003). A grande concentração de areia implica uma dependência da inundação para a manutenção da fertilidade do solo, através da adição de nutrientes pelas águas do rio.

As diferenças encontradas em relação aos diferentes pontos de coleta podem indicar que o processo de deposição de elementos é condicionado por fatores como distância do rio ou presença de obstáculos, tais como depressões ou elevações na planície, que modificariam o padrão de deposição e concentração de nutrientes, matéria orgânica e partículas de solo nos vários locais da área.

3.2. Composição florística

O estrato herbáceo é composto por espécies de gramíneas e outras ervas, sendo a mais abundante na região de coleta o capim felpudo ou felpudão (Paspalum hydrophilum Henr.). A segunda espécie mais importante é o capim-rabo-de-lobo (Andropogon hypogynus Hack.). Também foram identificados o aguapé ou camalote (Pontederia cordata L.), Aniseia cernua Moric., camalotinho (Pontederia subovata (Seub.) Lowden), cebolinha (Eleocharis elegans (H. B. K.) Roem. e Schult.), chapéu-de-couro (Echinodorus grandiflorus (Cham. & Schltdl.) Micheli), cidreira-do-campo (Lippia alba (Mill.) N. E. Brown), erva-de-santa-luzia (Commelina nudiflora L.), espinheiro (Byttneria dentata Pohl), felpudinho (Leersia hexandra Sw.), Indigofera lespedezioides H. B. K., malva-do-brejo (Melochia simplex A. St. Hil.), margarida-do-brejo (Wedelia brachycarpa Baker), mercúrio (Sebastiania hispida (Mart.) Pax), milagroso (Pfaffia glomerata (Spreng.) Pedersen) e vassourinha (Borreria quadrifaria Cabral). A presença de algumas espécies consideradas aquáticas, como o aguapé, é justificada pela alta umidade que o solo apresenta após o período de inundação, o que possibilita sua sobrevivência por algumas semanas. Estas, juntamente com espécies anuais, constituem as espécies temporárias e sua ocorrência e importância depende da época de observação e coleta.

O estrato arbóreo dos paratudais é formado predominantemente por Tabebuia aurea, tendo sido amostradas 468 árvores desta espécie. Além desta, foram identificadas mais seis espécies, principalmente nas amostragens próximas a uma lagoa existente no local, totalizando 38 indivíduos: um ingá (Inga edulis Mart.), duas pimenteirinhas (Erythroxylum anguifugum Mart.), 31 piúvas-do-pantanal (Tabebuia heptaphylla (Vell.) Toledo), duas canjiqueiras (Byrsonima orbignyana A. Juss), comuns em campos alagáveis e duas maminhas-de-porca (Zanthoxylum hasslerianum (Chodat) Pirani), normalmente encontradas em cordilheiras e capões que sofrem pequeno alagamento, porém não comuns em áreas muito alagáveis, como a estudada (LORENZI, 1992).

O número expressivo de piúvas-do-pantanal encontrado no local é explicado por Pott e Pott (1994), que indicaram ser esta espécie muito comum em todo Pantanal, associada a rios e canais de drenagem, formando muitas vezes o chamado piuval as margens destes locais.

A densidade média observada para T. aurea foi de 363 árvores por hectare, com área basal média de 91,8 cm2. Foi percebida uma grande variação no número de indivíduos por quadro, existindo parcelas com nenhum indivíduo até com 32 indivíduos. Esta variação na densidade pode indicar ação antrópica, comum em áreas de paratudais, pelo pastoreio intensivo e queimadas (VALVERDE, 1972; POTT et al., 1989) usadas para limpeza de pastagem ou de ocorrência acidental. Estas ações condicionam o processo de crescimento, pois selecionam plantas e afetam o estabelecimento das mesmas. Também períodos de inundação mais intensos, em que a lâmina d'água cobre o solo por períodos e níveis maiores, podem levar a morte as plântulas, produzindo diferenças na estrutura e densidade.

Outra ação observada é a derrubada pura e simples dos paratudais para a implantação de pastagens exóticas, como por exemplo, de Brachiaria spp. ou ainda, a manutenção das árvores no local, porém com o gradeamento entre elas e posterior implantação de gramíneas. Esse procedimento elimina plântulas e árvores jovens, dificultando o processo de regeneração, o que levará ao desaparecimento da vegetação arbórea depois de alguns anos, quando o ciclo de vida das árvores adultas terminar e não ocorrer sua substituição por novas. Segundo Allem e Valls (1987), os criadores de gado do Pantanal de Miranda costumam incorporar este tipo de paisagem como pastagem cultivada, substituindo totalmente a vegetação nativa por gramíneas exóticas.

Cabe ressaltar que nem sempre a diferença no número de indivíduos por metro quadrado é resultado da ação antrópica. Mesmo em áreas mais protegidas (locais de difícil acesso), onde a ação humana é menos intensa, existe uma variação natural na densidade de T. aurea nos paratudais, com uma menor ou maior densidade de árvores mudando a classificação de savana arbórea aberta para savana arbórea densa (SILVA et al., 1998), fator provavelmente relacionado aos fatores edáficos e/ou hidrológicos.

3.3. Parâmetros estruturais de Tabebuia aurea

A correlação dos parâmetros diâmetro do caule e altura (Figura 2) indica que na área existe uma grande proporção de indivíduos jovens, que não atingiram altura e diâmetro máximo.


A maior altura observada foi de doze metros, atingida por apenas uma árvore, enquanto a média é de 6,7 (±1,2) m, com a maior parte concentrada entre 4 m e 9 m de altura. A limitação do crescimento em profundidade da raiz e a falta de competição por luz podem explicar o pequeno desvio padrão deste parâmetro, pois a luminosidade é constante para todas as árvores devido ao seu estabelecimento de forma isolada, não necessitando apresentar crescimento axial para alcançar o dossel como nas formações florestais. O pequeno número de árvores com altura maior de 10 m também indica que a pequena profundidade alcançada pelo sistema radicular é um fator que dificulta a presença de árvores de grande porte, mais suscetíveis a quedas devido a ventos fortes.

Em relação ao diâmetro do caule a altura do peito (DAP), a média é de 16,7(±7,3) cm, sendo que apenas uma árvore possui 60 cm de diâmetro e a maioria apresentando tronco entre 5 cm e 20 cm de diâmetro. O grande desvio padrão neste parâmetro indica diferença marcante em relação ao crescimento, talvez influenciado pela disponibilidade nutricional do solo, com maior crescimento em locais de maior oferta. A curva de crescimento ajustou-se a um modelo linear, indicando aumento contínuo, porém não acentuado do diâmetro do caule em relação ao crescimento em altura, significando que o aumento na espessura do caule pode não acompanhar linearmente o crescimento em altura. O valor obtido para o coeficiente de correlação (r = 0,55) indica também que a correlação entre ambos os parâmetros não é alta.

A relação entre diâmetro da copa e altura dos indivíduos (Figura 3) demonstra uma não linearidade. Ou seja, a partir de um determinado ponto a altura não sofre um aumento significativo enquanto o crescimento da copa em diâmetro continua ocorrendo. O valor obtido para o coeficiente de correlação (r = 0,50) indica que também existe baixa correlação entre o crescimento de ambos parâmetros, ou seja, o crescimento não é igual e cada um possui velocidade distinta em relação ao seu desenvolvimento. Esta relação apresenta similaridade com o crescimento do diâmetro do caule com altura (Figura 2).


A média da copa é de 3 (±1,2) m, com maior valor de 11 m e a maior parte dos indivíduos, entre 1 e 5 m. Por estes valores, também se percebe que existe uma concentração de indivíduos jovens, que ainda não atingiram seu porte máximo.

A observação da Figura 4 (diâmetro da copa x diâmetro do caule) indica, também, a existência de uma concentração de árvores com pequeno diâmetro de caule e de copa e, à medida que aumenta o valor destes parâmetros, diminui grandemente o número de indivíduos, também indicando uma concentração de árvores jovens e poucos indivíduos mais velhos. A maior parte destes não ultrapassa o diâmetro de 20 cm de caule e 5 m de copa. As poucas árvores de maior porte poderiam ser consideradas árvores-matrizes, responsáveis pela produção de sementes que colonizaram a área posteriormente. O coeficiente de correlação indica que existe uma correlação positiva (r = 0,72), com o crescimento entre copa e espessura do caule sendo mais similar que entre os demais parâmetros analisados, onde o crescimento da copa é acompanhado pelo aumento no diâmetro do caule enquanto que o crescimento em altura é limitado.


A presença de árvores com caule acima de 48 cm e copa menor que 5 m pode indicar quebra de galhos devido a períodos de ventos fortes, o que ocorre na região. Cadavid Garcia (1984) coloca que a média diária de vento em determinados períodos ultrapassa 80 Km/dia, valor facilmente ultrapassado durante tempestades.

3.4. Murundus

Uma peculiaridade dos paratudais é que parte uma parte dos indivíduos de T. aurea estão localizados em murundus, montículos de terra (50 a 180 cm de altura) com diâmetro alcançando até 200 cm, construídos por formigas e espalhados na planície de inundação. Os murundus também são encontrados em regiões de Cerrado, que sofrem processo de alagamento, podendo também ser chamados de capãozinho, covoal, covoá, cocuruto, morundu, murundum,morrote, monchão ou ilha, como citado por Eiten (1972), Araújo Neto et al. (1986), Oliveira-Filho e Furley (1990), Ribeiro e Walter (1998), entre outros, em que diversas espécies vegetais também podem se instalar.

Alguns autores, como Eiten (1972), Prance e Schaller (1982), Pott et al. (1989), entre outros, citam o paratudal como uma formação derivada dos murundus, ou seja, estes facilitariam o estabelecimento dos indivíduos de espécies arbóreas. A origem dos murundus ainda é controvertida, para autores, como Valverde (1972), Araújo Neto et al. (1986), Oliveira-Filho e Furley (1990) e Oliveira-Filho (1992), o processo de erosão hídrica diferencial seria o responsável pela formação dos murundus ou também o trabalho de cupins (Armitermes cerradoensis, Anoplotermes sp. e Cornitermes spp.), como citado por Oliveira-Filho e Furley (1990). Já Paula et al. (1995), em trabalho sobre a vegetação do Passo do Lontra, Pantanal de Miranda-MS, informam que os murundus são formados por formigas do gênero Campomanotus e colonizados, além de Tabebuia aurea, também por Alternanthera ficoides, Bytteneria elliptica, Byrsonima intermedia, Caperonia castaneifolia, Echinodorus paniculatus, Paullinia pinnata, Pffafia stenophylla e Vigna adenathera. Oliveira-Filho (1992), trabalhando com murundus na região de Cuiabá-MT, descreveu T. aurea como a 14º espécie mais abundante em murundus da região (entre 65 espécies encontradas), indicando que nem sempre T. aurea é dominante.

As observações na região estudada indicaram que o paratudo é a principal espécie que cresce sobre os murundus, porém sendo também encontrado fora dele, em grande quantidade. Essa espécie pode possuir taxa de germinação inicial de 86 % e quando as condições de umidade são adequadas, o estabelecimento das plântulas é rápido (OLIVEIRA et al., 2006). O crescimento sobre os murundus provavelmente seja um fator que permite a sobrevivência das plântulas em períodos de inundação, quando estes montículos protegem os indivíduos jovens da submersão.

Porém, quando a inundação é mais alta, a mesma recobre também estes montículos, podendo matar as plântulas. Se o período de cheia for curto e o nível de água baixo, a maior parte das plântulas pode sobreviver, crescer e servir como acumuladores de terra ao seu redor, durante os períodos de enchente, retendo parte das partículas no emaranhado que se forma na base de seu tronco (gramíneas e outras plantas que se entrelaçam na base do caule). A distribuição dos indivíduos, em algumas situações pode estar relacionada com os murundus, ou a relação pode ser inversa, com as formigas dependendo do paratudo para a sua manutenção, ou seja, as formigas que constroem alguns montículos só conseguem sobreviver à enchente se associadas aos indivíduos de Tabebuia aurea, em algum tipo de simbiose, como a citada por Valverde (1972).

3.5. Fatores influentes

O primeiro fator é o químico. Se levado em consideração o nível de cálcio e magnésio, o paratudal seria uma formação edáfica, na qual Tabebuia aurea é uma espécie calcícola. A baixa diversidade florística ocorreria devido à grande seletividade do ambiente edáfico (RIZZINI, 1997; PRANCE e SCHALLER, 1982). Rizzini (1997), Cunha (1985) e Silva e Scariot (2004) citam essa espécie como calcícola ou importante árvore de áreas com solos contendo altos níveis de cálcio e magnésio.

O segundo fator é o período de inundação, pois modificaria o pH do solo, dificultando a germinação e instalação das plântulas, e também poderia submergir a árvore jovem, matando-a. Apesar de alguns autores afirmarem que os murundus não são submersos pelas águas, na área de estudo isto pode acontecer, como indicam as marcas nos tronco da última cheia, bem acima dos montículos de terra.

O terceiro fator a ser considerado é a ação antrópica através das queimadas e do pastoreio. Queimadas constantes (anuais) impediriam que os paratudais aumentassem sua densidade e sua área de domínio, eliminando parte da vegetação, e o gado poderia eliminar as plântulas restantes.

4. CONCLUSÕES

O paratudal de algumas regiões do Pantanal de Miranda poderia ser o resultado do solo (fator edáfico), da inundação (fator hidrométrico) e/ou da ação antrópica, além de alguns casos, da associação com artrópodes que formam os murundus, nos quais Tabebuia aurea pode se estabelecer. Esta espécie deve apresentar mecanismos fisiológicos que lhe permitem sobreviver com níveis altos de Ca e Mg, enfrentar o estresse hídrico da inundação e de períodos de seca e mudanças no pH do solo.

5. AGRADECIMENTOS

À CAPES, pela bolsa concedida.

6. REFERÊNCIAS

Recebido em 20.02.2007 e aceito para publicação em 06.03.2009.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2009
  • Data do Fascículo
    Abr 2009

Histórico

  • Aceito
    06 Mar 2009
  • Recebido
    20 Fev 2007
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