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Extensão da assistência pré-natal ao parceiro como estratégia de aumento da adesão ao pré-natal e redução da transmissão vertical de infecções

Extension of prenatal care to the partners as a strategy to enhance adhesion to prenatal care and to reduce mother-to-child transmission of infections

EDITORIAL

Extensão da assistência pré-natal ao parceiro como estratégia de aumento da adesão ao pré-natal e redução da transmissão vertical de infecções

Extension of prenatal care to the partners as a strategy to enhance adhesion to prenatal care and to reduce mother-to-child transmission of infections

Geraldo Duarte

Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Avenida Bandeirantes, 3900 Departamento de Ginecologia e Obstetrícia Ribeirão Preto/SP – CEP 14049-900 Fone: (16) 3602-2588 – Fax: (16) 3633-0946 E-mail: gduarte@fmrp.usp.br

Por mais simplista que possa parecer a importância de estender e adaptar a assistência pré-natal ao parceiro da gestante, não existem contribuições expressivas ao tema na literatura indexada. Sobre o aspecto humanístico da atenção pré-natal estendida ao parceiro, a primeira abordagem fundamenta-se em seu oposto, na exclusão do parceiro da sala de consultas de pré-natal no serviço público. Sempre escudado na premissa de que o parceiro não quer participar do pré-natal da companheira, sua presença é, freqüentemente, desconsiderada de forma sumária. Dados obtidos junto aos parceiros de gestantes atendidas no Pré-Natal do Sistema Único de Saúde (SUS) em Ribeirão Preto apontaram aspectos importantes sobre o que eles pensavam sobre sua presença durante a consulta pré-natal. Uma parte deles afirmou não se interessar, mas outra parte significativa (94%) gostaria de participar, referindo intenso sentimento de frustração ao verem negado o legítimo direito a esta participação quando manifestam este desejo.

Curiosa também foi a observação dos motivos norteadores do "desinteresse", visto que 86% das situações foram agrupadas em: receio de não ser bem acolhido pela equipe de saúde, receio em não entender o que será orientado, medo de participar no momento do parto e não abono da falta em seu serviço. A situação realmente demanda atenção, pois todas as dificuldades apontadas são passíveis de controle. Observou-se que a motivação mais prevalente entre todas as respostas foi a de sentirem-se despreparados para estarem com suas parceiras no momento do parto, o que pode ser amenizado com orientações adequadas durante o pré-natal, proporcionando um acompanhante mais bem informado sobre os aspectos do parto. Sem dúvidas, isto será revertido em um parceiro com menor nível de estresse, mais motivado e cooperativo, aos moldes de experiências em outros países1.

Infelizmente, parte significativa dos profissionais que integram a equipe de atendimento pré-natal do SUS ainda desconhece que, na maioria das vezes, considerar o parceiro como parte ativa do processo de atenção pré-natal traz resultados definitivos na adesão da grávida ao pré-natal e às nossas orientações2,3. Além disso, o reconhecimento da parceria pela equipe de saúde reforça laços e compromissos da gestante e de seu parceiro, cujos resultados poderão4 impactar de forma positiva a melhoria dos padrões de saúde perinatal. Matematicamente, sem muito esforço, confirma-se também o benefício global para o sistema de saúde, os quais vão além do período gestacional, visto que a participação do parceiro nas visitas pré-natais relaciona-se com redução da freqüência de depressão materna e paterna relacionadas à gravidez e ao parto5. Seria bom lembrar que a presença do parceiro durante as visitas de pré-natal pode se transformar em uma ocasião ímpar de aprendizado para eles, muitos com elevada carga de ansiedade provocada pelo desconhecimento. Esta medida poderia evitar mais uma oportunidade perdida.

Havendo o entendimento geral de que a presença do parceiro na consulta pré-natal de sua companheira é indicada e desejável, automaticamente deveremos atentar para que este parceiro não seja prejudicado em seu trabalho, criando mecanismos para eventual abono de falta no serviço6. Havendo disposição dos obstetras pré-natalistas para incorporação desta nova modalidade de cuidado pré-natal ampliado, estará criado o ambiente para o envolvimento político da medida. Deve ser lembrado que qualquer ato médico inovador precisa, além de mostrar sua importância para a coletividade, convencer de forma objetiva as autoridades de mando na saúde de nosso país. Apoio político para a iniciativa do pré-natal acompanhado do parceiro será importante passo para sua implantação e para o seu sucesso. A partir deste apoio, o abono da falta do parceiro ao serviço para acompanhar sua parceira na consulta pré-natal passará a ter aspectos de legalidade e parte dos direitos de cidadão. Para esta primeira parte do ensaio, referente apenas à presença do parceiro na consulta pré-natal da gestante não haverá ônus para o sistema de saúde e, imagino, será bem-vinda politicamente.

No tocante à parte técnica da inclusão do parceiro na assistência pré-natal da gestante visando a redução da transmissão vertical das doenças sexualmente transmissíveis (DST), as primeiras dificuldades divisam a inclusão de mais um custo à diversidade de recursos necessários e dirigidos a este cuidado, entendidos como cronicamente insuficientes para atender à demanda das próprias gestantes6, a exemplo da limitação que temos para o diagnóstico da infecção materna pela Chlamydia trachomatis. Então, para incluí-lo neste tipo de atenção deve-se, primeiro, convencer de sua conveniência e importância e, secundariamente, priorizar em que se deve investir inicialmente. Neste panorama de custos e benefícios, o diagnóstico de algumas das DST do parceiro apresenta prioridade ímpar.

Um dos principais problemas que existe no controle das DST durante a gravidez é a abordagem do parceiro. Os problemas surgem com a notificação e continuam na tentativa de convencê-los da necessidade diagnóstica e de adesão ao tratamento. A notificação compulsória do parceiro de mulheres não grávidas é mais praticada nos países desenvolvidos, mas os resultados demonstram efetividade que não alcança padrões de excelência7,8. Na maioria dos países em desenvolvimento a notificação do parceiro tem se mostrado uma intervenção de elevado risco, trazendo, em seu contexto, problemas tão graves quanto a própria doença que se quer controlar. As tentativas de alguns países que quiseram instituir esta notificação ao parceiro recuaram após verem que as tentativas não resultaram em aumento da adesão e as gestantes se afastavam do cuidado médico em decorrência da pressão e medo de seus parceiros. Não existe nenhum país no mundo onde este tópico esteja resolvido de forma que possa ser considerada totalmente adequada. No Brasil, este tema é abordado constantemente em congressos e simpósios de Ginecologia e Obstetrícia, Doenças Infecciosas, DST e de Prevenção, além das inúmeras reuniões técnicas do Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde para tratar deste tema, sem nenhuma conclusão que seja ética, consensual e aplicável sem restrições. Com todos estes problemas já confirmados com a notificação do parceiro de mulheres não grávidas, não se espera que seja diferente para mulheres grávidas. Entretanto, a gravidez é uma situação que demanda intervenções objetivas do controle das DST, visto que o espectro da transmissão vertical está sempre presente e não há tempo nem espaço para falhas de manuseio.

Como visto, convocar um parceiro para aconselhamento e oferta de diagnóstico e tratamento é um tema que ainda está longe da convergência entre os profissionais da área de saúde e a sociedade civil organizada, com ásperas interfaces entre aspectos éticos, humanitários e sanitários9,10. Mesmo nos países industrializados, alguns autores ainda questionam se a convocação do parceiro seria uma medida que ajuda ou prejudica a paciente11. Se o parceiro tem adesão a esta intervenção, o resultado é adequado, conforme atestam alguns trabalhos12. No entanto, sem adesão, existe o risco de ruptura de relacionamentos e, em alguns casos, terminar em violência13,14. No caso de gestantes, se o parceiro fosse aconselhado para fazer os exames sorológicos de detecção dessas infecções na primeira consulta da gestante, esta situação estaria resolvida para aquelas doenças cujo diagnóstico sorológico já faz parte da rotina laboratorial do pré-natal, dentre eles o vírus da hepatite B (VHB), hepatite C (VHC), Treponema pallidum e vírus da imunodeficiência humana tipo 1 (HIV-1).

Estas doenças apresentam padrão de cronicidade (são assintomáticas, na maioria das vezes), para as quais o screening sorológico tem papel fundamental. Sem dúvidas, o número de exames para o parceiro pode ser ampliado ou reduzido, dependendo dos padrões adotados pelas diversas comunidades como padronizadas durante o pré-natal. Para as doenças sintomáticas na mulher (a exemplo da tricomoníase e da gonorréia), mas que não demandam diagnóstico no parceiro para que ele seja tratado, também será mais fácil convencê-lo da necessidade da terapia, visto que ele já está freqüentando o serviço. Por esta razão, imagina-se que o pré-natal conjunto gestante-parceiro seja uma alternativa ética, exeqüível e coerente, com elevado potencial de reduzir as taxas de transmissão vertical das infecções aqui abordadas. Deve ficar claro também que a adoção desta medida não exclui a possibilidade de, em alguns casos, ser necessária a convocação do parceiro, mas que esta seja consentida pela gestante.

Do ponto de vista prático, sabe-se que, para algumas dessas infecções, a re-exposição significa nova infecção potencial, mesmo que a paciente tenha sido tratada anteriormente, a exemplo da sífilis. Para outras, a exemplo da infecção pelo HIV-1, a re-exposição aumenta a carga viral sistêmica, principal marcador da TV deste vírus. Nos dois cenários, temos risco de aumento da transmissão vertical destes microrganismos. Resumindo, sabendo-se da saúde do parceiro na primeira consulta, intervenções profiláticas podem ser orientadas e instituídas, com certeza reduzindo o percentual de exposição a estes microrganismos e de TV. Sabe-se que a presença do parceiro aumenta a taxa de adesão da gestante aos testes sorológicos15 e ao uso de anti-retrovirais16. Sem dúvidas representará redução das oportunidades perdidas e de rupturas de relacionamentos conjugais13.

De forma geral, as formas agudas das infecções sexualmente transmitidas apresentam maiores percentuais de TV que as infecções crônicas. A exemplo da infecção pelo HIV-1, em mulheres sem cuidados profiláticos específicos estará exposta a um risco de TV deste vírus que oscila entre 20 a 25%, percentuais que são reduzidos na vigência de intervenções específicas, cujo envolvimento do parceiro tem se mostrado valioso na sua implementação6,16. No caso de infecção aguda durante a gestação, na mais otimista das projeções, este risco ultrapassa 50% dos casos. Piores resultados são relatados para neonatos de gestantes portadores do VHB sem cuidados imunoprofiláticos específicos. Nas portadoras crônicas a taxa de TV é de 8%, risco que atinge 80% nos casos de infecções agudas adquiridas no final da gravidez. Portanto, na primeira consulta do pré-natal, sabendo-se que o parceiro é portador de uma DST, cria-se a oportunidade ideal para a implementação de estratégias que evitam a infecção aguda materna, evitando a TV do microrganismo em questão. Esta talvez seja a mais forte indicação da pesquisa sorológica de DST entre os parceiros de nossas gestantes.

De forma objetiva, este ensaio é um convite à reflexão sobre caminhos ainda não trilhados para solucionar alguns dos problemas assistenciais que temos na abordagem de casais com infecções sexualmente transmitidas, principalmente nos países em desenvolvimento13,17. No seu contexto, além da possibilidade de se resolver a questão da convocação do parceiro da gestante portadora de DST, a extensão do cuidado pré-natal ao parceiro da gestante cria a possibilidade de evitar tanto a exposição (gestante não infectada) quanto a re-exposição (gestantes infectadas) a microrganismos com potencial de transmissão perinatal. Sob a perspectiva profilática, a relação custo/benefício é evidente, necessitando, evidentemente, de avaliações específicas para comprovação prática dessa premissa.

Referências

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Recebido: 02/04/2007

Aceito com modificações: 30/04/2007

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007
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