Acessibilidade / Reportar erro

Influência do índice de massa corpórea, porcentagem de gordura corporal e idade da menarca sobre a capacidade aeróbia (VO2 máx) de alunas do ensino fundamental

Influence of body mass index, body fat percentage and age at menarche on aerobic capacity (VO2 max) of elementary school female students

Resumos

OBJETIVO:

Identificar e relacionar a composição corporal, baseada na porcentagem de gordura corporal e o índice de massa corpórea (IMC), e a idade da menarca, com a capacidade aeróbia, utilizando-se os valores de VO2 máximo indireto, de estudantes do segundo ciclo do ensino fundamental.

MÉTODOS:

Foram avaliadas 197 meninas com média de idade de 13,0±1,2 anos, estudantes de duas escolas estaduais de Atibaia-SP. Para estimar a porcentagem de gordura corporal, foi realizada uma avaliação de dobras cutâneas utilizando-se o protocolo de Slaughter para meninas adolescentes. Já o índice de massa corpórea (IMC), medido em quilogramas por metro quadrado (kg/m2), seguiu as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Para a avaliação aeróbia, foi utilizado o teste de corrida proposto por Léger, determinando o volume de oxigênio máximo de forma indireta (VO2 máx). Para a análise estatística, foi utilizada a regressão linear de Pearson, o teste t de Student e a análise multivariada.

RESULTADOS:

22,3% das meninas apresentaram sobrepeso e 3,5% obesidade, de acordo com o IMC. Na amostra estudada, 140 (71,1%) adolescentes relataram a ocorrência de menarca. A média de idade da menarca foi de 12,0±1,0 anos. A média de idade de menarca para o grupo com IMC normal foi significativamente maior (12,2±0,9 anos) do que nas estudantes com sobrepeso ou obesidade (11,6±1,0 anos). A média do VO2 máx indireto foi de 39,6±3,7 mL/kg/min, variando de 30,3 a 50,5 mL/kg/min. O avanço da idade cronológica e a precocidade da menarca correlacionaram-se positivamente com os menores valores de VO2 máx.

CONCLUSÕES:

Meninas com maiores valores de IMC e percentual de gordura corporal apresentaram menores valores de VO2 máx. A precocidade da menarca e o avanço da idade cronológica foram os fatores mais importantes para a redução da capacidade aeróbia. A idade da menarca foi mais elevada em meninas com IMC adequado quando comparadas com as meninas com sobrepeso ou obesidade.

Menarca/fisiologia; Aptidão física; Tolerância ao exercício; Exercício; Composição corporal; Índice de massa corporal; Tecido adiposo; Criança


PURPOSE:

To identify and relate body fat percentage (skin fold measures), body mass index (BMI) and age at menarcheto aerobic capacity using the indirect VO2 maximum value (VO2 max) of girls in the second cycle of primary school.

METHODS:

A total of 197 girls aged 13.0±1.2 years on average, students from two public schools in the city of Atibaia in São Paulo, were evaluated. Anthropometric evaluation of skin folds was performed using the Slaughter protocol for teenage girls, and BMI (kg/m2) was based on "Z score" (graphic of percentile) according to WHO recommendations. The Léger protocol was used to determine VO2 max. Pearson linear regression and the Student t-test were used for statistical analysis.

RESULTS:

22.3% of the girls were overweight and 3.5% were obese according to the classification proposed by the WHO; 140 (71.1%) girls reported menarche. The average age at menarche was 12.0±1.0 years and was significantly higher in the group with normal BMI (12.2±0.9 years) than in the overweight or obese groups (11.6±1.0 years). The average indirect VO2 max value was 39.6±3.7 mL/kg/min, ranging from 30.3 to 50.5 mL/kg/min. The advance of chronological age and early age at menarche were positively correlated with lower VO2 max values.

CONCLUSIONS:

This study showed that 25.8% of the girls had aBMI value above WHO recommendations. Girls with higher BMI and higher body fat percentage had lower VO2 max. The earlier age at menarche and the advance of chronological age were the most important factors for the reduction of aerobic capacity. The ageat menarche was higher in girls with adequate BMI compared tooverweight or obese girls.

Menarche/physiology; Physical fitness; Exercise tolerance; Exercise; Body composition; Adipose tissue; Child


Introdução

A adolescência é uma fase vital na formação da identidade do ser humano. Trata-se de um evento que engloba aspectos físicos, sociais e emocionais.É nessa fase que ocorrem as modificações físicas e emocionais características da puberdade. Por sua vez, a menarca, ápice da maturação sexual, representa um importante acontecimento na vida da adolescente e é vista como um marco cultural e não somente um evento fisiológico.É uma fase de transformação física e social, marcada por conflitos internos e descobertas. Assim, a família e a escola desempenham papel fundamental na formação das jovens, tanto nas questões intelectuais e corporais como nas sociais e afetivas11. Marques MF, Vieira NF, Barroso MG. Adolescência no contexto da escola e da família - uma reflexão. Fam Saúde Desenvolv. 2003;5(2):141-6..

Fatores como a condição nutricional, a etnia e a classe social influenciam a chegada da primeira menstruação. Além disso, é nítida a redução da idade da menarca no decorrer das últimas décadas, associando-se esse fenômeno a fatores de risco para doenças físicas e emocionais22. Bralić I, Tahirović H, Matanić D, Vrdoljak O, Stojanović-Spehar S, Kovacić V, et al. Association of early menarche age and overweight/obesity. J Pediatr Endocrinol Metab. 2012;25(1-2):57-62.. O aumento da gordura corporal acima de limites adequados é uma das principais causas33. Kim JY, Oh IH, Lee EY, Oh CM, Choi KS, Choe BK, et al. The relation of menarcheal age to anthropometric profiles in Korean girls. J Korean Med Sci. 2010;25(10):1405-10.

4. Prentice P, Viner RM. Pubertal timing and adult obesity and cardiometabolic risk in women and men: a systematic review and meta-analysis. Int J Obes (Lond). 2012;37(8):1036-43.
- 55. Leitão RB, Rodrigues LP, Neves L, Carvalho GS. Development of adiposity, obesity and age at menarche: an 8-year follow-up study in Portuguese schoolgirls. Int J Adolesc Med Health. 2013;25(1):55-63..

Estudos realizados em escolas públicas e privadas no Brasil demonstram resultados preocupantes, alertando para os perigosos efeitos advindos da falta de exercício físico rotineiro e aumento do sedentarismo nas crianças e adolescentes, muito além da idade da menarca66. Giugliano R, Melo AL. Diagnosis of overweight and obesity in schoolchildren: utilization of the body mass index international standard. J Pediatr (Rio J). 2004;80(2):129-34. , 77. Bastos JP, Araujo CL, Hallal PC. Prevalence of insufficient physical activity and associated factors in Brazilian adolescents. J Phys Act Health. 2008;5(6):777-94..

Dessa maneira, fica evidente a importância da prática de exercícios físicos regulares durante a infância e a adolescência como prevenção de inúmeras doenças, principalmente as metabólicas88. Kelley GA, Kelley KS. Aerobic exercise and lipids and lipoproteins in children and adolescents: a meta-analysis of randomized controlled trials. Atherosclerosis. 2007;191(2):447-53.

9. McMurray RG, Bangdiwala SI, Harrell JS, Amorim LD. Adolescents with metabolic syndrome have a history of low aerobic fitness and physical activity levels. Dyn Med. 2008;7:5.
- 1010. Short KR, Blackett PR, Gardner AW, Copeland KC. Vascular health in children and adolescents: effects of obesity and diabetes. Vasc Health Risk Manag.2009;5:973-90.. Crianças e adolescentes que mantêm uma rotina saudável de exercícios físicos apresentam menor chance de adquirirem doenças endócrinas e cardiocirculatórias na fase adulta1111. Yang X, Telama R, Hirvensalo M, Mattsson N, Viikari JS, Raitakari OT. The longitudinal effects of physical activity history on metabolic syndrome. Med Sci Sports Exerc. 2008;40(8):1424-31..

Algumas características particulares do sexo feminino tornam os exercícios físicos, principalmente os de predominância do metabolismo aeróbio, especialmente interessantes. Esses exercícios, quando bem aplicados, são lipolíticos, atuando no controle de peso corporal, podendo então influenciar positivamente na idade ideal da menarca1212. Bratberg GH, Nilsen TI, Holmen TL, Vatten LJ. Early sexual maturation, central adiposity and subsequent overweight in late adolescence. A four-year follow-up of 1605 adolescent Norwegian boys and girls: the Young HUNT study. BMC Public Health. 2007;7:54..

Atualmente, o tecido adiposo é considerado um órgão endócrino, e não apenas um mero reservatório de energia para as atividades musculares. As células adiposas secretam a leptina, que é produto do gene ob (gene da obesidade) e acelera a chegada da função reprodutiva. Esse hormônio liga-se a receptores no eixo hipotalâmico-hipofisário, e estimula a secreção de GnRH (fator liberador de gonadotrofinas). O GnRH age nos ovários sinalizando a produção de estrogênios, acelerando o processo de maturação biológica1313. Jasik CB, Lustig RH. Adolescent obesity and puberty: the "perfect storm". Ann N Y Acad Sci. 2008;1135:265-79.

14. Kaplowitz PB. Link between body fat and the timing of puberty. Pediatrics. 2008;121 Suppl 3:S208-17.
- 1515. Karapanou O, Papadimitriou A. Determinants of menarche. Reprod Biol Endocrinol. 2010;8:115..

A menarca precoce também pode ser fator de risco para outras doenças como o câncer de mama1616. Ritte R, Lukanova A, Tjønneland A, Olsen A, Overvad K, Mesrine S, et al. Height, age at menarche and risk of hormone receptor-positive and -negative breast cancer: a cohort study. Int J Cancer. 2013;132(11):2619-29., diabetes1717. Davis CL, Pollock NK, Waller JL, Allison JD, Dennis BA, Bassali R, et al. Exercise dose and diabetes risk in overweight and obese children: a randomized controlled trial. JAMA. 2012;308(11):1103-12. , 1818. Stöckl D, Döring A, Peters A, Thorand B, Heier M, Huth C, et al. Age at menarche is associated with prediabetes and diabetes in women (aged 32-81 years) from the general population: the KORA F4 Study. Diabetologia. 2012;55(3):681-8., distúrbios alimentares, baixo rendimento escolar, sobrepeso, obesidade1919. Akter S, Jesmin S, Islam M, Sultana SN, Okazaki O, Hiroe M, et al. Association of age at menarche with metabolic syndrome and its components in rural Bangladeshi women. Nutr Metabol (Lond). 2012;9(1):99.

20. Al-Sahab B, Ardern CI, Hamadeh MJ, Tamim H. Age at menarche in Canada: results from the National Longitudinal Survey of Children & Youth. BMC Public Health. 2010;10:736.
- 2121. Bleil ME, Appelhans BM, Adler NE, Gregorich SE, Sternfeld B, Cedars MI. Pubertal timing, androgens, and obesity phenotypes in women at midlife. J Clin Endocrinol Metab.2012;97(10):E1948-52., síndrome de ovários policísticos2222. Zabuliene L, Tutkuviene J. [Body composition and polycystic ovary syndrome]. Medicina (Kaunas). 2010;46(2):142-57. Lithuanian., alterações emocionais e depressão2323. Deng F, Tao FB, Wan YH, Hao JH, Su PY, Cao YX. Early menarche and psychopathological symptoms in young Chinese women. J Womens Health (Larchmt). 2011;20(2):207-13..

Desde o início da década de 2000, as crianças e adolescentes vêm trocando as brincadeiras tradicionais por jogos eletrônicos, internet e maior tempo assistindo à televisão, aumentando o sedentarismo nessa faixa etária e consequentemente aumentando a prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes, tanto no Brasil como no exterior2424. Duarte MF. Maturação física: uma revisão da literatura, com especial atenção à criança brasileira. Cad Saúde Pública. 1993;9 Suppl. 1:71-84. , 2525. Carvalho WR, Farias ES, Guerra-Júnior G. A idade da menarca está diminuindo? Rev Paul Pediatr. 2007;25(1):76-81..

Estes fatos motivaram a realização deste estudo transversal, com o objetivo de correlacionar o índice de massa corpórea (IMC), a porcentagem de gordura e a idade da menarca com a capacidade aeróbia de meninas na transição da infância para a adolescência.

Métodos

Foram selecionadas 197 meninas com idade entre 10 e 16 anos, estudantes de duas escolas públicas estaduais do município de Atibaia - SP. Das 204 alunas matriculadas nas escolas, 7 foram excluídas, uma por restrição à atividade física atestada por médico, e seis por falta à escola nos dias de coleta de dados. As escolas envolvidas no estudo foram a EE Carlos José Ribeiro e a EE Major Juvenal Alvim, localizadas na região central da cidade. O critério de inclusão foi que as alunas deveriam estar regularmente matriculadas entre a 5a Série (6º Ano) e a 8a Série (9º Ano) do ensino fundamental e frequência regular nas aulas de educação física, ou seja, presença acima de 50% das aulas. Os critérios de exclusão foram: fumantes, gestantes ou restrições à prática de exercícios físicos, e o não comparecimento à escola nos dias de coleta de dados. O estudo foi aprovado pelo Comitê deÉtica em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, sob o nº. de registro CEP 0938/11. As meninas foram convidadas a participar do estudo por comunicação verbal e carta. Participaram da pesquisa as meninas que entregaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos pais ou responsáveis legais e o Termo de Assentimento ao Menor, assinado pela própria aluna.

A coleta de dados ocorreu na escola na qual a estudante estava matriculada, com a devida autorização da direção da unidade escolar, pertencentes à Diretoria Regional de Ensino de Bragança Paulista/SP. Decidiu-se pela não realização de avaliação da maturação sexual das meninas, pois a coleta dos dados antropométricos foi feita por profissionais de educação física, o que poderia causar algum constrangimento nas alunas. Desta forma, a idade da menarca representa o término da maturação sexual.

A avaliação antropométrica constou de mensuração da estatura e peso corporal, e da estimativa do percentual de gordura pelo método de dobras cutâneas. A estatura foi aferida utilizando-se um estadiômetro Compact tipo trena da marca Sanny ® com precisão de 0,1 cm. As meninas foram avaliadas utilizando roupas leves, descalças e posicionadas com a cabeça alinhada ao plano de Frankfurt. Para aferição do peso, foi utilizada uma balança digital Filizola®, com capacidade de 150 kg e precisão de 0,1 kg. Com esses dados, foi possível calcular o IMC utilizando o programa "AnthroPlus" recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Para determinar o percentual de gordura corporal foi utilizado um adipômetro Cescorf®. O protocolo escolhido foi o proposto por Slaughter et al.2626. Slaughter MH, Lohman TG, Boileau RA, Horswill CA, Stillman RJ, Van Loan MD, et al. Skinfold equations for estimation of body fatness in children and youth. Hum Biol. 1988;60(5):709-23., específico para meninas entre 7 e 17 anos, aferindo as dobras tricipital (TR) e subscapular (SB). As meninas foram avaliadas com roupas leves e em pé. As aferições foram realizadas do lado direito do corpo, com os braços junto ao corpo.

Para a somatória dos valores das dobras inferiores a 35mm, foi utilizada a seguinte fórmula: % Gordura = 1,33 (TR+SB) - 0,013 (TR+SB)2.Para somatória superior ou igual a 35mm, foi utilizada a fórmula: % Gordura = 0,546 (TR+SB) - 9,7.

Para a avaliação da capacidade aeróbica, foi determinado o volume de oxigênio máximo (VO2 máx) de forma indireta utilizando o protocolo proposto por Léger et al.2727. Léger LA, Mercier D, Gadoury C, Lambert J. The multistage 20 metre shuttle run test for aerobic fitness. J Sports Sci. 1988;6(2):93-101.. O teste é contínuo e consiste em corridas de vai e vem ritmadas por sinais sonoros, num intervalo de 20 metros. O teste termina quando a executante não consegue atingir a linha, dentro do tempo pré-estabelecido pelos sinais, por duas vezes consecutivas. Uma folha de controle individual foi utilizada para fazer a contagem de idas e voltas, distância percorrida e estágio (velocidade máxima atingida) em que o teste foi interrompido.

A idade da menarca foi determinada por meio de questionário escritoonde a avaliada respondia, juntamente com os pais, se já havia ocorrido sua primeira menstruação e, em caso positivo, em que mês e ano havia ocorrido.

A análise estatística foi feita utilizando o programa Minitab 16.1. Foram realizados os testes "t" de Student, para comparar a idade da menarca em meninas com obesidade e sobrepeso com as de baixo peso e normais. A análise de regressão e a correlação de Pearson foram utilizadas para relacionar idade com o VO2 máx e a porcentagem de gordura com o VO2 máx. Por fim, o teste de Anova, para determinar os fatores que influenciaram o VO2 máx. Os resultados significativos são marcados com asterisco. Foi utilizado intervalo de confiança de 95% (p≤0,05).

Resultados

Das 197 meninas participantes, 57 (28,9%) ainda não haviam passado pela menarca enquanto 140 (71,1%) relataram a sua ocorrência. A Tabela 1 apresenta os dados gerais da amostra.

Tabela 1
Informações epidemiológicas e clínicas da amostra

A idade da menarca variou entre 9,9 e 14,3 anos. O VO2 máx indireto variou entre 30,3 e 50,5 mL/kg/min. Ao se comparar o grupo de meninas que já menstruaram (140) com as que ainda não tiveram a menarca (57), uma diferença significativa do VO2 máx foi observada, respectivamente 38,8±3,6 e 41,6±3,5 (p=0,01).

Já o percentual de gordura, obtido pela análise das dobras cutâneas, mostrou acentuada variação entre 1 e 44,5%, para o protocolo específico utilizado. Como já era esperado, foi observada diferença significativa entre meninas que já menstruaram e as que ainda não tiveram a menarca, sendo as médias de porcentagem de gordura corporal de 18,0±8,6 e 13,4±9,2, respectivamente.

Considerando o IMC, verificou-se que 25,7% das meninas encontram-se classificadas na faixa de sobrepeso (22,3%) ou obesidade (3,5%) ou seja, acima dos valores adequados indicados pela OMS. 72.5% da amostra encontrava-se com IMC normal, e apenas 1,5% com baixo peso.

A média da idade da menarca no grupo de meninas com sobrepeso ou obesidadefoi de 11,6±1,0 anos. Já o grupo de meninas com peso adequado apresentou idade média de 12,2±0,9 anos (p=0,01).

Na análise de regressão multivariada, é possível notar quais das variáveis estudadas exercem maior influência sobre o VO2 máx quando consideradas em conjunto. Foram consideradas a idade cronológica, ocorrência ou não de menarca, porcentagem de gordura e IMC. Apenas a idade cronológica interfere significativamente no VO2 máx (p=0,01). Essa interferência se dá de forma inversamente proporcional, ou seja, quanto mais a idade avança, menores serão os valores de VO2 máx (R2=40,7%).

Na Tabela 2, é possível observar os resultados da análise multivariada considerando a idade da menarca. Foram avaliadas 140 meninas, pois 57 ainda não vivenciaram a menarca. Além da confirmação da influência inversamente proporcional da idade cronológica com o VO2 máx, existe uma relação significativa de forma direta da idade da menarca sobre o VO2 máx. Isso significa que quanto mais cedo a menina teve sua primeira menstruação, pior foi seu VO2 máx, e as meninas que tiveram menarca mais tarde apresentaram melhores valores dessa variável (R2=41,3%).

Tabela 2
Análise multivariada dos fatores que influenciam o VO2 máximo considerando a idade da menarca

A correlação de Pearson mostrou de maneira significativa que o avanço da idade cronológica diminui o VO2 máx (p=0,01)(r= -0,6). O VO2 máx também demonstrou valores mais baixos conforme o percentual de gordura aumentava (p=0,01)(r= -0,3). Quando comparados de maneira independente utilizando o teste t de Student, o VO2 máx foi significativamente diferente com relação à ocorrência ou não de menarca (p=0,01).

Também houve diferença significativa entre VO2 máx (em mL/kg/min) e classificação do IMC, onde foi utilizada a análise ANOVA. Essa variável foi comparada entre meninas com baixo peso (37,6±4,1), IMC adequado (40,2±3,5), sobrepeso (38,1±4,1) e obesidade (38,2±3,3). Utilizando o método de Tukey, que compara as variáveis entre si dentro da análise ANOVA, foi observada diferença significativa (p=0,01) entre o grupo com IMC adequado e sobrepeso.É interessante notar que o grupo de obesidade apresentou o mesmo resultado médio que o grupo sobrepeso; porém, a pequena quantidade de meninas neste grupo pode ter influenciado o resultado.

Assim, as variáveis, quando analisadas de maneira independente, são importantes influenciadoras de VO2 máx. No entanto, a análise multivariada coloca essas mesmas variáveis em ordem de importância, tornando mais completa a avaliação do resultado. Podemos concluir que, nesse caso, a idade cronológica e a idade da menarca são os fatores mais importantes na correlação com o VO2 máx.

Discussão

Um resultado importante apresentado nesse estudo é a quantidade de meninas com classificação de IMC acima do ponto de corte para sobrepeso, (percentil 85 do gráfico preconizado pela OMS).É possível notar que 25,8% das meninas da amostra encontram-se acima do peso. Isso indica que uma em cada quatro garotas apresenta sobrepeso ou obesidade. A média de idade da menarca dessas meninas foi de 11,6 anos, sendo significativamente mais baixo do que a média de idade das meninas com IMC dentro do padrão de normalidade, que foi de 12,2 anos. Acredita-se que a menarca ocorreu mais precoce no grupo de maior IMC devido a porcentagem de gordura corporal mais elevada.

No Brasil e no mundo, diversos estudos avaliaram a média de idade da menarca. Desde a década de 90, a idade média da menarca vem sendo investigada nas diversas regiões do Brasil. A menor média registrada foi de 10,9 anos em São Paulo. No entanto, até o ano de 2013, a maior parte dos estudos relatam média entre os 12 e 13 anos de idade2828. Castilho SD, Pinheiro CD, Bento CA, Barros-Filho AA, Cocetti M. [Secular trends in age at menarche in relation to body mass index]. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2012;56(3):195-200. Portuguese. , 2929. Silva RC, Malina RM. [Level of physical activity in adolescents from Niterói, Rio de Janeiro, Brazil]. Cad Saúde Pública. 2000;16(4):1091-7..

Observamos que o avanço da idade cronológica e a idade da menarca mais precoce interferem negativamente na capacidade aeróbia das meninas. No entanto, num recente estudo, foi demonstrado que meninas com sobrepeso entre 10 e 11 anos de idade apresentam valores de VO2 máx inferiores aos de meninas eutróficas da mesma idade. O estudo revela que o aumento do IMC é um fator importante na diminuição da capacidade aeróbia, porém, devido à faixa etária utilizada, não é possível relacionar com o avanço da idade cronológica e idade da menarca3030. Ferrari GL, Bracco MM, Matsudo VK, Fisberg M. Cardiorespiratory fitness and nutritional status of schoolchildren: 30-years evolution. J Pediatr (Rio J). 2013;89(4):366-73..

A diminuição dos valores de VO2 máximo em relação ao avanço da idade cronológica em meninas também foi demonstrado num estudo realizado com meninos e meninas, estudantes de escolas públicas e privadas da cidade de São Paulo3131. Cintra IP, Ferrari GL, Soares AC, Passos MA, Fisberg M, Vitalle MS. Body fat percentiles of Brazilian adolescents according to age and sexual maturation: a cross-sectional study. BMC Pediatr. 2013;13(1):96.. Esses resultados coincidem com os achados no presente estudo.

Quanto à idade da menarca, notamos uma importante diminuição dessa variável nas meninas com sobrepeso e obesidade em relação às que estão classificadas com baixo peso e IMC adequado. Num recente estudo realizado com o mesmo critério de classificação de IMC, foi encontrada media de idade da menarca de 12,1 anos. Além disso, encontraram diminuição da idade de menarca ao longo dos anos. No presente estudo, a média de idade da menarca em meninas eutróficas e de baixo peso foi de 12,3 anos, e nas meninas com obesidade e sobrepeso, foi de 11,6 anos, apresentando diferença estatística relevante2828. Castilho SD, Pinheiro CD, Bento CA, Barros-Filho AA, Cocetti M. [Secular trends in age at menarche in relation to body mass index]. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2012;56(3):195-200. Portuguese..

Assim, os resultados deste trabalho parecem estar, de maneira geral, de acordo com os achados atuais da literatura. Demonstra-se importante preocupação com os aspectos referentes à saúde de meninas adolescentes em escolas públicas, e julga-se necessário uma intervenção efetiva dentro do contexto escolar para minimizar esse problema. Os resultados aqui apresentados sugerem que é importante que a capacidade aeróbia seja estimulada nos anos iniciais do ensino fundamental, pois isso pode evitar precocidade da ocorrência de menarca. Além disso, meninas com melhores índices de VO2 máx apresentam, em média, menores valores de IMC e porcentagem de gordura corporal.

Não é possível, com esse estudo, associar outros fatores como hábitos alimentares e rotina de exercícios fora do ambiente escolar. No entanto, os dados permitem inferir que a falta de prática de exercícios físicos regulares pelas meninas, pode ser um fator importante no aumento do IMC e porcentagem de gordura e, em consequência disso, diminuição da idade da menarca.

Dentro desses princípios, um trabalho realizado com escolares identificou relação entre sedentarismo e tempo assistindo televisão. Foi identificado que as crianças e adolescentes com maior tempo diante da TV eram consequentemente menos ativas em termos de exercícios físicos e apresentaram maiores valores de gordura corporal3232. Tudor-Locke C, Craig CL, Cameron C, Griffiths JM. Canadian children's and youth's pedometer-determined steps/day, parent-reported TV watching time, and overweight/obesity: the CANPLAY Surveillance Study. Int J Behav Nutr Phys Act. 2011;8:66..

Sabe-se que ter uma boa condição aeróbia é fundamental para a prevenção de doenças metabólicas tanto no decorrer da juventude como na vida adulta. A falta de exercícios físicos pode fazer que as garotas ingressem na adolescência já com excesso de peso, o que não é desejável77. Bastos JP, Araujo CL, Hallal PC. Prevalence of insufficient physical activity and associated factors in Brazilian adolescents. J Phys Act Health. 2008;5(6):777-94., embora observado em um quarto da amostra estudada. Assim, manter uma rotina de exercícios que estimule o metabolismo aeróbio torna-se necessário não apenas nos anos do ensino fundamental II, mas também no ensino fundamental I. No entanto, não há no Brasil muitos estudos relacionando o VO2 máx de meninas com idade da menarca, sendo o objetivo príncipe deste trabalho.

Podemos concluir que, em meninas estudantes do ensino fundamental de escolas públicas do município de Atibaia em São Paulo, a capacidade aeróbia é menor em meninas com maior percentual de gordura e maiores valores de índice de massa corpórea. Por sua vez, a menarca em idades mais precoces e o avanço da idade cronológica são fatores importantes na redução da capacidade aeróbia, avaliada pelo VO2 máximo indireto. Por fim, a idade média de menarca foi maior nas meninas de IMC adequado quando comparadas com as meninas com sobrepeso ou obesidade.

Referências

  • 1
    Marques MF, Vieira NF, Barroso MG. Adolescência no contexto da escola e da família - uma reflexão. Fam Saúde Desenvolv. 2003;5(2):141-6.
  • 2
    Bralić I, Tahirović H, Matanić D, Vrdoljak O, Stojanović-Spehar S, Kovacić V, et al. Association of early menarche age and overweight/obesity. J Pediatr Endocrinol Metab. 2012;25(1-2):57-62.
  • 3
    Kim JY, Oh IH, Lee EY, Oh CM, Choi KS, Choe BK, et al. The relation of menarcheal age to anthropometric profiles in Korean girls. J Korean Med Sci. 2010;25(10):1405-10.
  • 4
    Prentice P, Viner RM. Pubertal timing and adult obesity and cardiometabolic risk in women and men: a systematic review and meta-analysis. Int J Obes (Lond). 2012;37(8):1036-43.
  • 5
    Leitão RB, Rodrigues LP, Neves L, Carvalho GS. Development of adiposity, obesity and age at menarche: an 8-year follow-up study in Portuguese schoolgirls. Int J Adolesc Med Health. 2013;25(1):55-63.
  • 6
    Giugliano R, Melo AL. Diagnosis of overweight and obesity in schoolchildren: utilization of the body mass index international standard. J Pediatr (Rio J). 2004;80(2):129-34.
  • 7
    Bastos JP, Araujo CL, Hallal PC. Prevalence of insufficient physical activity and associated factors in Brazilian adolescents. J Phys Act Health. 2008;5(6):777-94.
  • 8
    Kelley GA, Kelley KS. Aerobic exercise and lipids and lipoproteins in children and adolescents: a meta-analysis of randomized controlled trials. Atherosclerosis. 2007;191(2):447-53.
  • 9
    McMurray RG, Bangdiwala SI, Harrell JS, Amorim LD. Adolescents with metabolic syndrome have a history of low aerobic fitness and physical activity levels. Dyn Med. 2008;7:5.
  • 10
    Short KR, Blackett PR, Gardner AW, Copeland KC. Vascular health in children and adolescents: effects of obesity and diabetes. Vasc Health Risk Manag.2009;5:973-90.
  • 11
    Yang X, Telama R, Hirvensalo M, Mattsson N, Viikari JS, Raitakari OT. The longitudinal effects of physical activity history on metabolic syndrome. Med Sci Sports Exerc. 2008;40(8):1424-31.
  • 12
    Bratberg GH, Nilsen TI, Holmen TL, Vatten LJ. Early sexual maturation, central adiposity and subsequent overweight in late adolescence. A four-year follow-up of 1605 adolescent Norwegian boys and girls: the Young HUNT study. BMC Public Health. 2007;7:54.
  • 13
    Jasik CB, Lustig RH. Adolescent obesity and puberty: the "perfect storm". Ann N Y Acad Sci. 2008;1135:265-79.
  • 14
    Kaplowitz PB. Link between body fat and the timing of puberty. Pediatrics. 2008;121 Suppl 3:S208-17.
  • 15
    Karapanou O, Papadimitriou A. Determinants of menarche. Reprod Biol Endocrinol. 2010;8:115.
  • 16
    Ritte R, Lukanova A, Tjønneland A, Olsen A, Overvad K, Mesrine S, et al. Height, age at menarche and risk of hormone receptor-positive and -negative breast cancer: a cohort study. Int J Cancer. 2013;132(11):2619-29.
  • 17
    Davis CL, Pollock NK, Waller JL, Allison JD, Dennis BA, Bassali R, et al. Exercise dose and diabetes risk in overweight and obese children: a randomized controlled trial. JAMA. 2012;308(11):1103-12.
  • 18
    Stöckl D, Döring A, Peters A, Thorand B, Heier M, Huth C, et al. Age at menarche is associated with prediabetes and diabetes in women (aged 32-81 years) from the general population: the KORA F4 Study. Diabetologia. 2012;55(3):681-8.
  • 19
    Akter S, Jesmin S, Islam M, Sultana SN, Okazaki O, Hiroe M, et al. Association of age at menarche with metabolic syndrome and its components in rural Bangladeshi women. Nutr Metabol (Lond). 2012;9(1):99.
  • 20
    Al-Sahab B, Ardern CI, Hamadeh MJ, Tamim H. Age at menarche in Canada: results from the National Longitudinal Survey of Children & Youth. BMC Public Health. 2010;10:736.
  • 21
    Bleil ME, Appelhans BM, Adler NE, Gregorich SE, Sternfeld B, Cedars MI. Pubertal timing, androgens, and obesity phenotypes in women at midlife. J Clin Endocrinol Metab.2012;97(10):E1948-52.
  • 22
    Zabuliene L, Tutkuviene J. [Body composition and polycystic ovary syndrome]. Medicina (Kaunas). 2010;46(2):142-57. Lithuanian.
  • 23
    Deng F, Tao FB, Wan YH, Hao JH, Su PY, Cao YX. Early menarche and psychopathological symptoms in young Chinese women. J Womens Health (Larchmt). 2011;20(2):207-13.
  • 24
    Duarte MF. Maturação física: uma revisão da literatura, com especial atenção à criança brasileira. Cad Saúde Pública. 1993;9 Suppl. 1:71-84.
  • 25
    Carvalho WR, Farias ES, Guerra-Júnior G. A idade da menarca está diminuindo? Rev Paul Pediatr. 2007;25(1):76-81.
  • 26
    Slaughter MH, Lohman TG, Boileau RA, Horswill CA, Stillman RJ, Van Loan MD, et al. Skinfold equations for estimation of body fatness in children and youth. Hum Biol. 1988;60(5):709-23.
  • 27
    Léger LA, Mercier D, Gadoury C, Lambert J. The multistage 20 metre shuttle run test for aerobic fitness. J Sports Sci. 1988;6(2):93-101.
  • 28
    Castilho SD, Pinheiro CD, Bento CA, Barros-Filho AA, Cocetti M. [Secular trends in age at menarche in relation to body mass index]. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2012;56(3):195-200. Portuguese.
  • 29
    Silva RC, Malina RM. [Level of physical activity in adolescents from Niterói, Rio de Janeiro, Brazil]. Cad Saúde Pública. 2000;16(4):1091-7.
  • 30
    Ferrari GL, Bracco MM, Matsudo VK, Fisberg M. Cardiorespiratory fitness and nutritional status of schoolchildren: 30-years evolution. J Pediatr (Rio J). 2013;89(4):366-73.
  • 31
    Cintra IP, Ferrari GL, Soares AC, Passos MA, Fisberg M, Vitalle MS. Body fat percentiles of Brazilian adolescents according to age and sexual maturation: a cross-sectional study. BMC Pediatr. 2013;13(1):96.
  • 32
    Tudor-Locke C, Craig CL, Cameron C, Griffiths JM. Canadian children's and youth's pedometer-determined steps/day, parent-reported TV watching time, and overweight/obesity: the CANPLAY Surveillance Study. Int J Behav Nutr Phys Act. 2011;8:66.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2014

Histórico

  • Recebido
    01 Nov 2013
  • Aceito
    15 Jan 2014
Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br