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Problemas de saúde mental de crianças e adolescentes atendidos em um serviço público de psicologia infantil

Mental health problems of children and adolescents assisted by a public service of psychology directed to children

Problemas de salud mental de niños y adolescentes atendidos en un servicio público de sicología infantil

Resumos

O objetivo deste trabalho foi conhecer as características e queixas comportamentais e emocionais mais freqüentes da clientela atendida por um serviço público de Psicologia Infantil. A amostra foi composta por 129 crianças e adolescentes e os dados foram coletados nos prontuários dos pacientes, com o auxílio de uma ficha que continha, entre outros, itens sobre sexo, idade, escolaridade e queixa apresentada. Foram calculadas freqüências e porcentagens de ocorrência das queixas e feita a análise de significância das diferenças por sexo. As queixas mais relatadas foram: agressividade (32,6%), dificuldades de aprendizagem (30,2%), baixa tolerância à frustração e/ou dificuldade de controle de impulsos (24,8%) e desinteresse pela escola (19,4%). Houve diferenças significativas entre os sexos para as queixas de desinteresse pela escola, rebeldia/desobediência e comportamentos característicos de depressão/tentativa de suicídio. É necessário repensar as políticas de saúde mental, com especial atenção para o aumento de agressividade, depressão e dificuldades escolares.

saúde mental; criança; saúde pública


The objective of the present research was to investigate the characteristics and most frequent behavioral and emotional complaints of patients assisted by a public service of Psychology directed to Children. The participants involved in the study were 129 children or adolescents. Data were collected from medical records, by means of a medical form containing, among other issues, information about gender, age, education and main complaints. The frequencies and percentages of the referred complaints were figured out and, the significance analysis of differences was performed according to a gender division.. The most often complaints reported were: aggressiveness (32.6%), learning difficulties (30.2%), low tolerance to frustration and/or difficulty to control impulses (24.8%) and lack of interest in school subjects (19.4%). There were significant differences between genders, for complaints such as, lack of interest in school subjects, disobedience and behaviors typically associated to depression/suicide attempt. It is necessary to reconsider the mental health policies, paying special attention to the increase of aggressiveness, depression and difficulties regarding learning.

Mental health; child; public health


El objetivo de este trabajo fue conocer las características y quejas comportamentales y emocionales más frecuentes de pacientes atendidos en un servicio público de Sicología Infantil. La muestra fue compuesta de 129 niños y adolescentes y los datos fueron recogidos en las anamnesias de los pacientes, con el auxilio de una ficha que contenía, entre otros, ítemes sobre sexo, edad, escolaridad y queja presentada. Se calculó la frecuencia y porcentaje de ocurrencia de las lamentaciones y se hizo el análisis de significancia de las diferencias por sexo. Las quejas más relatadas fueron: agresividad (32,6%), dificultad de aprendizaje (30,2%), baja tolerancia a la frustración y/o dificultad de control de impulsos (24,8%) y desinterés por la escuela (19,4%). Hubo diferencias significativas entre los sexos para las quejas de desinterés por la escuela, rebeldía/desobediencia y comportamientos característicos de depresión/intento de suicidio. Es necesario repensar las políticas de salud mental, con especial atención al aumento de agresividad, depresión y dificultades escolares.

salud mental; niño; salud pública


DOSSIÊ - PSICOLOGIA E SAÚDE

Problemas de saúde mental de crianças e adolescentes atendidos em um serviço público de psicologia infantil

Mental health problems of children and adolescents assisted by a public service of psychology directed to children

Problemas de salud mental de niños y adolescentes atendidos en un servicio público de sicología infantil

Patricia Leila dos Santos

Doutora. Professora do Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Patricia Leila dos Santos. Depto. de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica, Prédio da Saúde Mental, Rua Ten. Catão Roxo, 2650, CEP 14051-140, Ribeirão Preto-SP. E-mail: plsantos@fmrp.usp.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi conhecer as características e queixas comportamentais e emocionais mais freqüentes da clientela atendida por um serviço público de Psicologia Infantil. A amostra foi composta por 129 crianças e adolescentes e os dados foram coletados nos prontuários dos pacientes, com o auxílio de uma ficha que continha, entre outros, itens sobre sexo, idade, escolaridade e queixa apresentada. Foram calculadas freqüências e porcentagens de ocorrência das queixas e feita a análise de significância das diferenças por sexo. As queixas mais relatadas foram: agressividade (32,6%), dificuldades de aprendizagem (30,2%), baixa tolerância à frustração e/ou dificuldade de controle de impulsos (24,8%) e desinteresse pela escola (19,4%). Houve diferenças significativas entre os sexos para as queixas de desinteresse pela escola, rebeldia/desobediência e comportamentos característicos de depressão/tentativa de suicídio. É necessário repensar as políticas de saúde mental, com especial atenção para o aumento de agressividade, depressão e dificuldades escolares.

Palavras-chave: saúde mental, criança, saúde pública.

ABSTRACT

The objective of the present research was to investigate the characteristics and most frequent behavioral and emotional complaints of patients assisted by a public service of Psychology directed to Children. The participants involved in the study were 129 children or adolescents. Data were collected from medical records, by means of a medical form containing, among other issues, information about gender, age, education and main complaints. The frequencies and percentages of the referred complaints were figured out and, the significance analysis of differences was performed according to a gender division.. The most often complaints reported were: aggressiveness (32.6%), learning difficulties (30.2%), low tolerance to frustration and/or difficulty to control impulses (24.8%) and lack of interest in school subjects (19.4%). There were significant differences between genders, for complaints such as, lack of interest in school subjects, disobedience and behaviors typically associated to depression/suicide attempt. It is necessary to reconsider the mental health policies, paying special attention to the increase of aggressiveness, depression and difficulties regarding learning.

Key words: Mental health, child, public health.

RESUMEN

El objetivo de este trabajo fue conocer las características y quejas comportamentales y emocionales más frecuentes de pacientes atendidos en un servicio público de Sicología Infantil. La muestra fue compuesta de 129 niños y adolescentes y los datos fueron recogidos en las anamnesias de los pacientes, con el auxilio de una ficha que contenía, entre otros, ítemes sobre sexo, edad, escolaridad y queja presentada. Se calculó la frecuencia y porcentaje de ocurrencia de las lamentaciones y se hizo el análisis de significancia de las diferencias por sexo. Las quejas más relatadas fueron: agresividad (32,6%), dificultad de aprendizaje (30,2%), baja tolerancia a la frustración y/o dificultad de control de impulsos (24,8%) y desinterés por la escuela (19,4%). Hubo diferencias significativas entre los sexos para las quejas de desinterés por la escuela, rebeldía/desobediencia y comportamientos característicos de depresión/intento de suicidio. Es necesario repensar las políticas de salud mental, con especial atención al aumento de agresividad, depresión y dificultades escolares.

Palabras-clave: salud mental, niño, salud pública.

A saúde mental infantil tem sido bastante negligenciada em nosso meio, tanto pelas políticas públicas quanto pelos estudiosos e profissionais da área.

Segundo relatório da Organização Mundial de Saúde, apresentado durante a Terceira Conferência Nacional de Saúde, 30% dos países não têm políticas de saúde mental e 90% não têm políticas de saúde mental que incluam crianças e adolescentes (Ministério da Saúde, 2005a).

No Brasil, o Ministério da Saúde não preconiza ações de Psicologia na atenção básica e também não tem uma proposta para saúde mental das crianças e adolescentes, exceto para transtornos mentais graves, através da implantação dos Centros de Atenção Psicossocial para a Infância e Adolescência (CAPSi) (Ministério da Saúde, 2005b).

Por vezes o termo saúde mental fica restrito ao atendimento psiquiátrico, desconsiderando-se sua abrangência e a contribuição de várias disciplinas no atendimento de crianças e adolescentes com problemas emocionais e comportamentais.

Estudos têm mostrado que grande parte da clientela que procura os serviços de saúde mental é composta por crianças e adolescentes, a maioria do sexo masculino, sendo a queixa de maior incidência o mau desempenho acadêmico, seguido de comportamento agressivo e desobediência em casa e na escola (Ancona-Lopez, 1981; Bernardes-da-Rosa, Garcia, Domingos & Silvares, 2000; Schoen-Ferreira, Silva, Farias & Silvares, 2002) .

Vale destacar que boa parte desses estudos tem sido realizada em clínicas e hospitais-escola, muitas vezes não integrados à rede de saúde ou ao SUS, representando um recorte da realidade.

Ainda que alguns trabalhos discutam que alta demanda infantil nos serviços de saúde mental seja conseqüência da falha das instituições onde as crianças e adolescentes estão inseridos (especialmente a família e a escola) ou dos serviços onde eles têm sido atendidos (Boarini & Borges, 1998; Cabral & Sawaya, 2001), há que se considerar que a literatura aponta que cerca de 10 a 20% das crianças apresentam problemas de saúde mental e necessitam de assistência especializada (Halpern & Figueiras, 2004).

Estudos epidemiológicos sobre transtornos psiquiátricos na infância e adolescência mostram que a grande maioria dos transtornos, observados separadamente, afetam pelo menos 1% da população infantil, exceto estresse pós-traumático, autismo e síndrome de La Tourette. Em alguns casos - como abuso de substâncias, transtornos de aprendizagem, transtorno de conduta, e transtornos de comunicação - a incidência passa de 10%, chegando a 30% nos dois últimos (Garfinkel, Carlson & Weller, 1992).

Buscando redirecionar modalidades de atendimento e atender de forma mais adequada às demandas da população, nas últimas décadas os serviços de saúde mental têm empenhado esforços para estudar sua clientela. Propõe-se que a caracterização da clientela seja fundamental para o redimensionamento das modalidades de atendimento oferecidas, bem como para fornecer informações aos profissionais sobre os reais problemas da população que busca o serviço, possibilitando a reflexão sobre a sua prática e contribuindo assim para o planejamento e organização dos serviços (Linhares, Parreira, Marturano & Sant'Anna, 1993; Romaro & Capitão, 2003).

Pensando neste contexto, o presente estudo foi realizado com o objetivo de caracterizar a clientela atendida por um serviço de Psicologia Infantil inserido na rede pública de saúde.

MÉTODO

O estudo foi realizado no Núcleo de Saúde Mental (NSM), unidade de saúde ligada ao Centro de Saúde Escola (CSE) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, que atende (além de adultos) crianças e adolescentes residentes na Região Oeste do Município de Ribeirão Preto.

No presente trabalho a amostra foi composta por todas as crianças e adolescentes atendidos no NSM pela psicóloga da Secretaria Municipal de Saúde1 1 O NSM atende apenas parte das crianças e adolescentes residentes na Região Oeste do Município de Ribeirão Preto que necessitam de atendimento da Psicologia (a região de abrangência da Psicologia Infantil possui aproximadamente 90.000 habitantes, segundo dados da Divisão de Planejamento da Secretaria Municipal de Saúde). , no ano de 2003.

A amostra total ficou composta por 129 sujeitos, com idades entre 2 e 17 anos, de ambos os sexos e diferentes níveis de escolaridade.

Os dados foram coletados a partir dos prontuários dos pacientes, utilizando-se uma ficha contendo itens para identificação dos sujeitos (exceto nome), queixa apresentada, tempo de tratamento, fonte de encaminhamento ou unidade de saúde responsável pelo encaminhamento do paciente e modalidade de atendimento psicológico oferecido.

Neste momento a análise de dados realizada abrangeu os dados relativos a sexo, idade, escolaridade e queixas relatadas pela mãe ou responsável na primeira consulta.

Todas as queixas ou motivos da procura do atendimento psicológico relatados pelas mães foram relacionados, mantendo-se a informação como ela estava registrada nos prontuários, e posteriormente foram agrupados em categorias para serem então analisados.

Por se tratar de um estudo descritivo, foram verificadas apenas as porcentagens de ocorrência, tendo-se avaliado as diferenças entre sexos e idades, aplicando-se análise de significância (X2 de Pearson ou Teste Exato de Fisher) para análise bivariada, através do SPSS 10.0 para Windows.

RESULTADOS

Na Tabela 1 pode-se observar a distribuição da amostra por sexo, faixa etária e escolaridade. Houve um predomínio de meninos (59,7%), de crianças com idades entre 6 e 11 anos (60,4%) e de alunos de 1ª a 4ª séries do 1º grau (46,5%).

Com relação às queixas apresentadas, a Tabela 2 mostra as queixas referidas pelas famílias, sendo que as de maior incidência (com ocorrência em mais de 10% da amostra) foram: agressividade, dificuldades de aprendizagem, baixa tolerância à frustração e/ou dificuldade de controle de impulsos, desinteresse pela escola, agitação, nervoso/irritável, dificuldade nos relacionamentos sociais e/ou familiares, rebeldia/desobediência, inibição/introversão e comportamentos característicos de depressão e/ou tentativa de suicídio.

Na Tabela 3 pode-se observar a distribuição das queixas por faixa etária, para aquelas queixas que ocorreram com uma incidência maior que 5%.

Nota-se que baixa tolerância à frustração/dificuldade de controle de impulsos, agitação, rebeldia/desobediência, insegurança/dependência, problemas de comportamento em geral, vitimização e dificuldade de controle de esfíncteres são problemas que só são relatados até 14 anos e dificuldade de fala foi referida apenas até 11 anos.

Por outro lado, comportamentos característicos de depressão/tentativa de suicídio e distração/desatenção são queixas que só aparecem para crianças de 6 anos ou mais e dificuldade de controle de esfíncteres aparece entre 6 e 14 anos.

Pode-se observar, ainda, que as queixas de maior ocorrência entre as crianças com idades de 2 a 5 anos foram agressividade e baixa tolerância à frustração/dificuldade de controle de impulsos; entre 6 e 8 anos, além dessas duas, também aparece a agitação. Nas faixas de 9 a 11 e 12 a 14 anos, as queixas de maior incidência foram agressividade, dificuldades de aprendizagem e desinteresse pela escola. Já nas idades de 15 a 17 anos a maior incidência foi de comportamentos característicos de depressão/tentativa de suicídio.

Nota-se que para a maioria das idades (entre 2 e 14 anos) a agressividade aparece como uma das queixas de maior incidência. Além disso, observa-se que baixa tolerância à frustração/dificuldade de controle de impulsos é uma das queixas de maior incidência dos 2 aos 8 anos, e dificuldades de aprendizagem e desinteresse pela escola, dos 9 aos 14 anos.

Na Tabela 4 são apresentados os dados referentes à distribuição das queixas por sexo, já com os resultados da análise de significância das diferenças. Observa-se que só ocorreram diferenças significativas (p<0,05) em relação a três queixas: desinteresse pela escola (predominando entre os meninos), rebeldia/desobediência e comportamentos característicos de depressão/tentativa de suicídio (os dois últimos predominando entre as meninas).

Pode-se observar também que as queixas de maior incidência entre os meninos foram: agressividade, dificuldades de aprendizagem, desinteresse pela escola, baixa tolerância à frustração/dificuldade de controle de impulsos, agitação e nervosismo/irritabilidade; enquanto para as meninas as queixas que ocorreram mais frequentemente foram: dificuldade de aprendizagem, baixa tolerância à frustração/dificuldade de controle de impulsos, agressividade, rebeldia/desobediência, nervosismo/irritabilidade e problemas nos relacionamentos sociais/ e familiares.

Com base na Tabela 5, destacando-se as queixas de maior incidência por séries freqüentadas, observa-se que entre as crianças de pré-escola, 1ª e 2ª séries predominam as queixas de agressividade (40%) e baixa tolerância à frustração/dificuldade de controle de impulsos (35,5%). Para os alunos de 3ª e 4ª séries da amostra predomina a queixa de dificuldade de aprendizagem, que atinge 50% deles, e para as crianças de 5ª e 6ª séries predomina o desinteresse pela escola (45,5%), seguido de dificuldade de aprendizagem (36,4%). Entre os alunos de 7ª e 8ª séries a queixa de maior incidência também foi dificuldade de aprendizagem (37,5%), seguida de agressividade (31,3%) e, entre os alunos do ensino médio da amostra, 44,4% apresentavam comportamentos característicos de depressão ou tinham tentado suicídio.

DISCUSSÃO

Embora a amostra do estudo tenha sido composta pelo total de crianças e adolescentes atendidos no serviço pesquisado, trata-se de um grupo pequeno, diante da extensa faixa etária estudada, que foi de 2 a 17 anos. Isto ressalta a precariedade de oferta de atendimento público em saúde mental para a população infanto-juvenil, em especial quando se observa, na situação estudada, a presença de um profissional para uma população de 90.000 habitantes.

Além disso, por basear-se nos relatos dos responsáveis, nota-se uma variedade de queixas, que podem estar ou não inter-relacionadas; no entanto, os registros na maioria das vezes não continham um diagnóstico baseado num sistema internacional de classificação diagnóstica, mas, habitualmente, uma descrição das características e dificuldades do paciente.

Apesar das limitações, este estudo mostra dados de um serviço de saúde pública interligado ao SUS, contribuindo assim para uma reflexão sobre as políticas de saúde mental na infância e adolescência, uma vez que a grande maioria das queixas apresentadas aparentemente não justificavam um atendimento psiquiátrico, nem a inserção do paciente em um CAPSi, mas indicavam a necessidade de aprofundar uma avaliação e de psicoterapia e/ou aconselhamento psicológico.

Na mesma direção de outros estudos, os resultados apontam para um maior número de meninos utilizando o serviço de Psicologia, predominando crianças com idades entre 6 e 11 anos (Alegria & cols., 2004; Ancona-Lopez, 1981; Bernardes-da-Rosa & cols., 2000).

No que se refere às queixas apresentadas, dificuldades de aprendizagem, diferentemente do que aponta a literatura, não se constituíram como a queixa de maior incidência, embora tenha perdido apenas para agressividade. Há que se considerar que a categoria agressividade envolveu tanto a forma física quanto a verbal quando a intenção da criança, descrita pelo responsável, era atacar, ofender ou ferir o outro. No estudo de Romaro e Capitão (2003), comportamento agressivo foi identificado em 6% das crianças e 6,9% dos adolescentes atendidos em uma clínica-escola de Psicologia, enquanto neste trabalho esta queixa foi relatada com uma freqüência três vezes maior.

Por outro lado, o resultado deste estudo assemelha-se ao de Graminha e Martins (1994), num estudo realizado também na cidade de Ribeirão Preto, em que as autoras encontraram uma incidência de 27% de crianças com queixas de agressividade.

A maior incidência de comportamento agressivo encontrada no presente trabalho pode ser devida a diferenças de clientelas e das características dos serviços estudados (clínica-escola e posto de saúde), como também pode refletir um aumento da agressividade entre crianças e adolescentes, uma vez que há uma diferença de nove anos entre os dois estudos.

Quanto às dificuldades de aprendizagem, os dados referentes a este item, associados à incidência observada de desinteresse pela escola, apontam para a necessidade de uma avaliação cuidadosa nestes casos para não centralizar nas crianças problemas que muitas vezes são da escola. A freqüência com que tais queixas aparecem, aliada à presença de outras queixas que podem prejudicar a aprendizagem escolar, como agitação, distração ou desatenção e problemas de comportamento associados à escola, aponta ainda para a necessidade e importância de estabelecer ações intersetoriais de atenção à saúde mental na infância e adolescência.

Chama a atenção, neste estudo, a incidência de comportamentos característicos de depressão e/ou tentativa de suicídio, que foi mais alta do que em outros trabalhos. Alegria e cols. (2004) encontraram 2,4% de crianças com depressão numa amostra da população de Porto Rico; Romaro e Capitão (2003) relataram 0,9% de casos entre as crianças e 3,9% entre os adolescentes e Graminha e Martins (1994) descreveram uma taxa de ocorrência de 7%.

Há que se considerar que nesta pesquisa foram agrupados comportamentos que são característicos de depressão, tais como choro freqüente e sentido, baixa auto-estima, sentimentos e pensamentos negativos e tristeza freqüente, com tentativas de suicídio, o que pode ter levado à superestimação deste dado.

Por outro lado, este resultado também pode indicar uma tendência ao aumento de depressão entre crianças e jovens, inclusive quando se nota a ocorrência de sintomas depressivos a partir de 6 anos de idade.

Observando-se os resultados por faixa etária, a ocorrência de dificuldade de fala entre 6 e 11 anos é preocupante, pois, além de interferir na aprendizagem, também pode interferir nos relacionamentos sociais e prejudicar a auto-estima destas crianças. Embora tenha aparecido em apenas 5,4% das crianças, esse problema já poderia ter sido resolvido nessas idades se tivesse sido tratado. Isto pode estar acontecendo por vários motivos; entre eles, o baixo número de fonoaudiólogos trabalhando nos serviços de saúde e a falta de informação de pais, professores e mesmo de profissionais de saúde sobre o desenvolvimento da fala e linguagem.

O mesmo pode estar ocorrendo para dificuldade de controle de esfíncteres, problema que foi relatado para crianças entre 6 e 14 anos.

Por outro lado, algumas queixas apresentadas pelos responsáveis, dependendo da freqüência e intensidade, podem ser considerados mais como um comportamento comum para crianças de determinada faixa etária do que como um problema propriamente dito. É o caso, por exemplo, da baixa tolerância à frustração/dificuldade de controle de impulsos, para crianças de 2 a 5 anos.

Quanto à procura de atendimento, ela foi maior para crianças entre 6 e 11 anos de idade, o que vai ao encontro de outros dados da literatura (Graminha & Martins,1993). É provável que até esta idade alguns problemas sejam vistos como "coisa de criança" e melhor tolerados pelos pais. Além disso, a busca de atendimento coincide com a entrada na escola e conseqüente aumento de exigências quanto à produção, comportamento e sociabilidade da criança. Também se deve considerar que dificuldade de aprendizagem, a segunda queixa mais freqüente, começa a ser percebida na maioria das vezes com o ingresso na 1ª série.

Embora tenham ocorrido poucas diferenças entre os sexos, nota-se que os meninos tendem a apresentar com maior freqüência problemas de externalização, que geram conflitos com o ambiente e, geralmente, são marcados por características de desafio, impulsividade, agressão, hiperatividade e desatenção, enquanto as meninas mostram mais problemas de internalização, relacionados a distúrbios pessoais, como ansiedade, retraimento, depressão e sentimentos de inferioridade.

Não obstante, chama a atenção a ocorrência significativamente maior de rebeldia e desobediência entre as meninas, uma vez que problemas de comportamento desafiador e oposicional são mais freqüentes em meninos (Canino & cols., 2004; Graminha & Martins, 1994).

Finalmente, os resultados observados nesta pesquisa alertam para a necessidade de se refletir sobre o que tem sido construído em termos de políticas públicas para a saúde mental na infância e adolescência, em especial porque muitas das condições identificadas podem representar um risco para a saúde mental futura e um aumento na demanda, já crescente, de atendimento psicológico e/ou psiquiátrico para adultos.

Questões como uma possível tendência ao aumento tanto da agressividade como da depressão necessitam ser melhor investigadas e sugerem também a importância de se estabelecerem ações intersetoriais, pois podem acarretar ou agravar problemas sociais e educacionais.

Além disso, as queixas escolares também são dignas de destaque. Os pesquisadores precisam reunir esforços entre os setores de saúde e educação, buscando uma compreensão melhor dos determinantes destes problemas e estabelecendo estratégias de ação para reverter este quadro. O papel das dificuldades escolares e de aprendizagem entre as psicopatologias da infância já é bastante conhecido, agora é preciso buscar formas de resolver a questão.

É imprescindível e urgente que autoridades e profissionais voltem o olhar para os problemas de saúde mental da infância e adolescência, inclusive buscando a promoção de saúde na vida adulta e a prevenção de psicopatologias que são mais graves e demandam um prazo maior de tratamento, o que se reflete em maior custo para a sociedade.

Recebido em 01/08/2005

Aceito em 23/09/2006

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  • Endereço para correspondência:

    Patricia Leila dos Santos. Depto. de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica, Prédio da Saúde Mental, Rua Ten. Catão Roxo, 2650, CEP 14051-140, Ribeirão Preto-SP.
    E-mail:
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    O NSM atende apenas parte das crianças e adolescentes residentes na Região Oeste do Município de Ribeirão Preto que necessitam de atendimento da Psicologia (a região de abrangência da Psicologia Infantil possui aproximadamente 90.000 habitantes, segundo dados da Divisão de Planejamento da Secretaria Municipal de Saúde).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Recebido
      01 Ago 2005
    • Aceito
      23 Set 2006
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