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Óxido nítrico e peptídeo atrial natriurético na predição de complicações da gestação

Nitric oxide and atrial natriuretic peptide in the prediction of pregnancy complications

Resumos

OBJETIVO: verificar a acurácia das dosagens séricas maternas do peptídeo atrial natriurético (ANP) e óxido nítrico (NO) para predição de complicações da gravidez. MÉTODOS: a casuística compreendeu 49 mulheres primigestas. As gestantes foram incluídas no estudo na 18ªsemana, momento em que foi coletada a amostra sangüínea para a realização das dosagens séricas. O ANP foi dosado pelo método de radioimunoensaio, utilizando kits Euro-dianostica (2000), considerando anormais valores superiores a 237,4 pg/mL (percentil 95). A dosagem do NO foi realizada pelo método de quimiluminescência, sendo considerados como anormais valores superiores a 17,8 µmol/L (percentil 95). Para análise estatística, utilizaram-se o teste t não pareado para a análise das variáveis quantitativas contínuas de distribuição normal; o teste de Mann-Whitney para amostras quantitativas não-paramétricas; o teste exato de Fisher na avaliação dos parâmentros qualitativos; e o teste de Pearson na avaliação das correlações. RESULTADOS: os dados não mostraram diferença significativa na concentração sérica do ANP, considerando o grupo que apresentou complicações gestacionais e/ou perinatais (média de 139,3±77,1 pg/mL) e o grupo controle (média de 119,6±47,0 pg/mlL), e nem na concentração sérica do NO, entre o grupo com complicações gestacionais e/ou perinatais (média de 11,1±4,6 µmol/L) e o grupo controle (média de 10,0±3,4 µmol/L). CONCLUSÕES: os resultados mostram que o ANP e o NO não foram bons indicadores de complicações da gestação.

Óxido nítrico; Fator natriurético atrial; Complicações na gravidez; Pré-eclâmpsia


PURPOSE: to verify the effectiveness of the maternal blood serum assays of the atrial natriuretic peptide (ANP) and nitric oxide (NO) to predict pregnancy complications. METHODS: the sample was made of 49 primigravidae women. They were included in the study at the 18th week of gestation, when blood sample was collected in order to analyze the serum assays. ANP was assayed by radioimmunoassay, using Euro-dianostica kits (2000), considering abnormal values over 237.4 pg/ml (95 percentil). NO level was evaluated by the chemiluminescence method, considering abnormal values over 17.8 mmol/l (percentil 95). For the statistical analysis of continuous quantitative variables with normal distribution, the unpaired t test was used; Mann-Whitney’s test was used for non parametrical quantitative samples; Fisher’s exact test, for the qualitative parameter assessment; and Pearson’s test for the assessment of correlations. RESULTS: there was no significant difference in the blood serum concentration of ANP between the group that presented complications during pregnancy and/or peridelivery (139.3±77.1 pg/ml) and the control group (119.6±47.0 pg/ml), nor in the serum concentration of NO, either, among the ones with complications in the pregnancy and/or in the peridelivery (11.1±4,6 mmol/l) and the control group (10.0±3.4 mmol/l). CONCLUSIONS: the results show that ANP and NO serum levels are not good predictors of pregnancy complications.

Nitric oxide; Atrial natriuretic factor; Pregnancy complications; Pre-eclampsia


ARTIGOS ORIGINAIS

Óxido nítrico e peptídeo atrial natriurético na predição de complicações da gestação

Nitric oxide and atrial natriuretic peptide in the prediction of pregnancy complications

Fabrício da Silva CostaI; Sérgio Pereira da CunhaII; Franscisco Cândido dos ReisIII; José Antunes RodriguesIV; Rebeca Silveira RochaV

IProfessor Adjunto da Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará – UECE Fortaleza (CE), Brasil; Serviço de Obstetrícia do Hospital Geral de Fortaleza – HGF – Fortaleza (CE), Brasil

IIProfessor Titular do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil

IIIProfessor Associado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil

IVProfessor Titular do Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil

VAcadêmica do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Ceará – UECE – Fortaleza (CE), Brasil; Bolsista de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico – CNPq

Correspondência Correspondência: Fabrício da Silva Costa Rua Eunice Weaver, 210, casa 13 – Edson Queiroz CEP 60834-540 – Fortaleza/CE Fone/Fax (85) 3101-9924 E-mail: fabriciouece@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: verificar a acurácia das dosagens séricas maternas do peptídeo atrial natriurético (ANP) e óxido nítrico (NO) para predição de complicações da gravidez.

MÉTODOS: a casuística compreendeu 49 mulheres primigestas. As gestantes foram incluídas no estudo na 18ªsemana, momento em que foi coletada a amostra sangüínea para a realização das dosagens séricas. O ANP foi dosado pelo método de radioimunoensaio, utilizando kits Euro-dianostica (2000), considerando anormais valores superiores a 237,4 pg/mL (percentil 95). A dosagem do NO foi realizada pelo método de quimiluminescência, sendo considerados como anormais valores superiores a 17,8 µmol/L (percentil 95). Para análise estatística, utilizaram-se o teste t não pareado para a análise das variáveis quantitativas contínuas de distribuição normal; o teste de Mann-Whitney para amostras quantitativas não-paramétricas; o teste exato de Fisher na avaliação dos parâmentros qualitativos; e o teste de Pearson na avaliação das correlações.

RESULTADOS: os dados não mostraram diferença significativa na concentração sérica do ANP, considerando o grupo que apresentou complicações gestacionais e/ou perinatais (média de 139,3±77,1 pg/mL) e o grupo controle (média de 119,6±47,0 pg/mlL), e nem na concentração sérica do NO, entre o grupo com complicações gestacionais e/ou perinatais (média de 11,1±4,6 µmol/L) e o grupo controle (média de 10,0±3,4 µmol/L).

CONCLUSÕES: os resultados mostram que o ANP e o NO não foram bons indicadores de complicações da gestação.

Palavras-chaves: Óxido nítrico; Fator natriurético atrial; Complicações na gravidez/diagnóstico; Pré-eclâmpsia

ABSTRACT

PURPOSE: to verify the effectiveness of the maternal blood serum assays of the atrial natriuretic peptide (ANP) and nitric oxide (NO) to predict pregnancy complications.

METHODS: the sample was made of 49 primigravidae women. They were included in the study at the 18th week of gestation, when blood sample was collected in order to analyze the serum assays. ANP was assayed by radioimmunoassay, using Euro-dianostica kits (2000), considering abnormal values over 237.4 pg/ml (95 percentil). NO level was evaluated by the chemiluminescence method, considering abnormal values over 17.8 mmol/l (percentil 95). For the statistical analysis of continuous quantitative variables with normal distribution, the unpaired t test was used; Mann-Whitney’s test was used for non parametrical quantitative samples; Fisher’s exact test, for the qualitative parameter assessment; and Pearson’s test for the assessment of correlations.

RESULTS: there was no significant difference in the blood serum concentration of ANP between the group that presented complications during pregnancy and/or peridelivery (139.3±77.1 pg/ml) and the control group (119.6±47.0 pg/ml), nor in the serum concentration of NO, either, among the ones with complications in the pregnancy and/or in the peridelivery (11.1±4,6 mmol/l) and the control group (10.0±3.4 mmol/l).

CONCLUSIONS: the results show that ANP and NO serum levels are not good predictors of pregnancy complications.

Keywords: Nitric oxide; Atrial natriuretic factor; Pregnancy complications/diagnosis; Pre-eclampsia

Introdução

Durante as últimas três décadas, numerosos testes clínicos, biofísicos e bioquímicos foram propostos para a detecção precoce de vários distúrbios gestacionais, sendo o principal deles a pré-eclâmpsia. Os dados publicados mostram grande discordância na sensibilidade e no valor preditivo de vários desses testes, não existindo ainda um teste ideal para ser utilizado no rastreamento das principais complicações gestacionais e perinatais1.

Desordens hipertensivas constituem causas únicas do aumento da mortalidade e morbidade perinatais. Na América Latina, 25,7% das mortes maternas e 18% dos óbitos fetais podem acontecer em decorrência dessas desordens. Coagulopatias e defi ciência renal são exemplos de complicações maternas conseqüentes às desordens hipertensivas. Para o recém-nascido, estas complicações incluem o nascimento pré-termo e o crescimento intrauterino restrito, que estão associados ao aumento do risco de retardo do desenvolvimento e doenças crônicas na infância. Uma vasta quantidade dessas complicações está relacionada à pré-eclâmpsia2.

A grande maioria dos estudos atuais que procuram marcadores para as complicações gestacionais e perinatais, relacionadas a alterações na invasão trofoblástica, mostram tendência em se identifi car um marcador único3. A etiologia da pré-eclâmpsia permanece desconhecida. Acredita-se que há uma combinação de fatores genéticos, imunológicos e ambientais que determinam defeito na invasão trofoblástica das arteríolas espiraladas, o que causa redução na pressão de perfusão uteroplacentária, com conseqüente isquemia placentária, liberando fatores que determinam a disfunção endotelial, com aumento da resistência vascular4. Estes fatores tornam praticamente inatingível a descoberta de um bom marcador único.

A mais lógica abordagem, para a obtenção de um teste preditivo ideal, deve ser a avaliação conjunta de vários potenciais preditores que refl itam diferentes aspectos das complicações relacionadas à inadequada invasão trofoblástica e, assim, tornem possível a escolha da combinação de testes mais adequados.

O peptídeo atrial natriurético (ANP) é um hormônio sintetizado principalmente por cardiomiócitos, cuja secreção é estimulada pela expansão do volume sangüíneo e aumento da osmolaridade do plasma. Desencadeia ações sobre o sistema circulatório como hipotensão, diurese, inibição da liberação e ação de vários hormônios, incluindo a aldosterona, angiotensina II, endotelinas, renina e vasopressina. A hipótese de que níveis séricos do ANP estejam aumentados na gestação humana normal, um estado de expansão fi siológica do volume plasmático, é considerada controversa; porém, acredita-se que suas ações biológicas, particularmente seu efeito natriurético e vasodilatador, sejam responsáveis por uma importante participação na regulação da pressão sangüínea5.

O óxido nítrico (NO) é uma substância vasoativa produzida principalmente pelas células endoteliais e é um vasoprotetor, atuando na manutenção do tônus vascular, na regulação da pressão sangüínea, prevenção da agregação plaquetária, inibição da adesão de monócitos e neutrófi los ao endotélio vascular, efeito antiproliferativo e antioxidativo6. Durante a gestação, o NO contribui para a vasodilatação sistêmica materna, regula o fluxo sangüíneo uterino e feto-placentário e está envolvido na quiescência uterina prévia à parturição. Sua biossíntese aumenta em ratas e ovelhas grávidas, mas seu status na gestação humana normal e na pré-eclâmpsia ainda é controverso7.

Existem ainda outros métodos considerados como possíveis preditores de complicações gestacionais. Sendo assim, com o objetivo de investigar o valor potencial na predição da pré-eclâmpsia, autores testaram a combinação da doplervelocimetria das artérias uterinas com a concenração sérica materna da proteína A plasmática, bhCG, actina A e inibina A em gestantes com idade gestacional entre 22 e 24 semanas e seis dias de gestação. A amostra constituiu-se de 24 gestantes que desenvolveram préeclâmpsia e 144 gestações normais. Observou-se que é bastante efi caz a associação destes métodos8.

Outro estudo, com o mesmo objetivo, avaliou apenas a combinação dos níveis séricos maternos de inibina A com o dopler no segundo trimestre gestacional. Foram selecionadas 689 gestantes, sendo que 35 desenvolveram pré-eclâmpsia. Concluíram que esta combinação aperfeiçoa a triagem para a predição de pré-eclâmpsia, principalmente quando é necessário o nascimento prematuro9.

Buscando determinar se a concentração do receptor 1 do fator de crescimento endotelial vascular do plasma de pacientes com pré-eclâmpsia pode prevenir as manifestações clínicas da doença, estudiosos realizaram um estudo de caso-controle longitudinal com 44 gestantes normais e 44 com pré-eclâmpsia. Esta concentração plasmática é realmente elevada na pré-eclâmpsia e auxilia no diagnóstico clínico da doença. Esta elevação acontece em seis a dez semanas antes do início das manifestações clínicas da doença e aumenta progressivamente até a apresentação clínica. Além disso, sua concentração é mais elevada antes da manifestação clínica da pré-eclâmpsia do que depois que ela se manifesta10.

O objetivo do nosso estudo é verifi car a efi cácia das dosagens séricas maternas do ANP e NO na predição de complicações da gravidez.

Métodos

Trata-se de um estudo de coorte de caráter prospectivo. A casuística deste estudo compreendeu 49 mulheres na sua primeira gestação, sem doenças crônicas, gestacionais ou ginecológicas, atendidas no Ambulatório de Pré-Natal do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da Universidade de São Paulo (USP) ou na rede pública municipal de Ribeirão Preto (SP), e encaminhadas para a pesquisa. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCFMRP-USP. Os exames foram realizados após explicação prévia à paciente e a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

As gestantes foram incluídas no estudo na 18ªsemana, momento em que foi coletada a amostra sangüínea para a realização das dosagens séricas. Nos períodos entre 24-26, 28-30 e 34-36 semanas de gestação foram avaliadas com exame ultra-sonográfico realizado pelo pesquisador e orientadas sobre a realização dos partos no Centro Obstétrico do HCFMRP – USP. As mulheres mantiveram o acompanhamento pré-natal nas unidades de origem até o final da gravidez. Foi oferecida a realização de exames extras ao protocolo nos casos de intercorrências ou por solicitação do pré-natalista. Nos casos de complicações da gestação, as pacientes foram encaminhadas para seguimento no Ambulatório de Gestação de Alto Risco do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do HCFMRP – USP.

Os critérios de exclusão do estudo foram a existência de doenças crônicas, gestacionais ou ginecológicas, o uso crônico de medicações, tabagismo, gestação múltipla, presença de malformações fetais, abortamento, não comparecimento aos retornos agendados e partos realizados em outros hospitais. No decorrer da pesquisa, ocorreram quatro perdas: dois casos devido à falta aos retornos agendados e dois casos pela realização dos partos em outros hospitais.

No momento da inclusão da paciente no estudo, na 18a semana da gravidez, após repouso de 30 minutos na posição sentada, foram colhidos 15 mL de sangue, por punção venosa periférica, utilizando seringa de 20 mL (sem heparina). As amostras foram colocadas em tubos plásticos, resfriados em banho de gelo, contendo (por mL de sangue) EDTA – 1 mg, 10 µL Pepstatina A – 500 µM e 10 µL PMSF (fenilmetilsulfonilfluorido) – 10–3 M. A separação do sangue foi efetuada em centrífuga refrigerada ajustada para 3000 rpm por 20 minutos. O sobrenadante (plasma) foi acondicionado em tubo plástico e armazenado a -70ºC.

O ANP foi extraído, previamente à dosagem, utili-zando-se colunas de extração SepPak C-18 (Waters, Cat Wat 020515). As colunas foram ativadas por lavagem com 8 a 10 mL de acetonitrila, seguido por 8 a 10 mL de acetato de amônio 0,2% (pH=4,0). As amostras de plasma (500 µL) foram aplicadas e reaplicadas às colunas de SepPak ativadas. A seguir, as colunas foram lavadas com 5 mL de acetato de amônio 0,2% (pH=4,0). O ANP adsorvido foi eluído com 3 ml de solução de 60% de acetonitrila/40% de acetato de amônio 0,2% (pH=4,0). Os extratos obtidos foram colocados em uma centrífuga a vácuo por 12 a 18 horas para o processo de secagem (liofilização). O liofilizado obtido foi armazenado a -70ºC até o momento do ensaio. As dosagens foram realizadas pelo método de radioimunoensaio, utilizando kits Eurodianostica (2000), manufaturados pelo laboratório Alpco (American Laboratory Products Company, Windham, NH 03087). O ensaio foi realizado no Laboratório de Neurofisiologia do Departamento de Fisiologia da FMRP – USP. Foram considerados como anormais na dosagem do ANP valores superiores a 237,4 pg/mL, que correspondem ao percentil 95 da presente amostra.

A dosagem do NO foi realizada pelo método de quimiluminescência. A emissão do dióxido de hidrogênio, eletronicamente excitado no espectro vermelho ou próxima da região do infra-vermelho, é detectada por meio de um tubo fotomultiplicador, termoeletricamente resfriado. As medidas foram realizadas por meio de um analisador de óxido nítrico (NOA modelo 280, Sievers Instruments), que é um detector altamente sensível para a medida do NO, baseado na reação de quimiluminescência gás-fase entre o NO e o ozônio. Foram considerados como anormais na dosagem do NO valores superiores a 17,8 µmol/L, que correspondem ao percentil 95 da presente amostra.

Os partos foram realizados no Centro Obstétrico do HCFMRP-USP. Os recém-nascidos foram recepcionados e acompanhados pela equipe do Departamento de Pediatria e Puericultura do mesmo hospital. Foram consideradas complicações da gestação o surgimento de pré-eclâmpsia, o descolamento prematuro da placenta normalmente inserida (DPPNI) e o parto pré-termo (PPT). O diagnóstico de pré-eclâmpsia se baseou no aumento da pressão arterial (PA) >140/90 mmHg, mantida após repouso de seis horas, associado a proteinúria >0,3 g em 24 horas10. Foram consideradas complicações perinatais a centralização cerebral do fluxo sangüíneo fetal, presença de mecônio espesso no líquido amniótico no momento do nascimento e os recém-nascidos pequenos para a idade gestacional. Consideraram-se recém-nascidos pequenos para a idade gestacional aqueles que apresentaram peso ao nascimento abaixo do percentil dez na curva de crescimento, estabelecida para a nossa população11.

Para análise estatística utilizaram-se o teste t não pareado para a análise das variáveis quantitativas contínuas de distribuição normal, o teste de Mann-Whitney para amostras quantitativas não-paramétricas, o teste exato de Fisher na avaliação dos parâmentros qualitativos e o teste de Pearson na avaliação das correlações.

Os pontos de corte das concentrações séricas foram obtidos a partir da construção de curvas ROC (receive operating characteristic curve)12. Ainda, os valores de sensibilidade, especifi cidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo foram calculados por meio dos valores do percentil 95 do ANP e NO. A análise multivariada, através da regressão logística múltipla, foi utilizada para a avaliação de todos os marcadores em conjunto.

Resultados

Foram avaliadas 45 gestantes no decorrer do estudo e suas características epidemiológicas e resultados das gestações estão descritos na Tabela 1. Não houve diferença signifi cativa entre a média de idade de gestantes normais (21,7 anos) e complicadas (21,5 anos). Observou-se variação do peso materno na 18ª semana, com média de 57,4 kg nas gestações normais e 67,4 kg nas complicadas. Quanto ao tipo de parto, a grande maioria (90%) das gestantes normais tiveram parto vaginal e apenas 50% das gestantes complicadas realizaram o mesmo tipo de parto. Considerando o peso ao nascimento, recém-nascidos de mães com gestações normais tiveram uma média de 3261 g, enquanto que os de mães com gestações complicadas pesaram 2859 g em média.

Foram consideradas complicações da gestação o surgimento de pré-eclâmpsia, o DPPNI e o PPT. O diagnóstico de pré-eclâmpsia se baseou no aumento da PA >140/90 mmHg, mantido após repouso de seis horas, associado a proteinúria >0,3 g em 24 horas10. A maior parte das complicações apresentadas foram casos de pré-eclâmpsia (quatro casos em 12), representando 33,3% das gestações complicadas. A Tabela 2 lista os 12 casos que apresentaram complicações durante a gestação e/ou no período perinatal.

Todas as complicações observadas fazem parte do espectro de alterações relacionadas à má-adaptação placentária. Não foi observado nenhum caso de DPPNI.

As Figuras 1 e 2 mostram a distribuição das dosagens do ANP e NO nas pacientes normais e com complicações obstétricas e/ou perinatais. Não houve diferença importante na concentração sérica do ANP em gestações complicadas (média de 139,3±77,1 pg/ml) e normais (média de 119,6±47,0 pg/mL). O mesmo acontece com a concentração sérica do NO, já que em gestações complicadas os níveis foram de 11,1±4,6 µmol/L em média e em gestações normais foram de 10,0±3,4 µmol/L em média.



Discussão

A pré-eclâmpsia grave está realcionada a péssimo prognóstico materno e fetal. Conceptos de mães com préeclâmpsia têm maiores riscos de prematuridade, ocorrência de partos de fetos pequenos para idade gestacional, necessidade de internamento em unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal, necessidade de suporte ventilatório, além da maior incidência de mortalidade perinatal materna e fetal13. Os desapontadores resultados do "Estudo Colaborativo de Baixas Doses de Aspirina na Gestação" enfatizaram a necessidade de um sensível e factível teste para a predição da pré-eclâmpsia. Várias pesquisas foram realizadas nesse sentido. Entretanto, os dados mostram tendência na busca de um marcador único14.

No presente trabalho, a presença de complicações da gestação foi relacionada com a realização de partos em idade gestacional mais precoce em relação às gestações normais, maior incidência de partos cesárea e menor peso dos recém-nascidos.

Mais de cem testes já foram avaliados para a predição de complicações relacionadas à má adaptação placentária, entre elas, principalmente, a pré-eclâmpsia, sem ainda ter sido descrito o teste preditivo ideal15. No presente estudo, avaliamos dois testes bioquímicos, pesquisando as alterações sistêmicas que ocorrem nas complicações relacionadas à má adaptação placentária por meio da dosagem do ANP e do NO. Dessa forma, procurou-se testar simultaneamente vários mecanismos relacionados principalmente à pré-eclâmpsia e, de forma indireta, a outras complicações relacionadas à má adaptação placentária, como a restrição do crescimento intra-uterino, o PPT, a presença de mecônio no líquido amniótico no momento do parto e o sofrimento fetal.

O ANP parece ter um interessante papel como marcador preditivo da pré-eclâmpsia e de outras doenças relacionadas, pois sua secreção pode responder a mudanças hemodinâmicas que possivelmente precedem o aparecimento clínico da doença1. Com o uso da ultrasonografia foi possível notar aumento nas dimensões do átrio esquerdo e freqüente ocorrência de efusão pericárdica em mulheres com pré-eclâmpsia e que apresentavam elevados níveis séricos de ANP no terceiro trimestre da gestação e no puerpério inicial, sugerindo que a préeclâmpsia aumenta a pressão intra-cardíaca, estimulando a secreção do ANP16. Aumento dos níveis plasmáticos do ANP, em estágios precoces da gestação, podem estar associados a desordens endoteliais. Tal fato pode estar relacionado com a endotelina-1, capaz de estimular a produção do ANP17. Essas mudanças podem surgir antes das manifestações clínicas da pré-eclâmpsia.

Para determinar a função do ANP na elevação da PA em gestantes complicadas pela pré-eclâmpsia, autores realizaram um estudo transversal caso-controle com 25 gestantes normotensas e 61 com pré-eclâmpsia. Observaram uma correlação positiva entre as concentrações plasmáticas do ANP e os elevados níveis pressóricos na pré-eclâmpsia5.

A introdução da dosagem do peptídeo N-terminal do ANP como um teste preditivo para a pré-eclâmpsia deve-se à observação de que níveis elevados dessa forma estavam, em trabalho realizado, melhor associados com a gravidade da doença hipertensiva que o ANP18. Entretanto, no estudo realizado entre 15-19 semanas de gestação, os valores do peptídeo N-terminal do ANP foram similares nas mulheres hipertensas ou com préeclâmpsia quando comparados com as controles normotensas. Os autores concluíram que a determinação do peptídeo N-terminal do ANP não é preditivo na detecção de manifestações clínicas da pré-eclâmpsia.

Os dados da presente casuística não mostraram diferença significativa na concentração sérica do ANP, considerando o grupo que apresentou complicações gestacionais e/ou perinatais e o grupo controle. Com a curva ROC, procurou-se estabelecer o melhor ponto de corte para a predição de complicações, sendo estabelecido o valor de 226,2 pg/mL, com sensibilidade de 25% e especificidade de 100%. Utilizando como ponto de corte para anormalidade valores superiores ao percentil 95 (272,7 pg/mL), a sensibilidade do ANP para predição de complicações foi de apenas 16,7%, com especificidade de 97%.

Alguns trabalhos demonstraram que, na placenta humana, a atividade da NO sintase é significativamente reduzida na pré-eclâmpsia19. Vale ainda ressaltar que os níveis séricos de nitrato/nitrito em mulheres com pré-eclâmpsia são inferiores aos observados nos controles normais20. Entretanto, aumento21 e manutenção22 dos níveis de nitrato/nitrito foi relatado em gestantes com pré-eclâmpsia, quando comparadas com gestantes normais. Alguns autores acreditam que o aumento da produção endotelial do NO, durante a gestação, é primariamente responsável pela resposta ao dano vascular causado por potentes vasoconstritores23. Falhas na liberação do NO foram observadas in vitro, em vasos em que a hipertensão foi espontânea ou induzida, em modelos animais24. Algumas pesquisas observaram uma diminuição na média da pressão sistólica e diastólica após a infusão de nitroglicerina em gestantes com pré eclâmpsia grave25. Outros, no entanto, não notaram mudanças signifi cativas na freqüência cardíaca ou na PA sistêmica, depois do uso endovenoso de gliceriltrinitrato entre 24-26 semanas de gestação26.

Considera-se ainda a importância dos níveis de NO, já que alguns estudos demonstraram que a diminuição na produção do NO pode ter papel na fisiopatologia da pré-eclâmpsia27. Para testar esses achados, dosaram o nitrato sérico em 20 mulheres que apresentavam pré-eclâmpsia, 20 gestantes saudáveis e 12 mulheres não grávidas em idade reprodutiva. A concentração de nitrato estava signifi cativamente mais elevada nas pacientes com pré-eclâmpsia, comparadas às gestantes saudáveis e às mulheres não-grávidas. Esses resultados não sustentam a hipótese de que uma redução na produção endotelial do NO tenha importância na fisiopatologia da pré-eclâmpsia, ao contrário, os níveis de nitrato sérico aumentados podem refl etir aumento na produção do NO ou redução da sua eliminação renal como resposta à doença21.

O papel do NO sérico materno na predição de complicações da gestação, ainda na sua primeira metade, não foi testado. Tal fato estimulou sua investigação como um provável preditor nessa pesquisa. No presente estudo, não foi evidenciada diferença signifi cativa na concentração sérica do NO, entre o grupo que apresentou complicações gestacionais e/ou perinatais e o grupo controle. Pela curva ROC, procurou-se estabelecer o melhor ponto de corte para a predição de complicações, sendo estabelecido o valor de 13,7 µmol/l, com sensibilidade de 33,3% e especifi cidade de 87,9%. Utilizando como ponto de corte para anormalidade valores acima do percentil 95 (18,9 µmol/L), a sensibilidade do NO na predição de complicações foi de apenas 16,7%, com especificidade de 93,9%.

O pequeno número amostral pode ser apontado como a principal limitação do nosso estudo, fato que pode ter contribuído para não termos encontrado diferença signifi cativa nos marcadores séricos quando comparamos as gestações complicadas com as de curso normal. Outros trabalhos com maior casuística devem ser realizados para testar o real papel desses marcadores na predição de complicações da gestação.

Com esses resultados, é possível concluir que o ANP e o NO não foram bons preditores de complicações da gestação na nossa casuística. Devido ao interessante mecanismo fi siológico dessas duas substâncias, novos estudos com amostras maiores devem ser realizados para avaliar seus papéis como preditores de complicações da gestação, principalmente da pré-eclâmpsia.

Recebido 23/10/2006

Aceito com modificações 12/01/2007

Trabalho realizado no Ambulatório de Pré-Natal do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2007
    • Data do Fascículo
      Jan 2007

    Histórico

    • Recebido
      23 Out 2006
    • Aceito
      12 Jan 2007
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