Considerações sobre o Acervo de Pintura Portuguesa da Pinacoteca da Escola Nacional de Belas Artes

Arthur Valle

VALLE, Arthur. Considerações sobre o Acervo de Pintura Portuguesa da Pinacoteca da Escola Nacional de Belas Artes. 19&20, Rio de Janeiro, v. VII, n. 1, jan./mar. 2012. https://www.doi.org/10.52913/19e20.VII1.05

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1.      O presente texto apresenta os resultados iniciais de uma investigação sobre os processos de intercâmbio cultural entre Brasil e Portugal, postos em ação em finais do século XIX e início do XX.[1] Mais precisamente, o meu objeto de estudo aqui é um conjunto de pinturas de artistas portugueses, adquirido para compor o acervo de Pinacoteca da Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (ENBA). Constituído durante as décadas imediatamente posteriores à proclamação da República no Brasil, em 1889, nesse conjunto se encontram representados alguns dos mais significativos nomes da pintura portuguesa de fins do Oitocentos e início do Novecentos, a saber: Adolfo Cesar de Medeiros Greno, Alfredo Roque Gameiro, Antonio Carvalho da Silva Porto, Carlos Reis, Columbano Bordallo Pinheiro, Ernesto Augusto Ferreira Condeixa, Helena Roque Gameiro, José Julio de Souza Pinto, José Velloso Salgado, José Vital Branco Malhoa, Manoel Henrique Pinto, Rafael Bordallo Pinheiro, entre outros.

2.      Juntamente com grande parte das demais coleções da ENBA, as pinturas portuguesas que discutirei foram transferidas, em 1937, para o então fundado Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (MNBA). No contexto dessa última instituição, o acervo foi analisado por pesquisadoras como Ecyla Castanheira Brandão[2] e Zuzana Paternostro[3] e informações adicionais a seu respeito podem ser obtidas em obras monográficas sobre os artistas portugueses que compunham a Pinacoteca da ENBA, como é o caso, muito especialmente, de José Malhoa.[4] Não obstante, julgo que diversos tópicos relacionados à constituição, ao significado e às funções desse acervo merecem um ulterior aprofundamento, e. g.: Quais foram as razões que levaram os responsáveis pela ENBA a constituir uma coleção de pinturas portuguesas de fins do século XIX e início do XX? Precisamente por que vias essas pinturas foram adquiridas? Que critérios foram empregados na seleção das obras e em que medida estas podem ser julgadas representativas da produção de seus autores? Existem relações entre as características (formais e iconográficas) dessas pinturas portuguesas e as orientações pedagógicas implantadas na ENBA, após a proclamação da República? Em caso positivo, quais?

3.      A título de preâmbulo, cabem algumas palavras a respeito do meu interesse por um fenômeno relacionado aos intercâmbios culturais entre Brasil e Portugal. Em boa parte da historiografia da arte brasileira, a imediata conjuntura pós-colonial foi encarada como sinônimo de ruptura - mais ou menos radical - com a matriz cultural portuguesa. Prova disso é que a maioria das obras de síntese sobre a história da arte brasileira literalmente inicia um novo capítulo com as consequências da instalação no Rio de Janeiro, em 1808, da Corte Portuguesa - muito especificamente, com a chegada, em 1816, da colônia de artistas e artífices alcunhada “Missão Artística Francesa”.[5] Todavia, ainda que se aceite tal periodização e que se compreenda a ausência de estudos sobre os intercâmbios culturais entre Brasil e Portugal no período imediatamente posterior à independência política do Brasil, quando modelos emanados diretamente de países como a Itália e a França teriam vindo “substituir” aqueles anteriormente fornecidos pela antiga metrópole, tal ausência não se justifica à medida que nos aproximamos do período republicano, quando os vínculos entre as artes brasileira e portuguesa voltaram a se intensificar.

4.      Além disso, devido especialmente à circulação de artistas portugueses por cidades como o Rio de Janeiro e a São Paulo do período, tal fenômeno teria adquirido uma intensidade sui generis no painel das relações do Brasil com os países europeus, se configurando, eminentemente, como uma via de “mão-dupla”, que o uso do termo intercâmbio busca aqui evocar. Parece-me, portanto, que o estudo dos intercâmbios culturais Brasil-Portugal no período republicano pode adquirir uma importância mais geral, pois se constituiria como locus privilegiado para uma tomada de consciência não só das maneiras pelas quais os modelos europeus eram recalibrados pelos valores do(s) campo(s) artístico(s) brasileiro(s), como, igualmente, de que modos as práticas de mecenato locais podiam exercer influência sobre a produção de artistas europeus.

5.      É sabido que, desde as décadas finais do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro representava, para os artistas portugueses, um mercado em expansão. O momento coincide com um significativo aumento no fluxo migratório português para o Brasil, como deixam entrever dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.[6] No ápice desse fluxo, entre 1901 e 1930, uma média superior a 25 mil imigrantes portugueses aportava no Brasil por ano, por razões diversas,[7] e, ao menos até a Primeira Guerra Mundial, o destino final da maioria destes era o Rio de Janeiro.[8] Uma parcela da colônia portuguesa instalada na cidade apoiou, então, a arte produzida por seus patrícios, formando suas coleções na esteira da saudade das paisagens e costumes de seu país natal. Com sintetizou Raquel Henriques da Silva a esse respeito:

6.                                    Entre os milhares de emigrantes que aí [no Brasil] procuravam um destino mais promissor, os bem sucedidos apoiaram, com dinheiro e entusiasmo, a possibilidade de um mercado de arte em Portugal. Como toda a burguesia nacional, eles identificavam-se com aquela pintura que, afetivamente, lhes recordava as belezas de um pobre país rural, através das especificidades da paisagem, do casticismo dos costumes ou dos retratos urbanos.[9]

7.      Se, portanto, em fins do Oitocentos e início do Novecentos, o interesse dos artistas portugueses pelo mercado do Rio é bem compreensível, menos óbvio, à primeira vista, é um interesse no sentido inverso, ou seja, aquele manifestado por agentes e instituições cariocas pela arte dos portugueses. É o caso da ENBA, que não possuía qualquer filiação oficial com a colônia lusitana, mas que foi, não obstante, uma importante promotora da pintura dos portugueses no Rio de Janeiro, a ponto de constituir, para sua Pinacoteca, aquele que é, possivelmente, o mais significativo acervo de pinturas de artistas portugueses de fins do século XIX e início do XX, localizado no Brasil.

8.      Como adiantei, essa tendência é perceptível especialmente nas primeiras décadas após a proclamação da República no Brasil. Não por acaso, em novembro de 1890, uma ampla reforma efetivou-se na ENBA: foi justamente então que a antiga “Academia” foi renomeada como “Escola Nacional”, e que se renovou, de maneira fundamental, a sua orientação pedagógica e o seu quadro de professores.[10] A partir da chamada “Reforma de 1890”, os responsáveis pela ENBA, sob a direção de Rodolpho Bernardelli, implementaram, entre outras ações, um esforço visando à ampliação e renovação das coleções didáticas da instituição. Nesse contexto, se insere aquilo que Zuzana Paternostro definiu como uma “política visando ao preenchimento das lacunas referentes à coleção de pintura portuguesa, no que tange aos mestres em plena atividade naquele tempo.”[11] A seguir, eu gostaria de enumerar os dados que consegui até o momento reunir a respeito dessa suposta “política”.

9.      Começo com um indício que julgo representativo: no catálogo da Exposição Geral de Belas Artes de 1890 - certame que abriu suas portas cerca de sete meses antes da oficialização da reforma da ENBA -, e que enumerava “os quadros das galerias de exposição permanente que podem ser vistos pelo público,”[12] virtualmente não existe qualquer referência a quadros de artistas portugueses “modernos”[13]. É somente quando da realização da primeira Exposição Geral oficialmente organizada pela ENBA, em 1894, que parece se verificar a aquisição de uma primeira pintura portuguesa contemporânea, para compor o acervo da Pinacoteca da instituição. Tratava-se, então, de Le rendez-vous, de Souza Pinto [Figura 1], destaque entre os 5 envios do português[14], que, na Exposição Geral de 1894, recebeu a 2ª medalha de ouro.[15] Souza Pinto fora, na verdade, convidado a participar do certame, como revela uma carta da legação brasileira em Paris ao então vice-diretor da ENBA, Rodolpho Amoêdo, datada de 2 de agosto de 1894, que informava sobre o embarque dos quadros do “laureado artista português”, no vapor “CAMPANA” (Chargeurs Réunis), para envio ao Brasil.[16] Sabemos, ainda, que Le rendez-vous figurou no Salon da Société des artistes français de 1894: a obra teria merecido, então, certo destaque, como indicam a sua reprodução em um catálogo ilustrado do Salon de 1894,[17a] retomada, em maio de 1895, na capa do periódico francês La Famille.[17b] Considerando o convite a Souza Pinto e o relativo prestígio de Le rendez-vous na França, é presumível que, antes mesmo da obra chegar ao Rio, já houvesse um interesse na sua aquisição para compor a Pinacoteca da ENBA. Uma indicação expressa para tanto, feita por uma comissão de professores da Escola, consta em relatório do Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores, datado de abril de 1895.[18]

10.    Segundo Paternostro, dois “esboços para painéis de azulejo (Um acordo e O rompimento), com nítida conotação sarcástica”, de autoria de Rafael Bordallo [Figura 2], “foram doados à Pinacoteca da Escola pelo colecionador Cunha Porto em 1902.”[19] Todavia, ainda em 1902, um informe de Rodolpho Bernardelli, reproduzido no relatório do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, afirmava o seguinte:

11.                                  Em virtude da autorização legislativa que ao Ministério da Fazenda concedia, por encontro de contas com o Banco da República, uma verba destinada à compra de obras d’arte para a Escola Nacional de Belas Artes, o então Ministro da Fazenda Dr. Joaquim Murtinho[20a] resolveu nomear uma comissão composta do diretor desta Escola, do professor Rodolpho Amoêdo e do Sr. Carlos Américo dos Santos, jornalista, para que dessem parecer sobre o merecimento das obras d'arte que por ventura fossem propostas ao Governo.

12.                                  A essa comissão eram enviadas todas as propostas feitas ao Governo, sendo, logo após e depois de acurado e detido exame, devolvidas ao Ministério da Fazenda com o parecer da respectiva comissão, fazendo-se todas as aquisições de acordo.[20b]

13.    O relatório informava que haviam sido adquiridas - e não recebidas por doação - peças da “importantíssima e numerosa” coleção Cunha Porto, entre as quais constariam quadros a óleo, aquarelas, desenhos e pastéis de “autores portugueses” não descriminados.[21] O mesmo relatório era bem mais preciso com relação a uma outra aquisição, dessa feita de 11 quadros, junto ao “Sr. Guilherme da Rosa, representante de artistas portugueses.”[22] Reproduzo abaixo um fac-símile da lista de obras que figura no documento:

Tabela 1. Lista de Quadros de Artistas Portugueses adquiridos para a Pinacoteca da ENBA em 1902.

Fonte: RELATORIO apresentado ao Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. J. J. Seabra Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores em abril de 1903. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1903, p. 225

14.    Cotejando tal lista com os dados disponíveis no acervo do MNBA, é possível não só identificar a maioria das pinturas, como também verificar que existe, a partir da quinta linha, um erro na correspondência entre os títulos das obras e os nomes de seus respectivos autores. Assim teriam sido adquiridos, na verdade: 4 quadros de Columbano Bordallo, A Luva Branca [Figura 3], A Locandeira [Figura 4], Madona e Soldado; 1 de Velloso Salgado, Azinhaga em Benfica [Figura 5]; 1 de Ernesto Condeixa, Um Homem do Mar [Figura 6]; 1 de Carlos Reis, Os Amores do Moleiro [Figura 7]; 1 de Manoel Henrique Pinto, A Saída do Rebanho [Figura 8]; e, por fim, 3 obras, de dimensões modestas mas fina fatura, de José Malhoa - A Sesta [Figura 9], A Corar a Roupa [Figura 10] e Gozando os Rendimentos [Figura 11].

15.    Uma importante obra do mesmo Malhoa, a segunda versão de Cócegas [Figura 12] - que figurara, com o título Chatouillant, no Salon da Société des artistes français de 1905[23] -, foi comprada após uma grande mostra individual que o artista realizou, em julho de 1906, no Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro.[24] Resenhando a Exposição Geral de 1906, que abriu suas portas menos de dois meses após o encerramento dessa importante individual de Malhoa, o articulista anônimo do Jornal do Commercio assim destacava Cócegas, que lá voltava a figurar: “Na Exposição atual, o quadro que ocupa o lugar de honra e mais saliência tem, é essa esplêndida paisagem de Malhôa, denominada As Cócegas, que o Governo em boa hora adquiriu para a nossa pinacoteca.”[25] Embora a aquisição de Cócegas pelo Governo brasileiro tenha sido reiterada em outras resenhas sobre a Exposição Geral de 1906,[26] Nuno Saldanha, em pesquisa recentemente publicada, apresentou evidências de que a compra, na verdade, teria se arrastado por longos meses, só se concluindo em maio de 1907.[27]

16.    Em 1909, segundo Paternostro, a ENBA teria adquirido uma primeira obra de Silva Porto, Na Cisterna [Figura 13], “exposta em 1891 na 1ª Exposição do Grêmio Artístico de Lisboa, com o título O Poço velho (Odivelas).[28] Essa afirmação é em parte corroborada por um documento datilografado, pertencente ao Museu Dom João VI/EBA/UFRJ, que apresenta uma “Seleção dos quadros e mais objetos de arte, adquiridos pela verba de ‘Aquisição de obras de arte’”, e que assinala a compra, em 1909, pelo valor de 1:500$000, de um quadro a óleo (não nomeado) de Silva Porto.[29] Esse mesmo documento, além de confirmar a aquisição de Le rendez-vous, em 1894, pelo valor de 3:000$000, acusa as compras de um segundo quadro a óleo (não nomeado) de Souza Pinto, em 1912, pelo valor de 2:000$000, bem como de uma obra de João Vaz, intitulada Entardecer, em 1913, pelo valor de 1:100$000.[30]

17.    A aquisição da grande maioria das obras até aqui elencadas[31] é confirmada no Catálogo Geral das Galerias de Pintura e de Esculptura da ENBA, editado em 1923 [Figura 14]. Uma transformação significativa na configuração da Pinacoteca da instituição pode então ser comprovada, se comparamos esse novo documento com o acima referido catálogo da Exposição Geral de 1890: enquanto neste último os artistas portugueses “modernos” estavam ausentes, o catálogo de 1923 enumera nada menos do que 16 obras portuguesas. São elas: Os amores do moleiro (n. 143), de Carlos Reis; A luva branca (n. 180), A locandeira (n. 181) e O soldado (n. 182), de Columbano; Um homem do mar (n. 186), de Condeixa; Assembleia, flores (aquarela, n. 253), de Helena Roque Gameiro; Praia de Adraga (aquarela, n. 254) [Figura 15], de Alfredo Roque Gameiro;[32] Cócegas (n. 334), A corar roupa (n. 335), Gozando os rendimentos (n. 336) e A sesta (n. 337), de Malhoa; Saída do Rebanho (n. 435), de Manoel Henrique Pinto; Na cisterna (n. 498) de Silva Porto; Sob a verdura (n. 507) [Figura 16][33] e Le rendez-vous (n. 508), de Souza Pinto; Azinhaga em Benfica (n. 564), de Velloso Salgado.

18.    Além disso, julgo digno de nota o fato de que, no catálogo de 1923, A luva branca, A sesta e Le rendez-vous se encontrem reproduzidas [Figura 17a, Figura 17b e Figura 17c], o que parece um indício da importância atribuída ao acervo de pintura portuguesa, no contexto mais amplo das coleções da ENBA. Analogamente, cerca de dois anos antes, uma foto da Pinacoteca publicada no periódico carioca Illustração Brasileira, destacava o então diretor João Baptista da Costa em frente às Cócegas de Malhoa, quadro que se exibia, assim, como uma espécie de emblema de toda coleção [Figura 18].

19.    Depois de 1923 e antes do fim da 1ª República brasileira, ao menos mais um importante acréscimo ao acervo de pinturas portuguesas da Pinacoteca da ENBA merece ser destacado. Ele se relaciona a uma doação feita, em 1926, de trinta e sete pinturas pertencentes à coleção de Luís Fernandes[34], na qual a presença de pintores lusitanos de fins do XIX-início do XX era muito significativa. Entre os quadros de portugueses então doadas a ENBA[35] estariam: Retrato de Josefa Garcia Greno [Figura 19], de Adolfo Greno; Mulher com Luneta [Figura 20], de Columbano; e Um compasso difícil (Lição de violino) [Figura 21], de Malhoa. Atribuídas a Silva Porto, além de cinco pequenas “manchas “ de paisagem - gênero pelo qual o artista é hoje mais lembrado -, a doação Luís Fernandes continha duas obras centradas na figura humana, Cabeça de Menina [Figura 22] e Mulher montada sobre um burrinho [Figura 23] - ao que parece, um estudo para uma composição de dimensões consideráveis, chamada A Volta do Mercado [Figura 24], atualmente no Museu do Chiado, em Lisboa.

20.    Por seu caráter fragmentário, os dados acima elencados demandam o aprofundamento das pesquisas. Duas considerações podem, todavia, ser adiantadas, a partir do que até aqui foi exposto. A primeira é a de que o processo de constituição do acervo de pintura portuguesa da Pinacoteca da ENBA foi marcado por contingências e pela confluência de mecanismos de aquisição heterogêneos: ao lado da compra de obras pertencentes a uma coleção particular, propostas ao Governo por um representante de artistas ou exibidas em mostras realizadas no Rio, encontramos um significativo montante de doações de ao menos um colecionador. Esse caráter contingente da formação do acervo possivelmente está relacionado às limitações orçamentárias que a ENBA conheceu durante boa parte do período aqui percorrido, que praticamente impediam o desenvolvimento de qualquer “política” deliberada de aquisições.

21.    A segunda consideração é a de que, não obstante o afirmado no parágrafo anterior, uma certa sistemática pode ser percebida no processo. Não só o arco de tempo traçado evidencia a sustentação do que parece ser um verdadeiro interesse pela pintura portuguesa, em especial durante a longa administração de Rodolpho Bernardelli, que se estendeu de 1890 a 1915,[36] como, sobretudo, as obras possuem afinidades estéticas significativas: com efeito, considerando a relativa exceção dos painéis decorativos de Rafael Bordallo, todas as outras pinturas poderiam ser agrupados sob o rótulo, corrente na historiografia portuguesa de arte, de “naturalistas”. Tendo chegando a esse ponto de minha exposição, a questão que agora coloco é a seguinte: que razões estariam por trás desse interesse? Eu distinguiria três delas, a título de hipóteses e sob todas as reservas.

22.    A primeira dessas razões diria respeito aos laços de sociabilidade estabelecidos, na Europa, muito especialmente em Paris, entre portugueses e agentes brasileiros fundamentais na implementação da “Reforma de 1890”: isso possibilitou que, na passagem para a década de 1880, jovens artistas brasileiros, em seus estágios finais de formação artística no Velho Mundo, tomassem conhecimento direto da produção de seus congêneres lusitanos. Como afirmou Luciano Migliaccio a esse respeito:

23.                                  Tal diálogo luso-brasileiro tomaria nova força em Paris, onde, na década de 1870-1880, José Julio de Sousa Pinto, Marques de Oliveira, Henrique Pousão frequentavam o ateliê de Cabanel e de Yvon nos mesmos anos que os brasileiros José Ferraz de Almeida Junior e Rodolfo Amoedo. Uma verdadeira colônia artística luso-brasileira iria se reunir em Paris na residência do paulista Eduardo Prado, amigo de Eça de Queiroz e de Ramalho Ortigão. O político brasileiro chegou a financiar, na capital francesa, a publicação de uma Revista Brasil-Portugal de que os dois escritores portugueses participaram.[37]

24.    Pousão e Amoedo teriam realmente sido amigos próximos, como deixa entrever uma troca de retratos desenhados entre ambos, apresentada recentemente por Carlos Silveira.[38] Além disso, a partir de 1882, em Roma, em ambientes de formação e sociabilidade artísticas como o Circolo Artistico Internazionale, Pousão teria estreitado laços de amizade com dois outros brasileiros fundamentais para a “Reforma de 1890”, os irmãos Rodolpho e Henrique Bernardelli.

25.    A segunda suposta razão por trás da constituição do acervo de pintura portuguesa da ENBA se relacionaria à intensa e já referida circulação de artistas portugueses pelo Rio de Janeiro, a partir dos anos finais do Império: motivado pelo crescimento do mecenato local, esse fenômeno teria tornado acessível, na cidade, um grande contingente de pinturas portuguesas de qualidade. Um dos pioneiros nesse trânsito foi, sem dúvida, Rafael Bordallo, que, entre 1875 e 1879, instalou-se no Rio, atuando, primeiro, como colaborador no periódico O Mosquito e, depois, capitaneando revistas como Psit!!! e O Besouro, que, embora efêmeras, foram importantes na renovação das artes gráficas fluminenses, em fins do Segundo Reinado.[39] Na passagem para o século XX, a circulação de artistas portugueses no Rio teria se tornado ainda mais intensa. Em 1899, Rafael Bordallo retornou à cidade, dessa vez com uma exposição de suas cerâmicas artísticas: uma das mais significativas, a Jarra Beethoven, seria, inclusive, incorporada ao acervo do MNBA.[40] Em 1906, foi a vez de Malhoa realizar sua exposição no Gabinete Português de Leitura do Rio, a qual acima me referi, e que foi uma das mais expressivas mostras individuais realizadas pelo pintor, em vida. Nos anos seguintes, diversos artistas portugueses como Alfredo e Helena Roque Gameiro, Carlos e João Reis, Antonio Carneiro, entre outros, promoveriam exposições na então Capital Federal. A passagem de portugueses pela cidade se encontra bem documentada em uma série de resenhas intitulada Artistas Portugueses no Rio de Janeiro [cf. link], que Adalberto Pinto de Mattos publicou no periódico Illustração Brasileira, entre fevereiro e novembro de 1925, e que comentei mais detalhadamente em outras oportunidades.[41]

26.    A terceira e última razão por trás da constituição do acervo da ENBA em questão - sobre a qual eu gostaria de me deter, com mais vagar - se relacionaria à eminente função pedagógica da sua Pinacoteca: levando-a em consideração, gostaria de levantar a hipótese de que a aquisição de pinturas portuguesas visaria à promoção de modelos estéticos que, ao menos nos anos posteriores a “Reforma de 1890”, eram julgados pertinentes para o desenvolvimento da arte brasileira. Como adiantei, uma análise, ainda que não exaustiva, das peças portuguesas adquiridas permite verificar que o principal desses modelos foi a tendência que, na historiografia lusitana de arte, se convencionou chamar “Naturalismo”[42] - termo que, nos últimos anos, tem sido objeto de tentativas de delimitação também por historiadores de outros países, como Gabriel Weisberg[43] ou Jorge Coli.[44]

27.    Aquilo que é hoje reconhecido como a variante portuguesa do “Naturalismo” teria se afirmado durante o quartel final do século XIX. Pintores como os referidos Silva Porto ou Marques de Oliveira são usualmente lembrados como introdutores da tendência em Portugal, mas teriam sido as ações do chamado Grupo do Leão [Figura 25] as maiores responsáveis pela sua consagração[45]. Parece-me significativo que a absoluta maioria dos artistas portugueses cujas obras figuravam no acervo da Pinacoteca da ENBA tenha participado, nos anos 1880, das Exposições de Quadros Modernos - renomeadas, a partir de 1885, Exposições de Arte Moderna -, promovidas pelo Grupo do Leão. Das oito mostras realizadas entre 1881 e 1888, Adolfo Greno participou da 6ª, 7ª e 8ª; Carlos Reis da 6ª e 7ª; Columbano Bordallo, da 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 7ª; Ernesto Condeixa da 6ª, 7ª e 8ª; José Malhoa, Manuel Henrique Pinto e Silva Porto participaram de todas; Sousa Pinto da 5ª, 7ª e 8ª; Rafael Bordallo, da 5ª; e, por fim, Velloso Salgado da 8ª.[46]

28.    Existiria, portanto, uma convergência notável entre a estética das aquisições portuguesas feitas pela ENBA e aquela, que na historiografia lusitana, hoje se identifica com o termo “Naturalismo”. Eu não poderia traçar aqui, com rigor, as fronteiras desse conceito, que, na pena dos escritores de finais do século XIX, frequentemente se confundiam com as de “Realismo” ou, até mesmo, “Impressionismo”. Referindo-se, por exemplo, à recepção da obra de Malhoa no período de 1881 a1888, Nuno Saldanha constata que: “De facto, não parece existir uma clara distinção da crítica [portuguesa] entre as correntes do Naturalismo e do Realismo.”[47] Mesmo Émile Zola, talvez “a presença dominante”[48] no que se refere ao emprego do termo “Naturalismo”, com relação às artes, não deixou de demonstrar uma certa despreocupação com a rigidez classificatória, ao afirmar, a respeito do Salon de 1880, que “o naturalismo, ou o impressionismo, ou a modernidade - podem chamá-lo como quiserem - é hoje o mestre dos Salões oficiais.”[49]

29.    Se não é meu objetivo aqui solucionar tal imprecisão categorial, creio ser possível afirmar que alguns valores evocados pelos termos “Naturalismo” e “Realismo” eram recorrentes na literatura artística portuguesa do período aqui em questão[50], bem como no meio artístico carioca no qual a “Reforma de 1890” foi concebida e posta em prática, como demonstrou Camila Dazzi, em capítulo de tese de doutorado recentemente defendida.[51] De um lado, havia a exigência de um compromisso moral com uma expressão “sincera” da “Verdade” da Natureza, vista e sentida através de temperamento individual do artista, que recordava o conhecido mote de Zola, segundo o qual “uma obra de arte é uma porção da criação vista através de um temperamento;”[52] de outro, a exigência complementar de uma negação de quaisquer preconceitos estéticos de “beleza” ou convenções “acadêmicas”, tanto na escolha de temas, quanto de tratamento pictórico.

30.    Tais exigências mantinham afinidades notáveis com os parâmetros estético-pedagógicos adotados pelos professores da ENBA, como deixam entrever as palavras de Rodolpho Bernardelli em relatório encaminhado ao Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, em maio de 1891. Ali, Bernardelli afirmava a nova orientação da Escola, em contraste com o “academismo” que, no seu entender, caracterizava o ensino na instituição, antes da “Reforma de 1890”:

31.                                  Substituindo a Academia criou-se a Escola Nacional da Belas Artes, que pôde definir todo o seu programa na repulsa com que foi condenado o título pretensioso e nefastamente sugestivo de sua antecessora. A Academia era a contemplação ritual do passado; era a veneração do cânon inviolável das convenções plásticas dos antigos, distraindo o espírito dos artistas do espetáculo ensinador da natureza, era a lição tirânica do como viam, contrapondo-se ao ensino intuitivo e natural do como vedes; era o academismo, em suma, com todas as suas modestas ambições de corrigir a cena das coisas.[53]

32.    Esse declarado “anti-academismo” e os contrapontos entre as “convenções plásticas dos antigos” e o “espetáculo ensinador da natureza”, ou entre o “como viam” e o “como vedes”, são típicos daquele complexo de valores evocado por termos como “Naturalismo” ou “Realismo” em fins do Oitocentos, no Brasil e em Portugal. Mais à frente, no mesmo relatório, lembrando um “parecer da comissão de professores [da Academia] encarregada de julgar os trabalhos de um pensionista que manifestava tendências emancipadas em arte” e que criticava esse último por sua filiação à “escola realista”, Bernardelli concluía que “a Academia era a convenção irremediavelmente revoltada contra a impressão.[54]

33.    Em boa medida, as obras dos “naturalistas” portugueses parecem afinadas com essa orientação estética, propugnada pelo então diretor da ENBA. Especialmente por sua suposta capacidade de capturar o “característico” dos aspectos naturais e dos costumes humanos, tal orientação parecia apta a atender certas demandas reiteradamente colocadas no meio artístico carioca, às voltas com a questão da constituição de identidades visuais regionais e nacionais, cuja solução usualmente resvalava no registro de paisagens locais e de modos de vida tradicionais. Nesse sentido, vide, já no início da República, o exemplo de artistas atuantes ou de grande penetração no Rio de Janeiro, como Almeida Júnior, Modesto Brocos y Gomez ou Pedro Weingärtner.

34.    À guisa de considerações finais, gostaria de recordar que este artigo representa parte de uma pesquisa que se encontra ainda em andamento. Ele está sujeito, portanto, às insuficiências características de trabalhos do gênero, como a falta de conclusões mais definidas e a abertura de problemas conexos. Seria importante precisar, por exemplo, as relações estabelecidas com a ENBA por alguns agentes cujos nomes surgem na documentação consultada, como o “representante de artistas portugueses” Guilherme da Rosa ou o colecionador Luís Fernandes; seria igualmente importante enquadrar as aquisições de pinturas portuguesas da ENBA no contexto mais amplo das aquisições, feitas no mesmo período, de obras de outras “escolas” europeias, como a espanhola e a italiana. Creio, por fim, que o entendimento dos intercâmbios culturais Brasil-Portugal no período do República, lembrados no presente trabalho, exige não só o aprofundamento das pesquisas, mas, idealmente, um esforço coletivo de investigação, que congregue historiadores da arte brasileiros e portugueses em torno desse tema complexo e ainda pouco explorado.


[1] A investigação está vinculada à Linha de Pesquisa Estudos sobre Teoria e Literatura da Arte, do Departamento de Artes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (DArtes/UFRRJ), e conta com a participação de licenciandos dessa instituição, alguns vinculados ao Programa de Licenciatura Internacionais CAPES/Universidade de Coimbra.

[2] Pintura Portuguesa: Acervo do MNBA. 2. Ed. rev. e aum. Apres. Alcidio Mafra de Souza. Texto de Ecyla Castanheira Brandão. Rio de Janeiro, 1990.

[3] PATERNOSTRO, Zuzana. A pintura portuguesa no Museu Nacional de Belas Artes: O Início da Coleção. In: O Grupo do Leão e o Naturalismo português. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1996, p. 23-25 (Catálogo de exposição).

[4] Por exemplo: HENRIQUES, Paulo. José Malhoa. Lisboa: Edições INAPA, 1996 (Catálogo de exposição); AMAR O OUTRO MAR. A pintura de MALHOA. Texto Lucila Verdelho da Costa e Ecyla Castanheira Brandão. Lisboa: GRCI, 2003 (Catálogo de exposição); MIGLIACCIO, Luciano. Malhoa e o Brasil. In: José Malhoa. ARTing Editores, 2008, n/p; SALDANHA, Nuno. José Malhoa. Tradição e Modernidade. Scribe, 2010.

[5] Uma lista não-exaustiva incluiria: Os Componentes do Século XIX. In: BARDI, P. M. História da arte brasileira: pintura, escultura, arquitetura, outras artes. 2a. Edição. São Paulo: Melhoramentos, 1976, p. 136 sg.; Século XIX A Missão Artística Francesa. In: Arte no Brasil. São Paulo: Abril Cultural, 1979, v. 1, p. 442 sg; PEREIRA, Sonia Gomes. A arte no Brasil no século XIX e início do XX. In: OLIVEIRA, Myrian A. R. de. História da arte no Brasil: textos de síntese. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008. p. 59 sg.

[6] Presença portuguesa: de colonizadores a imigrantes. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/brasil500/portugueses.html> Acesso em: 1 mar. 2012.

[7] Em capítulo de livro dedicado ao tema, Eulália M. L. Lobo enumerou os fatores que condicionaram esse fluxo, durante a 1ª. República brasileira, tais como: a crise social ocasionada por más colheitas e pela concentração fundiária em Portugal e o deslanche do desenvolvimento capitalista da economia brasileira pós-Abolição (LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. A ASCENSÃO DO MOVIMENTO EMIGRATÓRIO PORTUGUÊS. PARA O BRASIL, A PARTIR DE 1888 AO DECLÍNIO EM 1930. In: ____. Imigração Portuguesa no Brasil. São Paulo: Editora Hucitec, 2001).

[8] Os principais atrativos do Rio de Janeiro para os portugueses diziam respeito a sua ampla oferta de empregos, frequentemente junto a empresas pertencentes a compatriotas ou seus descendentes, assim como aos salários que aí eram pagos, na época superiores aos de Portugal e de outras regiões brasileiras.

[9] SILVA, Raquel Henriques da. Invocação do Grupo do Leão e do naturalismo português. In: O Grupo do Leão e o Naturalismo português, op. cit, p. 31.

[10] DAZZI, Camila. “Por em prática e Reforma da antiga Academia”: a concepção e a implementação da reforma que instituiu a Escola Nacional de Belas Artes em 1890. Rio de Janeiro, 2011. Tese (Doutorado em História da Arte) - PPGAV/UFRJ.

[11] PATERNOSTRO, op. cit., p.24.

[12] Catalogo da Exposição Geral de Bellas-Artes. Rio de Janeiro: Typographia de J. Villeneuve & C., 1890, n/p. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/catalogos/1890_egba.pdf>. Acesso em: 1 mar. 2012.

[13] No Catálogo da Exposição Geral de 1890, o termo “moderno” se define, sobretudo, em oposição à “antigo”, e designa os artistas ainda em atividade ou recentemente falecidos.

[14] Além de Le rendez-vous, que figurou no catálogo com o n. 159, Souza Pinto expunha: À beira mar (costume da Póvoa de Varzim) (n. 160); Animais (Estudo) (n. 161); Arredores de Paris (n. 162) e Père Mathieu (n. 207). Cf. CATALOGO da Exposição Geral de Bellas Artes. Inaugurada em 1º. de Outubro de 1894. Rio de Janeiro: Companhia Industrial de Papelaria, p. 15 e 18.

[15] PRÊMIOS DO SALON. Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 31 out. 1894, p. 1. [cf. link]

[16] Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 6129 - Correspondências Recebidas 1894, p. 93.

[17a] CATALOGUE illustré de peinture et sculpture - Salon de 1894. Paris: Librairie d’Art, p. 24.

[17b] La Famille, N. 815, 19 mai. 1895. Reproduzido em preto e branco, Le rendez-vous aparece sob o título alternativo Retour de la messe. Disponível em: <http://www.journaux-collection.com/fiche.php?id=636193> Acesso em: 1 mar. 2012.

[18] “A comissão, composta dos professores Rodolpho Amoedo, Henrique Bernardelli, Pedro Weingartner e Modesto Brocos y Gomez, nomeada para escolher as obras d’arte que merecessem ser adquiridas para as coleções da Escola, reuniu-se no salão no dia 7 de novembro e escolheu as que vão em seguida mencionadas: O rendez-vous, de J. J. de Souza Pinto [...]”. RELATORIO apresentado ao Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. Antonio Gonçalves Ferreira Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores em abril de 1895. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1895, Anexo P, p. 13 (A grafia desta e de todas as outras citações de época foi atualizada).

[19] PATERNOSTRO, op. cit., p. 24.

[20a] Joaquim Duarte Murtinho foi Ministro da Fazenda do Governo Campos Sales, entre 1889 e 1902. Com relação ao importante montante de aquisições feitas em 1902, Paternostro destacou o papel de Rodolpho Bernardelli: “Essa aquisição, sem dúvida, foi o mérito de Rodolfo Bernardelli a favor do acervo da Escola Nacional de Belas Artes” (Idem, ibidem). Mais recentemente, Hilda Machado frisou, em contraste, a iniciativa do próprio Murtinho: “Segundo Filinto de Almeida, republicano e vizinho de Murtinho, o ministro mecenas fez mais do que o Império, que comprou apenas o gênero histórico […] Em 1902, o ministro das finanças Joaquim Murtinho, enquanto levava com a sua política liberal o Banco do Brasil à falência, institui um novo mecenato público, ao bancar uma política de aquisições para a ENBA”. MACHADO, Hilda. Laurinda Santos Lobo: mecenas, artistas e outros marginais em Santa Teresa. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002, p. 159.

[20b] RELATORIO apresentado ao Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. J. J. Seabra Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores em abril de 1903. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1903, p. 225.

[21] Idem, p. 226.

[22] Idem, p. 225. Esses 11 quadros figuraram n'Exposição de Arte Portuguesa, organizada por Rosa no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. A mostra foi inaugurada a 17 de julho e, além de “103 telas” de diversos e renomados pintores, contava com “as faianças de Raphael Bordallo Pinheiro, sempre belas e originais, os trabalhos em prata rebaixada, oxidada ou dourada, alguns projetos arquitetônicos e alguns espécimes de arte aplicada aos trabalhos domésticos” (Arte Portuguesa. Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 18 jul. 1902, p.1).

[23] SOCIETÉ des Artistes Français. Catalogue illustré du Salon de 1905. Paris: Bibliothèque des Annales, n/p.

[24] Por ocasião dessa mostra, o escritor Ramalho Ortigão destacou as já referidas possibilidades oferecidas pelo mercado brasileiro como um fator positivo para aumentar a presença cultural portuguesa no Brasil e as relações comerciais entre os dois países: “Determinar fazer uma exposição de arte no Rio-de-Janeiro, levando os seus quadros ao mercado brasileiro”, afirmou Ortigão, era, por parte de Malhoa, um “auspicioso indício de sábia orientação”. ORTIGÃO, Ramalho. A Pintura de Malhoa (1906). In: ____. Arte Portuguesa. Tomo II. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1943, p. 238.

[25] NOTAS DE ARTE. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 1 set. 1906, p. 3. [cf. link] Além de Cócegas (n. 109), figuravam na Exposição Geral de 1906 mais cinco obras de Malhoa: Cebolas (n. 108), Compra do voto (n. 110), 7º. Não furtar... as uvas do Senhor cura (n. 111), Sardinhas (n. 112) e Soalheiro (n. 113) (cf. LEVY, Carlos Roberto Maciel. Exposições Gerais da Academia Imperial e da Escola Nacional de Belas Artes. Período Republicano Catálogo de artistas e obras entre 1890 e 1933. Rio de Janeiro: Publicação ArteData, 2003, p. 235).

[26] Cf., por exemplo, A EXPOSIÇÃO. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 2 set. 1906, p.5 [cf. link]; AMADOR, Bueno.  BELAS-ARTES. O SALÃO DE 1906. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 set. 1906, p.3 [cf. link].

[27] “Em Janeiro de 1907, a venda estava ainda em negociações. O seu amigo Rodolfo Bernardelli dizia que a proposta fora apresentada na Câmara e no Senado, mas que não tinha sido aprovada, tendo a verba da aquisição sido destinada à construção de uma escola de Arte. No entanto, relatando ainda que o novo ministro, Tavares Lyra, se interessara pelo caso, dava assim algumas esperanças ao pintor, que de fato se viriam a concretizar em Maio”. SALDANHA, op. cit., p. 327.

[28] O Grupo do Leão e o Naturalismo português, op. cit, p. 38.

[29] Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ. Notação 5107, p. 2.

[30] Idem, p. 3. Sobre a obra de Vaz não encontrei, até o momento, qualquer outra referência.

[31] As exceções são os dois estudos de Rafael Bordallo, Madona de Columbano Bordallo, e Entardecer de João Vaz. [Post Scriptum, dezembro 2012: Em entrevista publicada na imprensa portuguesa, após seu retorno do Brasil, o Sr. Guilherme da Rosa declarou que ele próprio teria comprado a Madona de Columbano – fato que, se confirmado, indicaria que a referência à obra é outro erro da lista que consta no relatório de 1902. Trechos da entrevista de Rosa foram transcritos por Luis Borges da Gama e se encontram disponíveis em: <http://provocando-umateima.blogspot.com.br/2012/08/1902-o-senhor-rosa-chegou-do-brasil.html>. Acesso 1 dez. 2012]

[32] É possível que essas obras de Alfredo e Helena Roque Gameiro tenham sido incorporadas por ocasião da exposição que pai e filha fizeram, em 1920, no Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro. Cf. por exemplo, VIDA ARTISTICA. Inaugura-se amanhã a Exposição Roque Gameiro no Gabinete Português de Leitura. Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 22 ago. 1920, p. 3; MATTOS, Adalberto. Mostra de Arte. Illustração Brasileira, Rio de Janeiro, n. 2. out. 1920, n/p.

[33] Sob a verdura pode ser o quadro de Souza Pinto referido no documento citado na nota 30. A tela possui parentesco com obras de referência bretã, produzidas por Souza Pinto, a partir de meados dos anos 1890, como La Baignade (1896), Chloé Fillette (1898) ou Baigneuse (1903). Cf. SANTOS, Aida Alves de Oliveira. José Júlio de Souza Pinto na Bretanha. Porto, 2011. Dissertação (Mestre em História da Arte Portuguesa) Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Volume II Anexos.

[34]Coleccionador de objectos de arte, e presidente do Grupo dos Amigos do Museu de Arte Antiga, n. na Baía (Brasil) em 30-XI-1859 e m. em Paris a 6-II-1922. Vindo para Portugal, como seu pai, que era natural do Minho, foi educado no Colégio Britânico do padre Davidson e prosseguiu depois a sua instrução no extinto Instituto Industrial e Comercial de Lisboa. Por morte do pai, herdou uma importante fortuna, que lhe deu possibilidades de fazer uma longa viagem pela Europa, demorando-se mas velhas cidades, nos centros de arte, visitando museus e exposições, aperfeiçoando a sua educação. De regresso a Lisboa, casou, em 1885, como uma senhora portuguesa, mandando construir, na então Travessa de S. Marçal que hoje tem o sue nome, um magnífico palacete, que destinava ao seu lar. Um ano depois, a esposa faleceu de parto e Luís Fernandes, desgostoso, encerrou o palacete, cujo gradeamento exterior mandou pintar de negro, e confiou a sua guarda a uma casal de negros dedicados, retirando-se para Paris, onde se consagrou inteiramente aos seus gostos de coleccionador, principalmente de porcelanas raras, que, pouco a pouco, trazia para o seu palacete. [...] Como coleccionador a sua especial predilecção foi pelas xícaras, de que recolheu uma rara e preciosa colecção, desde as mais antigas às modemas, dos rituais de alguns sacrifícios chineses às da mundanidade contemporânea, tendo legado as suas colecções ao Museu de Arte Antiga, de Lisboa, que as tem agrupada numa sala com o sue nome; à Academia [sic] de Belas Artes do Rio-de-Janeiro e ao Instituto Geográfico e Histórico da Baía”. Verbete FERNANDES (Luís). Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa, Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, Limitada, volume XI, p. 108.

[35] Dados disponíveis no Sistema de Informação do Acervo do Museu Nacional de Belas Artes - SIMBA.

[36] Segundo Alfredo Galvão, “A 31 de dezembro de 1914, [Baptista da Costa] foi eleito pela Congregação para substituir o diretor Rodolfo Bernardelli, numa sessão presidida pelo vice-diretor, Cincinato Américo Lopes. Foi nomeado interinamente a 21 de maio de 1915 e efetivamente a 22 de outubro de 1915”. GALVÃO, Alfredo. Subsídios para a história da Academia Imperial e a da Escola Nacional de Belas Artes. Rio  de Janeiro: s. ed., 1954, p. 20.

[37] MIGLIACCIO, op. cit.

[38] SILVEIRA, Carlos. Liberto da Academia e perseguindo a luz: o percurso fulgurante de Henrique Pousão. 19&20, Rio de Janeiro, v. VI, n. 1, jan./mar. 2011. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/pousao_cs.htm>. Acesso em: 1 mar. 2012.

[39] A respeito da atuação de Rafael Bordallo na imprensa carioca, cf.: LIMA, Herman. História da caricatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1963, v. 3, p. 881-899; Rafael Bordalo Pinheiro - o português tal e qual: da caricatura à cerâmica. O caricaturista São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1996 (Catálogo de exposição); CARDOSO, Rafael. Revistas ilustradas do Segundo Reinado: Considerações sobre projeto gráfico e meio editorial. In: KNAUSS, Paulo et alli. Revistas ilustradas: modos de ler e ver no Segundo Reinado. Rio de Janeiro: Mauad X, 2011, p. 38-40.

[40] MALTA, Marize. Jarra Beethoven e a incrível história de uma imagem-problema. ArtCultura, Uberlândia, v. 12, p. 133-148, 2010.

[41] JUSTO, F.; SILVA, C. D. da; VALLE, A.. (org.) “Artistas portugueses no Rio de Janeiro”, de Adalberto Mattos. 19&20, Rio de Janeiro, v. VI, n. 2, abr./jun. 2011. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/apb_am.htm>. Acesso em: 1 mar. 2012. Junto com Camila Dazzi, discuti essa série de resenhas em: Comentários sobre artistas portugueses na revista Illustração Brasileira em 1925. Comunicação apresentada no XXXI Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte. [Com/Con] tradições na História da Arte, Campinas, 18-21 out. 2011; Comentarios sobre artistas portugueses en la revista Illustração Brasileira en 1925. Comunicação apresentada no XI Congreso «Cultura Europea», Barcelona, 27-29 out. 2011.

[42]Para o surgimento do naturalismo e do Grupo do Leão na arte portuguesa cf. FRANÇA, José-Augusto. A Arte em Portugal no século XIX. 3ª edição. Vol. 2. Lisboa: Bertrand Editora, 1990, p. 23 s.s. [...] Para um enquadramento internacional do naturalismo português, e sobretudo na análise da 'ideologia pictórica' do grupo de Silva Porto, cf. o ensaio recente de SILVA, Raquel Henriques da. Silva Porto e a pintura naturalista. LAPA, Pedro; SILVEIRA, Maria de Aires (Org.) Arte Portuguesa do Século XIX: 1850-1910. Vol. 1. Lisboa: Museu Nacional de Arte Contemporânea-Museu do Chiado/ Leya, 2010, pp. LI-LXIII”. SILVEIRA, op. cit., nota 1.

[43] Cf. WEISBERG, Gabriel. P. Beyond impressionism: the naturalist impulse. New York: H.N. Abrams, 1992; WEISBERG, Gabriel. P. [et alli]. Illusions of Reality: Naturalist Painting, Photography, Theatre and Cinema, 1875-1918. Van Gogh Museum; Ateneum Art Museum; Mercatorfonds, Brussels, 2010.

[44] COLI, Jorge. Pintura naturalista. In: ____. O corpo da liberdade: reflexões sobre a pintura do século XIX. São Paulo: Cosac Naify, 2010, p. 285-294, texto que se originou de uma resenha ao livro Work and struggle: the painter as witness, de Edward Lucie-Smith e Celestine Dars (Paddington Press, 1977).

[45] FRANÇA, José-Augusto. A Arte Portuguesa de Oitocentos. ICALP - Coleção Biblioteca Breve - Volume 28, 1992, p. 69.

[46] Cf. OLIVEIRA, A. d’. Catálogos Ilustrados. Exposições de Quadros/Arte Moderna, Lisboa, 1881 a 1888 e FRANÇA, A Arte em Portugal no Século XIX.

[47] SALDANHA, op. cit., p. 158. Essa “ambivalência classificativa” podia ser encontrada, já nos anos 1870, na pena de, por exemplo, Ramalho Ortigão, que filiava a obra de Silva Porto “no Realismo, Naturalismo e Impressionismo (As Farpas, 1876, X: 111)”. Idem, p. 169.

[48] WEISBERG, Illusions of Reality..., p.24. Em seus escritos sobre artes visuais, Zola emprega com frequência os termos naturalisme e naturaliste, que figuram, inclusive, em alguns títulos como Les naturalistes (em Mon Salon, 1868) ou Le naturalisme au Salon (1880).

[49] ZOLA, Emile. O Naturalismo no Salão. In: ____. A Batalha do Impressionismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 288 (grifos meus). O texto foi originalmente publicado em Le Voltaire, 18-22 jun. 1880. Uma versão em francês se encontra disponível em: <http://www.cahiers-naturalistes.com/Salons/18-06-80.html>. Acesso em: 1 mar. 2012.

[50] Cf., por exemplo, SALDANHA, 9. Da Verdade na Pintura. Malhoa e a Crítica, op. cit., p. 157 sg.

[51] DAZZI, 1. O MODERNO AO FINAL DO SÉCULO XIX, op. cit., p. 29 sg.

[52]Une œuvre d'art est un coin de la création vu à travers un tempérament”. Les Réalistes du Salon. In: ZOLA, Émile. Mon salon: Augmenté d'une dédicace et d'un appendice. Paris: Librairie Centrale, 1866, p. 56 (em itálico no original). O artigo foi originalmente publicado em L'Evénement, 11 mai. 1866.

[53] ANEXO H. RELATÓRIO DO DIRETOR DA ESCOLA NACIONAL DE BELAS ARTES. In: RELATÓRIO APRESENTADO AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL PELO DR. JOÃO BARBALHO UCHÔA CAVALCANTI MINISTRO DE ESTADO DOS NEGÓCIOS DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, CORREIO E TELÉGRAFOS EM MAIO DE 1891. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, p.13 (grifos em itálico no original). Esse documento se encontra disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/documentos/rm%201891.htm> Acesso em: 1 mar. 2012.

[54] Idem, p. 14 (grifos meus). As palavras de Bernardelli evocam o parecer do diretor da Academia Ernesto Gomes Moreira Maia sobre os envios de Rodolpho Amoêdo, em 1884: “Os últimos trabalhos quo enviou e que foram recebidos durante a Exposição Geral das Belas Artes, justificam o juízo que em princípio emiti sobre este pensionista. Todavia me parece que um desses trabalhos (estudo de mulher de grandeza natural), conquanto bem observado e cuidadosamente feito, não lhe teria valido a recompensa que obteve na prorogação da pensão; porque nele, arrastado pelo furor da moda e pela onda do realismo exagerado, afastou-se muito dos bons princípios da escola clássica, que não cessamos de recomendar aos nossos alunos”. ANEXO D. RELATÓRIO DO VICE-DIRECTOR DA ACADEMIA IMPERIAL DAS BELAS ARTES. In: RELATÓRIO DO ANO DE 1884 APRESENTADO À ASSEMBLÉIA GERAL LEGISLATIVA NA 1a SESSÃO DA 19a LEGISLATURA EM MAIO DE 1885. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/documentos/relatorios_ministeriais/rltr_mntr_1884anexo.htm> Acesso em: 1 mar. 2012.